Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6212/17.0T8CBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
REGIME PROVISÓRIO DE GUARDA DO MENOR
SENTENÇA QUE ALTERA A CONFIANÇA DO MENOR
NECESSIDADE DE AGUARDAR PELA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DA SENTENÇA E RESPECTIVO EFEITO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR COM VISTA À FIXAÇÃO DA CONFIANÇA DOS ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 590.º; 619.º; 652.º, 1, A) E 3 E 704.º, DO CPC
ARTIGO 28.º DO RGPTC
Sumário: 1. - No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes releva o superior interesse do menor, que importa acautelar, como parte frágil na relação familiar complexa e conflitual, e não os interesses particulares de cada um dos respetivos progenitores em litígio.

2. - Nesse âmbito, existindo regime provisório de regulação do exercício daquelas responsabilidades, por via do qual os menores estavam confiados ao pai, com quem residiam em Portugal, a prolação de posterior sentença, decidindo, inversamente, no sentido de tais menores passarem a estar confiados à mãe, para residência com aquela em Espanha, obrigava, para cabal definição da situação dos menores, a aguardar o prazo de interposição de recurso da sentença e, interposto este, a aguardar ainda a fixação definitiva do efeito recursivo, por deste depender a determinação do regime de regulação a prevalecer, provisoriamente, até à decisão do recurso.

3. - Cabendo a fixação do efeito do recurso de apelação à Relação, é manifestamente inútil e, como tal, improcedente – devendo, por isso, ser liminarmente indeferida – uma incidental providência cautelar, intentada pela progenitora na 1.ª instância, destinada a manter os menores à guarda da mãe em Espanha, para onde aquela, unilateralmente, os levou (contra a vontade do pai e sem supervisão/controlo do Tribunal) após a prolação da sentença não transitada em julgado.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

                                                            ***

           

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

na qualidade de mãe dos menores BB e CC, também com os sinais dos autos,

Requerida em autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto a tais menores, em que é Requerente DD (pai dos menores), este também com os sinais dos autos,

veio, por apenso, intentar «procedimento cautelar», ao abrigo do disposto no art.º 28.º do RGPTC,

pedindo, com vista a «impedir que o pai concretize os seus intentos e retire os menores à mãe», e com «dispensa de audição prévia do pai/requerido», a «determinação imediata das medidas provisórias cautelares, por se afigurarem adequadas e necessárias à salvaguarda do superior interesse dos menores BB e CC, continuando estes à guarda da mãe e a residir com esta».

Alegou, para tanto:

- terem as responsabilidades parentais quanto aos menores sido reguladas por sentença, datada de 24/10/2023, proferida no processo principal, ficando tais menores entregues à mãe e a residir com esta, em Espanha;

- em 10/11/2023, a mãe, na sequência, deslocou-se a Portugal, dirigiu-se à escola, recolheu os menores e levou-os consigo para Espanha, onde os três (mãe e filhos) se encontram, desde então, a residir;

- os menores frequentam, desde então, a escola espanhola, encontrando-se já integrados;

- todavia, a mãe tem recebido ameaças do pai, no sentido de este ir recolher os filhos a Espanha e trazê-los para Portugal, apesar de a sentença os ter entregue à mãe, encontrando-se sob recurso interposto pelo pai dos menores;

- até que se fixe efeito ao recurso, nos termos do art.º 642.º do NCPCiv., o efeito é o devolutivo, pelo que a sentença é exequível de imediato, permitindo a imediata produção de efeitos jurídicos, de acordo com o disposto no art.º 704.º, n.º 1, do mesmo Cód.;

- o superior interesse dos menores impõe que estes aguardem em Espanha o resultado do interposto recurso da sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

O processo foi com vista ao M.º P.º, que promoveu o indeferimento liminar, por a sentença dos autos principais estar sob recurso, ao qual ainda não havia sido fixado efeito, nada havendo, por isso, a decidir, tanto mais que existe regime provisório estabelecido, que dá resposta à situação dos menores até ao trânsito em julgado da decisão sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Seguidamente foi proferida decisão liminar (datada de 12/12/2022), com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, por manifestamente inútil, ao abrigo do disposto no artigo 590.º do Código de Processo Civil indefiro liminarmente o procedimento cautelar.”.

