Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
314/11.4TBTND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.45, 46, 50, 55 CPC
Sumário: Face à taxatividade assinalada aos títulos executivos, previstos no artigo 46.º do Código de Processo Civil, e inexistindo em relação aos documentos particulares mencionados na al. c), do n.º 1, deste mesmo artigo, uma previsão semelhante à constante do artigo 50.º do mesmo Código (relativa a obrigações ou prestações futuras), um documento particular do qual conste uma obrigação sujeita a condição suspensiva não constitui título executivo, salvo se a verificação da condição estiver provada por documento com força probatória plena.
Decisão Texto Integral: Recorrente/Exequente……………….L (…), advogado, com residência (…) Porto.

Recorrente/Executado………………A (…), empresário, residente (…) Lageosa do Dão.

*

I. Relatório.

a) O presente recurso respeita à oposição deduzida contra a execução que o exequente moveu ao executado com o fim de cobrar deste a quantia de €500 000,00 (quinhentos mil euros).

O título executivo é constituído por um documento particular assinado por exequente e executado intitulado «contrato».

O executado deduziu a presente execução alegando, além do mais, a sua própria ilegitimidade como executado e a inexigibilidade da obrigação.

Em sede de despacho saneador foi proferida a seguinte decisão: «…julga-se procedente a oposição à execução e, em consequência, julga-se procedente a invocada excepção de falta/insuficiência do título executivo».

Esta decisão baseou-se no entendimento de que o documento apresentado como título executivo não possuía as características necessárias para ser qualificado juridicamente como tal.

Na fundamentação da decisão sob recurso referiu-se ainda, quanto à ilegitimidade do executado, que o mesmo contratou e assinou o contrato como gerente da sociedade (…), Lda., e não em nome próprio, sendo, por isso, parte ilegítima como executado, mas da parte dispositiva do saneador-sentença, como resulta da respectiva transcrição acabada de exarar, nada consta quanto à legitimidade, ou seja, nada foi decidido quanto a este pressuposto processual.

No que respeita à inexistência de título executivo, considerou-se: «… aquela declaração não importa o reconhecimento ou a constituição de uma obrigação do executado pagar essa quantia ao exequente, mas tão-só uma declaração que se iria celebrar um novo acordo relativo aos honorários do exequente, sem prejuízo dos honorários que este receberia de “sucesso no final com vitória”, ou seja, dos honorários que este receberia por finalizar o processo em causa com ganho de causa».

b) O exequente recorre e pretende ver revogada esta decisão com base em duas ordens de razões: por um lado, porque entende que o documento é título executivo e, por outro, que o executado é parte legítima.

Quanto à existência de título executivo sustenta que «Analisado o referido contrato, do mesmo se extraem as seguintes obrigações assumidas pelo Recorrido:

a) Desde logo, a obrigação de pagar €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos de IVA, divididos em 4 (quatro) prestações trimestrais, cada uma delas de €12.500,00 mais IVA, nos dias 30 de Março de 2008, 30 de Junho de 2008, 30 de Setembro de 2008 e 30 de Dezembro de 2008, por conta dos honorários fixos estipulados para o ano de 2008, referentes ao processo n.º 773/07, da 2.ª Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo;

b) A obrigação de, no final do ano de 2008, celebrar novo acordo de honorários fixos respeitantes a esse processo;

c) Por último, a obrigação de pagamento de honorários de sucesso no final com vitória de valor nunca inferior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros).

De facto, lido o contrato em causa, constata-se que nele se estipulou um acordo entre Recorrente e Recorrido, no qual se cuidou de estipular um regime que distingue o valor dos honorários fixos e o valor dos honorários finais, em caso de vencimento de causa, do processo judicial acima identificado».

No que respeita à legitimidade alega que do teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2002 (publicado no Diário da República n.º 20, série I-A, de 2002.01.24), invocado na sentença sob recurso resulta que os factos e circunstâncias que permitem deduzir a qualidade de gerente têm de resultar exclusivamente do próprio título, o que não ocorre no caso dos autos, pelo que, face ao título executivo, a execução sempre teria de ser instaurada contra o executado, nos termos do disposto no artigo 55.º do Código de Processo Civil, pois é ele que está identificado no título e não a sociedade (..), Lda.

c) O executado contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Alega, em resumo, que o texto do contrato, no que se refere à quantia exequenda, constitui apenas uma declaração de intenções no sentido de mais tarde vir a celebrar um novo acordo de honorários, quer fixos, quer em função do resultado, não existindo, por isso, a assunção de uma vinculação no sentido se ser desde logo devida aquela quantia de €500 000,00 euros.

Refere ainda que o próprio texto do contrato é equívoco nesta parte e, na sua literalidade, parece referir esta quantia como reportando-se aos honorários fixos e não aos devidos no caso de vitória no final do processo, sendo certo que toda a situação factual subjacente à elaboração do contrato é controvertida na medida em que não é um facto assente que tenha existido «…sucesso no final com vitória…», pois embora o processo executivo fiscal a que se referem os honorários tenha sido efectivamente anulado, o mesmo recomeçou de novo, pelo que a vitória foi meramente formal, circunstância esta que lança incerteza suficiente quanto à constituição de uma real obrigação através do mencionado documento.

E quanto à sua ilegitimidade afirma que a mesma ocorre uma vez que do documento e do seu contexto só se pode concluir que o recorrido agia como gerente da sociedade (…), Lda., pois o processo fiscal respeitava a esta sociedade e o recorrido sempre lidou com o recorrente nesta qualidade e não em nome pessoal e particular.

Referiu, em todo o caso, que o processo sempre teria de prosseguir para apreciação dos factos alegados e controvertidos relativamente à questão da inexigibilidade da obrigação pela não verificação da condição que origina a sua constituição.

II. Objecto do recurso.

Na parte dispositiva da sentença sob recurso, como resulta da transcrição acima efectuada, apenas se decidiu a questão da inexistência do título executivo.

Porém, a matéria relativa à questão da legitimidade do executado é de conhecimento oficioso (493.º, n.º 1 e 2, 494.º, n.º 1, al. e) e 495.º, todos do Código de Processo Civil), razão pela qual sempre pode ser conhecida, mesmo que a decisão sob recurso não se refira a ela.

Por conseguinte, analisar-se-á também a questão da legitimidade, se for caso disso.

Assim, a primeira questão a analisar no recurso é esta.

Caso a resposta seja no sentido da legitimidade, coloca-se a seguir a questão de saber se o documento em causa é título executivo.

Se se concluir que há título executivo, cumpre ainda ponderar se a oposição deve prosseguir ou não para apuramento de factos alegados pelo executado, que são controvertidos e respeitam à questão da exigibilidade da alegada obrigação.

III. Fundamentação.

a) Matéria de facto provada.

1. O exequente apresentou como título executivo da presente execução um documento datado de 14 de Março de 2008, denominado «contrato», assinado por si e pelo executado, cujo texto tem este teor:

«contrato entre A (…) e L (…) é estabelecido e mutuamente ajustado o seguinte acordo, na sequência do de 14 de Fevereiro de 2007, que se mantém em todos os efeitos passados. Desde 1 de Janeiro de 2008 até ao final do ano de 2008, pelo processo que está, no dia de hoje, com o n.º 773/07, na 2.ª Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, serão pagos 50 000€ (cinquenta mil euros), mais I.V.A., divididos em quatro prestações trimestrais, cada uma de 12 500€, mas I.V.A., nos dias 30 de Março de 2008, 30 de Junho de 2008, 30 de Setembro de 2008 e 30 de Dezembro de 2008. Todos os outros processos serão feitas contas entre o Sr. A (…) e os advogados que são responsáveis por eles, não tendo o Dr. L (…) qualquer tipo de responsabilidade sobre os mesmos, ou seja, apenas lhe está presentemente confiado o processo acima referido. No final do ano torna-se a fazer acordo de honorários fixos, sem prejuízo dos honorários de sucesso no final com vitória, nunca inferior a 500 000€ (quinhentos mil euros)».

2. As prestações supra mencionadas, no valor de 12 500€ cada uma, foram pagas ao exequente pela empresa do executado (…), Lda., respectivamente em 15 de Abril de 2008, 14 de Julho de 2008, 21 de Outubro de 2008 e 28 de Janeiro de 2009.

3. Desde o ano de 2002, o exequente passou a patrocinar a (…) Lda. no âmbito de vários processos judiciais, melhor identificados em 3.º da contestação e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, entre os quais o processo de execução fiscal n.º 2704 – 02/100683.5, no qual se exigiam quantias relativas a restituição à exportação das campanhas de 1995 a 1998.

4. (…), Lda. foi citada para esse processo, tendo apresentado, através do exequente, reclamação judicial contra o acto praticado pelo Sr. Chefe de Serviço de Finanças de Tondela, que correu termos sob o n.º 4/2002, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (T.A.F. 5145/2004).

5. Por sentença proferida em 20.06.2007, o tribunal julgou improcedente a excepção da incompetência do serviço de finanças para aquela execução e procedente a nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo, decidindo anular todo o processo executivo.

6. Foi apresentado recurso da sentença na parte em que julgou improcedente a incompetência do serviço de finanças para o Supremo Tribunal Administrativo, com o n.º 773/07, da 2.ª Secção Tributária, cujo provimento foi negado por acórdão proferido em 14.11.2007, tendo sido, nessa sequência, apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, cujo conhecimento veio a ser negado.

7. Em 07.05.2008, (…), Lda. foi citada no âmbito do processo n.º 2704200801004956, movido pelo Sr. Chefe de Finanças de Tondela, relativa a Restituições à Exportação das campanhas de 1995 a 1998, no montante de 8 182 593,70€, a título de capital, e 6 289 000,35€, a título de juros de mora vencidos.

8. O executado, até 14.03.2008, desempenhou as funções de gerente da sociedade (…), Lda., tendo poderes para vincular a sociedade com a sua assinatura.

b) Apreciação das questões objecto do recurso.

1 – Vejamos então se o documento apresentado como título executivo é efectivamente título executivo quanto à quantia de €500 000,00 euros.

Cumpre começar por estabelecer o que se entende por título executivo.

A lei, no n.º 1 do artigo 45.º do Código de Processo Civil, dispõe que «Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva».

Quanto ao fim da execução, que o título há-de indicar, o n.º 2 deste artigo dispõe que «O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação dum facto, quer positivo, quer negativo».

Quanto aos «limites da acção executiva», naturalmente que os mesmos respeitam à definição das fronteiras que encerram a prestação, pois só estabelecendo limites a algo se consegue definir o que é esse algo que o exequente pretende integrar na sua esfera patrimonial.

Face a esta norma não ficamos ainda habilitados a dizer o que é um título executivo.

Porém, nas als. b) e c) do artigo 46.º do mesmo código, a lei já indica que o título executivo, para o ser, há-de importar a constituição ou reconhecimento de uma obrigação.

Está, por conseguinte, aqui a chave que permite aceder à compreensão do que seja um título executivo.

Sobre esta matéria, o Prof. Alberto dos Reis escreveu, a propósito da razão de ser da existência de títulos executivos de natureza extrajudicial, que a explicação para existirem casos em que há precedência do processo de execução sobre o processo de declaração, residia nas necessidades do comércio jurídico, isto é, na conveniência que havia em favorecer o desenvolvimento do crédito, o que aconselhava a possibilidade do credor ter à sua disposição um título que, «...em caso de não cumprimento da obrigação por parte do credor, lhe permitisse entrar logo na via executiva, sem ter de percorrer o caminho longo e áspero da acção declarativa.

Quando as circunstâncias são de molde a fazer crer que o direito de crédito existe realmente, quando o instrumento de obrigação se encontra revestido de formalidades que dão a garantia de que a execução movida com base nele não será injusta, atribui-se ao título eficácia executiva e poupa-se ao credor o dispêndio de actividade, tempo e dinheiro que representa o exercício da acção declarativa» ([1])

Nas palavras de Anselmo de Castro, «…o título é, assim, algo que faz as vezes do direito que vai ser realizado, e se lhe substitui, não podendo, por isso, reduzir-se à natureza de um simples meio de prova…» ([2]).

Quer o texto da lei, quer o esclarecimento da matéria que resulta das palavras destes dois autores, mostram que o título executivo, sem ser incontestável, é, no entanto, um instrumento jurídico que revela com a necessária segurança prática a existência actual de uma obrigação em que o devedor é o executado e o credor o exequente.

Cumpre verificar então se do texto do documento apresentado como título executivo consta a obrigação de pagamento a favor do exequente da quantia de €500 000,00 euros a título de honorários.

A parte nevrálgica do texto é esta: «No final do ano torna-se a fazer acordo de honorários fixos, sem prejuízo dos honorários de sucesso no final com vitória, nunca inferior a 500 000€ (quinhentos mil euros)».

Vejamos então.

No que respeita ao aspecto gramatical, não se afigura que a argumentação do executado proceda, muito embora tenha razão ao dizer que literalmente os €500 000,00 euros se referem ao «acordo de honorários fixos», devido ao facto da concordância quanto ao número, existir entre «…acordo…» e «…inferior…» e não entre «…honorários de sucesso…» e «…inferior…», pois se fosse este o caso a frase seria «…honorários de sucesso…, inferiores…», mas não foi isto o que foi escrito, pelo que o sentido gramatical indica que o acordo previsto para ser efectuado no final do ano é que não seria inferior a €500 000,00 euros e não os honorários de sucesso no final com vitória.

Também é certo que esta argumentação do executado sairá reforçada se se considerar que o segmento «sem prejuízo dos honorários de sucesso no final com vitória» se encontra entre vírgulas, o que também pode indicar que se trata de algo que é intercalado na frase e que por isso não participa do mesmo sentido ([3]).

Porém, o contexto não favorece a interpretação literal que faz o executado.

Com efeito, afigura-se que o verba de €500 000,00 euros, dado o seu montante, só pode referir-se aos honorários finais em caso de sucesso, pois os honorários fixos anuais foram fixados imediatamente antes em 1/10 daquela quantia, não se vislumbrando qualquer razão para considerar que os próximos honorários fixos, a fixar no final do ano, fossem no mínimo fixados em quantia não inferior a €500 000,00 euros.

Por conseguinte, só se pode entender que tais honorários respeitavam aos denominados honorários de sucesso no final com vitória.

Continuando.

Como se disse, a parte nuclear do texto é esta: «No final do ano torna-se a fazer acordo de honorários fixos, sem prejuízo dos honorários de sucesso no final com vitória, nunca inferior a 500 000€ (quinhentos mil euros)».

Como resulta do exposto, este documento só poderá ser título executivo se contiver declarações de vontade que tenham feito nascer nesse momento uma obrigação entre as partes, isto é, um vínculo jurídico (reconhecido como tal pelo direito) nos termos do qual o exequente foi constituído credor, no mínimo, da quantia de €500 000,00 euros.

Para resolver esta questão cumpre verificar e qualificar, de seguida, o que foi dito.

O texto, apelidado de «contrato» pelas partes, tal como se encontra reproduzido acima, no n.º 1 dos factos provados, é composto por 14 linhas e contém nas primeiras 12 linhas, efectivamente, um acordo sobre honorários, com definição de montantes e datas de pagamento para o ano de 2008, relativos ao processo n.º 773/07, aí melhor identificado.

Nas últimas três linhas, incluindo parte da décima segunda linha, alude-se então à questão objecto do presente recurso, repetindo, mais uma vez, nestes termos: «No final do ano torna-se a fazer acordo de honorários fixos, sem prejuízo dos honorários de sucesso no final com vitória, nunca inferior a 500 000€ (quinhentos mil euros)».

Afigura-se claro que nesta frase há dois actos, que pode ser denominados «actos de fala», de comunicação, portanto, que consistem, um, numa promessa, isto é, «No final do ano torna-se a fazer acordo de honorários fixos…»; outro, numa afirmação, que não é uma promessa, mas que enuncia algo de forma assertiva, ou seja, como algo já certo, real, existente, isto é, «…sem prejuízo dos honorários de sucesso no final com vitória, nunca inferior a 500 000€ (quinhentos mil euros)».

Por conseguinte, ficou estabelecido entre os declarantes, sem dúvida, que haveria o pagamento de honorários no final em caso de sucesso, cujo valor não seria inferior a €500 000,00 euros.

Por conseguinte, quanto a este aspecto, não pode dizer-se que o título não contém uma declaração susceptível de dar origem à obrigação exequenda.

A questão que se coloca agora consiste em verificar se o mencionado «contrato» é suficiente como título executivo ou se carece de ser completado por outros documentos, pois os honorários só são devidos em caso de «sucesso no final com vitória», o que implica provar que esta condição se verificou.

Ou seja, o documento só por si não permite concluir pela existência da obrigação de pagar €500 000,00 euros, pois esta só se constituiria quando, no futuro, viesse a preencher-se a condição «sucesso no final com vitória».

As partes neste aspecto estão de acordo, isto é, a obrigação está sujeita a condição, neste caso suspensiva, e esta consiste no «sucesso no final com vitória» (cfr. 77.º da petição e 49.º da contestação).

A questão que agora se coloca é esta: havendo necessidade de complementar o documento constitutivo da obrigação sujeita a condição suspensiva, com a prova da verificação da condição, a cargo do exequente, nos termos do artigo 343.º, n.º 3, do Código Civil, o credor pode lançar mão da acção executiva fazendo prova documental da constituição da obrigação sujeita a condição e alegando os factos relativos à verificação da condição?

Afigura-se que a resposta é negativa pelas razões que se passam a indicar.

Primeira – O n.º 1 do artigo 46.º do Código de Processo Civil é taxativo quanto à determinação das situações que dão origem a títulos executivos, pois dispõe «À execução apenas podem servir de base: …» ([4]).

Seguidamente é feita esta enumeração: «a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva».

Segunda – Esta taxatividade, no que respeita aos documentos particulares a que alude a al. c) do n.º 1, do artigo 46.º do Código de Processo Civil, implica que a constituição ou reconhecimento da obrigação conste de forma completa do título executivo, não podendo ser completada por elementos exteriores ao título, como sucede no caso dos autos com a documentação necessária a fazer a prova de que se verificaram os factos que preenchem a condição «sucesso no final com vitória».

É que, se assim fosse, então admitia-se que pudesse ser instaurada uma execução com base num título insuficiente ou parcial, carecido de complementação através da prova da verificação da condição, a onerar o exequente (n.º 3 do artigo 343.º do Código Civil), que poderia ser feita através de qualquer meio de prova, inclusive com o auxílio de testemunhas.

Repare-se que, tal como ocorre no caso dos autos, e certamente em muitos outros, é controvertida a existência da verificação da condição, pois enquanto o exequente sustenta que se verificou a condição «sucesso no final com vitória», devido ao facto de ter obtido a anulação do processo fiscal em que era executada a sociedade (…), o exequente argumenta que tal anulação da execução não pode ser entendida como preenchimento da mencionada condição, na medida em que a Administração Fiscal deduziu nova execução contra a mesma sociedade e relativamente à mesma dívida.

Numa situação como esta, torna-se necessária uma decisão judicial para dirimir a questão de saber se se encontra ou não verificada a condição.

Ora, dada a aludida taxatividade dos títulos executivos, não é possível admitir que esta situação possa dar origem a uma execução.

Por outras palavras, não é viável juntar como título executivo um documento particular onde se encontra exarada uma obrigação sujeita a condição e discutir depois, na mesma execução, a verificação da condição prevista no título executivo.

Terceira – A afirmação que fica referida no ponto anterior é corroborada pelo facto de apenas se encontrar prevista a possibilidade de completar o título executivo (do qual consta a constituição ou reconhecimento de uma obrigação), no caso de este ser um documento autêntico ou autenticado, como resulta do disposto nos artigos 47.º a 52.º do Código de Processo Civil, e nas condições aí previstas.

Com efeito, apenas se prevê no artigo 50.º deste Código que os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras possam servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, «que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das parte».

Da não existência duma previsão semelhante à do artigo 50.º para os documentos particulares, para os casos, por exemplo, em que se previsse uma obrigação sujeita a condição, aliada à taxatividade assinalada aos títulos executivos, deve concluir-se que um documento particular do qual conste uma obrigação sujeita a condição suspensiva, não constitui título executivo.

Admite-se porém (embora com dúvidas), que caso a verificação da condição esteja provada por documento com força probatória plena, este documento e o título primitivo possam, em conjunto, formar um título executivo.

Mas não é o caso dos autos.

No caso dos autos, como acima se disse e para lá se remete, apesar da existência dos processos fiscais, que são documentos autênticos, é, mesmo assim, assaz controvertida e susceptível de larga controvérsia a questão de saber se face apenas a tais processos é possível concluir pela existência de uma situação de «sucesso no final com vitória» ou não.

Neste caso torna-se necessário interpretar a vontade das partes exarada no documento junto à presente execução como título executivo, o que poderá implicar a alegação e prova de factos instrumentais através dos quais se possa determinar que situação de facto integra a expressão «sucesso no final com vitória», isto é, ou uma vitória formal naquele concreto processo fiscal ou, então, uma vitória tendo por objecto a concreta relação jurídica fiscal que opôs e continua a opor a mencionada sociedade ao fisco e que constituiu já o objecto do processo anulado.

Concluindo: Não se tendo constituído a obrigação de pagar os €500 000,00 euros na ocasião da feitura do documento junto como título executivo, nem sendo possível complementar este documento com outro documento susceptível de provar a existência da situação de facto prevista no documento inicial, tem de se concluir que a presente execução não está apoiada num título executivo.

Cumpre, por isso, julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão sob recurso.

2 – Face à conclusão a que se chegou as restantes questões colocadas ficam prejudicadas.

Sempre se dirá, porém, que, mesmo concluindo pela legitimidade do executado, por ser o seu nome que consta do documento junto como título, do qual não consta a denominação (…) (cfr. artigo 55.º do Código de Processo Civil), sempre se colocaria uma questão de saber quem, face a esse documento, é o devedor; se o executado ou a mencionada sociedade, questão esta que é controvertida, como se vê pelo teor da petição e da contestação, e que teria de ser apurada em audiência de julgamento. Se viesse, por hipótese, a concluir-se que o executado não era o devedor, então, apesar de ser parte legítima, a execução sempre teria de findar por não ser ele, afinal, o devedor.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente.

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 Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura


[1] Processo de Execução, Vol. I, 3.ª edição. Coimbra Editora, pág. 82.
[2] Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição. Coimbra Editora, pág. 15.
[3] «Colocam-se entre vírgulas palavras ou frases intercaladas numa oração cujas construções e sentidos se apresentam independentes da intercalada» - Prontuário Ortográfico e Guia  da Língua Portuguesa, 36.ª edição. Lisboa: Editorial Notícias, 1999, pág. 47.
[4] Neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, os quais justificam a taxatividade legal referindo que «A lei considera como ponto de interesse público que não se recorra às medidas coactivas próprias do processo executivo contra o património do executado sem um mínimo de garantia (prova) sobre a existência do direito do exequente» – Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 78-80.