Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/14.1T8FVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: SERVIDÃO PREDIAL
CONCEITO JURÍDICO
DIVISÃO
PRÉDIO SERVIENTE
PRÉDIO DOMINANTE
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – FIGUEIRÓ DOS VINHOS – INST. LOCAL – SEC. COMP. GENÉRICA –
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1543º E 1546º DO C. CIVIL.
Sumário: I – A servidão predial é definida no art.º 1543º do Cód. Civil como um encargo imposto num prédio (prédio serviente) em benefício exclusivo de outro prédio (prédio dominante), pertencente a dono diferente. Trata-se de um direito real de gozo sobre coisa alheia ou direito real limitado, mediante o qual o dono de um prédio tem a faculdade de usufruir ou aproveitar de vantagens ou utilidades de prédio alheio (ius in re aliena) em benefício do seu, o que envolve correspondente restrição ao gozo efectivo do dono do prédio onerado, na medida em que este fica inibido de praticar actos susceptíveis de prejudicar o exercício da servidão.

II - As servidões são indivisíveis e, consequentemente, se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia, e se for dividido o prédio dominante tem cada consorte o direito de usar a servidão sem alteração ou mudança (artigo 1546º do Código Civil).

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

      Proc. n.º 15/14.1T8FVNC.C1

 1. Relatório

1.1.-M... e A... propuseram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J... e C... pedindo a condenação destes em:

I- Reconhecer que a favor dos PRÉDIOS RÚSTICOS de que os A.A., são proprietários, melhor identificados em 1, onerando os PRÉDIOS também identificados em 10 ali e aqui da presente P.I., se encontram constituídas servidões de passagem a pé, de carros de mão e de passagem de pessoas e de pessoas transportando bens e objectos, para acesso nos termos descritos nos articulados àqueles prédios e dos mesmos sair, servidões desde a via pública aqueles prédios com as características e implantando-se pelos locais e parcelas melhor descritos(as) e identificados(as) em 45 a 54 e 82 a 84 desta P.I..

II- Reconhecer, nos mesmos termos, que a favor dos mesmos PRÉDIOS RÚSTICOS de que os A.A., são proprietários identificados em 1, onerando os PRÉDIOS de que os R.R., também são proprietários, também identificados em 10, igualmente desta P.I., se encontram constituídas servidões de águas, para rega, aqueduto e passagem de águas, bem como de passagem a pé ao longo das levadas de água, para limpeza destas, servidões com as características, extensão e implantação melhor precisadas em 55 a 64 e 66 a 73 desta P.I..

III- Não mais se oporem ao uso, utilização e passagem dos A.A. e/ou terceiros à sua ordem a pé ou com bens e objectos, bem como das águas para rega, por aquelas servidões, bem como a permitirem que os A.A., nos mesmos termos levem a cabo nas e ao longo das mesmas todos os trabalhos de limpeza, manutenção e beneficiação dos locais de implantação de tais servidões, de que estas careçam para o seu adequado uso, bem como a fazer para aí, nas mesmas e ao longo das mesmas, deslocar e transportar todos os materiais, utensílios e objectos necessários à execução daqueles trabalhos.

IV- Entregarem aos A.A. a chave do portão de acesso da via publica ao interior dos PRÉDIOS de que são proprietários e a não mais se oporem a abertura por estes daquele portão, bem como a através do mesmo, pelas aludidas servidões, aceder aos PRÉDIOS propriedade dos últimos, bem como aos regos, levadas e caminhos que ladeiam aqueles regos e levadas, ali para encaminhamento de águas e aqui para limpeza e beneficiação daquelas levadas.

V- Pagarem sanção Pecuniária Compensatória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia que perdurar o impedimento ou oposição dos R.R. ao uso e utilização daquelas servidões.

VI- Repararem aos A.A. danos patrimoniais e não patrimoniais descritos nos articulados e assim a pagarem-lhes indemnização pelos danos líquidos no montante de € 8.100,00 (oito mil e cem euros).

VII- Bem como a pagarem aos A.A indemnização a liquidar em execução de sentença porque ilíquidos para reparação dos danos melhor descritos em 142 a 150.

 Tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento daquela indemnização.

VIII- Por ultimo a pagar custas, procuradoria e reembolso de honorários aos A.A., que forem devidos e exigíveis na acção.

Para tanto, alegam, em síntese:

...

            1.2. Os réus contestaram alegando, grosso modo, que o referido portão de entrada sempre esteve munido de fechadura e chave, e que os autores dispunham também, sendo que em 2009, quando substituíram da fechadura original por uma nova, pretenderam entregar um exemplar da chave nova aos autores, mediante a assinatura de uma declaração de recebimento, o que foi recusado pela autora, razão pela qual defendem nunca lhe ter sido impedida a passagem dentro de determinadas regras.

Mais alegaram que que os prédios rústicos dos autores há mais de 20 anos que não são cultivados, estando tais parcelas votadas ao mero pousio.

Alegaram também que os autores possuem outros acessos, quer a norte, quer a sul, sendo que foram os próprios autores quem procedeu à construção de um muro em forma de S num local de passagem, impedindo-a.

Concluí desde logo, pela litigância de má fé por parte dos autores, mas também pela verificação da exceção de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que peticionam a entrega da chave da nova fechadura que já lhes foi facultada e que recusaram.  Mais invocaram a sua ilegitimidade passiva, alegando para o efeito que no presente litígio deveriam também estar presentes todos os terceiros também onerados com as servidões cujo reconhecimento se requer.

Invocaram, ademais, a prescrição das indemnizações peticionadas, por decurso do prazo de 3 anos e a extinção, pelo não uso por mais de 20 anos consecutivos, das referidas servidões.

Impugnaram grande parte da matéria alegada pelos autores e alegaram que a propriedade do prédio misto foi adquirida por compra, em 1971, que aí têm a sede da sua morada de família desde então, mais invocando a sua aquisição por usucapião, sendo que foi adquirida livre de ónus ou encargos, não tendo os autores, nem à data, nem agora, qualquer direito real de gozo limitado, sendo que sempre assistiria aos réus o direito de tapagem e vedação da propriedade.

Insurgem-se igualmente quanto aos montantes peticionados a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, considerando, designadamente, que tais prédios se encontram em pousio, por falta de rentabilidade e/ou falta de interesse económico.

Concluem pela procedência das exceções invocadas e pela improcedência da ação.

Mais deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que os referidos prédios se mostram infestados de silvas, fetos, matos e lixo, constituindo um local propício a ser foco de vermes e rastejantes, pelo que terão de ser limpos e mantidos.

Subsidiariamente alegam que em face do devassamento, perda de privacidade e da intimidade da família, lhes assiste o direito de peticionar a mudança de tal servidão, à sua custa, afastando-a para a parte sul do seu quintal, o que não causará qualquer prejuízo aos autores.

Assim, peticionam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio urbano supra identificado, livre e desonerado de ónus ou encargos de natureza real, ou subsidiariamente a condenação dos autores a verem mudada a servidão de passagem para a parte sul do prédio dos réus, em qualquer dos casos, serem os autores condenados a proceder, em prazo a designar, sendo razoável o prazo de 30 dias, à limpeza e desmatação dos seus terrenos, e por fim, a condenação dos autores em multa e indemnização expressivas, a última a favor dos réus, como litigantes de má fé.

1.3. Notificados, responderam os autores à invocada litigância de má fé, porquanto se limitam a exercer legitimamente os direitos que lhes assistem, à exceção de ilegitimidade passiva, pugnando pela sua não verificação, à exceção de abuso de direito, impugnando que em algum momento lhes tenha sido disponibilizada uma chave do portão e à prescrição do direito de indemnização, alegando que se trata de um facto continuado que perdura até ao presente.

Mais contestaram a reconvenção deduzida, reconhecendo a aquisição pelos réus do prédio misto a que aludem, coincidente com o prédio urbano e rústico identificado na petição inicial, nos termos invocados e reconhecendo o estado atual em que se encontram os seus prédios rústicos, embora tal circunstancialismo seja imputável à conduta dos réus, mantendo o alegado quanto à constituição das diversas servidões.

Quanto à peticionada mudança de servidão, defenderam os autores que não foram alegados convenientes os respetivos pressupostos e ainda que tal mudança acarretará prejuízos não suportáveis para os autores.

Terminam peticionando a condenação dos réus como litigantes de má fé, no pagamento das custas processuais, reembolso de custas de parte, incluindo os honorários que os autores pagarem aos mandatários que constituíra, em montante nunca inferior a € 2.000,00, porquanto invocam factos que sabem ser falsos.

            1.4. Foi prescindida a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e fixados o objeto do litígio e os temas da prova.

