Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
305/10.2GBCNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
AUDIÇÃO DO CONDENADO
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA CENTRAL– SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 4)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.50.º, 53.º E 56.º DO CP; ARTS. 493.º E 495.º DO CPP
Sumário: I - Quando a suspensão da execução da pena foi acompanhada de regime de prova e este dependia do cumprimento do plano, para cuja elaboração era indispensável a comparência do arguido nos serviços;

II - Quando o arguido nunca se deslocou voluntariamente aos serviços de reinserção social e estes serviços, quando tentaram contactá-lo, não o conseguiram localizar porque ele mudou de residência sem dar conhecimento da alteração ao tribunal;

II - Dessa forma impossibilitou a realização do plano e, a conclusão única é que infringiu os deveres impostos na condenação.

IV - O art. 495º, nº 2, do C.P.P., determina que o condenado seja ouvido quando esteja em causa o incumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações. Mas sob pena de paralisação do processo, esta audição só é indispensável quando o condenado seja encontrado.

V - Face a inúmeras situações em que os condenados se ausentaram para parte incerta, firmou-se jurisprudência no sentido de que a audição presencial do condenado era dispensável quando, não obstante as várias tentativas, o tribunal não conseguisse localizar o condenado.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO
1.

            Por decisão de 10-7-2012, já transitada, foi o arguido A... condenado na pena de 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto de uso de veículo, do art. 208º do Código Penal.

            A execução da pena foi suspensa por 1 ano com a condição de o arguido se sujeitar a regime de prova, cumprindo o plano de reinserção social a elaborar pelos serviços competentes.

            Por despacho de 21-6-2013 foi revogada a suspensão da execução da pena e foi determinado que o arguido cumprisse a pena de prisão que lhe fora aplicada.

            Enviada a notificação da decisão para a residência que constava dos autos em 2-7-2013 a autoridade policial informou não ter levado a cabo a notificação por o arguido não residir no local e ser desconhecida a morada actual.

            Foram averiguadas as possíveis residências do arguido e tentada a sua notificação junto de várias das residências que surgiram no sistema, tendo a notificação sido conseguida, finalmente, numa residência diferente da constante do processo.

            Notificado do despacho de revogação da suspensão da execução da pena veio o arguido requerer a sua audição, nos termos do art. 495º, nº 2, do C.P.P.

            O pedido de audição foi indeferido por a decisão de revogação da suspensão da execução da pena já ter sido tomada e já ter transitado em julgado.

           
2.

O arguido recorreu deste despacho, concluindo:

«I. Por Douto Despacho datado de 12-06-2013, o Douto Tribunal de Cantanhede, no âmbito do processo supramencionado entendeu, conforme Douta promoção do M.P, que o arguido violou culposa e grosseiramente os deveres que lhe foram impostos e, em consequência, revogou a suspensão da execução da pena de prisão, determinando o cumprimento da pena de prisão de 6 (seis) meses em que o arguido foi condenado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 56º nº 1, aI. a) e 2 do Código Penal.

II. O arguido não se pode conformar com a Douta Decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, no seguimento da Douta promoção do M.P, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 56º nº 1, alínea a) do Código Penal.

III. Conforme Douta Decisão, o Tribunal a quo, fundamentou a sua Decisão com base na falta de colaboração do arguido com a DGRS, e a tentativa frustrada de notificação, através de OPC, na morada indicada pelo Arguido, com a informação que o arguido se ausentou sendo desconhecido o seu paradeiro.

IV. No entendimento da defesa, a determinação pelo regime da revogação da suspensão da execução da pena, in casu, só deveria ter lugar como última ratio, «na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como última ratio, isto é, quando estiveram esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito contém (BMJ 148-41).

V. As causas de revogação não devem pois ser entendidas num plano meramente inflexível e formalista, mas antes como justificadas pela demonstração de omissões repetidas e grosseiras no plano comportamental do arguido face à condenação, uma vez que a confiança depositada no arguido que motivou a aplicação do regime da suspensão da execução da pena com regime de prova, saiu malograda.