Inconformada, a Requerente/mãe recorre do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([1]):

«1 – Que seja revogada a promoção do Ministério Público que se pronunciou pelo indeferimento liminar, e pela manutenção do regime provisório existente;

2 – Que seja o despacho de indeferimento liminar revogado, porquanto as medidas provisórias de exercício das responsabilidades parentais dos menores BB e CC atribuídas ao pai caducaram com a notificação da sentença;

3 – Que seja o despacho de indeferimento liminar revogado porque ilegal e substituído por outro que considere eficácia imediata à sentença porquanto o regime regra do efeito do recurso é o efeito devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 4º, nº 1, 28º, nº 1 e 33º, nº 1, todos do RGPTC, assim como o artigo 4º, alíneas a), c) e e) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, além de fazer uma interpretação e aplicação errada do artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil;

4 – Que sejam os menores entregues à mãe, nos termos estabelecidos na sentença e que fizeram caducar as medidas provisórias existentes;

5 – Por todo o exposto deve o despacho do tribunal a quo ser anulado e em sua substituição ser emitido outro que considere a sentença com eficácia imediata, entregando os menores à mãe, podendo estes de imediato alterar a sua residência para Espanha.

Como é de inteira

JUSTIÇA».

Contra-alegou o M.º P.º, pugnando pela improcedência do recurso.

Este foi admitido pela 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, altura em que se ordenou a citação do Requerido/pai para os termos do recurso e da causa, sem que este tenha apresentado resposta.

Remetido o processo a este Tribunal ad quem, foi mantido o regime recursivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir quanto ao respetivo objeto.

II – Âmbito do recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo respetivo – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber, somente, se há, ou não, fundamento válido para a proferida decisão de indeferimento liminar do «procedimento cautelar».

III – Fundamentação

          A) Da factualidade apurada

          O factualismo a considerar para decisão do recurso é o supra aludido, em sede de relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se adita, apenas, o seguinte ([3]):

          1. - Por sentença, datada de 22/10/2022, proferida no âmbito dos autos principais, foi assim decidido:

          «I - Regulo as responsabilidades parentais em relação aos menores BB e CC da seguinte forma:

1) As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas em comum pelos pais.

2) Os menores ficam entregues à mãe, ficando determinada a sua residência junto da mãe, em Espanha, que é quem exercerá a responsabilidade parental relativa aos atos da vida corrente dos filhos.

3) O convívio dos menores com o pai e com a família paterna far-se-á nos seguintes termos:

- Fins-de-semana alternados, deslocando-se o pai e/ou a família paterna a casa dos menores, em Espanha, para os recolher e entregar, e podendo permanecer com eles nos dias úteis que precedem e sucedem ao fim-de-semana, sem prejuízo dos períodos de descanso e escolares dos menores, devendo articular com a mãe os horários de recolha e entrega;

- 2/3 das férias escolares do Natal, Páscoa e verão, por referência ao calendário letivo fixado pelas autoridades de educação espanholas, devendo o pai informar a mãe do período concreto que pretende passar com os menores nas férias escolares, até ao final do mês de março de cada ano. Não informando, a escolha passará a pertencer à mãe, que deverá informar o pai no período de um mês;

- As deslocações dos menores entre Portugal e Espanha para gozo de férias deverão ser repartidas entre a família materna e paterna e os horários deverão ser ajustados entre ambas, sempre salvaguardando o interesse dos menores;

- A divisão do período das férias escolares do Natal deverá permitir aos menores celebrar o Natal com a família paterna e os Reis com a família materna;

- Os menores passarão com o pai e/ou com a família paterna o dia do pai e o dia de aniversário do pai e dos avós paternos, com pernoita para o dia seguinte ou desde a véspera, conforme pretender o pai e/ou a família paterna, devendo o pai e/ou a família paterna deslocar-se a Espanha para o efeito, caso se trate de período letivo.

