Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
127/06.5TBMDA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: EMPREITADA
DETERMINAÇÃO DO PREÇO
IVA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MÊDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 883º E 1207º A 1229º DO C.CIV..
Sumário: I – Num contrato de empreitada o empreiteiro obriga-se a realizar a obra contratada mediante o preço acordado, sendo a sua regulamentação jurídica prevista nos artigos 1207º a 1229º do Código Civil.

II - Nos termos do artº 1211º, nº 1, do C.Civ. “é aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artº 883º”, ou seja, nessa determinação há que ter em conta, desde logo e imperativamente, o valor que as partes convencionarem.

III – Ao empreiteiro/autor apenas cabe provar o valor acordado para a empreitada e no que aos seus serviços/fornecimentos respeita, sendo certo que o IVA constitui um custo não do empreiteiro mas do cliente, enquanto consumidor/adquirente final – CIVA (DL nº 394-B/84, de 26/12) -, pese embora cumpra ao empreiteiro fazer a sua entrega ao Estado.

IV - Daí que se afigure que, nestes casos, a regra a ter em conta seja a do nº 2 do artº 342º do C. Civil, ou seja, caberá ao cliente/consumidor final provar que o IVA relativo ao contrato que acordou já foi integrado no valor final acordado, sendo esses valores devidamente descriminados no dito acordo, sem margens para dúvidas, sabendo muito claramente distinguir entre esses dois montantes e sendo-lhe fácil provar tal realidade.

V - Quando assim não suceda, será sempre o consumidor final que terá de suportar o IVA devido, sobre o preço da empreitada, já que este é o valor devido ao empreiteiro e aquele é um imposto devido ao Estado.

VI - Segundo o já citado nº 2 do artº 883º do C. Civil, “se as partes não houverem determinado nem convencionado o modo de ser determinado o preço, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato…”.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca da Meda, J…, residente em …, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B… e mulher A…, residentes em …, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe o montante de € 12.549,50, acrescido de juros de mora vencidos, no montante de € 331,00, e juros vincendos até integral pagamento.

Para tanto e muito em resumo, alega que se dedica à actividade de construção civil e que no exercício de tal actividade celebrou com o Réu, em Janeiro de 2005, um contrato de empreitada, para reconstrução/remodelação de uma casa de habitação dos RR, sita em …, tendo ficado acordado o preço de € 25.000,00, este sem o IVA de 21%, o que acresceria ao referido preço (IVA de € 5.250,00).

Que tendo iniciado as obras em Fevereiro de 2005, no decurso das mesmas foram sendo solicitadas, pelos Réus, várias alterações e execuções de vários trabalhos extra, que descreve, sendo que o Réu sempre lhe foi dizendo para fazer essas obras que depois pagaria o que custassem, tendo, por isso, o A. apresentado depois a conta de todos esses trabalhos a mais, a qual ascendeu a € 8.789,00, mais IVA, este no montante de € 1.845,69.

Que, todavia, ao invés de pagar o preço que o Autor lhe apresentou, o Réu acabou por lhe enviar uma carta, dizendo o que achava que devia, mas sem que esse valor correspondesse ao real.

Que várias vezes se deslocou a casa dos Réus, no sentido de obter destes o pagamento do que lhe deviam, o que não aconteceu.

Que o Réu, logo no início das obras, lhe pediu para não pagar qualquer IVA, pelo que não haveria a emissão de facturas por parte do Autor.

Que o preço acordado para a referida empreitada foi de € 25.000,00, mais IVA, pelo que o Autor, até para intentar a acção judicial, teve de pôr o seu contabilista ao corrente do acontecido e pedir-lhe que emitisse as facturas relativas à dita empreitada, o que teve lugar em Junho de 2006.

Que enviou as ditas facturas aos Réus, para que estes lhe pagassem o que deviam, ou seja, € 12.549,50, dado que apenas tinham efectuado um pagamento parcial de € 29.000,00, não tendo os Réus ainda pago tal montante em dívida.

Alega, ainda, que concluiu todos os trabalhos da dita empreitada à excepção da colocação da lã de vidro, porquanto o Réu não deixou o A. ir lá fazê-lo, pelo que no pagamento que ora reclama já descontou o preço referente a este serviço.

Conclui pela condenação dos Réus no pagamento do montante peticionado.


II

Os Réus contestaram, sustentando que o Autor não efectuou todos os trabalhos acordados nos termos devidos.

Que vários trabalhos não foram efectuados pelo Autor, apesar de estarem previstos no contrato de empreitada, e que outros foram executados de forma defeituosa, enunciando uns e outros.

Que também algumas das alterações acordadas foram realizadas de modo deficiente.

