Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
435/05.2TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61º, 62º E 6º CP
Sumário: 1. O fim visado pelo legislador ao fixar os pressupostos de concessão da liberdade condicional “facultativa” é o de atingir um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade de o condenado se readaptar à vida social, sempre que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, assente que menos de seis meses de prisão efectiva não é considerado tempo bastante para se poder a ela atribuir seriamente uma clara e desejada finalidade socializadora, não sendo até então admissível emitir qualquer juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente.
2. Quando está em causa a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de 2/3 da pena de prisão, acentuam-se essencialmente razões de prevenção especial. Já serão razões de prevenção geral a aliar-se às de prevenção especial no caso da ponderação da concessão da liberdade condicionada a quem tenha apenas cumprido metade da pena.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.º 435/05.2TXCBR do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, recorre o arguido S … do despacho do Mmº Juiz, datado de 6 de Janeiro de 2010, que decidiu negar a concessão da liberdade condicional ao recorrente.

            2. Recorre tal arguido, concluindo, a final, o seguinte (em transcrição):

«Primeiro. Impugna-se o teor da sentença recorrida, particularmente quanto ao facto de ainda não se encontrarem satisfeitas as necessidades de prevenção especial e geral positivas com o cumprimento de metade da pena de prisão por parte do Requerente.

Segundo. Deverá ser considerado que o Relatório Social junto aos autos a fls. 33 a 37 é favorável à concessão da liberdade condicional ao Requerente, é favorável quer a nível de Condições de Reinserção Social, quer atento a Inserção Sócio-Familiar, quer quanto ao Trabalho e Ocupações, quer na Situação Económica e Condições de Subsistência e também na Saúde, o que se requer.

Terceiro. Deverá ser considerado que o Relatório Social supra mencionado prevê o acompanhamento médico do Requerente pela Equipa do Baixo Vouga, sita na Rua Marquês de Pombal, 38 10-133 Aveiro, o que se requer.

Quarto. Deverá ser considerado que o Requerente diligenciou no sentido de encontrar acompanhamento médico, atento a inércia do Estado na marcação de uma consulta médica (aguardou 2 anos), o que se requer.

Quinto. Deverá ser considerado que o Requerente por sua iniciativa teve uma consulta de sexologia, não teve mais nenhuma pois não surgiu outra marcação para o efeito, o que se requer.

Sexto. Deverá ser considerado que o Requerente concorda com o Plano de Reinserção Social junto aos autos a fls. 38 e 39, estando bastante motivado para o seu integral cumprimento, o que se requer.

Sétimo. Deverá ser considerado que o Requerente concorda que a sua conduta seja monitorizada e realizar vigilância e tratamento médico adequado, o que se requer.

Oitavo. Deverá ser considerado que existe um juízo de prognose favorável quanto à satisfação das exigências de prevenção especial positiva que o caso do Requerente reclamava, o que se requer.

Nono. Deverá ser considerado que o reafirmar das normas jurídico-penais violadas pelo Requerente já foi avaliado e satisfeito com a sua condenação a 11 anos de prisão efectiva, o que se requer.

Décimo. Deverá ser considerado que a comunidade já se encontra tranquilizada pelo cumprimento de metade da pena por banda o Requerente, o que se requer.

Décimo primeiro. Deverá ser considerado que a prevenção geral positiva se encontra totalmente satisfeita com a libertação condicional do Requerente, mais por esta ser agora monitorizada, o que não acontecerá cumpridos cinco sextos da pena (daqui a três anos), o que se requer.

Décimo segundo. Deverá ser considerado que é favorável o juízo de prognose realizado sobre o reflexo da libertação do Requerente na sociedade, o que se requer.

Décimo terceiro. Deverá a decisão em crise proferida pelo douto tribunal a quo ser revogada e substituída por outro que proceda concessão da liberdade condicional do Requerente cumprido metade da pena de prisão a que foi condenado, o que se requer».

2. O Magistrado do Ministério Público de 1ª instância respondeu em breve articulado, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.