4) Para além da residência, os menores convivem com a mãe e com a família materna no dia da mãe e no dia de aniversário da mãe e dos avós maternos, com pernoita para o dia seguinte ou desde a véspera, conforme pretender a mãe e/ou a família materna.

5) No dia do seu aniversário, os menores farão uma refeição com cada um dos progenitores cabendo a escolha da refeição à mãe nos anos pares e ao pai nos anos ímpares, tudo sem prejuízo dos períodos de descanso e escolares, devendo o pai e/ou a família paterna deslocar-se a Espanha para o efeito, caso se trate de período letivo, e a mãe a Portugal, caso o aniversariante esteja aos cuidados do pai ou da família paterna.

6) O pai e a mãe (ou os familiares por estes indicados) contactarão com o adulto aos cuidados de quem os menores se encontrarem (a informar por um progenitor ao outro), diariamente, preferencialmente por videochamada, entre as 19h e as 20h (horário do local onde os menores se encontrarem), sem prejuízo de os pais poderem acordar horário diverso.

7) O pai contribuirá com a quantia mensal de € 200 (duzentos euros) a título de alimentos devidos a cada um dos seus filhos, num total de € 400 (quatrocentos euros).

Esta quantia será atualizada anualmente, em janeiro de cada ano, em € 2 mensais para cada filho, com início em janeiro de 2024.

O pai deverá ainda contribuir com metade das despesas com a saúde das crianças, médicas e medicamentosas, e com metade das despesas com a educação das crianças, seja com despesas escolares (ex. livros e material escolar), seja com atividades extracurriculares em que concorde com a frequência pelos filhos, mediante a apresentação dos respetivos recibos e a pagar com a prestação que se vencer imediatamente após o recebimento dos recibos.

O valor mensal da prestação de alimentos bem como a sua contribuição para as despesas de saúde e de educação das crianças deverão ser pagas à mãe dos menores até ao dia 8 do mês a que disserem respeito, por transferência bancária para conta bancária a indicar pela mãe dos menores ou por qualquer outro meio.

II – Julgo improcedente o pedido de condenação de AA como litigante de má fé e, consequentemente, absolvo-a do pedido de condenação em multa e indemnização.

(…)» ([4]);

2. - Tal sentença foi objeto de recurso, interposto pelo pai dos menores, com pedido de fixação de efeito suspensivo, tendo a 1.ª instância, no despacho de admissão, atribuído efeito meramente devolutivo.

3. - Esse recurso já se encontra neste TRC, sendo que, por despacho do respetivo Relator, datado de 31/01/2023, lhe foi fixado efeito suspensivo, tendo, porém, sido requerido que tal decisão seja tomada em conferência, que ainda não se encontra designada.

4. - Da decisão liminar aqui recorrida consta, em termos de indicação de materialidade com dimensão fáctica ([5]), que:

«Conforme foi levado à factualidade provada em sede de sentença de regulação das responsabilidades parentais proferida no processo principal, foram reguladas provisoriamente as responsabilidades parentais relativamente aos menores CC e BB, tendo sido fixada a residência habitual dos menores junto do pai, competindo ao pai, provisoriamente, o exercício das responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente dos filhos; foi fixado o convívio dos menores com a mãe e foi decidido o valor a pagar pela mãe a título de alimentos aos filhos.

Posteriormente, por sentença de 22 de outubro de 2022, ainda não transitada em julgado e relativamente à qual foi interposto recurso, estando em prazo para resposta, foram reguladas as responsabilidades parentais em relação aos menores BB e CC tendo sido, além do mais, fixada a residência dos menores junto da mãe, em Espanha, competindo à mãe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos filhos.».

B) Substância jurídica do recurso

Da (in)existência de fundamento para indeferimento liminar

1. - Como resulta do invocado art.º 28.º do RGPTC (quanto a «Decisões provisórias e cautelares»):

«1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.

2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.

3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.

4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.

5 - Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:

a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.» (destaques aditados).

Esta plasticidade inerente a este tipo de processos, designadamente quanto à tomada de medidas provisórias e permanente ponderação e possibilidade de revisão, compreende-se bem, perante a especificidade dos interesses em causa, sendo que o interesse primordial se reporta, invariavelmente, ao superior interesse do menor, sujeito frágil da relação familiar/parental – mormente se complexa e conflitual –, que importa defender e promover, papel que deve caber, desde logo, aos progenitores (na defesa/salvaguarda dos interesses dos filhos e não dos seus próprios interesses, que aqui não relevam) e, na impossibilidade ou incapacidade destes, ao Tribunal.

Mas este regime tem, no caso – em que havia um regime provisório e a que se seguiu a regulação operada na sentença –, de ser conjugado com as normas referentes à sentença judicial e aos seus efeitos decisórios.

Assim, quanto aos «Efeitos da sentença», importa ter em conta o disposto no art.º 619.º do NCPCiv., com a epígrafe «Valor da sentença transitada em julgado» e a seguinte disposição relevante para o caso dos autos:

«1 - Transitada em julgado a sentença (…), a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.» ([6]).

Relativamente aos requisitos da exequibilidade da sentença rege o art.º 704.º do NCPCiv., preceituando assim:

«1 - A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.

2 - A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser.

3 - Enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não pode o exequente ou qualquer credor ser pago sem prestar caução.».

A regra é, pois, a de somente ser exequível a sentença condenatória transitada em jugado. Regra esta que, todavia, conhece uma exceção: a referente à sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo ([7]).

Quer dizer, uma sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo pode, ainda assim, produzir efeitos e, sendo condenatória, fundar uma execução, tendo em conta, em tais condições, que a execução iniciada na pendência de recurso se extingue ou modifica em conformidade com a decisão definitiva (marca da provisoriedade em função do desfecho do recurso).

2. - É líquido que, no caso que nos ocupa, enquanto corriam termos os autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais dos dois menores – de quem os litigantes são os progenitores –, foi fixado um regime provisório, para valer até à decisão final, pelo qual os menores ficavam a residir em Portugal, com o seu pai.

Entretanto, foi proferida a sentença de regulação do exercício daquelas responsabilidades, pela qual foi decidido, diversamente, que os menores passavam a residir com a mãe, em Espanha.

De tal sentença, vencido, interpôs o pai recurso de apelação, admitido em 1.ª instância com efeito meramente devolutivo, mas a que, na Relação, o Relator fixou efeito suspensivo.

Tal questão do efeito recursivo ainda não se mostra definitivamente decidida, por ter sido deduzida reclamação para a conferência, sendo em tal conferência, pois, por um coletivo de Juízes Desembargadores, que haverá, ainda, de ser fixado definitivamente o efeito da apelação (como suspensivo ou meramente devolutivo), por se tratar de matéria da competência do Tribunal superior.

É certo também que, proferida a sentença, a mãe dos menores, unilateralmente – sem o acordo do pai e sem supervisão do Tribunal, que não foi chamado a intervir nessa transição, repentina, em autorregulação unilateral –, levou-os de Portugal para Espanha, passando a residir ali com eles (no estrangeiro), enfrentando agora o receio de que o pai, adotando métodos semelhantes, traga de volta os filhos para Portugal ([8]).

Mandaria a prudência que, proferida a sentença, se aguardasse pelo seu trânsito em julgado e, em caso de interposição e admissão de recurso, se esperasse, como antes perspetivado, pela definitiva fixação do efeito recursivo, sabido que esta pode estar sujeita a diversas vicissitudes processuais, todas legalmente reguladas, inclusive, com reclamação do despacho do relator na Relação para a conferência [cfr. art.º 652.º, n.º 1, al.ª a), e 3, do NCPCiv.] e, bem assim, sabido que dessa definitiva fixação do efeito recursivo dependem os efeitos (e a dimensão de executoriedade) que o dispositivo da sentença pode obter.

