Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
241/10.2GAANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: INJÚRIA
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 181º CP
Sumário: 1- A expressão ”sacana” não tem um conteúdo ofensivo da honra e consideração do assistente;

2- Trata-se de uma expressão desrespeitosa e nada educada e cortês.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida contra o arguido:
A..., residente em … , Ansião,
Sendo decidido:
a) Absolver o arguido da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181, n.º 1 do Código Penal, na pessoa da assistente B...;
b) Condenar o arguido pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa;
c) Condenar o pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181, n.º 1 do Código Penal, na pessoa do assistente C..., na pena de 50 (cinquenta) dias de multa;
d) Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa diária de 8 € (oito euros), o que perfaz a multa global de 920 € (novecentos e vinte euros);
- Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, em consequência:
a) condenar o demandado A... a pagar ao demandante C... a quantia de 500 € a título de indemnização por danos não patrimoniais e de 20 € a título de danos patrimoniais, no montante total de 520 € (quinhentos e vinte euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a prolação da presente decisão até efetivo e integral pagamento;
b) condenar o demandado A... a pagar à demandante B... a quantia de 350 € a título de indemnização por danos não patrimoniais e de 620 € a título de danos patrimoniais, no montante total de 970 € (novecentos e setenta euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a prolação da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
***
Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:
1-O arguido foi condenado pela prática de um crime de injúrias p. e p. no artigo 181, n.º 1 do Código Penal, na pessoa do assistente C..., na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de €8,00 e ainda no pagamento da quantia de 500,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais e 20,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais ao assistente sofridos face ao crime de injúrias, perpetrado pelo arguido.
2-Os factos supra referidas no ponto 2.1 alínea a), b) c) d) e) e f), devem ser modificados, sendo que os meios probatórios que impõem esta modificação decisória, quanto aos pontos supra são os depoimentos:
a)Declarações da assistente B... (veja-se declarações/depoimento da Assistente, o qual se encontra gravado no sistema H@bilus Media Studio, gravadas de 10.10h. a 10.29h).
b)Declarações do assistente C...; (veja-se declarações /depoimento do Assistente, o qual se encontra gravado no sistema H@bilus Media Studio, gravadas de 10.42h. a 11.17h).
d)Declarações da Testemunha ...; (veja-se declarações /depoimento da testemunha Leonor Silva, o qual se encontra gravado no sistema H@bilus Media Studio, gravadas de 11.19h. a 11.35h).
d)Declarações da Testemunha Leonor Silva;(veja-se declarações/ depoimento da testemunha Leonor Silva, o qual se encontra gravado no sistema H@bilus Media Studio, gravadas de 11.43h a 12.02h).
e)Declarações da Testemunha … ; (veja-se declarações/ depoimento da testemunha Leonor Silva, o qual se encontra gravado no sistema H@bilus Media Studio, gravadas de 12.06h. a 12.21h).
3-Reapreciação destas provas, impõem decisão diversa, no sentido de os factos referidos em 2.1, nas alíneas a) b), c), d), e), f) serem julgados não provados.
4-Não se verificam os elementos objetivos e subjetivos do crime de injúrias p. e p pelo art. 181 n.º 1 d C. P., devendo o arguido ser absolvido da prática desse crime.
5-Tal expressão "sacana" não integra objetiva ou subjetivamente crime de injúrias por falta de carga ofensiva, podendo apenas pela sua grosseria ou falta de educação ferir a suscetibilidade do assistente, o que no presente pleito não se verificou.
6-No contexto em que fora proferida, a palavra «sacana», não têm outro significado que não seja a mera verbalização das palavras obscenas, sendo absolutamente incapaz de pôr em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do visado, o aqui assistente C.... Traduz um comportamento revelador de falta de educação e de baixeza moral, que fere as regras do civismo exigível na convivência social. Contudo, esse tipo de comportamento, socialmente desconsiderado, tido por boçal, medíocre e violador das normas consuetudinárias da ética e da moral, é destituído de relevância penal - Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 25/06/2003, in www.dgsi.trp.pt. proc. n° 0312710.
7-Ora, sendo assim, na medida em que a expressão imputada ao arguido, apesar de censurável do ponto de vista moral, não assume relevância penal nos termos que lhe fora atribuído.
8-No entender da douta sentença recorrida a expressão proferida surge «no quadro de uma discussão para a qual não deixou de contribuir o comportamento do assistente», não podemos deixar de ter em consideração que quando o arguido chegou ao local, o assistente em voz alta dirigiu ao mesmo várias vezes a expressão "és um cachopo" pelo que dado o comportamento provocatório do assistente, foi ao ponto de tirar o ora recorrente do sério. Não há harmonia de conclusão quanto à atuação dolosa de «culpa moderada», e antes caberá a qualificação de culpa muito moderada, reconduzível até à ação ou atuação do arguido a uma provocação do ofendido, que até podendo ser lícita, é de qualificar de repreensível, no caso concreto, para efeitos do art. 186, n° 2, do Código Penal, o que deveria ter determinado a própria dispensa de pena, nos termos do comando legal referido.
9-A isenção de pena seria a correta decisão jurídica do caso, pois como se retira da douta sentença recorrida «tratou-se de uma discussão cujas consequências, apesar de reprováveis, a sociedade em geral tolera»;
10-Com efeito, a prova invocada pela M.mº Julgador para ancorar tal espécie de juízo, encarada globalmente, não se alcandora ao grau de firmeza necessário para balizar uma condenação pelo crime injuria.
11-Pelo exposto, a prova em causa emerge caracterizada por uma notória rarefação e destituída das peculiaridades necessárias a balizarem uma condenação.
12-Até porque ao agir como se agiu sacrificou-se inexoravelmente - o princípio da presunção da inocência com plasmação constitucional no artigo 32, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
13-Tal tipologia de raciocínio é absolutamente contrária ao postulado constitucional agora convocado.
14-Por outro lado, o princípio agora chamado a terreiro também se mostra desconsiderado numa sua outra indiscutível vertente; Exatamente enquanto princípio probatório traduzido na ideia do in dubio pro reo.