3. O Exmº Juiz do TEP de Coimbra sustentou, a fls 78, a decisão proferida.

            4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, concluindo (em transcrição):
«Com os elementos extratados, propendemos em considerar que se deve manter a decisão impugnada.
Tendo-se embora junto documentação clínica obtida posteriormente á decisão, o certo é que esta poderá ser aferida pelo que dos autos já constava.
Ora, secundando a posição do MP em 1ª instância, quer no parecer de fls 37, quer na sua resposta de fls 67, parece-nos também a nós que se não encontram reunidas as condições para que este detido passe em liberdade condicional o remanescente da pena em que foi condenado.
Os relatórios e parecer de que se dispõe são claros no sentido que propugnamos, devendo atender-se não apenas à natureza grave dos crimes por que foi condenado mas também à sua personalidade e postura aquando da reclusão e de que se dá conta nos autos.
(…)
PELO EXPOSTO, emite-se parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar, pois, integralmente, a decisão recorrida».

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (tendo o arguido apresentado a resposta de fls 85-86), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

             II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se se verificam, in casu, os pressupostos de concessão de liberdade condicional (ao meio da pena já cumprida pelo arguido), elencados no artigo 61º, n.º 2 do Código Penal.

            2. A decisão recorrida tem o seguinte teor:

                        «I.

                        Relatório

                        Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado S…, já identificado nos autos.

                        O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

                        O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.

                        Foram juntos aos autos os relatórios e parecer exigidos pelo artigo 484º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal (Cód. Proc. Penal).

                        Nos termos do disposto no artigo 485º, nº 1, do Cód. Proc. Penal o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao condenado (fls. 58).

                        O Conselho Técnico, reunido em 2010.01.05, prestou os necessários esclarecimentos, mais tendo sido emitido parecer unanimemente desfavorável à concessão da liberdade condicional ao condenado (cfr. acta).

                        Ouvido o recluso, o mesmo não requereu a produção de qualquer prova e prestou o seu consentimento à concessão da liberdade condicional.

                        II.

                        Saneamento

                        O tribunal é competente.

                        O processo é o próprio.

                        Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

                        III.

                        Os factos e o direito

                        O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.

                        Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”[2].

                        A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.

                        São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:

                        a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);

                        b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);

                        c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).

                        A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.

                        São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:

                        a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);

                        b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.

                        Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42º, nº 1, do CP).

                        Quanto apreciada aos 2/3 a pena, os pressupostos são os elencados em a).

                        A liberdade condicional quando referida a 5/6 da pena (liberdade condicional obrigatória) trata-se já de um dever do tribunal não vinculado aos pressupostos materiais estipulados no artigo 61º, nº 2, als. a) e b), do CP, sendo concebida como uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade de forma a obstar às dificuldades na reinserção social do condenado, o qual, designadamente quando estejam em causa penas maiores, e não obstante o trabalho de socialização levado a cabo no estabelecimento prisional, no regresso à sociedade sofre, regra geral, de uma grande desadaptação à vida em liberdade.

                        Tal liberdade condicional depende apenas e só do cumprimento de grande parte da pena de prisão, independentemente de o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (ou seja, a apreciação relativa à prevenção especial positiva) ser positivo ou negativo[3].

                        O recluso cumpre a pena única de 11 anos de prisão imposta no PCC n.º 99/04.0PCCBR, da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra por crimes de violação (consumada e tentada), coacção sexual e rapto, tendo atingido o ½ da pena em 2009.11.19, atingindo os 2/3 em 2011.09.18, os 5/6 em 2013.07.17, terminando a pena a 2015.05.18. 
                        No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS, do Exmo. Director do E.P e dos Serviços de Educação e Ensino de fls. 33-39, 46 e 47-50, bem como das percepções manifestadas pelos elementos que compõem o Conselho Técnico, considera-se que:

                        A) O recluso cumpre a pena única de 11 anos de prisão imposta no PCC n.º 99/04.0PCCBR, da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra por crimes de violação (consumada e tentada), coacção sexual e rapto, tendo atingido o ½ da pena em 2009.11.19, atingindo os 2/3 em 2011.09.18, os 5/6 em 2013.07.17, terminando a pena a 2015.05.18;

                        B) O recluso manifesta forte constrangimento pela prática dos crimes cometidos, aceita a pena em que foi condenado e tem consciência dos danos provocados às vítimas dos seus crimes;

                        C) Por vontade própria e pretendendo ajuda para evitar a repetição de condutas, o recluso foi já submetido, nos HUC, a uma consulta de sexologia;

                        D) Durante o cumprimento da pena tem-se mantido laboralmente activo e já beneficiou de uma saída precária sem que haja registo de qualquer incidente;