Não tendo sido esta a via seguida, em processo que se reveste de natureza urgente, com a inerente obrigação de tramitação célere, importa, então, aplicar a lei ao caso, para saber se tem razão o Tribunal recorrido, no âmbito recursivo que aqui e agora nos ocupa, ao considerar manifestamente inútil (ao abrigo do disposto no art.º 590.º do NCPCiv.) o procedimento cautelar, assim o indeferindo liminarmente, ou, ao invés, a razão está do lado da mãe dos menores, por ser esse o caminho do superior interesse dos mesmos.

Ora, desde logo, cabe dizer que não pode colher a 1.ª conclusão da aqui Recorrente (mãe), ao pretender que se revogue uma promoção do M.º P.º.

Com efeito, é por demais manifesto – com todo o respeito devido – que os recursos não sevem para revogar promoções (ou outras tomadas de posição) do M.º P.º ([9]).

Quanto ao mais (conclusões 2.ª e segs.), a ponderação a levar a cabo, sempre norteada pelo superior interesse, em concreto, destes dois menores, terá de ser efetuada nos termos que seguidamente se exporão.

Assim:

Se ao recurso da sentença vier a ser atribuído, em definitivo, efeito suspensivo (como entendido pelo respetivo relator, com base nos argumentos pelo mesmo expendidos no despacho sob reclamação para a conferência), os efeitos da sentença ficam suspensos, mantendo-se em vigor, por isso, o regime provisório, anteriormente definido no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, caso em que as crianças deviam estar/permanecer, por ora (até à decisão do recurso ou eventual alteração judicial do regime provisório), com o respetivo pai.

A esta luz, é de perspetivar como de incumprimento – do dito regime – a unilateral conduta da mãe traduzida em levar as crianças para Espanha contra a vontade do pai e sem supervisão/controlo do Tribunal (em contexto de decisão final não transitada).

Daí que, se bem se observa, devesse ser, como foi, liminarmente indeferida uma tal «providência cautelar», por inútil e, outrossim, destinada a conferir/emprestar um manto de legalidade («normalizar») a uma conduta inadimplente da mãe (pretende aquela que o pai não possa trazer as crianças consigo de volta, para Portugal).

Se, diversamente, ao recurso da sentença vier a caber, em definitivo, efeito meramente devolutivo, então a dita sentença substituirá o decidido provisoriamente, que colherá decorrente cessação. Caso em que as crianças deverão, até que o recurso seja decidido, ficar com a mãe, como apontado na sentença.

Nesta hipótese, a «providência cautelar» não colhe justificação, tendo de manter-se o indeferimento liminar. Com efeito, não é uma «providência cautelar» idónea a conferir aplicabilidade ou eficácia ao que está decidido por sentença, cujo dispositivo se impõe por si, desde que a tal não obste o efeito recursivo. Daí que não se justifique uma tal providencia, para determinar o que já resulta da sentença, sendo inequívoca a inutilidade de um tal meio cautelar.

Quanto muito, se dúvidas houvesse – no plano jurídico, em que as partes/interessados estão patrocinados por técnicos do direito/advogados –, bastaria um requerimento ao processo, em termos de desencadear a adequada interpretação daquele dispositivo.

Numa hipótese ou noutra, parece, com todo o respeito devido, que o recurso interposto e em apreciação deve improceder, mantendo-se o indeferimento liminar da «providência cautelar», onde a Requerente pede, «ao abrigo do disposto no artigo 28º, do RGPTC», procurando «obstar a que o pai concretize os seus intentos e retire os menores à mãe», com «dispensa de audição prévia do pai/requerido», «a determinação imediata das medidas provisórias cautelares, por se afigurarem adequadas e necessárias à salvaguarda do superior interesse dos menores (…), continuando estes à guarda da mãe e a residir com esta» (em Espanha).