15-Quanto ao crime de dano, pelo qual vem o arguido ora recorrente condenado, salvo o devido respeito por melhor opinião, não tendo os factos praticados pelo arguido consubstanciado a prática de um crime de que vem pronunciado, a ter existido dano, o que não se concebe e que só se admite por mero efeito de raciocínio,
16-O importante é que a danificação (ou qualquer uma das outras três condutas que configuram o dano) atinja um certo patamar mínimo de danosidade social, não podendo pertencer à área de tutela deste crime as ações que não impliquem destruição, danificação, desfiguração ou inutilização minimamente significativas (cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Março de 1998, CJ, Il, p. 141).
17-Ora, resulta dos factos provados que ninguém viu as amolgadelas no tejadilho do veículo, estes são apenas mencionados pelos assistentes, de uma forma desordenada, ilógica no exagero que como foi descrita, não credível.
18-Mas, o certo é que, "nada diz que estragos foram esses e também não se quantificam", como argutamente observa e se interpreta dos factos provados. Ou seja, não resulta apurado nem se vê que o dito bem tenha sofrido um estrago substancial, com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica, com relevância bastante, em termos criminais.
19-Ora, na quantificação da indemnização de € 600,00 fixada em primeira instância a título de dano patrimonial, mostra-se completamente desproporcionada e desfasada da realidade jurisprudencial e socioeconómica do arguido, a mesma peca pelo excesso.
20-Dispõe o n° 1 do art. 71 do C. Penal, continua a ser um afloramento do princípio geral de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta. Mesmo para aqueles que defendem dar ao novo código penal uma maior relevância à prevenção geral deve a "culpa" do agente ser o limite da pena.
21-O Código penal, em sede de medida concreta da pena, adotou a "teoria da margem de liberdade, nos termos da qual a pena concreta é fixada entre o limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e ai intervindo dentro desses limites os outros fins das penas 44 - cfr., neste sentido, o Ac. do STJ, de 15/021995, Proc. n.º 44.848. É certo que se a "culpa" é a pedra basilar de toda e qualquer pena, certo é também que não podem ser esquecidas as exigências de prevenção de futuros crimes.
22-A verdadeira função da medida da culpa reside, efetivamente, numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral de integração, sejam de prevenção especial de socialização.
23-A culpa jurídico-penal traduz-se numa censura dirigida ao agente, em virtude da atitude desvaliosa e reflexa num certo facto e, assim, num concreto tipo de ilícito.
24-Estes princípios que devem nortear a determinação da medida da pena, sem esquecermos que esta deve ser sempre uma pena Justa, ou seja uma pena que seja aceite e compreendida quer pelo arguido - a quem é em primeira linha dirigida, quer pela generalidade dos cidadãos - titulares originários do direito de punir.
NORMAS VIOLADAS
O Tribunal a quo fez incorreta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 70, 71, 72, 74 e 13, todos do Código Penal e dos artigos 181 n.º 1, 186 n.º 2, art. 212 nº 1, do C. P., artigo 32 da CRP, e art. 410 n.º 2, aI. b) do C. P.P.
- O Tribunal, se tivesse aplicado criteriosamente os ensinamentos da experiencia comum, manejando aqueles normativos, não teria ficcionado a verificação e existência dos factos probandos, e teria proferido sentença optando quanto a estes por um "non liquet" e fazendo uso do principio "in dubio" teria de ter absolvido o arguido.
PEDIDO
Somos de parecer que o recurso merece provimento, e, em consequência:
Ser revoga da a decisão recorrida por outra favorável ao arguido, ser alterada a decisão em matéria de facto nos termos e com os fundamentos alegados na motivação, e, consequentemente ser o arguido absolvido dos factos de que foi acusado e por que foi condenado, quanto ao crime de injurias e o crime de dano igualmente ser absolvido do pedido de indemnização civil contra ele formulado, caso assim não se entenda sempre deva ser aplicar a dispensa de pena.
Respondeu o assistente C..., concluindo:
1.O tribunal a quo apreciou e valorou corretamente a prova produzida, pelo que, a sentença recorrida não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410 nº 2 aI. a) do C.P.P.
2.Perante a factualidade dada como provada, a sentença do tribunal a quo não poderia deixar de considerar preenchidos os elementos típicos do crime de injúrias p. e p. pelo art. 181, nº 1 do Código Penal.
3.Não se pode confundir insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada com uma diferente convicção em termos probatórios de uma diversa valoração da prova produzida em audiência;
4.O tribunal “a quo" observou o principio da livre apreciação da prova previsto no art. 127 do CPP;
5.Por outro lado a mesma não violou qualquer disposição legal, nem enferma de quaisquer nulidades, irregularidades ou omissões, designadamente o artigo 32 nº 2 da CRP, bem como os princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade, da subsidiariedade do direito penal e in dubio pro reo.
6.A douta decisão recorrida encontra-se devidamente elaborada e fundamentada, designadamente, no que concerne ao crime de injúrias na pessoa do assistente e quanto à parcial procedência do pedido de indemnização cível, em que o demandado/arguido foi condenado, pelo que deve ser mantida na íntegra.
Deve ser negado provimento ao recurso.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- Invoca, além do mais, o recorrente, que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, porquanto C... e B..., assistentes nos presentes autos, não fizeram qualquer referência ao facto de aquele ter apelidado o primeiro de "sacana”.
2- Olvida o recorrente que o Tribunal a quo descartou, na sua quase totalidade, os depoimentos dos assistentes, bastando-se, para formar a sua convicção, com as declarações de … , as quais foram depois confirmadas por … .
3- Aquelas afirmaram, perentoriamente, ter ouvido o arguido a dirigir a supra mencionada expressão ao assistente, a saber: "(...) dirigiu-se ao pai que ele não tinha nada que lá ir ver a filha, que a filha era dele, que não tinha nada que lá ir, e (...) chamou-lhe sacana e ladrão e que tinha destruído a vida dele” (registado no Sistema Habilus Media Studio das 00:03:57-00:04:23) e "chamou ladrão ao pai e sacana” (registado no Sistema Habilus Media Studio das 00:05:29-00:05:35).
