Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2441/10.6TBPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
PRESTAÇÃO
CÁLCULO
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.189 OTM, 69 CRP, LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5
Sumário: 1. O montante das prestações a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores é determinado em função da capacidade económica do agregado familiar, do montante da prestação de alimentos fixada e das necessidades específicas do menor, mas não da capacidade do obrigado, como em regra sucede, pelo que poderá ser superior, igual ou inferior ao da prestação judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado.

2. Esse critério e a imposição de diligências prévias destinadas a apurar as necessidades do menor revela que o objectivo da lei é o de assegurar ao menor a prestação adequada às suas necessidades específicas.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos autos de regulação das responsabilidades parentais instaurados, no Tribunal Judicial de Pombal, por M (…) contra R (…) relativos aos menores I (…)e N (…) seus filhos, a final, efectuadas as diligências previstas na lei e realizada a audiência de discussão e julgamento[1], o Mm.º Juiz a quo decidiu[2]:

- A mãe continuará a exercer as responsabilidades parentais relativamente às questões de primordial importância para a vida dos menores (…);

- O pai poderá contactar com os seus filhos (…) sempre que queira, desde que contacte previamente a mãe destes e não prejudique os tempos de descanso e actividades formativas;

- O pai pagará a título de alimentos a quantia de € 100 por mês no dia 1 de cada mês a que disser respeito (….), quantias actualizadas, no mês de Janeiro de cada ano, em € 1; pagará ainda metade das despesas extraordinárias de saúde e escolares (…);

- Condenar o FGADM a atribuir uma prestação mensal de alimentos no valor de € 125 por cada um dos menores em substituição do requerido obrigado – cf. art.ºs 2.º, n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19.11, e 2º, n.º 2, do DL n.º 164/99, de 13.5 -, prestação social que se manterá enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão (…).

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM/doravante também designado por Fundo), notificado da sentença e com a mesma não se conformando e visando a sua revogação, interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

 1ª - A obrigação do FGADM é a de assegurar/garantir os alimentos devidos e judicialmente fixados a menores e não a de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.

2ª - O Tribunal a quo pondera e atribuiu a prestação alimentar de € 125 para cada menor a suportar pelo FGADM, valor este diferente do fixado ao progenitor em incumprimento.

3ª - A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha; a responsabilidade do FGADM é residual, uma vez que a satisfação do pagamento das prestações alimentícias incumbe, em primeira mão, aos pais e só quando tal é inviável é que intervém o Estado, assumindo tal pagamento desde que preenchidos os requisitos cumulativos exigidos por Lei.

4ª - A intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária - é a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, que a legitima; o Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta (está limitado pela prestação fixada ao progenitor do menor).

5ª - Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor, incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas - o FGADM é apenas um substituto do devedor dos alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o mesmo.

6ª - A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.

7ª - Se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas das necessidades actuais do menor - aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e sem que o credor a tenha de restituir como “indevida”.

8ª - Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor pai devedor.

A requerida e o Ministério Público responderam à alegação do recorrente pugnando pela confirmação do julgado.

Assim, aparentemente – além do mais, porquanto se antolha conveniente verificar, previamente, se a decisão em crise padece de anomalia ou vício não invocado e suprido em 1ª instância mas porventura determinante para a impugnação em apreço –, surge como questão única a de saber se o FGADM apenas deverá garantir o pagamento da prestação devida pelo progenitor ou se poderá ser condenado a pagar montante superior.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) M (…) e R (…) casaram um com o outro no dia 03.10.1988.[3]

b) E na constância desse matrimónio nasceram cinco filhos: R (…), com 24 anos de idade, F (…), com 22 anos de idade, e S (…), com 19 anos de idade, I (…) nascido a 19.8.1997, e N (…), a 12.12.1998.

c) Após um período de emigração na Alemanha, onde trabalhava na área da construção civil, o requerido regressou ao seu agregado familiar, mas a inconstância do casal fez com que a requerente abandonasse definitivamente o lar conjugal em meados de Outubro de 2008 e se fixasse com o apoio da APAV na cidade de Pombal, onde ainda hoje reside com os seus dois filhos menores.