Em qualquer caso – e este é um ponto incontornável –, o efeito do recurso (de apelação da sentença) deve ser definitivamente fixado, como será, no respetivo processo, pela Relação – o que tem de aguardar-se, sabida a natureza urgente dos autos –, seguindo a adequada tramitação e procedendo à imperiosa ponderação do superior interesse dos menores (que não se confunde, reitera-se, com os interesses controversos de seus pais), apenas restando aguardar que tal ocorra, na sede própria, tratando-se de urgente tramitação que está obviamente em curso.

Constituindo, então, uma indisfarçável matéria recursiva (a decidir pela Relação), não se justifica desviar essa questão para uma conexa providência cautelar (a cargo da 1.ª instância), que, neste horizonte, não colhe qualquer utilidade, termos em que bem se compreende – e se sufraga – o veredito liminar do Tribunal a quo, fundado no preceito do art.º 590.º, n.º 1, do NCPCiv., apontando para a «manifesta inutilidade» e improcedência de um tal procedimento.

Em suma, inexistindo qualquer invocada violação de lei, não colhe a argumentação da Recorrente, antes devendo, na improcedência do recurso, manter-se a decisão em crise.

(…)

***
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Recorrente – parte vencida no recurso (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 28/03/2023

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro



([1]) Cujo teor se deixa transcrito.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Com base em informação prestada pela Secção de processos – da conclusão datada de «14-03-2023» consta informação de «que o recurso da sentença proferida no processo principal já se encontra neste TRC. Por despacho de 31-01-2023 foi fixado a tal recurso efeito suspensivo, tendo o recorrente requerido que tal decisão seja tomada em Conferência, que ainda não se encontra designada» – e na análise dos autos principais, consultados na sua versão eletrónica, após autorização de acompanhamento prestada pela 1.ª instância.
([4]) Destaques retirados.
([5]) Embora sem discriminação de uma parte fáctica da decisão.
([6]) Enquanto aqueles art.ºs 580.º e 581.º se referem à situações de litispendência e caso julgado, os art.ºs 696.º a 702.º reportam-se ao recurso de revisão, tudo, pois, matérias que aqui não relevam.
([7]) Cfr. Ac. TRL de 01/10/2020, Proc. 5993/19.1T8LSB-A.L1-8 (Rel. Maria do Céu Silva), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «1- De acordo com o art. 704º nº 1 do C.P.C., a regra é só ser exequível a sentença condenatória transitada em julgado. // 2 - Esta regra conhece uma exceção: a sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo. // 3 - Antes de apresentar requerimento executivo, a exequente deveria aguardar pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, não se verificando o trânsito findo esse prazo por ter sido interposto recurso, deveria aguardar pelo despacho sobre o requerimento de interposição do recurso. (…).». No mesmo sentido, o Ac. TRL de 23/10/2019, Proc. 20069/17.8T8LSB-A.L1-4 (Rel. Filomena Manso), também em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Tendo sido interposto pela ré/Embargante recurso da sentença, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, cabia ao autor/Embargado aguardar pela prolação desse despacho. Apenas no caso de ao ser admitido o recurso vir a ser indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo, cabendo ao recurso efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração – podia o autor instaurar acção executiva por possuir título exequível nos termos do art. 704º, nº 1 do CPC.».
([8]) Claro que um tal proceder, já ocorrido ou a ocorrer, à margem do Tribunal, não salvaguarda, salvo o devido respeito, o interesse dos menores (aquele que importa ter em conta), antes ficando ao critério dos pais (cada um deles, a seu modo), que, com a discórdia instalada, não serão, obviamente, os melhores intérpretes do superior interesse dos filhos nesta questão (quando não, diversamente, se fecham mesmo nos seus próprios interesses egoísticos, numa dinâmica de conflito, por vezes dificilmente terminável).
([9]) Recorríveis são apenas, nesta jurisdição e neste âmbito, decisões judiciais, só o sendo as proferidas por juízes, como logo tem de retirar-se do disposto no art.º 627.º, n.º 1, do NCPCiv..