4- Cumpre salientar que o Juiz de 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada face aos demais, decorrente dos princípios da oralidade e imediação, que lhe permite, fruto do contacto direto que estabelece com os sujeitos processuais, aferir da credibilidade de cada um dos depoimentos prestados perante si.
5- Assim, e muito embora assista ao julgador uma certa margem de discricionariedade no momento da formação da sua convicção sobre a prova produzida, este deverá sempre ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional o caminho percorrido para alcançar a sua decisão.
6- No caso em apreço, atenta a fundamentação lógica e coerente das razões que presidiram à formação da convicção do Tribunal a quo, cremos que o julgamento da matéria de facto operado na douta sentença, ora recorrida, não merece qualquer censura.
7- Por outro lado, entendemos também que a expressão "sacana", atento o contexto em que foi proferida (de tensão entre o arguido e o assistente, seu pai) tem a virtual idade de incomodar e ferir a suscetibilidade do visado e, bem assim, mostra-se perfeitamente adequada a atingir o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à sua dignidade.
8- A conclusão a que agora chegámos surge corroborada pelo depoimento de José Carlos Gomes Abreu, o qual confirmou "a vergonha, a humilhação, a amargura e os aborrecimentos sentidos pelos assistentes em consequência da conduta do erguido”,
9- Por fim cumpre salientar que a dispensa de pena prevista no artigo 186, do Código Penal, não tem aplicação no presente caso, porquanto os requisitos ali elencados não se mostram preenchidos.
10- Insurge-se, por fim, o arguido contra a medida da pena de 115 dias de multa, à taxa diária de 8,00 euros que lhe foi aplicada pela prática de um crime de injúria e de um crime de dano.
11- Ora, tendo em conta os factos dados como provados na audiência de discussão e julgamento não nos merece qualquer censura tal medida concreta encontrada para a pena de multa, já que nenhuma circunstância foi apurada que imponha a aplicação de uma pena inferior.
12- Nesta conformidade, discordando do recorrente, entende o Ministério Público que a pena aplicada se revela adequada e justa, não violando qualquer normativo, designadamente o artigo 47, n.º 2, do Código Penal.
Deverá ser negado provimento ao recurso em análise e mantida a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
Nesta Relação, a Ex.mª PGA emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, nomeadamente no que concerne ao crime de injúrias, entendendo que a expressão proferida não tem relevância penal e se quedará pelo censurável do ponto de vista moral e social.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
***
São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
II. FUNDAMENTAÇÃO
1.Matéria de facto provada
Mostram-se provados com relevância para a decisão da causa os seguintes factos:
1. No dia 9 de Novembro de 2010, os assistentes C... e B... dirigiram-se à casa de … (antiga companheira do arguido A...), sita na Rua … , área desta comarca de Pombal, a fim de visitarem e conhecerem a filha recém-nascida, neta do assistente.
2. No decurso da visita, o arguido telefonou a … , tendo-lhe esta comunicado que o pai e a companheira, referindo-se aos assistentes, se encontravam naquele local a visitar a neta.
3. Denotando o arguido não pretender que os assistentes ali continuassem, uma vez que se encontrava desavindo com seu pai (o aqui assistente), deslocou-se então à casa da sua antiga companheira, tendo chegado cerca das 15 horas e 30 minutos, num momento em que os assistentes e … (um amigo destes) já se encontravam no interior do veículo de marca Citröen C1, de matrícula … , de cor vermelha, para abandonar o local.
4. O mencionado veículo é propriedade da assistente B... e era conduzido pelo assistente C....
5. Então, o arguido, de viva e alta voz, na presença dos assistentes e demais pessoas que ali se encontravam, dirigiu-se ao assistente C..., seu pai, ao mesmo tempo que o chamava para fora do veículo com intenção de o agredir e proferiu a seguinte expressão: “sacana”.
6. Após proferir tal expressão, o arguido desferiu dois ou três pontapés no para-choques e mala traseira do veículo de matrícula … e dois ou três murros no tejadilho da viatura, causando uma mossa no tejadilho e estragos na pintura.
7. A expressão dirigida pelo arguido ao assistente C... foi proferida de forma voluntária e consciente, com intenção de o ofender na sua honra, dignidade e consideração, como na realidade ofendeu.
8. Ao agir da forma descrita, o arguido atuou de forma livre, com o propósito concretizado de amolgar o referido veículo, bem sabendo que causava prejuízo patrimonial à ofendida B..., resultado esse que representou.
9. Sabia ainda o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
10. O assistente C... sentiu-se enxovalhado, envergonhado, humilhado e amargurado com a expressão que lhe foi dirigida pelo arguido, para além de angústia, sofrimento e aborrecimento ao ser vexado.
11. Os assistentes deslocaram-se à G.N.R. de Ansião para apresentar queixa-crime e para aí serem ouvidos, aos Serviços do Ministério Público deste Tribunal Judicial, a fim de aí serem também ouvidos em sede de inquérito, e ao escritório do seu advogado para este acompanhar o processo, deduzir a acusação particular e formular o pedido cível.
12. Em consequência dos estragos provocados pelo arguido no seu veículo, a assistente viu-se obrigada a recorrer aos serviços da marca Citröen, nas ..., nomeadamente junto das oficinas da sociedade “ …, Lda”, com filial em … ....
13. A dita oficina apresentou o orçamento cuja cópia consta de fls. 73 dos autos (aqui dado por reproduzido).
14. A assistente sofreu aborrecimentos e incómodos por ver o seu carro amolgado e com necessidade de ser reparado.
15. O arguido é pessoa bem considerada pelas pessoas que com ele convivem.
16. É solteiro e reside com sua mãe em casa desta.
17. Explora uma loja de acessórios para veículos automóveis (“tuning”), pagando mensalmente cerca de 350 € a título de renda pela ocupação do espaço comercial.
18. Para além dos rendimentos que retira desta atividade, não concretamente apurados, aufere uma pensão anual de invalidez de 5 964 €, posto que sofreu um acidente de trabalho, tendo cortado os tendões do membro superior direito, padecendo de uma incapacidade parcial de 16,7 %.
19. Tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
20. O arguido não tem antecedentes criminais.
2. Matéria de facto não provada
Por sua vez, não se mostraram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. O arguido A... dirigiu ainda ao assistente C... as seguintes expressões: “cabrão”, “filho da puta” e “chulo”.
2. Dirigiu-se igualmente de viva e alta voz à assistente B... e proferiu as seguintes expressões: “vieste para aqui com este esterco”, “estás aí acompanhada de uma puta, pior que essas da beira da estrada”, “para arranjar homem foi para o S. Sebastião que cá fora não arranjava nenhum homem” e “teve que arranjar um homem para comer tudo o que era para nós”.
3. O arguido desferiu vários murros e pontapés nos vidros e portas laterais esquerdas, no guarda-lamas e para-choques da frente e no espelho retrovisor direito do veículo Citröen C1, de matrícula … , causando diversas amolgadelas e estragos na pintura nesses locais.
4. As referidas amolgadelas e estragos causaram um prejuízo à assistente de 1. 054,13 €.
5. As expressões dirigidas à assistente B... pelo arguido foram proferidas de forma voluntária e consciente, com intenção de a ofender na sua honra, dignidade e consideração, como na realidade ofendeu.
6. A assistente nunca teve qualquer contacto com o arguido, nem este alguma vez lhe dirigiu palavra.
7. A assistente comparticipou na lembrança que o assistente levou à sua neta.
8. O assistente sempre quis fazer do arguido um homem para a vida, para o trabalho e fez todos os sacrifícios para poder dar-lhe conforto, carros, motas e dinheiro.
9. O assistente entra em crise de choro quando se fala no que viu e ouviu, tendo sofrido dores.
10. A assistente B..., ao ouvir as expressões que o arguido lhe dirigiu, viu denegrir a sua postura e o seu porte como mulher honesta e séria.
11. Tais expressões deixaram-na abalada, humilhada, envergonhada, enxovalhada e incomodada, pelo que foram inúmeras as dores, as angústias, os sofrimentos, as chatices e os aborrecimentos provenientes da conduta do arguido, tendo-lhe sido doloroso ouvir tais expressões.
12. Quando se fala no assunto, a assistente entra em desespero.
13. Em viagens e tempo perdido nas suas deslocações, pelo menos 5 dias, os assistentes perderam pelo menos a quantia de 125 € e em viagens pelo menos 50 €.
14. A escolha dos assistentes no mesmo advogado foi efetuada por forma a que a quantia a despender por ambos não fosse tão elevada, tendo ambos que pagar pelo menos a quantia de 600 €.
3. Motivação da decisão de facto
O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, sendo de salientar, desde logo, que o arguido A... exerceu o seu direito de não responder às perguntas sobre os factos que lhe eram imputados, escudando-se no seu “direito ao silêncio”.
Por outro lado, o assistente C... não foi merecedor de um juízo de credibilidade.
Efetivamente, apresentou um discurso demasiado emotivo, exageradamente expressivo e minucioso (sem lograr fazer a destrinça entre os factos puramente acessórios e os essenciais para o objeto do processo e relativamente aos quais, no fundo, apresentou a sua queixa), denotando ressentimento para com o arguido, bem patente no modo como o qualificou em mais de uma ocasião como “uma fera”, aludindo à forma como o mesmo chegou ao local onde se encontrava, para além de muito pouca tranquilidade, quer aquando das suas declarações, quer posteriormente, meneando frequentemente a cabeça, agitado, chegando mesmo a interromper o depoimento de uma testemunha, o que levou o Tribunal a providenciar pela sua retirada da sala de audiências.
Ademais, evidenciou notórias dificuldades de audição, tendo ficado o Tribunal com razoáveis dúvidas sobre a veracidade das suas declarações, pois se a 2 ou 3 metros teve dificuldade em ouvir as perguntas que lhe foram colocadas em audiência, certamente terá sido acrescida a sua dificuldade em ouvir as expressões proferidas na ocasião pelo arguido, tanto mais que asseverou que já se encontrava no interior do veículo, com os vidros fechados.
Também à assistente B... não foi conferida credibilidade.
Na verdade, tal como fizera já o ofendido, a assistente debitou durante largos segundos um conjunto de expressões que não constavam sequer da acusação particular, fazendo-o em tom constante, sem variações ao nível da acentuação ou da expressividade, quase em jeito de ladainha, chegando mesmo a ser interrompida dado o período de tempo que demorou a enunciar as expressões alegadamente proferidas pelo arguido. Denotou, com isso, pouco descomprometimento e escasso distanciamento relativamente à matéria de facto que estava a ser discutida, relativa parcialidade e empenhamento que inquinaram as suas declarações.
Ainda assim, pelo modo mais seguro como lhes fizeram alusão, acabou por ser transposta para a matéria de facto provada a finalidade subjacente à visita que ambos fizeram à neta do assistente, filha do arguido, contextualizando com maior naturalidade e calma as circunstâncias de tempo e de espaço em que os factos ocorreram.
Decisivo para o apuramento dos factos, pela inteira objetividade, isenção e imparcialidade demonstradas, revelou-se o depoimento da testemunha … , irmã da antiga companheira do arguido, a qual se encontrava presente no local, quer aquando da visita dos assistentes à filha do arguido, quer posteriormente, aquando da chegada do arguido, tendo assistido a todos os acontecimentos.
Assim, fez alusão à conversa telefónica entre a sua irmã e o arguido e ao modo como este ali acorreu e reagiu à presença de seu pai e da assistente, numa altura em que estes já se encontravam no interior do veículo Citröen. Reconstituiu os factos através de um discurso claro, coerente, dando respostas prontas às perguntas com as quais foi confrontada, demonstrando inequívoca segurança e desembaraço, assim tendo feito alusão às expressões “sacana” e “ladrão” que o arguido dirigiu ao assistente, asseverando não ter ouvido nenhuma das expressões constantes da acusação particular relativamente à ofendida, o que repetiu clara e perentoriamente em mais do que uma ocasião, auxiliando o convencimento do Tribunal no apuramento apenas daquela primeira expressão – posto que o epíteto “ladrão” não constava do libelo acusatório – e na transposição para a matéria de facto não provada de todas as expressões que a assistente imputava ao arguido.