                        E) Relaciona-se correctamente com funcionários e companheiros de reclusão e tem vindo a manter comportamento prisional sem registo de sanções disciplinares;

                        F) Quando for libertado pretende residir na Rua Cabeço do Vale, n° 23-25, Eirol, Aveiro, numa moradia térrea, com quintal, dotada das necessárias condições de habitabilidade;

                        G) Os pais do recluso manifestam total disponibilidade para o acolherem e acompanhar eventuais tratamentos médicos a que seja submetido;

                        H) O recluso trabalhou em França na área de impermeabilização de residências e revestimentos metálicos e em Portugal, à data da prisão, trabalhava na empresa “A…”, na colocação de tectos falsos e divisórias, sendo que no EP desempenha as funções de faxina de Ala e está integrado no sector das obras com bom desempenho;

                        I) Emigrante em França, o recluso aí estudou e concluiu o 9°ano tendo, em 2007, frequentou o 3° ciclo na escola do EP;

                        J) Do seu casamento tem um filho menor que vive com a mãe tendo a relação com esta, entretanto, terminado;

                        L) Para além dos factos que levaram à sua condenação o recluso não tem antecedentes criminais.

                                                                       *
                        Ouvido pelo tribunal, em sede de Conselho Técnico, o condenado autorizou a colocação em liberdade condicional.
                                                                       *
                        Reportada a presente apreciação ao ½ da pena são valorizáveis, não só razões de prevenção especial como, também, de prevenção geral.
                        Em termos familiares resulta dos autos que os progenitores, também naturalmente abalados com a conduta pela qual o filho foi condenado, lhe manifestam total apoio em caso de eventual libertação.
                        O recluso, enquanto tal, vem assumindo um comportamento modelar, trabalhando, valorizando-se e com relacionamento adequado, sem registo de qualquer sanção disciplinar.
                        Pode-se assim afirmar que se trata de um bom recluso, sendo louvável a sua disponibilidade e vontade em se sujeitar a ajuda clínica.
                        No entanto, e face ao distúrbio de personalidade detectado e avaliado pelo tribunal da condenação, importa que se reúnam garantias de que, em liberdade, se encontrará clinicamente estabilizado por forma a excluir o risco de reincidência o que, presentemente e perante a insipiência do acompanhamento, ainda não sucede, tornando prematura a libertação.
                        Por fim, e em termos de prevenção geral, afigura-se-nos evidente que a libertação ao ½ da pena é perfeitamente desadequada. O condenado praticou muitos e graves crimes, com grande alarme e impacto na comunidade, com plúrimas vítimas. Aos olhos da comunidade, face à duração da pena e à extrema gravidade dos ilícitos, seria incompreensível e incompreendida a libertação nesta fase.
                        IV.
                        Decisão
                        Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado S… a liberdade condicional.
                                                           *
                        Notifique e Comunique ao EP e à DGRS.
                        Comunique ao processo da condenação.

                                                           *

                        Renovação da instância pelos 2/3 da pena (2011.09.18), cumprindo-se oportunamente o disposto no art.º 484º do Cód. Proc. Penal.

                        D.N.»

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

           

3.1. Vem o arguido recorrer da decisão judicial que negou a concessão da liberdade condicional à sua situação prisional, a meio da pena de 11 anos que cumpre à ordem do PCC 99/04.0PCBR da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra.

            Relembramos que o arguido:

· atingiu tal ½[4] da pena em 18/11/2009;

· atingirá os 2/3 da pena em 18/9/2011, os 5/6 em 17/7/2013;

· terminará o cumprimento da pena em 18 de Maio de 2015;

· cumpre tal pena única de 11 anos de prisão pela condenação pela prática de oito crimes de violação (consumada e tentada), um crime de coacção sexual, sete crimes de rapto e um crime de actos exibicionistas.