d) Habitam um apartamento composto por 3 quartos, duas casas de banho, cozinha e sala, com condições de habitabilidade.

e) Exerce as funções de encarregada de limpeza por conta da firma D (…), Lda., auferindo um vencimento mensal de € 500, e por turnos, razão pela qual os seus filhos menores pernoitam algumas vezes em casa do irmão R (…) que reside na localidade de (...), em Pombal.

f) A requerente tem vindo a prestar cuidados satisfatórios a estes dois menores e gerido o magro orçamento familiar com ponderação, sendo havida como pessoa responsável e trabalhadora.

g) O menor I (…)frequenta o 9º ano de escolaridade e a N (…) o 8º ano de escolaridade, ambos com aproveitamento e sem dificuldades de aprendizagem ou problemas de saúde dignos de registo.

h) E têm apoio dos irmãos mais velhos que vivem no concelho de Pombal.

i) O requerido vive num quarto arrendado, numas águas furtadas, na cidade de Lisboa, com uma companheira, e vivencia um período de grandes dificuldades económicas o que o impede de vir ver os filhos, o que lamenta.

j) Não tem rede de suporte familiar.

k) É beneficiário do RSI, no valor de € 189, e efectua biscates que lhe rendem em média € 200 por mês.

l) Paga de renda € 235 por mês;

m) Vive um quadro geral depressivo e pouco activo na procura dos seus filhos, embora disponível para trabalhar no que quer que seja.

n) Sempre que o R (…) vai a Lisboa e leva os irmãos vai ao encontro do pai para que estes o vejam.

o) As necessidades de apoio multidisciplinar de que o requerido carece não o habilitam, nesta fase, ao exercício das responsabilidades parentais destes seus dois filhos menores.

p) A capitação de rendimentos do agregado familiar dos menores (€ 291,66) é inferior à retribuição mínima mensal garantida[4] e ao valor de referência do I. A. S., que é de € 419,22.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Lida a sentença, e no que concerne à questão em apreço, verifica-se que o Mm.º Juiz a quo começa por concluir que o requerido “vive abaixo de um liminar mínimo de dignidade humana, ao auferir um rendimento conjunto muito inferior ao ordenado mínimo nacional”, enquanto a requerente “vive com os seus dois filhos com dificuldades decorrentes de apenas auferir pouco mais que o ordenado mínimo nacional”.

Depois, considera que “em face a tudo o que fica dito e àquelas que são as necessidades destes dois menores, recorrendo a um juízo equitativo e às regras da experiência comum, na falta de melhor e concretizada informação, carece cada um dos menores de alimentos mensais no valor de 125 € por mês[5]. Que o obrigado, manifestamente, não pode suportar. Nem mesmo qualquer outro valor mais cómodo. Ainda assim, mostrando-se o requerido capaz de trabalhar, não obstante as dificuldades vivenciadas actualmente com uma taxa de desemprego de quase 19 %, entendo que é de fixar uma prestação de alimentos em benefício destes menores naqueles montantes”.

3. No ponto seguinte – derradeiro ponto da fundamentação da sentença – o Mm.º Juiz a quo, considerando o preceituado nos art.º 3º, n.ºs 1, alíneas a) e b), 2, 3 e 5, do DL n.º 164/99, de 13.5, e 2º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19.11, as regras de capitação definidas pelo DL n.º 70/2010, de 16.6, e a materialidade provada, deu por verificados os pressupostos da intervenção do FGADM assegurando o pagamento das prestações de que os menores são credores, porquanto se mostra impossível tornar efectiva a prestação de alimentos pelas formas previstas no art.º 189º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo DL n.º 314/78, de 27.10 (OTM) [afirmou-se, nomeadamente, o “incumprimento do obrigado a alimentos, sem que lhe sejam conhecidos ou venham a ser expectavelmente conhecidos rendimentos próprios do seu trabalho”] e os menores não beneficiam, aos cuidados de quem se encontram, de outros rendimentos líquidos superiores ao salário mínimo nacional.

O Tribunal recorrido afirmou existir “sentença a fixar a medida de alimentos” e que, reunidos os pressupostos para o accionamento do FGADM, “a prestação de alimentos a fixar, com a limitação máxima de 4 UC, a seu cargo, deve considerar-se autónoma em relação ao valor de alimentos anteriormente fixado e ser determinada através dos índices mencionados, concretamente tendo em conta a capacidade económica do agregado familiar para prover pelo sustento dos seus membros; montante da prestação de alimentos fixada; incapacidade objectiva do devedor de alimentos; necessidades específicas dos menores, hoje, com 14 e 15 anos de idade e a frequentar o ensino público obrigatório”.

E rematou assim: “Considerando que o agregado familiar destes menores é carenciado nos termos e para os efeitos do regime legal de protecção da infância e da família (atento o valor da sua capitação por referência ao IAS), por um lado; que o devedor de alimentos nunca cumpriu ou cumprirá em termos de juízo de prognose as suas obrigações, por outro; e às necessidades específicas e vitais de dois menores daquela idade – em roupa, despesas escolares, com transportes e alimentação, segurança e saúde – julgo adequado fixar uma prestação social de alimentos para cada um dos menores no valor de 125 € (cento e vinte e cinco euros) mensais”.

4. Ante a parte injuntiva da decisão sob recurso e a fundamentação reproduzida em II. 2., supra, dúvidas não restam de que o Tribunal a quo considerou dever fixar em € 125 a prestação devida pelo progenitor a cada menor, pelo que, ao fim e ao cabo, torna-se patente/notória/evidente a discrepância entre o assim expendido e a parte inicial do segmento decisório (referido em I, supra).

Dir-se-á que se trata de um simples erro/inexactidão devido a lapso manifesto (um simples lapsus calami do autor da sentença)[6] ou, dito doutra forma, uma contradição aparente entre a decisão e os fundamentos devido a erro material na decisão (porquanto tudo nos diz que, no seu segmento inicial, o Mm.º Juiz a quo escreveu coisa diversa do que queria escrever), e não propriamente face a uma nulidade da sentença por o sentido da decisão ser oposto ou, ao menos, divergente do que o teor da fundamentação faria pressupor (cf. art.ºs 667º, n.º 1, e 668º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil/CPC, ex vi do art.º 161º, da OTM).

Mas ainda que se aponte ou propenda para a existência de uma nulidade da sentença, sempre seria de afirmar que tal desconformidade já não se verifica entre a mesma fundamentação e a segunda parte do segmento decisório em causa, porquanto o FGADM veio a ser condenado no montante que o Tribunal a quo teve como adequado e considerou devido pelo pai/progenitor [cf. II. 2. e 3. supra], independentemente de qual seja o enquadramento jurídico defensável relativamente à questão suscitada na apelação.

Por conseguinte, atenta a referida configuração da decisão sob censura, estranha-se que, não tendo o Mm.º Juiz a quo, por sua iniciativa, efectuado a rectificação, nenhuma das partes, ou o Ministério Público, haja suscitado/invocado a existência da mencionada anomalia na decisão, possibilitando ao Mm.º Juiz a quo o seu conhecimento antes da subida do recurso (cf. art.º 667º, n.ºs 1 e 2, e art.ºs 668º, n.º 4 e 670º, n.ºs 1 e 5, do CPC, ex vi do art.º 161º, da OTM), dessa forma se simplificando e clarificando o que, ao que tudo indica, dispensava mais larga e demorada alegação e tramitação…[7]

5. Como nenhuma das partes suscitou a referida anomalia na decisão, que se afigura patente, e a apelação assenta no pressuposto de que nenhuma contradição existe entre a decisão e os fundamentos que a sustentam (o Mm.º Juiz a quo terá escrito o que queria escrever…), ainda assim, pensamos que a “tese” sustentada no recurso não merece provimento.

À situação em análise aplicam-se, principalmente, a Lei n.º 75/98, de 19.11 (na redacção conferida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12) e o DL n.º 164/99, de 13.5 (na redacção dada pela Lei n.º 64/2012, de 20.12).

O primeiro diploma, referente à garantia dos alimentos devidos a menores, prevê que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189º do DL n.º 314/78, de 27.10, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação (art.º 1º, n.º 1).

Preceituam os art.ºs 2º, 3º e 6º, da mesma lei:

As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.

Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (art.º 2º, n.ºs 1 e 2).

Compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.

Se for considerada justificada e urgente a pretensão do requerente, o juiz, após diligências de prova, proferirá decisão provisória.

Seguidamente, o juiz mandará proceder às restantes diligências que entenda indispensáveis e a inquérito sobre as necessidades do menor, posto o que decidirá.

O montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado (art.º 3º, n.ºs 1 a 4).

É constituído o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, cuja inserção orgânica será definida por diploma regulamentar do Governo.

O Fundo é gerido em conta especial e assegurará o pagamento das prestações fixadas nos termos da presente lei.

O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso. (art.º 6º, n.º s 1 a 3).

Por seu lado, o DL n.º 164/99, de 13.5, que regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19.11 (art.º 1º) estabelece:

É constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.).

Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos art.ºs 1º e 2º da Lei n.º 75/98, de 19.11.

O pagamento das prestações referidas no número anterior é efectuado pelo IGFSS, I. P., na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente (art.º 2º).

O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:

a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189º do DL n.º 314/78, de 27.10; e

b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.

O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no DL n.º 70/2010, de 16.6, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3.5, e pelos DL n.ºs 113/2011, de 29.11, e 133/2012, de 27.6.

As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (art.º 3º, n.ºs 1 a 3 e 5).

A decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público.

Para os efeitos do disposto no número anterior, o tribunal pode solicitar a colaboração e informações de outros serviços e de entidades públicas ou privadas que conheçam as necessidades e a situação socioeconómica do alimentado e do seu agregado familiar.

A prestação de alimentos é devida a partir do 1.º dia do mês seguinte ao da decisão do tribunal (art.º 4º, n.ºs 1 , 2 e 5).

O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso (art.º 5º, n.º 1).

O montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado (art.º 9º, n.º 1).

6. A Constituição da República Portuguesa estabelece no art.º 69º que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições (n.º 1), acrescentando que o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (n.º 2).

Tem assim o Estado o dever de assegurar que as crianças tenham uma vida digna, traduzindo-se tal dever, para além do mais, na garantia do direito a alimentos.

O direito a alimentos como decorrência do direito à vida, traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.

Este direito social da criança à protecção transparece também em diversos instrumentos de direito internacional, designadamente a Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia-Geral da ONU em 20.11.1989 [assinada por Portugal em 26.01.1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12.9 e ratificada pelo Decreto do Sr. Presidente da República n.º 49/90, ambos publicados no DR, I Série, n.º 211/90, de 12.10.1990], que no seu art.º 6º, n.ºs 1 e 2, impõe aos Estados Partes que reconheçam à criança o direito inerente à vida e assegurem, na medida máxima possível, a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, assim os obrigando a prestarem, em caso de necessidade, auxílio material para a concretização deste direito (art.º 27º, n.ºs 1 a 3) e a adoptarem as medidas adequadas a assegurar a cobrança de alimentos (n.º 4 do mesmo art.º).

Como corolário e em actuação dos mencionados princípios, veio a ser publicada a mencionada Lei 75/98, de 19.11.

7. Não está em causa neste recurso saber se estão ou não preenchidos os requisitos/pressupostos de que depende a atribuição ao FGADM da obrigação de assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas aos menores acima identificados mas, tão-somente [abstraindo-nos da questão de saber se a decisão em crise padece, ou não, do vício aludido em II. 4., supra], se o FGADM apenas deverá garantir o pagamento da prestação devida pelo progenitor ou se poderá ser condenado a pagar montante superior.