Que o preço contratado foi de € 25 000,00, mas que esse valor já contemplava o acréscimo de IVA legal, nunca tendo sido acordado com o Autor que não se pagaria IVA e que os trabalhos não seriam facturados, nem outra coisa faria sentido, dado que, sendo os RR o consumidor final, os preços são sempre obrigatoriamente com IVA, que é, nestas circunstâncias de reconstrução, sempre de 5% e não de 21%.

Que contrariamente ao alegado pelo Autor, os preços dos materiais eram, como sempre acontece neste tipo de contratos, todos a suportar pelo Autor e não pelos Réus, sendo, pois, falso que os RR se tenham comprometido a efectuar o pagamento de quaisquer materiais.

Que o Réu marido pediu ao Autor que lhe apresentasse as contas finais da obra, tendo este apresentado valores que nada tinham que ver com os trabalhos realizados e com o acordado.

Que nunca os Réus se quiseram furtar ao pagamento do devido, mas quiseram tão só pagar o que deviam, bem como exigir que lhes fossem solucionados os defeitos existentes na obra, o que até à presente data não aconteceu.

Que o Autor nunca emitiu facturas, apenas o tendo feito para instaurar a presente acção.

Os RR ainda deduziram pedido reconvencional contra o A., porquanto, segundo eles, se alguém é credor de determinada quantia são eles e não o Autor, em virtude dos defeitos que a obra apresenta, os quais, para serem reparados, importarão nas quantias que descrevem, totalizando o montante de € 2.775,00.

Pelo que, aceitando que devem ainda ao Autor o montante de € 2.100,00, se deverá efectuar a compensação e o Autor ser condenado a pagar aos Réus o valor de     € 675,00.


III

O Autor respondeu às excepções deduzidas pelos Réus, bem como contestou o pedido reconvencional contra ele deduzido, alegando que não corresponde à verdade o alegado pelos Réus, quer no que respeita aos trabalhos não realizados, ou realizados de modo deficiente, quer em relação ao preço acordado inicialmente e também ao devido pelos trabalhos extra efectuados.

Concluiu pela improcedência das ditas excepções e da reconvenção e pela procedência da acção, nos termos constantes da petição inicial.


IV

Os Réus ainda apresentaram novo articulado, nele concluindo que deve ser julgada improcedente a matéria de excepção invocada pelo Autor na resposta à reconvenção e mantendo o já alegado na sua contestação/reconvenção.


V

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade processual da acção, sem nulidades nem excepções dilatórias, tendo-se, então, procedido à selecção da matéria de facto alegada pelas partes e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa.

            Seguiu-se a realização de uma perícia ao local das obras, cujo relatório se encontra de fls. 214 a 217 e 224.

            Teve lugar a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação – fls. 256 a 270.

            Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os Réus a pagar ao Autor o montante de € 2.100,00 (dois mil e cem euros), acrescido de juros à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento; julgar improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolver o Autor do pedido contra si deduzido pelos Réus.


VI

            Dessa sentença interpôs recurso o Autor, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentou o Apelante formulou as seguintes conclusões:


VII

            Contra-alegaram os RR/Apelados, onde defendem a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.


VIII

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.

            Esse objecto passa pela reapreciação da decisão de direito constante da sentença recorrida, designadamente sobre qual o valor a considerar para a “empreitada” acordada entre as partes e sobre qual o valor das chamadas “obras a mais” ou “obras extras” que o A. efectuou a pedido dos RR, sendo, para o efeito e dada a não interposição de recurso por parte dos RR, irrelevante para a decisão a proferir a alegação e eventual prova de defeitos verificados na dita obra, uma vez que transitou em julgado a sentença na parte em que absolveu o Autor do pedido reconvencional deduzido pelos RR.

            Assim e antes de mais, considerando que não foi impugnada a decisão de 1ª instância que decidiu sobre a matéria de facto constante da base instrutória e porque não se afigura haver razões para a sua alteração oficiosa, importa que se enuncie a matéria de facto dada como assente e como provada, a qual é constituída pelos seguintes pontos, tal como consta da sentença recorrida:


***


            Prosseguindo, importa dizer que não está em causa a qualificação jurídica que se fez na sentença recorrida a propósito do tipo de contrato celebrado entre as partes, o qual, aliás, é também assim aceite pelas ditas, ou seja que se trata de um contrato de empreitada para a reconstrução/remodelação/recuperação/restauro/beneficiação de uma casa antiga dos RR, sita em ...  

            Donde em nada termos a censurar as considerações que a propósito deste tipo de contrato se fazem nessa sentença.

            Daí resultando, pois, que o Autor se obrigou em relação aos RR a realizar a obra em causa, mediante preço, sendo a sua regulamentação jurídica prevista nos artigos 1207º a 1229º do Código Civil.

            Nos termos do artº 1211º, nº 1, do citado diploma, “é aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artº 883º”, ou seja, nessa determinação há que ter em conta, desde logo e imperativamente, o valor que as partes convencionarem.