3.2. A questão a resolver prende-se com a natureza do instituto da liberdade condicional[5].
Tal instituto foi pensado pelo nosso ordenamento jurídico, corria o ano de 1893 (Decreto de 6 de Junho e Regulamento de 16 de Novembro), então com natureza graciosa, com o intuito de benefício ou prémio aos condenados, a título de estímulo e recompensa pela boa conduta na prisão, desta forma permanecendo até ao Código Penal de 1982 (sempre visto como incidente de execução da pena de prisão).
Passou então a fazer do plano global da função de ressocialização da intervenção penal, como claramente emerge do preâmbulo de tal Código: «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
O artigo 61.º do CP estipula:
«1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se:
a)- For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b)- A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de 5 anos, considerando-se então extinto o excedente da pena».
O art. 61º do Código Penal prevê, para a concessão da liberdade condicional, duas modalidades distintas: a obrigatória e a facultativa.
É obrigatório conceder a liberdade condicional ao recluso condenado em pena de prisão superior a seis anos logo que tenha cumprido cinco sextos da pena (n.º 4 do citado art. 61º).
Todos os demais casos previstos na lei contemplam situações de concessão facultativa de liberdade condicional.
Nestas situações, para além da verificação dos requisitos formais – cumprimento de metade ou dois terços da pena, no mínimo seis meses – tem o Juiz de se certificar de que estão reunidos os denominados requisitos materiais, ou seja, tem de poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, adoptará uma conduta de homem fiel ao direito.
Analisando o texto do art. 61.º, n.º 2 do Código Penal, tem-se entendido, de facto, que a única interpretação consonante com o pensamento legislativo manifestado na norma (cf. art. 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil) é a de considerar, como requisito da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha cumprido metade da pena e no mínimo seis meses, independentemente do tempo de prisão que lhe tenha sido imposto.
A chamada liberdade condicional é aplicável sempre que o condenado tiver cumprido metade da pena e no mínimo 6 meses, uma vez verificados os pressupostos materiais das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 61.º do Código Penal, ou dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se mostre preenchido tão só o requisito constante da al. a) do referido artigo, sendo irrelevante, em ambas as situações, o tempo de prisão (necessariamente superior a 6 meses) imposto ao recluso.
O fim visado pelo legislador ao fixar, na forma descrita, os pressupostos de concessão da liberdade condicional “facultativa” é o de atingir um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade de o condenado se readaptar à vida social, sempre que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, assente que menos de seis meses de prisão efectiva não é considerado tempo bastante para se poder a ela atribuir seriamente uma clara e desejada finalidade socializadora, não sendo até então admissível emitir qualquer juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente.
A intenção político-criminal que preside à liberdade condicional dita «automática», porque dependente apenas de pressupostos formais, é distinta daquela dependente ainda de pressupostos materiais, como ensina Figueiredo Dias: «não se trata, na liberdade condicional chamada «obrigatória», da assunção comunitária do risco de libertação em virtude de um juízo de prognose favorável, antes sim, perante o já próximo final do cumprimento da pena, de facilitar ao agente o reingresso na vida livre, qualquer que seja o juízo que possa fazer-se (e nenhum se faz!) sobre a manutenção, a diminuição ou até o agravamento da perigosidade. Com efeito, ainda quando as expectativas sobre a socialização após o cumprimento dos 5/6 da pena sejam péssimas, ainda aí a liberdade condicional é automaticamente atribuída» (citado no Acórdão da Relação de Coimbra de 21/1/2009, no Pº 3027/07.8TXCBR).

Trata-se, em Portugal, de um incidente da execução da pena de prisão (não devendo ser encarada como uma medida coactiva de socialização).

Em suma:

A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão.

A aplicação da liberdade condicional presume, ou tem como objectivos fundamentais, a segurança dos cidadãos - verificando-se a sua aplicabilidade -, a prevenção e repressão do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social.

Implica, pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena.

Ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de futuros crimes.

Nesse sentido e orientação aponta o preceituado no art. 42º do Código Penal, ou seja, que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, deve, simultaneamente, orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Assim, e para a prossecução das referidas finalidades, haverá, necessariamente, que ter em conta a verificação dos requisitos formais e de fundo, de que depende a aplicação da liberdade condicional, seja ela na modalidade de facultativa ou obrigatória - a primeira, regulada nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 61º do Código Penal, e a segunda consagrada no n.º 4 do mesmo preceito e diploma.

E tal apreciação haverá que ter em conta a verificação de vários factores, de onde se destacam:

· a conclusão de que a pena já sofrida desempenhou o seu efeito inibidor da comissão de novos crimes;

· as possibilidades de reintegração no meio social;

· o próprio alarme social;

· que a libertação possa acentuar um arrependimento, já potencializado numa interiorização evidente das finalidades da execução da pena.

Verificados que se encontram tais requisitos, é poder-dever do tribunal, no fundo, um poder vinculado, colocar o condenado em liberdade condicional, tornando-se assim tal liberdade, de certo modo, obrigatória, para além dos casos em que tal instituto assume um carácter de funcionamento “ope legis” - preenchimento das condições previstas nos n.ºs 1 e 4 do art. 61º do Código Penal.

Tudo isto para o alcance da finalidade comum em relação a ambas as finalidades: a satisfação dos objectivos de prevenção especial, permitindo-se, assim, com a factualização do período de transição, satisfazer-se a dupla finalidade de defesa da colectividade e da reintegração social dos delinquentes; no fundo, a consagração efectiva do corolário a que alude o preceituado no art. 40º/1 do Código Penal, de epígrafe relativa à finalidade das penas[6].

3.4. QUID IURIS, no caso particular do arguido S…?

A DGRS – a fls 17 a 23 - deu um parecer favorável a esta concessão da liberdade condicional, não sem que deixasse de propor que «tendo em conta a gravidade dos crimes cometidos, somos de parecer que os serviços médicos deveriam fazer uma avaliação do estado de saúde do recluso».

O Conselho Técnico do EP deu um parecer negativo a tal concessão, o mesmo que foi dado pelo Magistrado do MP a fls 37, pela DGSP a fls 27 e pelo Director do EP a fls 26.

É sabido que os relatórios e pareceres da DGRS, dos Serviços de Educação, do Director do Estabelecimento, do Ministério Público e do Conselho Técnico não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz, podendo e devendo este valorar livremente a prova, consequência natural da audição do recluso.

No nosso caso, estamos perante o cumprimento de metade de uma pena de prisão.

Já aqui se deixou escrito que o nosso legislador, no citado art. 61.º, optou nos seus n.º 2, 3 e 4, não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, situando-os em metade e 2/3 da pena de prisão cumprida para a liberdade condicional facultativa e em 5/6 de pena de prisão superior a 6 anos, para aquela de carácter obrigatório ou automático, mas também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários.

Desta forma, quando está em causa a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de 2/3 da pena de prisão, acentuam-se essencialmente razões de prevenção especial,

Já serão RAZÕES de prevenção geral a aliar-se às de prevenção especial no caso da ponderação da concessão da liberdade condicionada a quem tenha apenas cumprido metade da pena.

A exigência é a de que haja um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal, não voltando a reincidir.

No caso do S …, em suma, são, portanto, razões exclusivamente preventivas que estão na base da justificação e da avaliação da liberdade condicional: de prevenção especial positiva ou de ressocialização [alínea a) do artigo 61º] e de prevenção geral positiva ou de integração e defesa do ordenamento jurídico [alínea b) do artigo 61º][7].

Portanto, a liberdade condicional é aplicada em função da emissão de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade decorrente da avaliação das circunstâncias do caso, da vida anterior do agente, da sua personalidade e da evolução desta durante a execução da pena de prisão; e se a decisão sobre a liberdade condicional for suscitada quando se mostra cumprida metade da pena – como é o nosso caso –, a sua aplicação dependente ainda do reconhecimento de que a libertação do recluso não afronta as expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada[8].

3.5. Argumenta o Mº Juiz do TEP do seguinte modo, à luz dos pressupostos do artigo 61º/2 do CP:
            «No entanto, e face ao distúrbio de personalidade detectado e avaliado pelo tribunal da condenação, importa que se reúnam garantias de que, em liberdade, se encontrará clinicamente estabilizado por forma a excluir o risco de reincidência o que, presentemente e perante a insipiência do acompanhamento, ainda não sucede, tornando prematura a libertação.
            Por fim, e em termos de prevenção geral, afigura-se-nos evidente que a libertação ao ½ da pena é perfeitamente desadequada. O condenado praticou muitos e graves crimes, com grande alarme e impacto na comunidade, com plúrimas vítimas. Aos olhos da comunidade, face à duração da pena e à extrema gravidade dos ilícitos, seria incompreensível e incompreendida a libertação nesta Fase».
            E argumentou lapidar e sabiamente.

É irrelevante o bom comportamento prisional do arguido – o que nos interessa saber é como agirá ele, fora dos muros da prisão, quando em contacto de novo com mulheres a quem, no passado, tanto vilipendiou na honra, no corpo e na sua auto-determinação sexual (e apenas registou até agora uma única saída precária sem incidentes, o que é manifestamente parco para ajuizar do seu novo «Eu»).

Inexiste, in casu, e assim, um fundamento razoável quanto à expectativa de que o recorrente, uma vez posto em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências do Crime, § 850].

Como tal, consideramos inoportuna a libertação antecipada do condenado tendo por referencial os pressupostos elencados no artº 61º do Cód. Proc. Penal para o ½ da pena.

Assim, por um lado, em termos de prevenção especial, entenderemos que a mudança de atitude do condenado (note-se, contudo, que só muito recentemente mostrou vontade de adesão a tratamento específico na área da sexologia – cfr. fls 26), quanto aos crimes e postura normativa, necessitaria de sedimentação (os próprios relatórios médicos são algo inconclusivos[9]), sendo por isso intempestiva a libertação.

Quanto às exigências de prevenção geral, a tutela do ordenamento jurídico extravasa os limites geográficos de Aveiro onde parece existir, de facto, abonação do carácter do condenado e não existirão reflexos negativos para a sua libertação antecipada.

É, no entanto, uma visão muito localizada para as exigências de prevenção geral positiva e também por aqui se considerou inoportuna a libertação, assente que foi Coimbra o palco das «aventuras sexuais» deste indivíduo, estrategicamente longe do local onde residia enquanto cidadão «acima de qualquer suspeita».

Na realidade, ninguém compreenderá muito bem como poderá o tribunal libertar tão prematuramente o arguido – quando são passados 6 anos de detenção – sem ter ainda muitos dados seguros de que o mesmo não voltará a prevaricar, procurando os corpos errados e satisfazer-se sexualmente à custa dos mesmos.

Os médicos são prudentes, como é seu timbre.

E nós, sistema prisional, ainda o seremos mais.

Os crimes pelos quais foi condenado provocam inegável alarme social e muito, muito medo (e não é necessário muito esforço de memória para nos recordarmos do alarme público que o comportamentos delituosos do arguido criaram nesta cidade em finais de 2003 e princípios de 2004).

Quem lida de mais de perto com ele na prisão acha que ainda não é chegado o momento da sua libertação. Só a DGRS, com muito pouca fundamentação, diga-se em abono da verdade, é que aparece a defender a sua libertação, apenas baseado no facto de reunir condições socio-familiares para tal efeito, o que não é critério exclusivo de concessão do benefício, como já assinalámos.

Note-se, de facto, o seguinte: como libertar alguém que apenas teve até gora uma consulta médica especializada, assente que sofre, conforme sentenciado, de «um distúrbio de personalidade esquizóide, apresentando uma personalidade caracterizada por um elevado neuroticismo, com segurança, introversão e instabilidade emocional, associada a comportamentos disfuncionais na esfera sexual, num fundo de funcionamento normal fraco» (facto 83 do Acórdão condenatório – fls 8-v).

Teve apenas uma consulta de sexologia (e só procurou ajuda em 13/10/2009), o que é manifestamente pouco para ajuizar estarmos perante alguém a caminho de uma cura ou da atenuação de sintomas patológicos.

Ao que parecer, tal consulta foi marcada em termos particular, o que se lamenta profundamente, sendo certo que competiria ao Estado apoiar a reorganização, em termos de saúde, dos condenados que envia para as suas prisões.

Entendemos, assim, que terá ainda o arguido que percorrer um caminho de melhoramento da consciência crítica das suas atitudes, do seu passado delituoso, do seu presente e das consequências dos seus actos, procurando a ajuda médica de que carece.

No fundo, neste momento não se mostram reunidos os pressupostos necessários para a concessão da liberdade condicional, entendendo-se que a existência de alguma evolução da personalidade durante a execução da pena pode não bastar para justificar a libertação condicional se a avaliação das circunstâncias concretas do caso e da sua personalidade impuserem um juízo de prognose desfavorável.


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3.6. CONCLUINDO:
Inexiste, assim, fundamento para concessão da requerida liberdade condicional a este arguido, relativamente ao qual que ainda tem de se demonstrar, de forma bem mais solidificada, fundamenta e inequívoca, que não há perigo de «recidiva» na prática de delitos tão graves como aqueles pelos quais foi condenado, não estando ainda a sociedade preparada para compreender a sua prematura libertação, quando é certo que o seu comportamento delituoso e lascivo tantas marcas negativas – inapagáveis - deixou na mente e no corpo de tantas raparigas e mulheres da zona de Coimbra há bem pouco tempo.