8. A Lei n.º 75/98, de 19.11, estabeleceu a obrigação do Estado assegurar aquele tipo de prestações sempre que os judicialmente obrigados a prestá-las não as satisfizerem e se verifiquem os outros pressupostos, que são o alimentando não ter rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficiar, nessa medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (art.º 1º), ficando o FGADM sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.

O Estado não se substitui ao progenitor/devedor de alimentos no cumprimento da obrigação alimentar, antes visa satisfazer as necessidades básicas de subsistência e desenvolvimento do menor, sempre que tal não possa ser assegurado pelos seus progenitores; esta prestação social reveste, assim, carácter autónomo em relação à prestação alimentar incumprida pelo progenitor a ela obrigado, apenas encontrando na impossibilidade da realização coactiva desta (art.º 189º da OMT) o seu pressuposto legitimador.

 Consequentemente, o Estado apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.[8]

Quando o FGADM assegura o pagamento de uma prestação alimentícia, fá-lo no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia.[9]

É que não se trata de garantir o pagamento da prestação de alimentos que a pessoa judicialmente obrigada não satisfez, mas sim, e após a verificação de vários pressupostos cumulativos, e o tribunal fixar um “quantum” que pode ser diferente, sendo esse novo montante que o Fundo garante, agora já como prestação social. A nova prestação não tem necessariamente de coincidir com o que estava a cargo do primeiro obrigado [e, estando-se ou não perante um incidente de incumprimento, há que apurar, além do mais, os rendimentos actuais do alimentando e do seu agregado de facto – cf., designadamente, os art.ºs 2º, n.º 2 e 3º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 75/98 e 4º, n.º 1, do DL n.º 164/99].

Resulta da leitura conjunta das diversas disposições referidas que a lei se preocupou em assegurar ao menor a prestação de alimentos adequada às suas necessidades específicas, que devem ser avaliadas tendo naturalmente em conta o agregado familiar em que esteja integrado (nomeadamente a capitação de rendimentos de que o mesmo disponha). O montante dos alimentos a prestar pelo Fundo não depende da quantia em que o obrigado tenha sido condenado, nem da capacidade que este tenha de prestar alimentos. Esta capacidade, naturalmente, e como em geral sucede com a obrigação de prestar alimentos no âmbito das relações familiares (cf. a disposição geral do n.º 1 do art.º 2004º, do Código Civil), foi tida em conta quando o tribunal os fixou; mas não releva agora a não ser indirectamente, e apenas na medida em que o “montante da prestação de alimentos fixada” (n.º 2 do art.º 2º da Lei n.º 75/98) é um dos elementos a ponderar (é, tão-só, um dos índices de que o julgador se pode servir) para o efeito de definir a extensão da obrigação do Fundo.

Isto significa que a intenção de adequação à situação concreta do menor conduz a que a prestação posta a cargo do Fundo possa ser de valor inferior, igual ou superior ao daquela que visa substituir. [10]

9. Visando o mencionado regime jurídico assegurar o direito aos menores de condições de subsistência mínimas, apenas releva para a intervenção do Fundo que não seja possível a satisfação pelo devedor das quantias em dívidas através dos meios previstos no art.º 189º, da OTM.[11]

No caso vertente o progenitor não satisfez ou estava em condições de satisfazer tais quantias pelas formas previstas no art.º 189º, da OTM, sendo nesse contexto e por força de tal que teve lugar a condenação do FGADM, por forma a assegurar a atempada satisfação da garantia de alimentos devidos aos menores.

Conforme se deixou explicitado em II. 4., supra, existem elementos com consistência bastante no sentido de que o Mm.º Juiz a quo fixou a prestação em causa devida pelo Fundo como sendo a que também seria devida pelo progenitor.