Por outro lado, foi através da mesma postura descomprometida e serena, em contraste com a dos assistentes, que esta testemunha realçou que o arguido desferiu dois ou três murros no tejadilho do veículo e dois pontapés na parte de trás do carro, contribuindo decisivamente para o apuramento dos correspondentes factos e para que não fossem dados como provados os demais murros e pontapés referenciados na acusação pública, pois apesar de instada diretamente sobre a existência de murros e pontapés noutras partes do veículo (nomeadamente, na dianteira e portas do veículo) respondeu perentoriamente e sem vacilar não terem os mesmos sido desferidos.
Por tal motivo e face à discriminação no orçamento de fls. 73 de um conjunto de danos que não encontram correspondência nem nexo causal com a comprovada atuação do arguido, deu apenas o Tribunal como provada a apresentação de tal orçamento, não que os danos resultantes da atuação do arguido tivessem ascendido ao valor ali aposto.
O depoimento da testemunha … foi corroborado, no essencial, pelo da testemunha … , sua mãe e igualmente progenitora da antiga companheira do arguido, que também se encontrava na residência aquando da visita dos assistentes, contribuindo para a aferição desses factos, assim como para prova da conduta do arguido, dado que a ela assistiu parcialmente.
Na verdade, prestou também esta testemunha um depoimento inequivocamente sério, imparcial e distanciado dos sujeitos processuais desavindos, apresentando um discurso pausado, sereno e tranquilo, o que lhe conferiu um especial juízo de credibilidade, tal como à testemunha anterior sua filha.
Daí que o Tribunal tenha atendido às expressões “sacana” e “ladrão” – esta última sem tradução na matéria de facto, pois não constava das acusações – por esta enunciados como tendo sido as que foram unicamente dirigidas pelo arguido a seu pai, negando a verbalização das restantes expressões que constavam da acusação particular dos assistentes e que aos mesmos terão sido dirigidas, reforçando decisivamente a convicção do Tribunal nessa matéria, nos moldes sobreditos.
O mesmo se diga dos pontapés desferidos unicamente na parte de trás do veículo, os quais enumerou como tendo sido em número de dois ou três, salientando com imparcialidade não ter visto quaisquer murros mas que se ausentou momentaneamente do local, para tratar de sua neta, e que poderá ter sido esse o motivo pelo qual não assistiu na íntegra à conduta do arguido.
Por seu turno, a testemunha … , antiga companheira do arguido, apesar de ter denotado maior tranquilidade que os assistentes, confirmando desde logo as circunstâncias de tempo e de espaço descritas na acusação, revelou um discurso mais comprometido do que o das testemunhas anteriores, referindo de modo mais lacónico e através de um discurso cuidadoso não ter visto o arguido a adotar os comportamentos que lhe eram imputados, não tendo tido um contributo acrescido para o apuramento dos factos em discussão.
Também a testemunha … não apresentou uma postura e um discurso suficientemente credível e convincente para que o Tribunal nele tivesse acreditado inteiramente, em termos de levar ao apuramento de outras condutas não descritas ou mesmo negadas pelas testemunhas … e … .
Com efeito, falou sempre apressadamente, com alguma agitação, gesticulando, interrompendo o discurso ou as perguntas dos seus interlocutores e polvilhando a sua reconstituição dos factos com juízos de valor sobre a atuação do arguido (de que “parecia uma fera autêntica” e “enraivado de todo” são meros exemplos), com referências subjetivas e por vezes aparentemente exageradas (como por exemplo “um murro tão grande”, “a uma velocidade maluca”, “grande estrondo”, “foi muito mau”, “ficaram parvos”), chegando mesmo a dizer, sem qualquer correspondência na demais prova produzida, que o veículo da ofendida ficou com amolgadelas em número de 10 a 20 (!).
Em todo o caso, devidamente depurado o seu discurso, acabou o Tribunal por dar como provada a vergonha, a humilhação, a amargura e os aborrecimentos sentidos pelos assistentes em consequência da conduta do arguido, o que, aliás, face à atuação do arguido, resulta mesmo das regras da experiência comum.
Já o depoimento da testemunha … , chefe da oficina a que alude o orçamento de fls. 73, serviu para apuramento da efetiva emissão de tal documento e da mossa existente no tejadilho e dos estragos na pintura nas partes do veículo onde o arguido desferiu os seus pontapés, posto que os demais danos ali feitos consignar não encontram, repete-se, correspondência com a comprovada atuação do arguido.
Diferentemente, a testemunha … não teve qualquer contributo para o apuramento dos factos em discussão, dado que aparentemente não terá assistido à totalidade dos mesmos, tendo revelado insegurança no respetivo discurso, falando baixo, mediantes frases curtas e sem grande desenvoltura.
Por sua vez, o depoimento da testemunha … , advogado que patrocinou o arguido em ação intentada em Tribunal de Trabalho, auxiliou o Tribunal no apuramento da consideração social devida ao arguido, do rendimento anual auferido pelo mesmo a título de pensão de invalidez e grau de incapacidade, factos dos quais demonstrou ter conhecimento direto.
Também a testemunha … , mãe do arguido, acentuando com prontidão as desavenças existentes entre arguido e assistente (seu ex-marido), contribuiu para o apuramento da situação familiar e profissional do arguido, factos aos quais depôs com maior tranquilidade, após alguma agitação, nervosismo e ressentimento demonstrados quando instada a falar sobre o passado do assistente.
Devidamente conjugados com tais declarações e depoimentos, baseou-se o Tribunal, para além daqueles a que já se fez referência, no teor dos documentos de fls. 2 a 4 e 71 (exclusivamente quanto às idas dos assistentes à G.N.R. de Ansião e aos Serviços do Ministério Público deste Tribunal, resultando das regras da experiência comum que também terão consultado o seu Ilustre advogado, dada a natureza dos crimes aqui em presença) e 157 a 166 (no que respeita ao apuramento da marca, modelo e matrícula do carro da ofendida, assim como quanto aos danos, ainda que com as limitações ao nível da prova acima deixadas em relevo).