VI. A infração grosseira e repetida, aponta no sentido de que o arguido agiu com o propósito de se furtar ao cumprimento do regime de prova, ou seja, num plano de actuação significativamente culposo.

VII. É bem verdade que o Tribunal a quo diligenciou no sentido de procurar entender as razões que levaram o arguido a não comparecer na DGRS, conforme aliás, consta na Douta fundamentação do Despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

VIII. Contudo, nunca tentou ouvir o Arguido sobre quais os motivos que o levaram a não comparecer às convocatórias do D.G.R.S.P., nem tão pouco ouviu o técnico da D.G.R.S.P., obrigação do Tribunal antes de proceder à elaboração do Despacho de Revogação da pedida da pena, conforme estatui o disposto no Art. 495º nº 2 do C.P.P.

IX. Não obstante, o acima narrado, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, quando chamado a pronunciar-se quanto ao acionamento dos mecanismos regulados no artigo 55º do Código Penal, sequer o fez, constituindo tal omissão de fundamentação uma errada aplicação do direito.

X. Não é menos verdade que o facto de se ter frustrado as notificações do arguido para comparecer na DGRS para elaboração de um plano social, e a impossibilidade de o mesmo prestar declarações no âmbito do incumprimento, não é, no nosso entendimento, susceptível de, ainda assim, não permitir prognosticar uma socialização adequada em liberdade para o arguido.

XI. Ora, veja-se que desde que foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, conforme Douto Despacho datado de 21 de Junho de 2013, já decorreram quase três anos, sendo que o arguido desde essa data, procurou enveredar por um caminho de recuperação e reinserção social adequado, pelo que o regime de prova que o arguido incumpriu, de forma negligente, não deve por si só gerar o automatismo da revogação do instituto da suspensão.

XII. O arguido encontra-se dotado de motivação, vontade e capacidade de seguir uma vida honesta e conformadora com o Direito, estando social, profissional e familiarmente inserido na sociedade, mantendo um bom comportamento social, dedicação no trabalho, vivendo uma união de facto estável e equilibrada, e está profundamente arrependido de, à data da revogação, não ter colaborado com a Justiça, no sentido da sua reintegração social.

XIII. Prova desse facto é que o Arguido não teve qualquer outra condenação por factos praticados posteriormente à condenação de que foi alvo nestes autos.

XIII. A falta de colaboração do arguido não deve ser entendida de forma culposa, uma vez que o arguido nem sequer teve consciência crítica à data da revogação, da gravidade do seu incumprimento e das consequências legais das suas omissões, no que respeita ao malogro de todas as diligências judiciais no sentido de contactar o arguido com vista à sua audição, para compreender as suas razões, para elaboração de um plano social.

XIV. Entende a defesa, pelas razões acima aduzidas, que o quantum da pena indispensável

para que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, se situa ainda, no caso subiudice, com a possibilidade de prorrogação do período de suspensão da pena de prisão sujeita a regime de prova a que o arguido foi condenado, conforme estatui o artigo 50º, nº 1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, pois a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por força do disposto no artigo 55º, alínea d) do Código Penal.

XV. O arguido encontra-se a trabalhar desde Outubro de 2014, estando actualmente a exercer actividade numa Unidade de Turismo Rural, com sentido de responsabilidade, confiança e elevada credibilidade, pelo que, a aplicação de uma medida privativa da sua liberdade, in casu, resultaria manifestamente injusta e desproporcionada face à actual realidade de inserção social, familiar e profissional do ora recorrente».

           

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu defendendo a manutenção do decidido. Refere que foi tentada a notificação do arguido para se pronunciar sobre as razões que levaram o arguido a nunca contactar os serviços de reinserção social a fim de cumprir as condições impostas à suspensão da execução da pena, tendo todas as tentativas resultado infrutíferas por o arguido nunca ter sido localizado.

O tribunal tentou, também, averiguar a localização do arguido, coisa que também não conseguiu.

Por isso o arguido não foi ouvido.

Do mesmo modo, também a notificação do despacho que revogou a suspensão da execução da pena foi problemática, pois só depois de várias diligências o tribunal conseguiu apurar onde é que o arguido actualmente reside.

Assim, conclui, o tribunal encetou todas as diligências que se lhe afiguraram possíveis para localizar o arguido.

Quanto à questão de fundo, refere que não tendo o arguido cumprido as condições impostas à suspensão da execução da pena, tendo inviabilizado o cumprimento do plano imposto pelo tribunal uma vez que nunca se apresentou nos serviços encarregados da elaboração e acompanhamento do plano de reinserção social, concluiu que ele violou culposamente essas mesmas condições determinando, com o seu comportamento, a alteração da pena aplicada.

No mesmo sentido foi o parecer emitido pelo Exmº P.G.A. junto desta relação. Sobre as circunstâncias supervenientes atinentes ao actual modo de vida, entende que elas não constituem fundamento para sindicar a decisão recorrida, há muito proferida.

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.


*

FACTOS PROVADOS

6.

Dos autos resultam os seguintes factos, relevantes à decisão:

- por acórdão de10-7-2012 o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto de uso de veículo;

- a execução da pena foi suspensa por 1 ano, «com a condição de o arguido se sujeitar a regime de prova, cumprindo plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social»;

- em 27-11-2012 os serviços de reinserção social informaram que efectuaram várias diligências com vista a contactarem o arguido, quer através de convocatórias para a residência, quer através da PSP da Figueira da Foz, que o contacto nunca foi possível e que o arguido nunca compareceu ou tentou contactar aqueles serviços até à data referida;

- em 30-4-2013 o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena;

- o senhor juiz determinou a notificação pessoal do arguido para se pronunciar, querendo, tendo determinado, igualmente, a notificação do seu defensor;

- foi solicitada a notificação do arguido à autoridade policial, que informou não a ter levado a cabo por o arguido se ter ausentado para parte incerta;

- em 21-6-2013 foi proferido o seguinte despacho:

«…Desde que foi condenado nestes autos e, apesar do tempo decorrido, o arguido não compareceu na DGRS nem respondeu às notificações, sendo o seu paradeiro desconhecido, apesar de todas as diligências efectuadas.

Refere o artigo 56º, nº 1 do Código Penal que a suspensão da pena de prisão é revogada, sempre que no seu decurso o condenado infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão, não puderam por meio delas ser alcançadas.

… verifica-se que as finalidades subjacentes à decisão da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido se encontram infirmadas, não sendo já possível prognosticar uma socialização em liberdade para o arguido.

Com efeito, não havendo qualquer elemento que permita contribuir para a descoberta do paradeiro do arguido, conclui-se que o desaparecimento do arguido só poderá relevar a sua intenção de escapar à ação da Justiça, demonstrando um completo desrespeito pela decisão deste Tribunal.

Pelo exposto, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado e consequentemente, determina-se o cumprimento da pena de prisão fixada no Acórdão, nos termos do disposto no artigo 56º nº 1 al. a) e nº 2 do Código Penal …»;

- tentada a notificação deste despacho a autoridade policial informou não a ter efectuado por o arguido não morar no local – morada constante do processo – e ser desconhecido o seu paradeiro;

- foram feitas pesquisas junto de bases de dados e foi tentada a notificação do arguido, que veio a ser alcançada já no ano de 2016, em Azambuja;

- notificado daquele despacho o arguido veio requerer a sua audição, nos termos do art. 495º, nº 2, do C.P.P.;

- o pedido foi indeferido, nos seguintes termos:

«… o normativo a que o arguido faz referência situa-se na antecâmara da tomada de decisão que pode conduzir à revogação da suspensão da execução, decisão essa que in concreto há muito foi tomada, estando assim esgotado o poder jurisdicional do Tribunal (e não se afigurando ser também caso de uma qualquer hipotética correcção do despacho por causa de um suposto lapso, obscuridade ou ambiguidade).

Acresce ter sido tentado, antes da prolação do apontado despacho revogatório, todo um conjunto de diligências tendentes a apurar o paradeiro do arguido, que se ausentou da morada que relativamente ao mesmo constava no processo, sem que aqui viesse dar ele a mínima explicação ou conhecimento.

Assim, parece ao Tribunal que a forma de reagir ao despacho de revogação em causa não poderá ser outro que o expresso na norma genérica do art. 399º C.P.P.

Pelo que se indefere ao aludido requerimento do arguido …»;

- o arguido acompanhou o recurso de uma declaração emitida por B.... , gerente de C.... , Lda, onde consta que o arguido é colaborador da empresa em questão e tem vindo a desempenhar «com elevada dedicação e profissionalismo todas as tarefas inerentes à sua função, desde o início da sua colaboração com a empresa, com data de 1 de Dezembro de 2015.

… Neste contexto o Senhor A.... tem vindo a executar tarefas variadas, tais como correlativas à manutenção de espaços interiores e exteriores, manutenção da piscina, resolução de problemas técnicos da casa de Turismo Rural, nomeadamente com electricidade, canalizações, arrumações, pequenos arranjos gerais, tratamento de animais, trabalhos de jardinagem simples, realização de limpezas interiores e exteriores, melhoramentos e vigilância, bem como apoio aos serviços de refeições (maioritariamente pequenos-almoços), serviço de mesa e apoio em eventos.

Desde o início da sua colaboração e até ao momento, o Senhor A.... tem vindo a revelar-se um excelente profissional, executando todas as suas tarefas com elevado profissionalismo e sentido de responsabilidade, mostrando simultaneamente uma atitude extremamente positiva, uma postura de uma elevada correcção, honesta, um grande sentido colaborativo e uma grande disponibilidade.

A minha relação profissional com o Senhor A.... , apesar de ainda curta por um lado, mas bastante intensa por outro, dada a exigência associada ao período inicial (lançamento) em que se encontra ainda a unidade de turismo rural, permite-me já concluir que o Senhor A.... é uma pessoa honesta, idónea, trabalhadora, responsável e de confiança.

Esta minha avaliação é partilhada por outras pessoas que de certa forma se têm vindo a relacionar com o Senhor A.... , com maior ou menor intensidade, tais como parceiros de negócio, ou mesmo familiares, entre as quais a minha mulher … Com efeito, no desempenho das suas funções o Senhor A.... tem por vezes necessidade de manuseamento de todo o tipo de objectos pessoais e da empresa, e tem acesso livre a todas as áreas da casa, sem que até ao momento tenha existindo qualquer problema relacionado com este facto. Pelo contrário, confiamos no Senhor A.... igualmente para tarefas de vigilância.

A confiança que ambos depositamos no Senhor A.... é elevada ao ponto de neste momento lhe confiarmos a guarda dos nossos filhos, por curtos períodos, se tal for necessário.

Pelas razões acima indicadas, aliadas à elevada adequação do perfil do Senhor A.... à função em causa, às dificuldades já experienciadas na contratação de colaboradores com idêntico perfil, à experiência e conhecimento também entretanto por si já adquiridas na função e ao investimento já realizado pela empresa na sua formação, considero que o Senhor A.... é neste momento um colaborador fundamental e valioso para o sucesso do negócio da empresa e para o seu futuro.

Uma eventual necessidade de suspensão ou cessação da sua colaboração seria assim neste momento bastante negativa para o desenvolvimento da nossa actividade na fase em que se encontra. A necessidade da sua substituição implicaria, sem qualquer dúvida, um forte prejuízo para a empresa».


*

DECISÃO

Atento o disposto no art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., a questão a decidir respeita à verificação dos fundamentos que determinaram a revogação da suspensão da execução da pena.


*

Nos termos do nº 1 do art. 50º do Código Penal «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

            Como todos sabemos a suspensão da execução da pena é uma medida penal de carácter pedagógico e reeducativo, que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado. À decisão de suspender a execução da pena de prisão é necessário que o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, que assenta numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido[1].

Assim, quando o tribunal decide suspender a execução de uma pena de prisão aceita correr o risco de o seu juízo poder não se verificar. No entanto, este risco não pode ser temerário, antes deve ser um risco prudente, apoiado na personalidade do agente, de tudo resultando a suficiência desta pena de substituição para a protecção dos bens jurídicos violados, por um lado, e o seu relevo para a reinserção do agente.