Como tal, concluímos no sentido de confirmar o teor da decisão recorrida, negando ao arguido recorrente a liberdade condicional nesta metade já cumprida da sua pena.

Não se deixará, contudo, de sugerir ao Mº Juiz do TEP que monitorize devida e frequentemente a execução da pena deste arguido, na vertente do apoio especializado  médico-psiquiátrico, carecido que dele está, de forma a que possa continuar a ser acompanhado em termos medico-psiquiátricos/consultas de sexologia e por tutela do próprio Estado, aquele que condena e encarcera mas que tem de ser capaz de contribuir para a ressocialização e recuperação plena do condenado.

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            III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido S …, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

            Custas pelo recorrente, com 6 Ucs de taxa de justiça (artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ ainda aplicável aos autos).

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Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)

  


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528.
[3] Seguimos ainda aqui os ensinamentos de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 527 a 554.
[4] E não 19, como por lapso surge na decisão recorrida, assente que o que releva é o que consta da liquidação elaborada judicialmente e não aquilo que consta de algum documento prisional injustificadamente pouco rigoroso (cfr. fls 16 e 28/33).
[5]Sendo da competência dos Tribunais de Execução de Penas o processo de concessão da liberdade condicional, encontrando-se regulado nos artigos 484º a 486º do CPP, revogados aquando da entrada em vigor do novo Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade (aprovado pela Lei n.º 115/2009 de 12/10)
[6] A liberdade condicional não pode ser vista como uma medida de clemência concedida ao recluso condenado: é, isso sim, um dos mais eficazes e construtivos meios de evitar a reincidência, promovendo, de forma planeada, assistida e supervisionada a reintegração do condenado na sociedade [conforme reconhecimento feito pela Recomendação Rec(2003) 22 do Conselho da Europa, adoptada pelo Comité de Ministros em 24 de Setembro de 2003).
Esta Recomendação define a liberdade condicional como uma “medida comunitária” que deve ter por objectivo ajudar os reclusos a fazer a transição da vida na prisão para uma vida responsável na comunidade através de condições e da supervisão do período de liberdade que promovam esse fim e contribuam para a segurança pública e a redução do crime na comunidade [II. Princípios Gerais, 3.]. Por isso, a liberdade condicional deve estar disponível para todos os reclusos condenados [4.a]; a fim de reduzir o risco de reincidência, a liberdade condicional pode ser sujeita a condições individualizadas [8.] e acompanhada de fiscalização e de medidas de controlo, cuja natureza, duração e intensidade devem ser adaptadas a cada caso, admitindo-se a possibilidade de ajustamentos ao longo do período [9.]. Como critério para a sua concessão, a Recomendação estabelece que a liberdade condicional deve ser aplicada a todos os reclusos que satisfaçam o nível mínimo de garantias para se tornarem cidadãos cumpridores da lei [20.].
A legislação portuguesa acompanha já a generalidade das recomendações expressas pelo Conselho da Europa. O Relatório Final da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional – cujos contributos integraram a Reforma de 2007 – reconhece expressamente que “O instituto da liberdade condicional tem a maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial na execução das penas de média e longa duração, na medida em que afasta os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, quando tal deixe de se justificar, e em que assegura uma transição menos brusca da reclusão prisional para a liberdade total” [ponto 7.1.4.].
Neste particular, socorremo-nos da tradução livremente feita da Recomendação em causa pelo Acórdão da Relação do Porto de 14/4/2010 (P. n.º 2026/08.7TXPRT-A.P1).


[7] O que está em consonância com as finalidades das penas definidas pelo legislador no artigo 40.º, do Código Penal: «1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». Bem como com os objectivos programáticos da execução da pena de prisão consignados no artigo 42.º, n.º 1, do mesmo diploma: «1 - A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes».

[8] O que releva é “capacidade objectiva de readaptação”, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.

[9] O próprio relatório clínico de fls 76, note-se junto após a prolação da decisão recorrida (logo não passível de ser usado como meio de prova por este tribunal de recurso) fala em «razoavelmente fiáveis as intenções de não repetição dos comportamentos parafílicos» e aconselha regular – e obrigatório - acompanhamento psiquiátrico e psicológico.