Foi ainda tomado em consideração o C.R.C. do arguido junto aos autos no que respeita aos seus antecedentes criminais.
Finalmente, os restantes factos dados como não provados, ainda não aforados, resultaram da circunstância de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova em audiência de julgamento, não lhes tendo sido feita menção.
***
Conhecendo:
Analisemos a questão suscitada:
- Errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos 5 a 10 dos provados.
- absolvição do crime de injurias ou, quando assim se não entenda, ser o mesmo dispensado de pena.
- Violação do princípio in dúbio pro reo.
- Não preenchimento dos elementos do tipo de crime –dano-.
- Pedido cível – indemnização desproporcionada.
- Medida da pena.
+++
Impugnação da matéria de facto:
Errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos 5 a 10 dos provados.
Alega-se o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.
O tribunal tem de decidir, após apreciação da prova nos termos do disposto no art. 127 do CPP, e só em caso de dúvida decide em benefício do arguido.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto e o recurso não serve para um novo julgamento.
E, apenas há lugar a renovação da prova quando se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do art. 410 do CPP, tal como preceitua o art. 430 nº 1 do mesmo diploma.
E, no caso presente inexiste qualquer dos vícios ali elencados.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, que lhe imputa a prática de um crime de injúrias, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.
Assim que, se entenda que é possível dar como provados factos fundando-os num só depoimento, desde que o mesmo seja convincente.
E, relativamente à matéria impugnada, sendo que nesta fase apenas interessa o facto objetivo, de saber se foi, ou não, proferida a expressão “sacana”, temos que há o depoimento das testemunhas …. que de forma “perentória” afirmam ter sido produzida a expressão.
Depoimentos objetivos, isentos e reveladores de como os factos aconteceram, dado os terem presenciado.
Questão diferente é a suscitada no parecer da Exmª PGA acerca da relevância jurídico/penal da expressão “sacana”.
Dessa relevância, ou não, se pode partir para o facto constitutivo do elemento subjetivo do tipo, pois que o elemento subjetivo do crime se retira dos factos objetivos provados.
As regras da experiência a essa conclusão conduzem, e a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CP.
Refere Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (e testemunhas) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afete o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de exceção, adotar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Como se refere no recurso desta Rel. nº 4172/05, de 15-03-2006, “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso”.
Como se salienta no Ac. da rel. de Lx. de 12-12-2006, in col. jurisp. tomo V, pág. 136, “o local ideal para apreciar criticamente as provas é a audiência de discussão e julgamento, em que os julgadores dispõem de melhores condições para as apreciar. A conclusão que se impõe é que, perante o texto da decisão recorrida, nada ressalta que indique apreciação notoriamente errada”.
O que in casu se não verifica.
E, diremos que o preceituado no art.127 do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
O alegado pelo recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável (não violação do princípio in dúbio pro reo), sobre a verificação dos factos imputados ao arguido.
O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira da recorrente, substituindo-se ela-recorrente ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um mereceu e as inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.
Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos, inexistindo violação do princípio in dúbio pró reo.
Quanto à matéria de facto referente ao elemento subjetivo do tipo de crime injurias, pontos 7 e 10 dos provados, porque devem resultar do elemento objetivo provado só, só devem resultar provados se aquele elemento objetivo tiver relevância penal.
O que não é o caso, como tentaremos demonstrar, em concordância com o parecer da Exmª PGA.
Crime de injuria:
Coloca-se em causa a prova e a apreciação da mesma, essencialmente quanto aos que enquadram o elemento subjetivo do tipo, a intenção de ofender, pontos 7 e 10.
E, a nível de matéria de direito entende-se que o facto imputado «sacana» não é objetivamente suscetível de integrar o ilícito pelo qual o arguido foi condenado -injuria.
Pelo que interessa antes de mais, averiguar se os factos provados integram o elemento objetivo do crime imputado, dado que na sentença recorrida se entendeu que sim.
O crime de injúria está inserido no capítulo dos crimes contra a honra, bem jurídico que o legislador penal quis proteger, reafirmando a importância que já lhe era dada pela Lei Fundamental (cfr. Artigo 26 da Constituição da República Portuguesa), sendo esta entendida como um aspeto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radica na sua inviolável dignidade. Ora, a ação típica do crime contra a honra consiste numa manifestação de menosprezo que seja idónea para afetar tal bem jurídico nas circunstâncias concretas em que é utilizada. A conduta, para integrar o tipo legal, deve ser ainda adequada a produzir a ofensa nos bens jurídicos tutelados. A adequação das expressões para atingir o bem jurídico protegido deve ser feita, não de acordo com a suscetibilidade pessoal de quem quer que seja (o direito penal protege direitos fundamentais dos cidadãos e não particularidades deste ou daquele sujeito), mas sim tendo em conta a dignidade individual a que todos têm direito (dependente no entanto das diferenças no significado das expressões de região para região).
Tais crimes consubstanciam-se na violação daquele “mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo (médio) possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”, violando ainda, “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum deles ... possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público “ – Beleza dos Santos, in R.L.J., ano 92, p. 167 e 168.
Deste modo, a imputação de um facto é idónea para lesar a honra quando é adequada a desacreditar, desprestigiar ou diminuir o seu bom nome perante a opinião pública; o facto não necessita de ser ilícito ou ter carácter criminoso, tem é que ser suscetível de lançar o descrédito e a suspeita perante a opinião pública.
Como refere o Prof. Beleza dos Santos (RLJ, ano 92º, página 165) e é entendimento unânime e atual, tanto na Doutrina como na Jurisprudência, “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível”. É que há “pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo seu eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem e pensam ou outros, que se consideram ofendidos por palavras ou atos que, para a generalidade das pessoas, não constituem ofensa alguma”.
Nestes casos não podemos considerar que existe crime de difamação ou injúria, pois que “Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”.
Com efeito, “O direito criminal não pune por motivos unicamente individuais, mas pela projeção social dos crimes” (cfr. Acórdão do S.T.J., de 28.06.2006, proferido no processo nº 2315/06).
O detentor deste bem jurídico é, como entende o Prof. Faria Costa (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, página 602), o próprio sujeito, a própria pessoa de quem ela é qualidade intrínseca ou atributo.