            No caso presente foi convencionado e acordado o valor de € 25.000,00 para a empreitada contratada – pontos 2 a 10, 27 e 28 supra.

            O que está em discussão, quanto a este aspecto, é apenas saber se nesse valor se deve considerar como já incluído o IVA respectivo ou se o mesmo deve acrescer a tal valor, sendo certo que nada se apurou acerca de tal questão.

            Na sentença recorrida foi entendido que cabia ao A. o ónus da prova de que aquele valor não incluía o IVA, pelo que, não tendo logrado fazer tal prova, deve considerar-se que o montante de € 25.000,00 é já o valor final da empreitada, sendo apenas o valor devido pelos RR.

            Com o devido respeito por tal opinião, temos de discordar da dita, pois não estamos perante um ónus que caberia ao Autor, já que a este apenas cabia provar o valor acordado para a empreitada e no que aos seus serviços/fornecimentos respeita, sendo certo que o IVA constitui um custo não do empreiteiro mas do cliente, enquanto consumidor/adquirente final – CIVA (DL nº 394-B/84, de 26/12) -, pese embora cumpra ao empreiteiro fazer a sua entrega ao Estado.

            Daí que se afigure que, nestes casos, a regra a ter em conta seja a do nº 2 do artº 342º do C. Civil, ou seja, caberá ao cliente/consumidor final provar que o IVA relativo ao contrato que acordou já foi integrado no valor final acordado, sendo esses valores devidamente descriminados no dito acordo, sem margens para dúvidas, sabendo muito claramente distinguir entre esses dois montantes e sendo-lhe fácil provar tal realidade.

            Quando assim não suceda, será sempre o consumidor final que terá de suportar o IVA devido, sobre o preço da empreitada, já que este é o valor devido ao empreiteiro e aquele é um imposto devido ao Estado.

            Veja-se, neste sentido, o Ac. da Rel. Guimarães de 19/06/2008, citado pelo Recorrente, e disponível na Col. Jur. ano XXXIII, tomo III, pg. 281.

            Assim sendo, dúvidas não temos de que os RR devem pagar o valor de               € 30.250,00 (€ 25.000,00 + € 5.250,00 – 21%) pela empreitada contratada, conforme ponto 51 supra /e factura de fls. 16.

            Como já pagaram € 29.000,00 (ponto 19 supra) e como o A. não colocou a lã de vidro no sótão (assim contratado), esta no valor de € 160,00 (pontos supra 47 e 52), ainda devem os RR ao A., pela dita empreitada, o montante de € 1.090,00.


***

            Quanto às chamadas “obras a mais”, o que os RR aceitam existirem, pelo menos em parte, ficou provado, além do mais, o que consta dos pontos supra 16, 23, 24, 35 e 51, designadamente que o Autor emitiu a factura nº 031, de 16/06/2006, no valor de € 10.634,69, com IVA incluído de 1.845,69 (respeitante aos trabalhos extra).

            Ora, segundo o já citado nº 2 do artº 883º do C. Civil, “se as partes não houverem determinado nem convencionado o modo de ser determinado o preço, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato…”.

            Ora, conforme bem resulta da perícia levada a cabo nos autos, os valores indicados pelo Autor para essas obras a mais foram, no geral, tidos como “aceitáveis e encontram-se dentro do intervalo de valor normal para a quantidade e tipo de trabalho”, apenas havendo discordância em dois pontos, cujos valores o próprio Autor aceita, ou seja, um que foi baixado de 1.000 euros para 584 euros, e um outro em que se baixou de 600 euros para 412 euros, conforme resulta da dita e bem assim dos pontos 36 a 46 supra, conjugados com o ponto 28º da petição e com o documento de fls. 17.

            Acresce que o próprio Autor aceita a redução de uma outra verba reclamada como trabalho extra, no valor de € 100,00 (de redução) – alargamento do piso, cozinha e terraço -, pelo que também se deve ter em conta tal redução. 

            Assim sendo, impõe-se que o valor desses trabalhos extras seja fixado em          € 8.085,00 (8.789,00 – 704,00), mais IVA (21%), no montante de € 1.697,85, no total de € 9.782,85, o que se decide.

            Logo, a dívida ainda existente dos RR para com o A. é de € 10.872,85.

            Concluindo, importa derrogar a sentença recorrida, julgando-se procedente o presente recurso e procedendo a acção nos sobreditos termos.


IX

DECISÃO:

            Face ao exposto, julga-se procedente o presente recurso, derrogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julga-se parcialmente procedente a acção, condenando-se os Réus a pagar ao Autor o montante de € 10.872,85 (dez mil, oitocentos e setenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), montante este acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data de citação até integral pagamento.

            Custas da acção por ambas as partes e na proporção dos respectivos decaimentos e custas do presente recurso pelos Réus.


Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua