Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6841/19.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: DESPEDIMENTO
PROCESSO DISCIPLINAR
JUNÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR AO PROCESSO JUDICIAL
COMINAÇÃO PROCESSUAL DE ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 09/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 98º-I, Nº 4, AL. A), E 98º-J, Nº 3 DO CPC.
Sumário: I – Nos termos do nº 3 do artº 98º-j do CPT para que opere a cominação nele estatuída, ou seja, que seja declarado ilícito o despedimento, basta que o empregador deixe de proceder à junção do procedimento disciplinar no prazo fixado no artº 98º-I, nº 4 do mesmo código.

II - A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, e dos vários estudos prévios elaborados sobre a matéria, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.

III - É indiscutível que as normas dos arts. 98.º-I, n.º 4, alínea a), e 98.º-J, n.º 3 do CPT impõem à entidade empregadora a junção integral do procedimento disciplinar no prazo perentório de 15 dias, sob pena de declaração imediata da ilicitude do despedimento.

IV - Com o articulado motivador deve ser junto o PD completo, sequencial e cronológico, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher as peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar.

V - Só assim se atingirá o fim desta exigência legal, qual seja a de garantir ou assegurar ao trabalhador o direito a uma efetiva e cabal defesa.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I M..., melhor identificada nos autos, veio através do processo especial previsto nos artigo 98º-B e ss do CPT, pedir que seja declarada a ilicitude do seu despedimento promovido pela sua entidade patronal CENTRO SOCIAL ..., também melhor identificada nos autos.

Na diligência conciliatória da audiência de partes não foi possível a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da empregadora para apresentar o articulado motivador e juntar o procedimento disciplinar.

Naquele articulado conclui a empregadora pela licitude regularidade do despedimento devendo, nesta conformidade, ser a acção julgada improcedente.

Após apresentação do referido articulado pela empregadora, foi proferido o despacho que a seguir se transcreve: “Nos termos do disposto no artigo 98º- I, nº4 do CPT, “Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de Partes, o juiz procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar …….”. Junto que foi pela empregadora o articulado motivador, não logramos constatar a junção do Processo Disciplinar, cuja, sequer é referida naquele articulado, onde apenas consta: “Junta : 9 documentos”.

Consultados tais documentos, constatamos tratar-se de meras cópias absolutamente avulsas, e não obstante ali identificarmos “peças” que respeitarão ao Processo Disciplinar, não logramos encontrar sequer a folha de rosto de indicação de “Processo Disciplinar”, nem o seu encerramento, nem mesmo qualquer numeração da páginas, ou certificação que permita concluir tratar-se efectivamente do que se entende por “Processo Disciplinar”, estando até tais cópias desordenadas/desorganizadas e sem sequência lógica. Mais, no documento nº1, que se inicia com a comunicação à trabalhadora da Nota de Culpa, e que poderíamos pensar tratar-se do “Processo Disciplinar” podemos ver que se lhe segue, para além do comprovativo do CTT, a resposta à mesma pela trabalhadora, na qual e para além do mais, requer a inquirição de várias testemunhas, cujas, se mostram aprazadas, mas sem que as mesmas se encontrem neste documento, pois segue-se-lhe a decisão e depois as conclusões.

Ora sendo o Processo disciplinar constituído pela prática de uma sequência de actos, nos quais se integram os relativos à acusação (nota de culpa), à defesa (resposta à nota de culpa) e à decisão (de despedimento), para além de eventuais outros, designadamente relativos à instrução do procedimento, sejam os levados a cabo por iniciativa do empregador, sejam por iniciativa do trabalhador (no exercício do seu direito de defesa), e sendo que os artigos 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3, se reportam ao procedimento disciplinar, a todo ele, integrado por todos os actos organizados lógica e sequencialmente, afigura-se-nos difícil concluir que se mostre cumprido o legalmente imposto.

Não desconhecemos, porque analisámos os demais documentos avulsos juntos, que neles se encontram inquirições e documentos vários, que respeitarão ao processo disciplinar. Porém e como nenhum dos documentos se encontra paginado, nem rubricado ou autenticado, fica difícil concluir se efectivamente todo o processo disciplinar foi junto e ainda que assim se possa vir a concluir, se a sua junção, desorganizada, não sequencial nem numerada e assinada, configura a junção do procedimento disciplinar, tal como ela está prevista nos normativos a que supra se alude”.

II. Após pronúncia das partes sobre o despacho supra transcrito e frustrada uma tentativa de conciliação entretanto agendada, o tribunal “ a quo” proferiu a seguinte decisão que se transcreve na parte que se reputa com relevância para análise e decisão da questão objecto da apelação.

Lê-se em tal despacho:

“Ora, como supra já se referiu a empregadora, após a realização da Audiência de Partes, foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 98º-I do Código de Processo de Trabalho.

Decorrido o prazo legal, a empregadora, apresentando embora o articulado a que se reporta o artigo 98 - I – nº4, alínea a), do Código de Processo de Trabalho, não juntou, contudo, o Processo Disciplinar, cuja junção, aliás, sequer é referida, naquele articulado, sendo embora certo que juntou vários documentos avulsos - doc. nº1 a doc. nº9 – cujos, consultados, constatámos tratarem-se de meras cópias, absolutamente avulsas, sem qualquer numeração, desordenadas/desorganizadas e sem sequência lógica, algumas das quais sem qualquer rubrica, e/ou, assinatura, não se encontrado em nenhum dos documentos juntos, qualquer individualização/identificação, que permitisse considerar ter sido junto o “Processo Disciplinar” integral e enquanto tal, ou seja, um processo autónomo, integrado por todos os actos a ele respeitantes, organizados lógica e sequencialmente, devidamente datados, assinados, e/ou, rubricados.

Assim e disso dando conta às Partes, e pretendendo proferir decisão, foram as mesmas notificadas, e ouvidas estas, aprazou-se uma Tentativa de Conciliação, bem como, uma vez que a empregadora alegou que o doc. nº 1 consubstanciava o “Processo Disciplinar”, se determinou à secção, que imprimisse o mesmo, em anexo autónomo, o que foi feito.

Sendo embora certo que continuamos a entender que a empregadora não juntou o Processo Disciplinar, pois que em lado algum do seu articulado, alega/refere, tê-lo junto, enquanto tal, e ainda que se entenda poder esta vir, posteriormente, esclarecer que este, é constituído pelo doc. nº1, analisado o mesmo, e não obstante, como já tínhamos referido em despacho anterior, nele se encontrarem peças avulsas, que cremos respeitarão ao “Processo Disciplinar” as mesmas não evidenciam tratar-se do Processo Disciplinar integral, nem se encontram organizadas, lógico e consequencialmente, tratando-se de meras cópias, absolutamente avulsas, sem qualquer numeração, desordenadas/desorganizadas, algumas das quais sem qualquer data, assinatura, e/ou, rubrica, faltando-lhe várias peças essenciais, senão vejamos:

Diz-se na Nota de Culpa, para além do mais que:

 - Em 30 de Maio de 2019, o Técnico Oficial de Contas da Instituição, elaborou um relatório dirigido à direcção dando conta de que, tendo sido efetuada uma contagem física dos valores em Caixa no dia 7 de Maio de 2019, apurou-se um valor em falta de €9.696,62…mais se apurou que, tendo havido pagamentos com a indicação de “pago em numerário”, que foram efetuados por cheque, o valor em falta no Caixa, pode ainda acrescer em €8.224,96….apurando-se assim um saldo negativo de Caixa, no montante de €17.921,58…”

Ora, tal Relatório sequer consta dos autos, e se se pretender dizer que o mesmo está consubstanciado no “anexo 1” que, para além do mesmo, não identificar qualquer “Relatório”, referindo apenas tratar-se de “Notas sobre análise ao Saldo do Caixa”, não se conseguindo identificar quem as elaborou, também sequer transcreve os valores referidos na Nota de Culpa, apresentando depois, em folhas avulsas, sem qualquer numeração, nem data, montantes diversos, que não permitem concluir pelo alegado valor de €17.921,58, e, mesmo que se diga que a folha também avulsa, sem numeração, nem data nem assinatura, que se encontra no “anexo 15”, também respeita a tal matéria, nem mesmo assim, os valores ali constantes têm qualquer correspondência com o alegado na Nota de culpa, obrigando à conclusão, com o devido respeito, por opinião contrária, de que o Tal “Relatório”, não está de todo, junto ao Processo Disciplinar;

Por outro lado, consta nas Conclusões (Note-se que o Relatório Final se inicia logo nas Conclusões), para além do mais que:

- a complexidade da instrução que compreendeu as diligências probatórias de três procedimentos disciplinares (o respeitante à ora arguida e os respeitantes a duas outra trabalhadoras), tendo sido realizada de forma materialmente unitária, mediante o aproveitamento dos conhecimentos obtidos e das provas produzidas de um para os demais – razão pela qual acabaram as respectivas instruções, por ser apensadas, a final, num único volume – (vd. artigo 6º das conclusões).

Ora, em lado algum consta a decisão de tal apensação nem a sua comunicação à arguida, para além do facto de as aludidas inquirições, estarem dispersas por vários anexos – anexo 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10ºe 11º - e não como ali se refere, num único volume, e sendo ainda certo que a realização das mesmas, não foram notificadas à arguida, na sua totalidade, nem à sua mandatária, que se constata não ter assistido a todas elas, algumas das quais, revelam a presença de outras mandatárias, que não a da arguida, e outras até foram realizadas sem a presença de qualquer advogado e uma até não está sequer assinada pelo instrutor –vd. anexos 5º, 6º - Drª ... -, 7º, 8º - Drª ... – 10º e 11º, sem que tenha sido assistido por nenhum mandatário e este último sequer está assinado pelo instrutor -, constatando-se que apenas foi ouvida com a presença da ilustre mandatária da arguida, a aqui trabalhadora em causa, uma das testemunhas que arrolou – vd. anexo 4º - e que a própria trabalhadora, arguida no processo disciplinar que lhe respeita, foi ouvida como testemunha e não na sua qualidade de arguida – vd. anexo 9º -, sendo que as outras duas testemunhas que arrolou, foram ouvidas com advogada que não era a sua – vd. anexos 5º e 6º -, o que tudo, mais uma vez, obriga à conclusão, com o devido respeito, por opinião contrária, que o alegado Processo Disciplinar não está completo;

Consta ainda nas Conclusões a que supra se alude que:

- Por Deliberação da Direcção da entidade Empregadora, datada de 05/06/19, a arguida foi suspensa preventivamente, com efeitos a partir de 11/06/19 – vd. artigo 8º -.

Porém, em lado algum se encontra a comunicação à trabalhadora de tal decisão, e não se diga que o facto de a mesma se encontrar na alegada ATA nº 39, junta no anexo 10º, basta para concluir ter sido notificada à arguida/trabalhadora, pois que tal, sequer decorre, e/ou consta de tal ATA, que apenas conclui que a mesma, depois de lida, foi assinada pelos presentes como sinal de aprovação, sendo que a arguida não faz parte dos alegados presentes.

Atente-se ainda que na mesma ATA, para além dos presentes terem deliberado suspender várias funcionárias, entre as quais a aqui trabalhadora, deliberaram, igualmente, mandar proceder a Processo Disciplinar e nomearam instrutor o Dr. ..., que contudo não se vislumbra que o tenha sido, pois que, da análise das peças juntas que reportam ao Processo Disciplinar, muito embora nas inquirições das testemunhas sequer esteja identificado o instrutor, da assinatura das mesmas e de algumas outras peças, constata-se que quem foi efectivamente o instrutor foi o Ilustre causídico Dr. ..., que em lado algum se constata ter sido, para tanto, nomeado - vd. entre outas, a notificação da trabalhadora, datada de 27 de Junho de 2019, para ,em 10 dias deduzir defesa à Nota de Culpa e a comunicação à Ilustre mandatária da trabalhadora ali arguida, datada de 26 de julho de 2019, informando-a da data de inquirição das testemunhas arroladas, que se encontram assinada pelo “Instrutor” ...;

Mais consta nas Conclusões a que supra se alude que:

- Consta da Ata nº 36, e da inquirição à testemunha Engº ..., ….que a arguida chegou a prestar declarações, acerca de tais irregularidades, perante a Direção e perante o Tesoureiro, no dia 22 e 27 de maio, respetivamente, em sede de inquérito prévio – vd. artigo 64º;

Porém em lado algum se encontra o aludido inquérito Prévio;

Consta também da aludidas Conclusões – vd. artigos 111º e 112º - que:

- Os prejuízos contabilizados, sem prejuízo de posterior averiguação, ascendem aos €27.359,27;

Porém, e para além da divergência dos montantes referidos na Nota de Culpa, no que concerne aos indicados nos artigos 6º a 8º desta, divergentes daqueles valores indicados, no anexo 1º e 15º, já supra aludidos, sequer consta da Nota de Culpa a referência ao montante aludido no artigo 112º das Conclusões, nem mesmo se constata qualquer documento, que disso tenha notificado a trabalhadora;

Por fim, não se vislumbra a junção da Decisão de Despedimento, e não se diga que a mesma está plasmada, na notificação à trabalhadora, datada de 05 de novembro de 2019, porquanto tal, como se constata, reveste mera notificação de ter sido proferida a Decisão de Despedimento, cuja, sequer foi junta aos autos.

Não obstante e ainda que se quisesse aceitar que tal notificação, consubstanciava a Decisão de Despedimento, ainda assim, a mesma sequer se mostra assinada, pelo que não poderia ser-lhe atribuído tal valor, nem o facto de a trabalhadora ter junto uma notificação assinada, permite suprir a falta dela, junta pela empregadora. Vd. a respeito, entre outros, acórdão da Relação do Porto no processo nº 1558/18.3T8VLG-A.P1, no qual pode ler-se para além do mais “….O procedimento disciplinar é constituído (….)

No requerimento da empregadora a que supra se alude, e para além do já supra transcrito, faz ainda a mesma referência à necessidade/possibilidade de convite à Parte para aperfeiçoamento – vd- artigos 14º e 15º do mesmo, onde se lê “….inexistem quaisquer elementos que permitam suscitar, de forma lógica e razoável, qualquer dúvida acerca da completude ou incompletude, bem como da autenticação ou defraudação, do Procedimento Disciplinar junto pela Ré como Doc. n.º 1, sendo certo que, se alguma confusão houvesse quanto à identificação dos 9 (nove) documentos juntos pela entidade empregadora, sempre poderia (como poderá ainda!) esse douto tribunal convidar a parte a aperfeiçoar a respetiva identificação….”.

Porém, e se com isso pretenderia dizer que sempre poderia vir completar o “Processo Disciplinar”, convidado que fosse para o fazer, entendemos, com o devido respeito por opinião contrária, que o prazo de 15 dias, de que a empregadora dispõe, para fazer a junção do Processo Disciplinar, integrado por todos os elementos que hajam sido levados a cabo, é um prazo perentório, não admitindo qualquer convite para eventual aperfeiçoamento, e/ou, complemento, pois que não está na disponibilidade da empregadora, escolher, das peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar, e/ou, a convite do Tribunal, vir juntar outras, que não tenham sido juntas. A este respeito e entre outros pode ainda ler-se, no acórdão supracitado “O prazo de 15 dias para o empregador apresentar o articulado a motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar fixado pelo artigo 98º-I, nº 4, al. a), do CPT é, pois, um prazo legal, porque fixado por lei, de natureza perentória, cujo decurso determina a extinção do direito de praticar tais atos, improrrogável, porque a lei não prevê a possibilidade da sua prorrogação, e com efeitos cominatórios (a cominação é a prevista no artigo 98º-J, nº 3, do CPT), atos esses que apenas poderão deixar de ser praticados no referido prazo (acrescido dos três dias úteis subsequentes a que se reporta o artigo 139º, nº 5, do CPC) se invocado, e verificado que seja, justo impedimento, à semelhança, aliás, do que ocorre relativamente à prática de ato processual para o qual a lei, sem que preveja a possibilidade da sua prorrogação, fixe prazo processual” (…).

Do que vem de dizer-se somos a concluir, como supra já concluímos que não foi junto o Processo Disciplinar, e, ainda que se possa entender, e aceitar o posterior esclarecimento da empregadora, que aquele, está configurado, todo ele, no doc. nº1 que juntou, ainda assim e como também já suprarreferimos, este, não configura um Processo Disciplinar, integral/completo, organizado lógico e sequencialmente, com inclusão do procedimento prévio e bem assim das demais peças, que lhe respeitam, faltando-lhe peças essenciais, que supra discriminámos, pelo que sempre se terá de entender não ter a empregadora, dado cumprimento ao estatuído no artigo 98º, I, nº 4, alínea a) do CPT e consequentemente, pela não junção, e/ou, pela sua junção incompleta, é de aplicar o disposto no artigo 98º-J, nº3, do mesmo diploma legal, ou seja, é de declarar a ilicitude do Despedimento, condenando a empregadora em conformidade.

(…)

Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, e ao abrigo dos normativos supracitados, declaro ilícito o despedimento da trabalhadora, M..., efetuado pela entidade empregadora, Centro Social ..., e, em consequência condeno esta última:

a) a pagar à trabalhadora, M..., a indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos nºs 2 e 3 do artigo 391º do Código do Trabalho; e, a

b) Pagar-lhe as retribuições que aquela deixou de auferir, desde a data do seu despedimento, até ao trânsito em julgado da presente decisão, sem prejuízo das deduções legais previstas nas alíneas a) a c) do nº2, do artigo 390º do Código do Trabalho; c) acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do respectivo vencimento de cada uma das prestações em causa - artigo 805º, nº2 alínea c) do código civil;

c) Acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do respectivo vencimento de cada uma das prestações em causa - artigo 805º, nº2 alínea c) do código civil”.

III – Inconformada veio a empregadora apelar alegando e concluindo:
....
Termos em que deverá ser o despacho saneador-sentença recorrido ser revogado e substituído por acórdão que mande prosseguir normalmente a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

  +

Contra alegou a recorrida concluindo:

...

Não assiste, assim, qualquer razão ao Recorrente, devendo ser integralmente mantida a douta sentença recorrida.

Termos em que e nos mais de direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto, com todas as legais consequências, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida.


+

O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação do decidido.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

IV – A matéria de facto a considerar é que resulta do relatório do presente acórdão.

IV – Como são as conclusões da alegação que, sem prejuízo das questões de que o tribunal conhece oficiosamente, delimitam o objecto do recurso, importa no caso em apreciação decidir se:

1. O saneador/sentença é nulo.

2 A empregadora procedeu à junção do procedimento disciplinar no prazo a que alude ao artº 98º-I nº4/a do CPT

Da nulidade:

Na conclusão XLII é arguida a nulidade do saneador-sentença por excesso de pronúncia nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC, na medida em que suscitou e pronunciou-se sobre questões que nenhumas das partes trouxe à colação, que nada importavam para a aquilatação da (in)completude do procedimento disciplinar, que não eram de conhecimento oficioso e que não originam sequer a mera irregularidade do despedimento sub judice.

Decidindo.

A nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC relaciona-se com o disposto no art.º 608º, nº 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Assim, para lá de estar obrigado a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o juiz está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.

Para efeitos do disposto no art. 608º, nº 2 do CPC, tem-se considerado que “questões” são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções porventura aduzidas.

Por outro lado há a distinguir as “questões” das “razões” ou “argumentos”, sendo que só a falta de apreciação das primeiras – “questões” – integra a nulidade prevista na alínea d) do citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Para concluir que o tribunal de recurso não tem de apreciar todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pela parte, mas tão só as questões objecto do mesmo recurso, entendidas as mesmas, como se disse, como aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as (reais) excepções porventura aduzidas.

Ora, no caso, está em causa saber se se pode considerar se o PD foi ou não devidamente junto aos autos com o articulado motivador, o que se consubstancia num vício de conhecimento oficioso[1] que determina declaração imediata da ilicitude do despedimento conforme decorre no teor literal do nº 3 do artº 98º -J do CPT.

O tribunal pronunciou-se, aliás como estava obrigado a pronunciar-se, sobre esta questão central objecto do recurso, englobando-se ou girando todas as demais questões abordadas na decisão recorrida dentro daquela questão central pelo que não houve qualquer excesso de pronúncia que acarrete a nulidade da decisão.

Da junção do procedimento disciplinar:

Nos termos do nº 3 do artº 98º-j do CPT para que opere a cominação nele estatuída, ou seja, que seja declarado ilícito o despedimento, basta que o empregador deixe de proceder à junção do procedimento disciplinar no prazo fixado no artº 98º-I nº 4 do mesmo código.

A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, e dos vários estudos prévios elaborados sobre a matéria, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.

Apesar de o procedimento disciplinar ser um instrumento complementar ao articulado motivador do empregador - que constitui a peça central do processo - o legislador exigiu a sua entrega imediata pelos seguintes motivos: nos casos em que existe um procedimento disciplinar interno à empresa, a lei exige a sua junção dentro do prazo de 15 dias, supondo que, tratando-se de um documento já previamente elaborado, está disponível para ser entregue a fim de permitir, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa e permitir, ao juiz, a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.

No caso que nos ocupa não foi omitida totalmente a junção de PD.

O que na decisão recorrida se afirma é que se omitiu a junção de peças ou partes desse PD que se identificam nessa decisão e que, na óptica do tribunal a quo, equivale à sua omissão por não se poder considerar que tais peças possam constituir nos termos da lei um verdadeiro PD.

Em primeiro lugar há a sublinhar que, tal com o refere a apelante na conclusão XVI “é indiscutível que as normas dos arts. 98.º-I n.º 4, alínea a), e 98.º-J n.º 3 do CPT impõem à entidade empregadora a junção integral do procedimento disciplinar no prazo peremptório [2]de 15 dias, sob pena de declaração imediata da ilicitude do despedimento”.

Daqui decorre que não há lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento estando vedada a possibilidade de prorrogação do prazo consignado no dito normativo.

A falta de junção integral do PD acarreta desde logo a aplicação do efeito cominatório.

Mas o que deve entender-se por junção integral?

Bastará a junção das peças principais como sejam, por exemplo, o inquérito disciplinar prévio (se houver), a nota de culpa, a resposta à nota de culpa, as diligências probatórias (se as houver) e a decisão final?

A propósito desta questão lê-se no acórdão da Relação do Porto proferido no processo nº 1558/18.3T8VLG-A.P1, citado e parcialmente transcrito na decisão impugnada que “….O procedimento disciplinar é constituído pela prática de uma sequência de actos, nos quais se integram os relativos à acusação (nota de culpa), à defesa (resposta à nota de culpa) e à decisão (de despedimento), para além de eventuais outros, designadamente relativos à instrução do procedimento, sejam os levados a cabo por iniciativa do empregador, sejam por iniciativa do trabalhador (no exercício do seu direito de defesa). E os arts. 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3, reportando-se ao procedimento disciplinar, reporta-se a todo ele, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, incluindo, pois, a resposta à nota de culpa, não estando na disponibilidade do empregador escolher, das peças que integram o procedimento disciplinar, aquelas que pretende ou não juntar. Diga-se que a resposta à nota de culpa consubstancia o meio, por excelência, da defesa do trabalhador no âmbito do procedimento disciplinar – art. 355º, nº 1, do CT/2009-, na qual o trabalhador poderá aduzir o que tiver por conveniente em sua defesa, como requerer as diligências probatórias que tenha por pertinentes. No mesmo sentido, se pronunciou esta Relação do Porto, no acórdão de 26.5.2015 [2], em que se diz, para além do mais, que “(…)- O texto da lei não diz que o empregador demonstrará que procedeu disciplinarmente contra o trabalhador mediante a junção de algumas partes dele, o texto diz expressamente que o empregador tem de juntar o procedimento disciplinar. (…)”, in www.dgsi.pt.. E, assim também, o Acórdão da Relação de Évora de 16.01.2014, Processo 187/13.2TTPTM-A.E1, também publicado in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que: “ii) A junção do procedimento disciplinar com o articulado motivador de despedimento a que se alude na al. a) do n.º 4 do art. 98º-I do Código do Trabalho não exige que a mesma seja feita mediante a apresentação de um volume em papel contendo o procedimento disciplinar em si. Deve, no entanto, o empregador remeter para o tribunal, no prazo que lhe foi concedido para apresentação do articulado motivador do despedimento e independentemente da via que pretender utilizar, todas as peças do procedimento disciplinar. iii) A não junção, com o articulado motivador de despedimento, do procedimento disciplinar completo e sequencial, com inclusão do procedimento prévio de inquérito, importa a declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador ao abrigo do disposto no art. 98º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.”

Ora, no caso, a Ré, com a junção do procedimento disciplinar, não juntou a resposta à nota de culpa, o que também determina a aplicação da cominação do art- 98º-J, nº 3.Esclareça-se que, pese embora no relatório final do procedimento disciplinar, a Ré faça referência à resposta à nota de culpa apresentada pela A., tal referência não supre a necessidade de junção da referida peça. Esta é uma das peças, aliás essenciais, que compõem o procedimento disciplinar e que, como tal, deve integrar a junção do mesmo determinada no art. 98º-I, nº 4, do CPT.”

No caso em apreciação, no artº 3º do articulado motivador (apresentado em 24.01.2020) o empregador refere que a trabalhadora foi suspensa preventivamente remetendo para o “anexo nº 10 (acta nº 39) do DOC. nº 1 (procedimento disciplinar) que ora se junta e reproduz integralmente par os devidos efeitos legais”.

Com o referido articulado foram juntos:

- cópia da notificação da trabalhadora da nota de culpa para, querendo, apresentar a sua defesa.

- cópia da defesa apresentada pela trabalhadora.

- diversa documentação relativa a pedidos de envio de recibos de vencimento, orçamentos, preação de contas, balancetes, recibos de vencimento, notificação para inquirição de testemunhas.

- decisão final que culminou na aplicação da sanção de despedimento.

Toda esta documentação veio a constituir o “apenso” em papel denominado “Doc.  nº 1 e anexos”, do qual constam os documentos que acompanharam o articulado motivador.

Posteriormente, em 25.01.2020, a empregadora veio, “ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 3 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, submeter em requerimento autónomo os Docs. n.ºs 5 a 9 juntos ao Articulado do Empregador por o conjunto dos documentos a submeter exceder o limite legal de 10Mb”.

Estes documentos são os seguintes:

- folhas de caixa.

- informação sobre a decisão de apensação de procedimentos disciplinares.

- contrato de trabalho.

- acordo sobre isenção de horário de trabalho.

Aqui chegados, numa primeira abordagem, verificando-se que foram juntos com o articulado motivador a nota de culpa, a resposta ou defesa do trabalhador, os autos de inquirição de testemunhas e a decisão final, dir-se-ia que se atingiu o desiderato pretendido pela lei com a junção do PD, pelo que teria de se dar por cumprido a obrigação legal que obriga o empregador a juntar o PD com aquele articulado sob a cominação de ser logo declarado ilícito o despedimento.

Contudo, há a considerar que o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime; que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e que o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final (nºs 1, 2 e 3 do Artigo 329.º do CT).

Mais há assinalar que a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do citado artigo 329.º (nº 3 do artº 353º do CT) e que o empregador, sob pena de caducidade, dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento a contar da recepção do parecer da comissão de trabalhadores ou a partir da data da conclusão da última diligência de instrução (nºs 1 e 2 do artº 357º do CT).

Ora, os direitos do trabalhador em poder invocar a prescrição ou a caducidade nos termos dos citados normativos só pode efectivamente operar se lhe for dado conhecimento, designadamente da data em que foi instaurado o PD e data em que ocorreu o último acto de instrução.

O que implica a junção integral do PD e não a junção avulsa de peças desse PD.

Com o articulado motivador deve, assim, ser junto o PD completo, sequencial e cronológico, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher, tal como se refere no aresto do TRP acima referido, das peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar.

Só assim se atingirá o fim desta exigência legal, qual seja a de garantir ou assegurar ao trabalhador o direito a uma efectiva e cabal defesa.

Acresce que a ter havido, como parece, inquérito prévio, reclamava-se a sua junção para que, em sede judicial, o trabalhador tivesse a possibilidade de solicitar a verificação do circunstancialismo em que ocorreu esse inquérito (artº 352º do CT[3]).

Aquilo que à primeira vista pode parecer uma questão de natureza meramente formal - exigência da junção de um PD organizado, sequencial, com os actos praticados devidamente rubricados e datados – tem, na realidade, implicações de natureza substancial na medida em que essa exigência se reflecte no exercício do direito do trabalhador a uma defesa efectiva e completa.

Por último, alega o recorrente o tribunal a quo, ao decidir como decidiu “não respeitou os princípios processuais e constitucionais do contraditório, da igualdade das partes, da igualdade de armas, da gestão processual pelo juiz (simplificação, agilização, flexibilização, adequação formal, direcção efectiva, sanação… do processo, com vista à justa composição da lide), do inquisitório, do dispositivo, da cooperação, da concentração do processo num mesmo juiz, do juiz natural, da tutela jurisdicional efectiva, do processo justo e equitativo, da legalidade democrática, da confiança e segurança jurídicas, da proporcionalidade, e da prevalência da substância sobre a forma, sem prejuízo de outros (…) – tudo isto culminando na inevitável inconstitucionalidade e ilegalidade do saneador-sentença proferido”.

Não vemos onde, com a decisão proferida pela 1ª instância, tais princípios tenham sido violados, sendo que não basta para a sua verificação a sua simples proclamação, sendo necessário a sua concreta demonstração, o que a recorrente não fez.

Aliás, a interpretação das normas em questão foi feita observando as regras de interpretação jurídicas, tendo em conta os interesses e os direitos de ambas as partes que importa salvaguardar sem que se vislumbre que tenha sido violado qualquer princípio constitucionalmente consagrado.

Por tudo isto, não tendo o PD sido entregue pelo empregador de acordo com o que legalmente deve ser entendido como constituindo um PD, ter-se-á de considerar que o PD, em termos substanciais, não foi entregue no prazo peremptório de 15 dias estabelecido na lei, o que acarreta a ilicitude do despedimento tal como foi declarado na 1ª instância.

V Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da decisão impugnada.

Custas a cargo da recorrente.


Coimbra, 25 de Setembro de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)



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[1] Cfr. Abílio Neto, CPT anotado, 5ª edição, p. 287, nota 4.
[2] É esta a posição que, dos arestos por nós consultados, tem sido seguida pelo STJ, ou seja, que o prazo de 15 dias tem natureza peremptória..
[3] Inquérito prévio: “Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo”.