A suspensão pode ser simples ou pode ser acompanhada de condições, nomeadamente de regime de prova.

Dispõe o art. 53º do Código Penal, sobre a suspensão com regime de prova:

«1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.
2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
…».

            E foi o que aconteceu no caso.

            Sobre o plano de reinserção social, determina o art. 494º, nº 2 e 3, do C.P.P. que a decisão condenatória é comunicada aos serviços de reinserção social e quando ela não contiver o plano aqueles serviços procedem à sua elaboração, ouvindo o condenado, no prazo de 30 dias, e submetendo-o à homologação do tribunal.

            No caso não foi elaborado plano de reinserção porque o condenado não se apresentou nos serviços nem os serviços o conseguiram encontrar, quando tentaram contactá-lo com vista à elaboração do plano de reinserção social determinado pelo tribunal.

            Ou seja, com o seu comportamento o arguido obstou ao cumprimento do regime de prova, que lhe foi fixado como condição da suspensão da pena de prisão, porque inviabilizou a elaboração do plano de reinserção social, indispensável ao regime de prova, não obstante saber que a suspensão da execução da pena dependia deste.

            Portanto, o que resulta é que o juízo de prognose feito pelo tribunal, quanto à suficiência da pena suspensa, falhou porque, ao impossibilitar a realização do plano de reinserção social com vista ao cumprimento do regime de prova que acompanhava a suspensão da execução da pena, o arguido não cumpriu a pena.

            E quando o juízo de prognose favorável falha renasce a possibilidade de aplicação da pena principal, por via do mecanismo de revogação da suspensão.

            Neste sentido dispõe o art. 56º do Código Penal, cuja epígrafe é “revogação da suspensão”:

«1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado». 

            Tal como à suspensão da execução é essencial o juízo de prognose favorável, também à revogação da suspensão da execução é essencial o seu reverso, ou seja, que este juízo de prognose desapareça, por completo.

            Uma das situações que gera possibilidade de revogar a suspensão da execução da pena de prisão - é pacífico que não há revogações automáticas -, é, tal como a lei diz, a circunstância de o arguido «infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social».

            Repetindo, a suspensão da execução da pena foi acompanhada de regime de prova e este dependia do cumprimento do plano, para cuja elaboração era indispensável a comparência do arguido nos serviços. O arguido nunca se deslocou voluntariamente aos serviços de reinserção social e estes serviços, quando tentaram contactá-lo, não o conseguiram localizar porque ele mudou de residência sem dar conhecimento da alteração ao tribunal.

Portanto, impossibilitou a realização do plano. a conclusão única é que infringiu os deveres impostos na condenação.

            Entendemos que este comportamento integra o conceito de violação grosseira dos deveres impostos. Primeiro, o arguido sabia que tinha o dever de comunicar ao tribunal qualquer alteração de residência para que fosse possível, a qualquer momento e sempre que necessário, o seu contacto. Sabia, depois, que a condenação sofrida exigia um comportamento activo e empenhado. Portanto, e quanto mais não fosse, sabia que para tanto era fundamental actualizar a sua residência porque iria ser contactado a fim de levar a cabo o regime de prova.

            O arguido ao nada fazer demonstrou que, afinal, entendeu a pena aplicada de forma errada, não interiorizou o que ela significava e, daí, a displicência manifestada quanto aos deveres que a pena lhe impunha.

            É certo que o art. 495º, nº 2, do C.P.P. determina que o condenado seja ouvido quando esteja em causa o incumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações.

            Mas sob pena de paralisação do processo, esta audição só é indispensável quando o condenado seja encontrado.

            Daí que, face a inúmeras situações em que os condenados se ausentaram para parte incerta, se veio a firmar jurisprudência no sentido de que a audição presencial do condenado era dispensável quando, não obstante as várias tentativas, o tribunal não conseguisse localizar o condenado.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, no improvimento do recurso mantém-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Taxa de justiça mínima.


Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 2016-09-14

(Olga Maurício - relatora)

(Luís Teixeira - adjunto)


[1]Acórdão do S.T.J. de 18-10-2007, processo 07P3185.