A injúria consiste na imputação de factos ou na formulação de um juízo, mesmo sob a forma de suspeita, ofensivos da honra e consideração de determinada pessoa.
Contrariamente ao crime de difamação o crime de injúria exige que os factos ocorram na presença do ofendido.
Um e outro têm natureza dolosa, em qualquer das formas previstas no artigo 14 do Código Penal, não se exigindo para o preenchimento do elemento subjetivo que o agente queira atingir a honra e consideração da pessoa visada, bastando que tenha consciência de que os factos são ofensivos da honra e consideração da mesma e que a sua atuação é proibida por lei.
Atentos os factos provados, verifica-se que não está desde logo demonstrado o elemento objetivo do crime pelo qual o arguido vem acusado, pelo facto de considerarmos que a expressão proferida pelo arguido «sacana» não configurar ilícito criminal, por não ser ofensiva da honra ou consideração.
A honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal e interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior – Prof. Faria Costa, Comentário Conimbricense do código Penal, tomo I -607.
Consideração é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objetiva, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública – Cfr. Ac. da Rel. Lx. De 6-02-1996, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 156.
No caso concreto está em causa a expressão, “sacana”, proferida pelo arguido e quando soube que o assistente tinha ido visitar o seu filho (neto do assistente), a casa a ex–companheira.
Assistente e arguido, pai e filho andam de relações cortadas.
Esta expressão é objetivamente ofensiva do respeito e consideração devidas a qualquer indivíduo (ainda mais de filho para pai), mas dela não se pode extrair, sem mais, que o arguido quis ao proferir tal expressão denegrir a honra e consideração do assistente. A generalidade das pessoas assim o entenderia.
O modo ou forma como a expressão “sacana” foi produzida não era adequada a desacreditar ou desprestigiar ou diminuir o bom nome do assistente perante a opinião pública.
Embora raiando as fronteiras da ofensa (porque o desagrado em a pessoa que foi ver o seu filho (do arguido) andava de relações cortadas consigo, pese o facto de ser seu pai, poderia ser expressa em outros termos), temos que, objetivamente, não há factos injuriosos ou difamatórios e ofensivos.
A expressão proferida que, na perspetiva do assistente, foi ou seria apta a vexá-lo ou humilhá-lo, afigura-se-nos, salvo o respeito devido, não possuir idoneidade objetiva a fim de preencher o tipo incriminador em causa.
De facto, se unanimemente vem sendo entendido que nem todo o facto que envergonha, perturba ou humilha é injurioso ou difamatório, "... tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa" - cfr. Oliveira Mendes, in O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal, 37 -, mais relevantemente cumpre considerar a natureza subsidiária do direito penal, decorrente do princípio da necessidade enquanto matriz orientadora em matéria de direitos fundamentais, e erigida esta a princípio jurídico-constitucional, com assento no preceito geral contido no art. 18, nº 2 da Lei Fundamental.
Decorrendo de tal natureza subsidiária um princípio de intervenção mínima do direito penal, ou ultima ratio da intervenção da jurisdicidade, significa isso que não deve tal intervenção ocorrer quando seja possível proteger o bem jurídico – com idêntica ou superior eficácia - através de distintas e menos onerosas intervenções tutelares - neste mesmo sentido vide Faria Costa, Comentário Conimbricence do CP , 1-683 (anotação ao art. 187°).
Ora, injúria (e a difamação não é senão uma forma de injúria “indireta”) é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo, ou vilipêndio contra alguém, dirigida, tal manifestação, ao próprio visado. Com a incriminação de manifestações conducentes a tal resultado pretende-se salvaguardar, prevalentemente, a chamada honra subjetiva, ou seja, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal - cfr. Nelson Hungria, citado no Ac. da RL de 26.10.00, in CJ, IV-154. A injúria não se pode confundir com a mera indelicadeza ou mesmo com a grosseria, como se nos afigura ser o caso agora em análise: efetivamente, a expressão proferida verbalmente não ultrapassa o nível discursivo da indelicadeza ou grosseria, apta a qualificar pejorativamente quem a produziu, mas inócua para atingir as referenciadas honorabilidade ou respeitabilidade da pessoa a quem são dirigidas.
Não deve considerar-se ofensiva da honra e consideração de outrem, aquilo que o queixoso entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais – Prof. Beleza dos Santos in RLJ 92-168.
Por isso que, não atingindo a palavra em apreço o âmbito normativo do tipo legal, ou por outras palavras por não se nos afigurar conduta jurídico-penalmente relevante, ou seja, por não constituir crime, deve proceder o recurso e alterar-se a sentença.
Como refere o Ac. desta Relação de 06-01-2010, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 42, “a ofensa à honra e consideração, no sentido pressuposto pelas normas que lhe conferem tutela penal não é suscetível de confusão com a ofensa às normas de convivência social ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras ainda que direcionadas para pessoa identificada”.
No caso sub judice, tal não se verifica os factos não são injuriosos, ofensivos do bem nome, honra e consideração.
Como salienta o Cons. O. Mendes in ob. cit. pág. 38, “há um consenso na generalidade das pessoas sobre o que razoavelmente se não deve considerar ofensivo…Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros”.
In casu, raiando a fronteira dos limites corretos, temos o comportamento do arguido desrespeitoso e nada educado e cortês, tanto mais que dirigiu a expressão ao seu pai.
Mas como salienta o Cons. O. Mendes, ob. cit. pág. 39, “os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito”, mas “efetivamente, o direito penal, neste particular, não deve, nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências”.
Como se refere no acórdão desta Relação de 6-01-2010, não tendo as expressões proferidas pelo arguido “a virtualidade de causar dano à honra do assistente em qualquer das vertentes tuteladas”, não há necessidade de maior indagação, nomeadamente quanto à verificação do elemento subjectivo do tipo.
“Na medida em que as expressões imputadas ao arguido, apesar de censuráveis do ponto de vista moral, não assumem relevância penal, inútil se revela a tarefa de apreciação das demais questões suscitadas no recurso, uma vez que claudica a própria possibilidade de imputar ao arguido uma atuação relevante do ponto de vista do direito criminal”.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Assim que, não se verificando que os factos objetivos integram o tipo dos crimes, não pode dos mesmos retirar-se o elemento subjetivo.
Assim que, devem retirar-se dos factos provados os indicados sob os nº 7 e 10.
O que importa, em consequência, absolvição do arguido, quer do crime de injúria, quer do pedido cível atinente.
Crime de dano:
No crime de dano (art. 212 do Código Penal), o bem jurídico protegido é a propriedade, isto é, o dano protege a propriedade alheia contra agressões que atingem diretamente a existência ou integridade do estado da coisa.
O dano é um crime material, consumando-se com a efetiva destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa alheia.
São elementos do tipo objetivo de ilícito:
O objeto da ação "coisa alheia", sendo que:
- A coisa terá algum valor e a conduta lesiva se revista de algum relevo, para que o facto atinja o limiar da dignidade penal.
A ação - "destruir, danificar, desfigurar, tornar não utilizável":
A destruição (grau máximo de dano) significa a perda total da utilidade da coisa, implicando, normalmente, o sacrifício da sua substância (o processo causal não está tipificado - execução não vinculada).
A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma lesão preexistente.
Por desfigurar compreende-se, os atentados à integridade física que alteram a imagem exterior da coisa, querida pelo respetivo proprietário.
"Tornar não utilizável", abrange ações que reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função.
No caso vertente estará em causa a danificação.
Entende o recorrente inexistir crime por não haver dano relevante.
Como refere o Ac. da Rel. Porto de 19/09/2007, Rec. Penal nº 2543/07 - 4ª Sec., “Para haver crime de dano é necessário que a ação de destruição, danificação, desfiguração ou inutilização seja minimamente significativa”.
Aí se refere que, “considera-se que a danificação abrange os atentados à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição. Uma coisa danifica-se quando, sem perder totalmente a sua integridade, sofre um estrago substancial, com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, "Código Penal Anotado", 2000. 3ª ed., 2º vol., p. 799). Podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma já existente, a danificação pressupõe, segundo Costa Andrade (ob. cit., p. 222), que a coisa sofra uma deficiência tal que o seu estado atual se afaste negativamente do estado anterior. Entre os casos que cabem na descrição típica desta conduta, enumerados a título exemplificativo por este Autor, está, precisamente, o ato de riscar ou amolgar um automóvel”.
Como ficou provado, no ponto 6 dos provados, “o arguido desferiu dois ou três pontapés no para-choques e mala traseira do veículo de matrícula 07-HJ-75 e dois ou três murros no tejadilho da viatura, causando uma mossa no tejadilho e estragos na pintura”.
Está pois preenchido este elemento objetivo do tipo.
Importante é que a danificação (ou qualquer uma das outras três condutas que configuram o dano) atinja um certo patamar mínimo de danosidade social, não podendo pertencer à área de tutela deste crime as ações que não impliquem destruição, danificação, desfiguração ou inutilização minimamente significativas (cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Março de 1998, CJ, II, p. 141).
Mas in casu existe, contrariamente ao entendimento do recorrente, citando este Acórdão.
Assim, só há que concluir como na sentença recorrida, “Perante os factos assim dados como provados, é inequívoco que o arguido preencheu, com a sua conduta, o tipo objetivo do delito acima posto em evidência, mostrando-se manifesto que por força da sua atuação ficou tal veículo danificado”.
Pedido cível:
O recorrente pede a absolvição do pedido cível na sequência do seu entendimento de que seria alterada a matéria de facto e a mesma absolvido relativamente a ambos os crime imputados.
Como apenas se julga procedente o recurso relativamente ao crime de injurias pelo qual foi condenado, apenas relativamente a esses factos terá de ser reduzida a indemnização arbitrada.
Redução em 500,00€, quantia arbitrada ao demandante cível C... a título de danos morais.
Quanto ao mais e relativamente ao crime de dano, tem o recorrente a indemnização como desproporcionada.
Haveria que conhecer do pedido cível em separado.
Mas, para se poder conhecer do pedido cível em separado é necessário que o valor do pedido exceda a alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade desta alçada.
No caso concreto, o arguido/demandado foi condenado a pagar a quantia global de 1.490,00€, pelo que a desfavorabilidade para o recorrente/demandado não atinge sequer a metade do valor da alçada do tribunal de 1ª Instância.
Assim que não se pode conhecer do pedido cível em separado.
Medida da pena:
Requer o recorrente a dispensa de pena, alegando que a pena aplicada ultrapassa a medida da culpa.
Pensamos que o faz relativamente ao crime de injuria, tendo em conta o disposto no art. 186 do CP e, porque o crime de dano não contempla a figura jurídica de dispensa de pena.
No entanto, analisar-se-á a medida da pena em relação ao crime de dano.
Na sentença recorrida foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40 nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (as pessoas são ciosas dos seus bens e valores, património) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Tendo em conta estes considerandos, importa referir que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam necessidade de punição.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Na sentença se decidiu e bem pela aplicação de pena não detentiva.
E, tendo em conta a moldura penal, pena de 10 a 360 dias de multa, a pena em concreto aplicada mostra-se correta, bem doseada e bem merecida.
Não sendo questionada a taxa diária da pena de multa aplicada, embora se diga que a mesma ronda o patamar mínimo.
*
Pelo exposto, ser de julgar parcialmente procedente o recurso, nos termos expostos.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em conceder parcial provimento ao recurso do arguido A... e, em consequência:
1-Absolve-se o arguido da prática do crime de injurias pelo qual havia sido condenado, ficando sem efeito o cúmulo jurídico efetuado.
2-Absolve-se o arguido/demandado da indemnização arbitrada ao demandante e com base nesta condenação, ou seja, reduz-se a indemnização arbitrada ao demandante C... em 500,00€.
3-Quanto ao mais, mantém-se na íntegra a sentença recorrida.
Sem custas a parte crime por não haver decaimento total por parte do recorrente –art. 513 do CPP.
Custas da parte cível na proporção dos decaimentos (por demandantes e demandado).

Luís Teixeira (Relator)
Calvário Antunes