Sendo porventura diverso o entendimento quanto a esta problemática ou realidade, pelo que fica exposto [sobretudo em II. 8., supra], nem por isso estaria arredada a possibilidade do Tribunal fixar uma prestação de alimentos a assegurar pelo FGADM superior à fixada ao progenitor/devedor dos alimentos.

Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas (art.º 4º, n.º 1, alínea g), do Regulamento das Custas Processuais).


*

22.10.2013

Fonte Ramos ( Relator)

Maria Inês Moura ( com declaração de voto anexa )

Fernando Monteiro ( votei a decisão )


Declaração de voto:
Voto a decisão, ponderando que a prestação de € 125,00 mensais fixada para ser suportada pelo FGADM não pode considerar-se de montante superior àquela que o progenitor está obrigado a pagar a título de alimentos, mas apenas é garante da mesma, na medida em que a obrigação do progenitor tem, além de um valor líquido de € 100,00 mensais, um montante ilíquido correspondente a 50% das despesas de saúde e escolares do menor, não contendendo por isso com a posição também por mim tomada, como adjunta, no acórdão de 19/02/2013, proferido no Proc. nº 3819/04.0TBLRA-C.

Inês Moura


[1] Tendo o requerido faltado a todas as diligências (inclusive, às conferências dos pais de fls. 84 e 111).
[2] Sentença proferida a 20.3.2013.
[3] Nasceram em 30.4.1969 e 03.4.1967, respectivamente (fls. 132 e 20/170).
[4] € 485 mensais, de acordo com o art.º 1º do DL n.º 143/2010, de 31.12.
[5] Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto.
[6] Poderá questionar-se se o sucedido estará de algum modo ligado ao (igual) montante de alimentos fixado no regime provisório de regulação, em 29.5.2012 (cf. fls. 84).
[7] A respeito desta matéria, vide, de entre vários, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, págs. 134 a 136 e 141 e seguinte e Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 667 e 671.
[8] Vide, de entre vários, os acórdãos do STJ de 10.7.2008-processo 08A1860 e de 07.7.2009-processo 09A0682 (uniformização de jurisprudência), publicados na CJ-STJ, XVI, 2, 170 e CJ-STJ, XVII, 2, 21/DR 1ª Série, de 05.8.2009, respectivamente, e no “site” da dgsi.
[9] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 06.7.2006-processo 05B4278, publicado no “site” da dgsi.
[10] Cf., neste sentido, de ente vários, os acórdãos do STJ de 30.9.2008-processo 08A2953 e 04.6.2009-processo 91/03.2TQPDL.S1 (perfilhando-se no “voto de vencido” aí exarado idêntico entendimento quanto a esta questão), da RC de 09.10.2001-processo n.º 1788/2001 e da RP de 08.9.2011-processo 1645/09.9TBVNG.1.P1, publicados no “site” da dgsi e, o segundo, também, na CJ-STJ, XVII, 2, 104.
   Vide, ainda, J. P. Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), Coimbra Editora, 2ª edição, 2007, pág. 234 e Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, Coimbra Editora, 2009, pág. 233 (admitindo essa “possibilidade”).
   Em sentido diverso ou não coincidente, cf., entre outros, os acórdãos da RL de 08.11.2012-processo 1529/03.4TCLRS-A.L2-6 [A prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em caso de incumprimento, pelo progenitor, da obrigação previamente fixada judicialmente não pode ser estabelecida em montante superior a esta] e o acórdão da RC de 19.02.2013-processo 3819/04.0TBLRA-C.C1, debruçando-se este aresto sobre a questão de saber se o tribunal pode aumentar a prestação de alimentos que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores está a pagar em substituição do pai do menor, sem que haja decisão judicial a aumentar, para valor igual ou superior, a prestação de alimentos do pai do menor [A prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, prevista no art.º 1º, da Lei n.º 75/98, de 19.11 (Garantia de Alimentos Devidos a Menores), não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos].
[11] Cf. o acórdão da RC de 11.12.2012-processo 46/09.3TBNLS-A.C1, publicado no “site” da dgsi.