1.5. Teve lugar a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, após a qual se decidiu, julgar a presente parcialmente improcedente e em consequência: 

a) Reconhecer que a favor dos prédios rústicos identificados em 1) a 3) - de que os autores são proprietários - onerando o prédio identificado em 8), se encontram constituída uma servidão de passagem a pé com a extensão e características constantes dos pontos 17) a 22) da matéria de facto provada;

b) Reconhecer que a favor dos mesmos prédios rústicos identificados em 1) a 3),  de que os autores são proprietários, o prédio identificado em 8), se encontra constituída uma servidão de aqueduto ou transporte de águas para rega com a faculdade de passagem a pé ao longo das levadas de água, para limpeza destas, com o trajeto identificado nos pontos 25) a 29) e 32) e 33) da matéria de facto provada;

c) Condenar os réus a não mais se oporem ao uso, utilização e passagem dos autores e/ou de terceiros à sua ordem a pé ou com bens e objetos, bem como das águas para rega, por aquelas servidões, bem como a permitirem que os autores levem a cabo nas e ao longo das mesmas todos os trabalhos de limpeza, manutenção e beneficiação dos locais de implantação de tais servidões, de que estas careçam para o seu adequado uso, bem como a fazer para aí, nas mesmas e ao longo das mesmas, deslocar e transportar todos os materiais, utensílios e objetos necessários à execução daqueles trabalhos.

d) Condenar os réus a entregar aos autores a chave do portão de acesso da via publica ao interior dos prédios de que são proprietários e a não mais se oporem a abertura por estes daquele portão, bem como a através do mesmo, pelas aludidas servidões, aceder aos prédios propriedade dos últimos, bem como aos regos, levadas e caminhos que ladeiam aqueles regos e levadas, ali para encaminhamento de águas e aqui para limpeza e beneficiação daquelas levadas;

e) Condenar os réus a pagarem aos autores a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no montante total de € 5.875,00 (cinco mil oitocentos e setenta e cinco juros), acrescidos de juros de mora, contabilizados nos termos supra expostos;

f) Absolver os réus do demais peticionado;

g) Condenar os autores a reconhecer que os autores são proprietários do prédio identificado em 8) da matéria de facto provada;

h) Determinar a mudança da servidão de passagem reconhecida em a) no troço identificado no ponto 17) da matéria de facto provada, devendo a mesma passar a ser realizada no limite sul do “quintal” dos réus, com início no vértice nascente/sul do muro de pedra confinante a nascente com a via pública, identificado no ponto 15), seguindo pela estrema sul do prédio rústico situado a nascente do prédio identificado em 3) até desembocar nesse prédio, tudo conforme indicado a fls. 181, mas mantendo todas as suas demais características.

i) Absolver os autores do demais peticionado;

j) Absolver autores e réus do pedido de condenação como litigantes de má fé.

            1.6. Inconformados com tal decisão dela recorreram os AA. e  os RR.

            1.7. Os AA. terminam a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

            1.8. Os RR. terminam a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

            1.9. Os RR. respondem ao recurso dos RR, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

            1.10. Colhidos os vistos cumpre decidir

                                               2. Fundamentação

                                               2.1. Factos provados

...

                                   3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

Tendo presente que recorreram da decisão quer AA. quer RR., por uma questão de método iremos a analisar cada um dos recursos, de per si.

I – Quanto ao recurso dos AA.

A questão a decidir consiste apenas em saber se a sentença recorrida está ferida da nulidade a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.s c) e d) do Código de Processo Civil

                Para o efeito referem os recorrentes que a sentença alude à mudança de servidão, contudo não ordenou, ou determinou, conforme previsto no artigo 1568.º, n.º 1 do C. Civil, que as obras /os custos de tal mudança sejam realizadas e suportados pelos Reconvintes / Apelados, donos do prédio serviente que requereram em sede de Reconvenção a referida mudança, sendo que incumbe ao proprietário requerente – no caso os Apelados, proprietários do prédio serviente – custear as despesas da mudança e respetivas obras, contudo, pese embora tribunal a quo tenha ponderado tal questão na fundamentação da sentença, não o plasmou na parte decisória violando o disposto no artigo 1568.º, n.º 1 do Código Civil.

Assim, ao não ter determinado que as obras de mudança do local / leito da servidão, sejam executadas e custeadas pelos réus, o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão de que devia ter tomado conhecimento, sendo a decisão ambígua o que constitui, em nosso entender a nulidade da sentença recorrida de acordo com a supra citada disposição legal do ar.º 615º, n.º 1, al.s c) e d) do Código de Processo Civil.

A fls. 606 a 608 foi tomada posição sobre tal matéria tendo a Mm.ª Juiz indeferido a pretendida nulidade.

            Vejamos.

Nos termos do n.º 1 do art.º 615, alíneas c) e d), do C.P.C.

 «c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

            d) O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Tendo presente que os recorrentes invocam duas razões para invocar a nulidade da sentença, a saber:

I - Que a sentença é ambígua ou ambígua.

II -Omissão de pronuncia.

Quanto à primeira – ambiguidade da sentença - 

Quanto a esta matéria cabe desde logo referir que a sentença é obscura ou ambígua quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer (cfr. Ac. do STJ de 09-05-1996, Processo nº 86989).

 Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado (cfr. o Ac. do STJ de 26-06-1997, Processo nº 121/97).

A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes (cfr. o Ac. do STJ de 21-10-1997, Processo nº 88/97).

Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo (cfr. no mesmo sentido o Ac. do STJ de 28-03-2000, Processo nº 457/99).

Procedendo à leitura da sentença não vemos onde existe a obscuridade ou ambiguidade.

Na verdade a sentença, sobre tal matéria é muito clara, pois refere, as razões que levaram o tribunal a decidir pela mudança de local de servição, não se vê onde exista a ambiguidade ou obscuridade no alcance da decisão – ao referir a fls. 433 linha 16  e segs. « a mudança de servidão … feita á custa do requerente está assim subordinada a um duplo requisito: a) é necessária que ela se mostre conveniente ao dono do prédio serviente; b) é ainda essencial que não se prejudiquem os interesses do proprietário do prédio dominante …)», mais à frente fls. 433 v.º linha 25 «Por outro lado, e como dissemos, não se provou que tal alteração resultasse qualquer incomodidade para os autores, sendo que a possibilidade de terem de se percorrer mais alguns metros para acesso aos prédios 1) a 3)não consubstancia um desconforto tal que obste a tal alteração».      

            Assim, pelas razões expostas a nulidade invocada com base na obscuridade ou ambiguidade não pode proceder.

            Quanto à questão – omissão de pronúncia.

            A nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto da alínea d) do n.º 1 do art.º 615 do C.P.C., nos termos da qual "O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse  apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

É a violação desse dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.

Todavia, como já dizia A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pag. 143, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."

Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas (cfr. A. Reis, ob. cit., pag. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pag. 688. Por isso, como se disse nos acórdãos do STJ de 23.6.2004, proferido no proc. n.º 387740/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha,  27.5.2004, proferido no proc. n.º 2550/03, 4.ª Secção de que foi relator o Ex.mo Conselheiro José Mesquita), não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação.

            No caso em apreço a sentença recorrida a fls. 433 linha 11 e segs. refere «Estatui o art.º 1568, n.º 1, do C.C. que « O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contando que o faça à sua custa…» e refere a fls. 434 linha fls. 13 e segs. refere « Conforme decorre da parte final do n.º 1 do art.º 1568 do C.C., bem como da posição já assumida pelos RR. nos articulados, tal alteração deverá ser realizada a expensas suas»

E como se escreve no Ac. do STJ de 5/11/2009, proc. n.º 4800/TBAMD-A.S1, in www.dgsi.pt, citado no despacho de fls. 606 a 608 « Para interpretar correctamente a parte decisória de uma sentença tem-se de analisar os seus antecedentes lógicos que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua intima interdependência.

A interpretação da sentença exige, assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura»

            Ora, como se escreve em tal despacho, com o que concordamos, «Se a mudança da servidão depende de qualquer ato por parte dos RR. e se encontra reconhecido um direito de servidão aos autores cujo exercício não pode ser estorvado (primeira parte do n.º 1 do art.º 1568 do C.C.) é manifesto que a conjugação dos dois direitos reconhecidos , o de passagem e o de mudança de passagem, deverá ser harmonizado, em sede de sua execução pelas partes, por forma a coexistirem ambos».

            Dizer-se na al. h) do dispositivo «Determinar a mudança da servidão de passagem reconhecida em a) no troço identificado no ponto 17) da matéria de facto provada, devendo a mesma passar a ser realizada no limite sul do “quintal” dos réus, com início no vértice nascente/sul do muro de pedra confiante a nascente com a via pública, identificado no ponto 15), seguindo pela estrema sul do prédio rústico situado a nascente do prédio identificado em 3) até desembocar nesse prédio, tudo conforme indicado a fls. 181, mas mantendo tal todas as suas demais características».

            Conjugando o decidido na al. h) supra com o corpo da sentença é evidente que a servidão com o traçado actual se mantém, até os RR. criarem condições, a custas suas, para o novo  traçado.

            Assim, face ao exposto não vemos qualquer omissão de pronúncia, nem qualquer ambiguidade.

            Pelo exposto, esta pretensão do recorrente não pode proceder.

            II - Quanto ao recurso dos RR. as questões a decidir são:

            a)-Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

b)– Saber se se verifica a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos recorrentes RR.

c) – Saber se os encargos reclamados pelos AA, sobre os prédios dos RR, exorbitam o normal conteúdo para a servidão de passagem de pé, de condução de água e, acolhidas na douta sentença, ora posta em crise, para passagem de terceiros, à sua ordem, como para beneficiação dos locais de implantação, de tais servidões, com deslocações e transporte de todos os materiais.

d) -A condenação dos RR, na entrega aos AA, de chave do portão, incluindo para beneficiação de levadas e, sem qualquer restrição, não deverá proceder.

e) – Saber se os RR não violaram, nem causaram danos patrimoniais ou morais aos AA., tanto mais por não haver nexo causal.

f) - Em caso de responsabilidade civil extracontratual dos RR, aos mesmos seria exigível antes, a reconstituição / reparação natural e, não, indemnização pecuniária.

g) – Saber se os AA actuam com abuso de direito.

h) – Saber se os danos reclamados estão prescritos.

i) – Saber se o valor indicado de € 5875.00€, acrescido de juros, é iniquo, injusto e infundado, nem gravidade ou dignidade, a merecer a tutela do direito, como danos morais e, no valor de € 900.00€.

            Tendo presente que são várias as questões levantadas por estes recorrentes, por uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

            a) - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada        

Quanto a esta matéria cabe em primeira linha ver se o mesmo observar os requisitos do art.º 640 do C.P.C., na medida em que os recorridos AA. quanto a esta matéria pugnam pelo não conhecimento do recurso, quanto à matéria de facto por falta dos requisitos do preceito apontado.

            Vejamos

 No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido art.º 607, n.º 5, do C.P.C.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Basto, Notas ao C.P.C. 3º, 3ªed. 2001, p.175.

            O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pelo que: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na

1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015, sup. cit.

Assim, preceitua o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

A - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

B - Perante o estatuído neste ultimo segmento normativo tem-se entendido, por

um lado, que: «A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p. 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt, bem como indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, cfr. Ac.s do STJ de 14/7/2016 e 7/7/216, onde foram relatores os Conselheiros António Joaquim Piçarra e Gonçalves Rocha, respectivamente, in www.dgsi.pt.

Ou, noutra nuance:

«Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exatas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.» - Ac. da RC de 16.03.2016, p. 1598/14.1T8LRA.C1.

Na verdade, ainda que o tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos.

Como se viu, a letra da lei não permite tal eventual entendimento.

E nem tal perspetiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessaria a uma desejável celeridade decisoria que, obviamente, sairia prejudicada.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar

uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objetivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333, de 14/7/2016 e de 7/7/216 , in www.dgsi.pt.

Dito isto vejamos o caso concreto.

...

            Tendo presente ao referido pelas pessoas supra, não vemos qualquer razão para alterar a resposta dada em 1.ª instância.

            Visto que foi o recurso da matéria de facto vejamos, agora, o de direito.

            Tendo presente que são várias as questões, por uma questão de método, vejamos cada uma de per si.

I – Saber se se verifica a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos recorrentes RR.

Segundo os recorrentes –RR. – « as pretensões dos AA., com as dimensões, extensões, conteúdos, características e sua abrangência, os RR, só por si, são parte ilegítima para assegurar a legitimidade passiva, devendo, estar na acção, os demais proprietários dos prédios, por onde, são alegadamente exercidas; só com os demais, poderá a decisão ter o seu efeito útil, quanto às questões controvertidas».

Em sentido oposto vão os recorridos – AA.- ao afirmarem «ora os AA. reclamaram na ação direitos de servidão de passagem e de aqueduto onerando prédio que é propriedade dos Recorrentes a favor de prédios de que eles, AA., são proprietários, direito de propriedade sobre os mesmos nunca foi posto em causa por uns ou por outros, se tais servidões beneficiam ou oneram também prédios de terceiros, não é questão objeto dos autos, nem teria de o ser, pois, os AA. viram os seus direitos violados pelos Recorrentes e demandaram quem deveriam demandar, se os direitos de terceiros também foram atingidos, a estes compete demandar os RR. se assim o entenderem.

Não obstante, os direitos de servidão reconhecidos aos AA. foram-no por destinação do pai de família, sendo que apenas estes poderiam demandar os RR. por serem proprietários, estes e os AA., dos prédios que resultaram do desmembramento do prédio-mãe em vários prédios e assim pedir o reconhecimento dos seus direitos nestes moldes, a que acresce que os AA. não viram os seus direitos atingidos por outrem que não os Recorrentes.

Pelo que a invocação da ilegitimidade dos RR., é totalmente destituída de fundamento e cabimento legal».

            Vejamos.

A questão consiste em saber se os proprietários de terrenos entre os dos AA. e os dos RR. deveriam também ser demandados para assegurar o efeito útil da decisão.

Cumpre, assim, apreciar se, nesta situação, existe a alegada preterição de litisconsórcio necessário passivo, invocado pelos recorrentes.

Numa breve nota introdutória cabe salientar que, na estrutura do processo civil português, em matéria de legitimidade plural, a regra é a do litisconsórcio voluntário (art. 32.º).

O litisconsórcio necessário tem carácter excepcional, por virtude dos "graves embaraços que para a parte representa a sua imposição". Daí que a lei o tenha circunscrito aos restritos casos em que "o interesse da unidade da decisão" deveria sobrelevar sobre o interesse das partes e os custos que para estas podia comportar (cfr. Artur Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Almedina, 1982, p. 199).

Dentro desta perspectiva, o art. 33.º do Código de Processo Civil apenas equaciona três situações geradoras de litisconsórcio necessário:

“1) nos casos em que é exigido por lei;

2) nos casos em que é imposto por negócio jurídico;

3) nos casos em que é exigido "pela própria natureza da relação jurídica", como condição necessária para que "a decisão a obter produza o seu efeito útil normal”.

Definindo o n.º2 (segunda parte) do mesmo artigo que “a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”.

Para analisar esta questão há que atender aos termos exactos do pedido deduzido pelos AA., ou seja se o pedido deduzido é o de constituição de uma servidão, ou de reconhecimento de uma servidão.

           Operando à leitura da P.I. vemos que o pedido formulado pelos AA. é apenas e tão só o do reconhecimento da servidão constituída por destinação do pai de família: declarar-se a existência de uma servidão, que se encontra constituída e a condenação dos RR. ao seu reconhecimento, abstendo-se da prática de qualquer acto impeditivo da passagem.

Se é verdade que alguns dos prédios servientes não pertencem a nenhuma das partes litigantes, de onde tal resulta face às confrontações aludidas, não é menos verdade que os AA. justificam a demanda isolada dos RR. no facto de serem os únicos donos dos prédios servientes que colocaram obstáculos ao normal exercício dessa servidão pelos AA.

Configurada nestes termos a relação material controvertida, por referência ao pedido concretamente formulado, torna-se evidente que o litígio concreto a dirimir apenas diz respeito aos autores e aos réus.

          Os demais proprietários dos prédios servientes são estranhos a este litígio, visto que, face aos termos da acção, nenhum deles levantou dúvidas sobre a existência da servidão nem colocou obstáculos à passagem dos autores.

De modo que a decisão que reconheça a existência da servidão e condene os RR. a absterem-se de actos que impeçam os AA. do livre exercício do direito de passar sempre alcançará o seu efeito útil normal sem a presença e sem a vinculação a essa decisão dos donos dos demais prédios servientes.

A segurança e a paz jurídica que se pretendia alcançar com a intervenção processual dos demais proprietários de prédios servientes fica assegurada, pois não é colocada em causa por estes e, como já referimos não estamos no domínio de um pedido de constituição de servidão, mas antes de reconhecimento da mesma.

Com efeito, a noção de “efeito útil normal “referida no n.º2 do art.º 33 do CPC traduz-se no seguinte: «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais» (LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 58).

         Seguramente não é esta a situação configurada pela causa de pedir e pedido dos AA., para tanto basta operar à leitura da P.I.

Totalmente oposto seria o enquadramento jurídico, caso fosse pedida a constituição de uma servidão, o que não é o caso.

           Se o pedido fosse a constituição de servidão, que não é, por a mesma se traduzir numa ligação de um terreno dominante a uma via pública, através de dois ou mais prédios (de mais do que um proprietário), isso implica que o direito do titular do prédio dominante tem de ser feito valer, perante todos os proprietários desses prédios onerados, sob pena de esse direito não poder ser oposto a todos, caso em que não se obteria o efeito pretendido com a passagem, que é o de se alcançar a via pública a partir do prédio dominante, pelo que, estaríamos perante uma situação em que «a natureza da relação controvertida exige a intervenção dos vários interessados nesta relação», ou seja, será um caso de litisconsórcio necessário natural (passivo), ao qual se refere o artº 33 nº 2, do CPC: não produziria efeito útil uma decisão que estabelecesse (hipoteticamente) uma servidão de passagem através de um terreno confinante (com o prédio dominante) que não desembocasse numa via pública (mas antes num outro terreno sobre o qual não se pudesse declarar constituída a continuação daquela servidão, por falta de intervenção processual do respectivo proprietário).

Porém, no caso em apreço não estamos perante um pedido de constituição de servidão, mas antes de reconhecimento da mesma, pelo que só podemos concluir que a situação concreta não se enquadra no âmbito do litisconsórcio necessário previsto no art.º 33 do Código de Processo Civil, que tem sido o entendimento generalizado da jurisprudência, ao que podemos averiguar (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, sumariado em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 97A446, da Relação do Porto, de 2-02-2010, sumariado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf).

Assim, face ao exposto esta pretensão dos recorrentes tem de improceder.

            II – Saber se os encargos reclamados pelos AA, sobre os prédios dos RR, exorbitam o normal conteúdo para a servidão de passagem de pé, de condução de água e, acolhidas na douta sentença, ora posta em crise, para passagem de terceiros, à sua ordem, como para beneficiação dos locais de implantação, de tais servidões, com deslocações e transporte de todos os materiais.

Segundo os recorrentes –RR.- o pedido formulado pelos AA., como supra referido extravasa o conteúdo de servidão de passagem de pé.

            Vejamos.

A servidão predial é definida, no art.º 1543º do Cód. Civil, como um encargo imposto num prédio (prédio serviente) em benefício exclusivo de outro prédio (prédio dominante), pertencente a dono diferente. Trata-se de um direito real de gozo sobre coisa alheia ou direito real limitado, mediante o qual o dono de um prédio tem a faculdade de usufruir ou aproveitar de vantagens ou utilidades de prédio alheio (ius in re aliena) em benefício do seu, o que envolve correspondente restrição ao gozo efectivo do dono do prédio onerado, na medida em que este fica inibido de praticar actos susceptíveis de prejudicar o exercício da servidão.

 Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que lhe não aumentem o valor (artigo 1544º do Código Civil). É, assim, essencial à constituição de uma servidão legal que dela resulte alguma vantagem para o prédio dominante, ou seja, um proveito efectivo por via de um prédio serviente. A referida utilidade ou vantagem é susceptível de se traduzir em aumento do valor venal do prédio dominante, como é o caso da servidão de passagem num prédio serviente para àquele proporcionar maior comodidade (Pires Lima e Antunes Varela, in Código  Civil Anotado", vol. III, Coimbra, 1987, pág. 619).

As servidões são indivisíveis e, consequentemente, se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia, e se for dividido o prédio dominante tem cada consorte o direito de usar a servidão sem alteração ou mudança (artigo 1546º do Código Civil).

Às servidões legais, designadamente as que são constituídas em benefício de um prédio encravado, reporta-se o artigo 1550º do Código Civil. Este prescreve, por um lado, que os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública nem condições que lhes permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos (nº. 1). E, por outro, goza de igual faculdade o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (nº. 2). Nele se prevê o encrave predial absoluto e o relativo, ou seja, por um lado, o prédio que não tem qualquer comunicação com a via pública, e o que dispõe de insuficiente comunicação, isto é, com ou só possível através da realização de obras de custo desproporcionado com os lucros ou vantagens derivados da sua exploração. A via pública a que se refere este artigo é aquela onde as pessoas possam circular livremente, por exemplo as estradas e os caminhos. Assim, envolvem as servidões legais, verificados que sejam os referidos pressupostos, o direito potestativo gerador da faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste. Exercido que seja esse direito, designadamente por via de contrato ou de sentença judicial, logo a servidão passa de potência a acto, isto é, logo se transmuta de meramente legal em efectiva (cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 5ª edição (reimpressão), pág. 258, a respeito das modalidades ou tipo de servidões, e Mota Pinto, Direitos Reais, Almedina, 1975, a respeito da classificação e distinção entre servidões voluntárias e legais, refere, a folhas 329/330 e Ac. S.T.J. de 2 de Maio de 2012, onde foi relator
António Joaquim Piçarra).

Entre as servidões sobressai, pelo seu relevo económico e prático, a de passagem a pé ou de carro, ou seja, o poder conferido ao proprietário do prédio encravado de exigir o acesso à via pública através do prédio ou dos prédios vizinhos. Decorrentemente, no caso de divisão do prédio onerado com uma servidão de passagem, os donos das parcelas por ela operada continuarão a suportá-la.

Mas existe outras espécies de servidões legais designadamente de águas (art.º 1557 e seg. do CC).

Os modos de constituição das servidões são o contrato, o testamento, a usucapião ou destinação de um pai de família (artigo 1547º, nº. 1, do Código Civil), sendo que as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou decisão administrativa....(n.º 2 do art.º 1547º do CC).

Quanto ao seu conteúdo, expressa o artigo 1544º que «podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor».

Como ensinam os Srs. Prof. P. Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, III, 613),  são quatro as notas a destacar da noção genérica de servidão reportada no artigo 1543º: a servidão é um encargo; o encargo recai sobre um prédio; aproveita exclusivamente a outro prédio; prédios pertencentes a donos diferentes.

A servidão deve satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante, as quais devem ser satisfeitas com o menor prejuízo para o prédio serviente.

Os interesses do proprietário do prédio dominante que contam para o enunciado efeito são, tão só, os dignos de ponderação, os que, enfim, se prendem com a impossibilidade ou grande dificuldade do uso da servidão, não consequentemente a pura comodidade ou meros caprichos – artigo 1568º, nº 1 do CC (cfr. Ac. STJ, datado de 8.6.2006, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Pereira da Silva, proferido no âmbito do processo nº 06B1480, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt).

            Dito isto, vejamos o caso em apreço.

Dos factos provados resulta que desde há pelo menos 80 anos e até finais de 2009 que os autores e seus antecessores, bem como trabalhadores à sua ordem, para acederem, quer ao patamar superior, quer ao patamar inferior do referido prédio, para os cultivar, escavar, tratar, podar árvores e recolher os produtos hortícolas e frutícolas, sempre passaram nos trilhos identificados em 16.) a 18.), a pé, à vista de toda a gente, de modo ininterrupto, na convicção de exercerem um direito próprio e sem oposição de ninguém até finais de 2009 e que, por sua vez, os referidos patamares desde há pelo menos 80 anos e até finais e 2009 que eram regados com água conduzida por gravidade de nascentes existentes na encosta da serra, entretanto captadas, represadas e encaminhadas por levadas desde o Açude do Vale Recicla até ao lugar de Casalinho, onde era encaminhada, por depressão existente na berma poente do arruamento público daquela localidade, até entrar em terrenos particulares de terceiros, por abertura num muro lateral, iniciando-se nessa abertura um rego que se estende para sul, em cerca de 50 metros, até alcançar os prédios identificados em 6.) e em 7.), e que nem os autores nem terceiros que utilizavam a água para rega dos seus terrenos agrícolas voltaram a entrar nos prédios referidos em 1. a 3. e 7.ou a passar pelos referidos caminhos.

Ora, tendo presente como já referimos, in supra, que estamos perante o reconhecimento de uma servidão, sendo que antes da colocação da chave no portão, era utilizada para os fins supra aludidos, não vemos razão para alterar o decidido.

Assim, face ao exposto esta pretensão dos recorrentes RR. não pode proceder.

III -A condenação dos RR. na entrega aos AA. de chave do portão, incluindo para beneficiação de levadas e se sem qualquer restrição não deverá proceder.

            Quanto ao conteúdo das servidões, expressa o artigo 1544º que «podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor».

A servidão deve satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante, as quais devem ser satisfeitas com o menor prejuízo para o prédio serviente.

Ou seja, se a existência de servidão de passagem não retira ao dominus do prédio serviente o direito de tapagem contemplado no artigo 1356º do CC, a conciliação de interesses antagónicos dos proprietários dos prédios serviente e dominante deve ser analisada em função de cada caso concreto, ponderando-se inter alia, o tipo de construção efectivada e o conteúdo da servidão. Os interesses do proprietário do prédio dominante que contam para o enunciado efeito são, tão só, os dignos de ponderação, os que, enfim, se prendem com a impossibilidade ou grande dificuldade do uso da servidão, não consequentemente, a pura comodidade ou meros caprichos – artigo 1568º, nº 1 do CC (cfr. Ac. STJ, datado de 8.6.2006, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Pereira da Silva, proferido no âmbito do processo nº 06B1480, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. e Ac. da Rel de Coimbra de 27/5/2008). 

           Face ao exposto deve-se procurar uma conciliação de interesses entre o prédio dominante e o prédio serviente. Porém, o prédio serviente deve proporcionar ao prédio dominante as condições para que neste possam ser exercidas as funções e os trabalhos inerentes ao mesmo.

            Assim sendo, temos para nós que a sentença recorrida, ao decidir como decidiu no que concerne à entrega da chave do portão teve em conta tais funções, tanto assim que a fls. 430 v.º a linha 12 e segs. refere « De acordo com o que dispõe o art.º 1565 do C.C., como dissemos, no que se refere à extensão da servidão, entende-se que nela está compreendido tudo quanto seja necessário para o seu uso e conservação, sendo que em caso de dúvida quanto à extensão e ao modo de exercício entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente» e refere a fls. 431 v.º linha 29 e segs « Donde se nos afigura que deverão efectivamente os RR. ser condenados a obstar à prática de atos que perturbem o exercício de tais direitos e a entregar uma chave do portão de entrada aos AA., sem contudo deixarmos de sublinhar que se nos afigura que assiste razão aos RR. o direito de exigir destes que o portão seja fechado após a passagem ou utilização, sem que tal de modo algum contenda com o cabal exercício das servidões de passagem ou de aqueduto supra reconhecidas.

            Ora, como se vê a sentença recorrida, e bem quanto a nós, procurou, após reconhecer o direito da servidão, que o prédio serviente ficasse salvaguardado de caprichos do prédio dominante, tanto assim, que referiu que assistia razão aos RR. no que concerne ao fecho do portão após a passagem ou a utilização da servidão.

            Assim e face ao exposto não assiste razão aos recorrentes RR. quanto a esta pretensão.

            IV – Saber se os RR não violaram, nem causaram danos patrimoniais ou morais aos AA., tanto mais por não haver nexo causal.

Segundo os recorrentes –RR. não causaram danos morais ou patrimoniais aos AA., pelo que esta pretensão dos AA. não deveria proceder, tanto mais que não há nexo causal.

Vejamos.

Por uma questão de método e seguindo a ordem aludida nas conclusões de recurso cabe apreciar em primeiro lugar a existência ou não de danos não patrimoniais e em segundo lugar a existência ou não de danos patrimoniais.

Quanto aos primeiros – danos não patrimoniais.

Dos factos provados que a circunstância de não poder entrar nos referidos terrenos e a circunstância de actualmente aqueles terrenos se encontrarem nas condições descritas em 44. causa-lhe tristeza e revolta.

Tendo por base este facto, temos para nós, que os AA. sofreram danos não patrimoniais.

A questão é saber se os mesmos merecem ou não tutela do direito para serem indemnizáveis ou se existe nexo causal entre os mesmos e a conduta dos RR.

O pedido de indemnização formulado pelos AA. enquadra-se na responsabilidade civil extracontratual, cujos pressupostos são a acção ou a

omissão ilícita, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquela e a culpa (artigos 483º, nº 1 « aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação»,  562º e 563º do Código Civil).

A ilicitude é susceptível de se traduzir na violação do direito de outrem, isto é, de direitos subjectivos, sejam relativos, derivados, por exemplo, de contratos, sejam absolutos.

O dolo significa a intenção e a consciência da prática do facto ilícito danoso que o ordenamento jurídico reprova.

A culpa stricto sensu consciente traduz-se na omissão da diligência no caso exigível ao agente quando ele configura a produção do facto ilícito, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação e, por isso não acautelou a sua não verificação.

No nosso ordenamento jurídico a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, a diligência relevante para o efeito é a de uma pessoa normal em face do circunstancialismo do caso concreto (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).

Finalmente, a obrigação de indemnização depende de que entre o acto ilícito ou antijurídico e o prejuízo ocorra um nexo de causalidade adequada (artigos 562º e 563º do Código Civil).

Decorre dos referidos normativos que a obrigação de indemnizar só abrange os danos que, tendo resultado da lesão, dela teriam resultado à luz de um juízo de probabilidade

Sobre a obrigação de indemnizar nesta matéria cabe aludir, ainda ao preceituado no art.º 496, n.º 1, do C.C. « apenas é devida indemnização relativamente aos danos que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

A este propósito referem Pires de Lima e A. Varela que « a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não há luz de factores subjectivos, de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada, concluindo, pois, que cabe ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é merecedor da tutela jurídica».

Tendo presente que os RR. após a colocação da fechadura aludida no portão se terem recusado a entregar a chave aos AA., pelo que nem estes, nem terceiros que utilizavam a água para rega dos seus terrenos agrícolas voltaram a entrar nos prédios referidos em 1. a 3. ou a passar nos referidos caminhos, deixando desde então de cultivar os terrenos, e que a circunstância de não poder entrar nos referidos terrenos e a circunstância actualmente dos terrenos com vegetação espontânea, silvas e fetos, que cobrem a quase totalidade do terreno, chegando a alcançar em determinados pontos metros de altura e a cobrir a copa das árvores existentes, lhe causa tristeza e revolta, dúvidas não restam que esta tristeza e revolta, no quadro descrito merecem a tutela do direito e dúvidas também não restam que existe nexo causal entre a atitude dos RR. e a tristeza e revolta sentida, pelo que, os danos não patrimoniais, aludidos, são susceptíveis de indemnização. 

Quanto aos danos patrimoniais. 

Quanto à obrigação de indemnizar já aludimos in supra, cabe agora verificar se existem danos patrimoniais e em caso afirmativo se existe nexo causal, entre a conduta dos RR. e os mesmos.

Da matéria factual resulta  - que nos prédios identificados em 1.) a 3.) dos autores e os seus antecessores, por si, ou através de terceiros que contrataram para o efeito, cultivavam diversos produtos hortícolas, que no prédio identificado em 3.) os autores existiam 6 oliveiras com desenvolvimento médio, que nos prédios identificados em 1.) e 2.), para além de produtos hortícolas, existiam a toda a volta videiras em zangarelas (latadas e engados), e pelo menos 25 oliveiras de médio porte e 4 oliveiras de pequeno porte, 2 laranjeiras, 5 marmeleiros, 3 abrunheiros/ameixieiras, 1 pereira, 2 macieiras, 1 figueira, 1 nogueira e 1 castanheiro, que os autores consumiam os produtos que cultivavam, que os autores procediam anualmente à apanha da azeitona, o que sucedeu até ao ano de 2009, que no ano de 2009 as oliveiras existentes nos prédios identificados em 1.) a 3.) produziram cerca de 340kg de azeitona, tendo os autores produzido cerca de 35 litros de azeite, sendo o preço unitário de um litro de azeite naquela zona de cerca de €5,00, que desde finais de 2009 que os terrenos identificados em 1.) a 3.) não são cultivados, encontrando-se o solo empobrecido, compactado e endurecido e povoado de vegetação espontânea, como silvas e fetos, que cobrem a quase totalidade dos terrenos, chegando a alcançar em determinados pontos metros de altura e a cobrir a copa das árvores aí existentes, que para repor os terrenos em situação semelhante àquela em que se encontrava em finais de 2009 é necessário proceder ao corte, limpeza e arrancamento de raízes da vegetação espontânea ai existente, que é igualmente necessário escarificar o solo, arroteando-o, escavando-o, soltando-o e estrumando-o, que tais trabalhos serão necessários em dois anos consecutivos, que para os trabalhos de corte, limpeza, eliminação de ervas, arroteamento, adubação com nutrientes químicos e orgânicos dos solos dos terrenos identificados em 1.) e 2.) serão necessários 1 dia e meio, ao valor de € 40,00/hora, incluindo os materiais necessários, num custo total de € 480,00 e 3 dias de trabalho braçal, ao valor de € 10,00/hora, num custo total de € 320,00, a que acrescerão os trabalhos de poda, limpeza e arrolamento de árvores e de recuperação das videiras aí existentes, em número de horas e valor não concretamente apurado, em cada ciclo e que para os trabalhos de corte, limpeza, eliminação de ervas, arroteamento, adubação com nutrientes químicos e orgânicos dos solos e poda, limpeza e arrolamento de árvores do terreno identificado em 3.) serão necessárias 7 horas e meia, ao valor de € 40,00/hora, incluindo os materiais necessários, num custo total de € 480,00 e 3 dias de trabalho braçal, ao valor de € 10,00/hora, num custo total de € 340,00, em cada ciclo.

A estes  factos acrescem os factos aludidos em 34. a 36 – de onde resulta que em finais do ano de 2009, quando se deslocaram a Portugal em férias, os réus aplicaram no portão identificado em 15.) e 16.) uma fechadura nova com chave, passando tal portão a estar permanentemente fechado, que apesar de os autores terem solicitado um exemplar da nova chave, os réus recusaram- se a facultar um exemplar da chave e deixaram de autorizar qualquer passagem pelos caminhos referidos em 17.) a 21.) e 32.) e, nem os autores, nem terceiros que utilizavam as águas para rega dos seus terrenos agrícolas voltaram a entrar nos prédios referidos em 1.) a 3.) e 7.) ou a passar nos referidos caminhos.

Tendo presente tais factos, não restam quaisquer dúvidas que existe nexo causal entre o comportamento dos RR. colocar a fechadura no portão, não podendo os AA ter acesso aos terrenos, como supra, e aos prejuízos daí resultantes, havendo por isso lugar à respectiva indemnização.

Assim, face ao exposto esta pretensão dos RR. recorrentes não pode proceder.

V - Em caso de responsabilidade civil extracontratual dos RR, aos mesmos seria exigível, antes, a reconstituição / reparação natural, e não indemnização pecuniária.

            Segundo os recorrentes a haver lugar a indemnização teria de ser através não de indemnização pecuniária, mas antes perante a reconstituição / reparação natural.

            Quanto a esta matéria, cabe logo referir que no que concerne à indemnização por danos não patrimoniais tal pretensão não ser possível, pelo que quanto a esta matéria a pretensão dos recorrentes tem de improceder.

            Quanto aos danos patrimoniais o instituto da responsabilidade civil visa, para o caso de afectação de bens materiais, a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento causador do prejuízo, ou seja, indemnizar os prejuízos sofridos por uma pessoa (artigo 562º do Código Civil).

Como já dissemos o agente que, ilicitamente, com dolo ou mera culpa, além do mais violar aquele direito, indemnizá-lo dos danos que lhe causar (artigos 483º do Código Civil).

Todavia, a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, como já aludimos, também depende da existência de danos, e pressupõe, como é natural, a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu (artigos 563º do Código Civil).

Também é certo expressar a lei que o tribunal deverá julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados se não puder averiguar o valor exacto dos danos (artigo 566º, nº 3, do Código Civil).

Isso significa que os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito lato sensu, certo que o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro.

Dito isto vejamos o caso concreto.

No caso em apreço resulta provado que no prédio identificado em 3.) os autores existiam 6 oliveiras com desenvolvimento médio, que nos prédios identificados em 1.) e 2.), para além de produtos hortícolas, existiam a toda a volta videiras em zangarelas (latadas e engados), e pelo menos 25 oliveiras de médio porte e 4 oliveiras de pequeno porte, 2 laranjeiras, 5 marmeleiros, 3 abrunheiros/ameixieiras, 1 pereira, 2 macieiras, 1 figueira, 1 nogueira e 1 castanheiro, que os autores consumiam os produtos que cultivavam, que os autores procediam anualmente à apanha da azeitona, o que sucedeu até ao ano de 2009, que no ano de 2009 as oliveiras existentes nos prédios identificados em 1.) a 3.) produziram cerca de 340kg de azeitona, tendo os autores produzido cerca de 35 litros de azeite, sendo o preço unitário de um litro de azeite naquela zona de cerca de € 5,00, que desde finais de 2009 que os terrenos identificados em 1.) a 3.) não são cultivados, encontrando-se o solo empobrecido, compactado e endurecido e povoado de vegetação espontânea, como silvas e fetos, que cobrem a quase totalidade dos terrenos, chegando a alcançar em determinados pontos metros de altura e a cobrir a copa das árvores aí existentes, que para repor os terrenos em situação semelhante àquela em que se encontrava em finais de 2009 é necessário proceder ao corte, limpeza e arrancamento de raízes da vegetação espontânea ai existente, que é igualmente necessário escarificar o solo, arroteando-o, escavando-o, soltando-o e estrumando-o, que tais trabalhos serão necessários em dois anos consecutivos, que para os trabalhos de corte, limpeza, eliminação de ervas, arroteamento, adubação com nutrientes químicos e orgânicos dos solos dos terrenos identificados em 1.) e 2.) serão necessários 1 dia e meio, ao valor de € 40,00/hora, incluindo os materiais necessários, num custo total de € 480,00 e 3 dias de trabalho braçal, ao valor de € 10,00/hora, num custo total de € 320,00, a que acrescerão os trabalhos de poda, limpeza e arrolamento de árvores e de recuperação das videiras aí existentes, em número de horas e valor não concretamente apurado, em cada ciclo, que para os trabalhos de corte, limpeza, eliminação de ervas, arroteamento, adubação com nutrientes químicos e orgânicos dos solos e poda, limpeza e arrolamento de árvores do terreno identificado em 3.) serão necessárias 7 horas e meia, ao valor de € 40,00/hora, incluindo os materiais necessários, num custo total de € 480,00 e 3 dias de trabalho braçal, ao valor de € 10,00/hora, num custo total de € 340,00, em cada ciclo.

            Tendo presente tais factos, não nos parece ser possível a reconstituição/reparação natural, pretendida pelos recorrentes.

            Na verdade, como se sabe e é do conhecimento comum que as árvores para produzirem levam tempo, por outro lado, tendo presente o estado do terreno, com silvas, com vegetação espontânea e fetos, chegando a alcançar em determinados pontos metros e a cobrir a copa das árvores aí existentes, a limpeza necessária das árvores, mesmo depois de feita, não se consegue coloca-las na situação em que se encontravam, pelo que também não se vê, que esta pretensão dos recorrentes possa proceder.   

VI – Saber se os AA actuam com abuso de direito.

Segundo os recorrentes no caso nos autos houve abuso de direito por parte dos AA. 

Vejamos

Expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).

Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo que é exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, da boa fé ou dos bons costumes.

O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos.

O agir de boa fé envolve a actuação, nas relações em geral e em especial no quadro das relações jurídicas, honesta e conscienciosamente, isto é, numa linha de correcção e probidade, sem proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável tolera.

Ou seja, o conceito de boa fé constante do artigo 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” (Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª ed., pags 104-105).

Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.

Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma actividade, por “factum proprium” dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa fé negocial, esperadas face à conduta pregressa.

Não se busca o “animus nocendi” mas, e como acima se acenou, apenas um comportamento anteriormente assumido que, objectivamente, contrarie aquele.

Para o Prof. Menezes Cordeiro (apud “Da Boa Fé no Direito Civil”, 45) “o venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo”.

E o mesmo Professor considera (agora, in, ROA, 58º, 1998, 964) que o “venire contra factum proprium” pressupõe: “1º- Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa con­duta alheia (no “factum proprium”); 2º- Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do “factum proprium” seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis”; 3º- Um investimento de con­fiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do “factum proprium”, de tal modo que a destruição dessa acti­vidade (pelo “venire”) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º- Uma imputa­ção da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no “factum proprium”) lhe seja de algum modo recondutível”.

Resta acrescentar que, conforme refere Paulo Mota Pinto (“Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil” - BFDUC, Volume Comemorativo, Coimbra 2003), “...deve rejeitar-se a aplicação automática dos pressupostos mencionados, após a sua enumeração e verificação no caso concreto. Antes todos deverão ser globalmente ponderados, in concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta - com os ditames da boa fé em sentido objectivo” (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Guimarães de 17/12/2013.

Os bons costumes são, por seu turno, o conjunto de regras de comportamento relacional acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis, conforme as concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade em determinado tempo.

Traduz-se em excepção peremptória o seu funcionamento não depende de consciencialização pelo sujeito, e constitui um limite ao exercício de direitos.

E ocorre quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.

Sendo que o princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificativos, tenham sido levados a acreditar na manutenção do estado das coisas (cfr. Menezes Cordeiro, in Litigância de Má fé, fls. 51 e 52).

Para a não verificação dos pressupostos do abuso de direito escreve-se na sentença recorrida a fls. 432 linhas 19 e segs «Indefere-se da referida disposição que o exercício de um direito só poderá qualificar-se de abusivo quando exceda manifestamente, clamorosamente e intoleravelmente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja excedido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentido socialmente dominante (…)» e mais à frente a fls. 432 v.º fls. 23 e segs « Na circunstância de os RR. obstarem num primeiro momento ao acesso e limpeza dos prédios dos AA., para depois em sede de reconvenção peticionarem a sua condenação na limpeza inicialmente impedida, não consubstanciando nenire contra proprium, porque, como vimos a conduta primeiramente assumida, porque violadora de um direito real menor pré-constituído, não é licita, não deixa por isso, de ser abusiva porque clamorosamente atentatória dos ditames da boa fé».

            Compulsados os autos, mormente a matéria de facto provada, não vemos que os AA. tenham excedido os limites impostos pela boa fé.

            Na verdade da matéria factual provada não resulta que os AA. alguma vez tivessem demonstrado uma atitude de não intentar a respectiva acção contra os RR. a solicitarem manutenção da respectiva servidão, ou de lhes não pedir qualquer indemnização por eventuais prejuízos causados.

            Quanto a esta matéria resulta que em Agosto de 2014 os RR. apresentaram uma queixa na GNR de Castanheira de Pera por falta de limpeza dos terrenos identificados em 1. a 3. e pelo consequente risco de incêndio.

            Porém, embora a acção fosse intentada depois desta data, não podemos tirar a conclusão que os AA. excederam os limites da boa fé, aliás, a ter havido má fé seria dos RR. porque vêm pedir a limpeza de terrenos que eles próprios impediram de limpar, ao colocar a fechadura no portão, deixando os AA. de ter acesso aos terrenos.

            Assim, pelo exposto também esta pretensão dos RR. recorrentes não pode proceder. 

            VII- Saber se os danos estavam prescritos.

Como vimos nos pontos IV e V o comportamento dos RR. causou danos não patrimoniais e patrimoniais aos RR. por cuja indemnização são responsáveis.

Segundo os RR. recorrentes tais responsabilidades estão prescritas.

            Vejamos

O prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extra-contratual é de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do art. 498º, nº 1 do CC.

O código fixa o início da contagem do prazo no momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito.

Como escreve Abílio Neto no CC Anotado, 13ª ed., pág. 544, “o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.

O acto ilícito tanto se pode traduzir na prática de um simples acto, numa só conduta violadora realizada em dado momento temporal (infracção instantânea), como pode traduzir-se numa série de actos susceptíveis de configurar uma infracção de natureza continuada ou permanente na qual o processo de violação do direito de outrem se mantém pela conduta persistente do infractor (infracção continuada).

A lei não distingue entre infracções instantâneas ou continuadas, nem tal situação tem enquadramento no disposto no art. 318º do CC.

Por outro lado, o que se verifica na infracção continuada, como é o caso, é que em cada dia que passa, os RR. impedem o acesso dos AA. aos seus terrenos, causando um novo dano, após o qual estes tomam conhecimento da sua existência.

Em cada dia que o portão está fechado, um novo dano terá ocorrido, tratando-se de facto continuado ou renovado.

Assim sendo, o prazo de prescrição só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos, renovando-se com a persistência da negação do acesso aos AA. por parte dos RR.

Como se escreveu no Ac. de 16.6.2011, P. 3448/07.6TVLSB.L1-6, rel. Desemb. Márcia Portela, in www.dgsi.pt, “Na intenção de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificaram, a lei tornou o início do prazo prescricional independente daquele, atendendo à possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, cujo montante exacto será nesse caso definido no momento posterior da execução da sentença, quando não seja possível determinar logo a extensão exacta do dano. Os direitos do lesado ficam suficientemente salvaguardados com a possibilidade de formulação de pedido genérico (artigos 569.º CC e 471.º, n.º 1, alínea b), CPC) e de o juiz arbitrar uma indemnização provisória, dentro dos limites dos danos já provados à data da sentença (artigo 565.º CC) (cfr. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. II, pg. 299).

Considerando a lei irrelevante a extensão dos danos não há fundamento legal nem material para se aguardar pela cessação do facto lesivo para começar a contagem do prazo de prescrição.

Por outro lado, há que considerar que a lei prevê a possibilidade de consideração de novos danos que venham a ocorrer, enquanto não tiver decorrido o prazo da prescrição ordinária, como resulta do segmento da parte final do artigo 498º, nº 1, CC («sem prejuízo da prescrição ordinária»)” ( Neste sentido, cfr., também, o Ac. do STJ de 18.4.2002, P. 02B950, rel. Cons. Araújo Barros, e da Ac. da RL de 2.07.2009, P. 387/08-6, rel. Desemb. Gilberto Jorge, ambos in www.dgsi.pt.).

Este foi também o entendimento do tribunal recorrido ao escrever “Seguindo de perto a linha de pensamento do referido acórdão, (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2001 (proc. n.o 02B950, disponível em www.dgsi.pt) haverá que concluir que os danos alegadamente sofridos pelos autores não se verificaram na globalidade pelo simples facto de os réus em finais de 2009 terem fechado e portão e terem recusado a sua entrega Portanto, em cada dia em que os autores pretenderam aceder aos seus prédios e se viram impedidos de o fazer um novo dano terá ocorrido, sempre em crescendo.

Tendo em conta que a presente ação foi proposta em 02.10.2014 e que a prescrição se interrompeu a 07.10.2014 (artigo 323.º n.º 2 do Código Civil) teremos de concluir – de acordo com a posição sufragada que o direito de indemnização que os autores pretendem fazer valer prescreveu relativamente aos danos causados pela conduta dos réus até ao dia 07.10.2011, mantendo-se, todavia, incólume relativamente ao período que decorreu desde tal data até ao presente e até que a conduta violadora do seu direito de servidão seja revertida”.

 Assim, pelo exposto também esta pretensão dos recorrentes não pode proceder.

VIII – Saber se o valor indicado de € 5875.00€, acrescido de juros, é iniquo, injusto e infundado, nem gravidade ou dignidade, a merecer a tutela do direito, como danos morais e, no valor de € 900.00€.

            Quanto a esta matéria cabe, desde logo, referir que os danos não patrimoniais e patrimoniais se verificam e, que existe nexo causa entre os mesmos e o comportamento dos RR., como aludido no ponto IV e V) – supra, havendo lugar á indemnização dos mesmos, pelo que, neste ponto cabe, apenas analisar os respectivos montantes.

            Vejamos

Quanto aos danos não patrimoniais.

Entendem os recorrentes que estes não merecem a tutela de direito (questão já analisada no ponto IV - onde entendemos que os mesmos são merecedores da tutela do direito), referem ainda os recorrentes que o valor dos 900,00€, fixado na sentença recorrida, não se justifica.

Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar á responsabilidade civil é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo direito  (cfr. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293 António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Volume, pág. 283).

O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual (cfr. António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, Lisboa, AFDDL, 1980, págs. 285 e 286); o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral (cfr. Maria Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, págs. 514 e 515); é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro (cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra Editora, 1989, pág. 370); é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pág. 601).

A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado.

Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed. Almedina, Coimbra, 1986, pág. 566). Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.

Na verdade, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade, imprestável (cfr. Ac. do STJ de 26.02.04, www.dgsi.pt.). Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.

A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente (artº 496 nº 3, 1ª parte do Código Civil). Neste contexto, a equidade visa determinar aspectos quantitativos de uma prestação: a indemnização. Mas seria errado pensar-se que a fixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz; a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deve atender.

No tocante ao processo de determinação do valor da indemnização não se deve reconhecer um espaço de discricionariedade diverso daquele que sempre se encontra presente em qualquer decisão verdadeiramente jurídica, antes se devendo qualificar a actividade correspondente como aplicação do direito.

A verdade é que o sistema de ressarcimento do dano não patrimonial é móvel ou aberto, indicando a lei, de forma inteiramente exemplificativa, para determinar o dano de cálculo – i.e., a expressão monetária do dano não patrimonial real – o grau de culpa do lesante a situação económica do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso (artº 494 do Código Civil) (cfr. Acs. do STJ de 21.02.13, 11.05.12 e 23.11.11, www.dgsi.pt.).

A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.

Tendo presente ao exposto e aos factos sobre esta matéria, vertidos nos pontos 43. e 50., de onde resulta que desde finais de 2009 que os terrenos indicados em 1. a 3. não são cultivados, encontrando-se o solo empobrecido, compactado e endurecido e povoado de vegetação espontânea, como silvas e fetos, que cobrem a quase totalidade dos terrenos, chegando a alcançar em determinados pontos metros de altura e a cobrir a copa das árvores aí existentes e ao facto de não poder entrar nos mesmos, face à colocação de uma fechadura no portão, o que lhe causa tristeza e revolta, temos para nós, ajustado o montante fixado a titulo de indemnização na decisão recorrida.

 Assim, face ao exposto também esta pretensão dos recorrentes não merece provimento.

            Quanto aos danos patrimoniais

 A lei prescreve que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).

Assim, face ao referido normativo, a indemnização pecuniária deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial efectiva do lesado aquando da decisão da matéria de facto e a sua situação provável nessa altura se a causa do dano não tivesse ocorrido.

A referida regra de cálculo da indemnização em dinheiro, inspirada pelo princípio da diferença patrimonial, não dispensa, como é natural, o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial da pessoa afectada.

A doutrina distingue entre o dano emergente e o lucro cessante, o primeiro como diminuição efectiva do património, e o segundo como o seu não aumento em razão da frustração de um ganho.

Não releva para a referida classificação o momento em que o prejuízo ocorre, porque o dano emergente é susceptível de se configurar como futuro e o lucro cessante é configurável como actual.

Decorre dos referidos normativos que a obrigação de indemnizar só abrange os danos que, tendo resultado da lesão, dela teriam resultado à luz de um juízo de probabilidade.

Dito isto, vejamos o caso em apreço.

Antes demais cabe referir que neste ponto está apenas em causa os respectivos montantes, na medida em que, a verificação dos danos e demais elementos já foram analisados nos pontos IV e V.

Seguindo a análise desta matéria, pela ordem explanada na sentença recorrida – resulta provado que no prédio identificado em 3.) os autores existiam 6 oliveiras com desenvolvimento médio, que nos prédios identificados em 1.) e 2), para além de produtos hortícolas, existiam a toda a volta videiras em zangarelas (latadas e engados), e pelo menos 25 oliveiras de médio porte e 4 oliveiras de pequeno porte, 2 laranjeiras, 5 marmeleiros, 3 abrunheiros/ameixieiras, 1 pereira, 2 macieiras, 1 figueira, 1 nogueira e 1 castanheiro, que os autores consumiam os produtos que cultivavam, que os autores procediam anualmente à apanha da azeitona, o que sucedeu até ao ano de 2009, que no ano de 2009 as oliveiras existentes nos prédios identificados em 1) a 3) produziram cerca de 340kg de azeitona, tendo os autores produzido cerca de 35 litros de azeite, sendo o preço unitário de um litro de azeite naquela zona de cerca de € 5,00.

            Assim, analisando a questão da produção do azeite temos que em 2009 os AA. produziram cerca de 35 litros de azeite a cerca de 5,00€ o litro, o que equivale a 175,00 = 35x5,00.

            Tendo presente o referido a respeito da prescrição, apenas podemos contabilizar a azeitona referente aos anos 2011, 2012 e 2013, como bem se refere na sentença recorrida, num total de 525,00€ = 3x175,00.

Quanto aos anos de 2014 e 2015 e, tendo a acção dado entrada 6/10/2014 consubstanciarão danos futuros, como bem é referido na sentença recorrida, também peticionados, sendo que a lei, quanto a esta matéria manda a atender aos danos que sejam previsíveis (artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil) e por outro lado, o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil e 611.º, n.º 1, parte final do Código de Processo Civil, manda atender à data mais recente que poderia ser atendida pelo tribunal, devendo a decisão corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Tais danos, aquando do encerramento da discussão, em 18/2/2016, já se tinham verificado, onde, deverão os réus ainda ser condenados no montante de € 350,00 = 175,00 x 2, correspondentes à produção de azeite dos anos de 2014 e 2015.

Assim, quanto à não produção de azeite, por os RR. terem fechado o portão, como aludido nos factos (34. a 37.), tiveram os AA. um prejuízo de 875,00 = 525,00 + 350,00.

Quanto aos produtos hortícolas, por se concordar com o raciocínio explanado na sentença recorrida, cabe referir, que se provou que os AA. tinham diversas árvores de fruto nos seus terrenos e que consumiam tais produtos, não se tendo apurado que quantidades nem que valor.

Quanto a esta matéria peticionam os AA. € 200,00 anuais, não sendo previsível que o valor exato venha a ser apurado em sede de liquidação de sentença, desde logo atendendo ao resultado infrutífero da prova pericial nesta matéria, teremos de nos socorrer da equidade.

Tendo em conta o número de árvores existentes, mas decorrendo também das regras de experiência comum que nem toda a produção dita caseira é aproveitável, afigura-se-nos adequado fixar tal montante em € 100,00 anuais, que deverão ser contabilizados nos exatos termos supra expostos, tendo se presente, que a grande generalidade da produção frutícola, designadamente tendo em conta as espécies que aí se encontravam plantadas, dará frutos durante o verão, não se nos afigurando justo contabilizar, por tal motivo, os últimos dois meses do ano de 2011 mas já fazendo sentido contabilizar a produção frutícola do ano de 2014.

Assim, será devido o montante de € 300,00, referente aos anos de 2012, 2013 e 2014, acrescido de € 100,00 relativo ao ano de 2015, nos termos já expostos. 

Face ao exposto o montante indemnizatório referente a esta matéria será de 400,00 €.

Chegados aqui cabe aludir à matéria factual referente à recuperação e reconstituição da cultura hortense e arvense – dos factos provados resulta que para os trabalhos de corte, limpeza, eliminação de ervas, arroteamento, adubação com nutrientes químicos e orgânicos dos solos dos terrenos identificados em 1.) e 2.) serão necessários 1 dia e meio, ao valor de € 40,00/hora, incluindo os materiais necessários, num custo total de € 480,00 e 3 dias de trabalho braçal, ao valor de € 10,00/hora, num custo total de € 320,00, a que acrescerão os trabalhos de poda, limpeza e arrolamento de árvores e de recuperação das videiras aí existentes, em número de horas e valor não concretamente apurado, em cada ciclo e que para os trabalhos de corte, limpeza, eliminação de ervas, arroteamento, adubação com nutrientes químicos e orgânicos dos solos e poda, limpeza e arrolamento de árvores do terreno identificado em 3) serão necessárias 7 horas e meia, ao valor de € 40,00/hora, incluindo os materiais necessários, num custo total de € 480,00 e 3 dias de trabalho braçal, ao valor de € 10,00/hora, num custo total de € 340,00, em cada ciclo.

Com base em tais factos temos no que concerne aos terrenos aludidos em 1. e 2. 800,00 =480+320, por cada ciclo, sendo necessários dois ciclos, temos um total de 1600,00 = 800,00x2, no que concerne ao terreno aludido em 3. temos 820,00= 480,00€+340,00€, por cada ciclo, sendo necessários dois ciclos temos um total de 1640,00€ = 820,00€x2.

Assim, quanto a esta matéria temos um valor global de 3.240,00€

Quanto aos trabalhos de limpeza e poda – resultou provado que para repor os terrenos em situação semelhante àquela em que se encontrava em finais de 2009 é necessário proceder ao corte, limpeza e arrancamento de raízes da vegetação espontânea existente (cfr. 44.), não se tendo apurado o respectivo valor.

Também aqui, como já referimos in supra, não sendo previsível que o valor exato venha a ser apurado em sede de liquidação de sentença, desde logo atendendo ao resultado infrutífero da prova pericial nesta matéria, teremos de nos socorrer da equidade.

Seguindo os critérios da sentença recorrida, por com eles se concordar, por serem prudentes e equilibrados, temos que resultou provado – que nos prédios identificados em 1. e 2., para além de produtos hortícolas, existiam a toda a volta videiras em zargarelas (latadas e engados), considerando a extensão dos mesmos 712 m2 e 351 m2, respectivamente (cfr. 1. e 2.) e tendo por base o custo do valor braçal, de 10,00€/h, sendo necessários 2 dias a 8 horas dia, temos 80,00€/dia x 2= 160,00€.

Assim, quanto a esta matéria temos o valor de indemnização de 160,00€.

Quanto ao terreno aludido em 3. tendo presente que existem 6 oliveiras, o que implica um maior trabalho diferente, temos como justo o valor de 300,00€ aludido na sentença.

Operando à soma global dos valores supra referentes aos danos patrimoniais temos – 875,00 (referentes ao azeite) + 400,00 € (referentes aos produtos hortícolas) + 3240,00€ (preparação dos terrenos) + 160,00€ (limpeza terrenos referidos em 1. e 2.) + 300,00 (referente terreno 3.) = 4.975,00€, ao que acresce o valor de 900,00€ referente aos danos não patrimoniais, o que perfaz um total global de 5.875,00€.

Ao valor global de 5.875,00 acrescem juros como aludido na sentença recorrida (Nos termos do artigo 805.º n.º 3 do Código Civil, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação, caso não haja uma situação de mora anterior).

Todavia, importa ainda ponderar que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no 4/2002 de 09.05. 2002 (publicado no DR I Série no 146 de 22 de Junho de 2002) fixou jurisprudência no sentido de que, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806º,n. 1 também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.

Nesta medida, atendendo a que os danos relativos aos lucros cessantes, aos trabalhos de poda, limpeza e arrolamento de árvores e recuperação de engados e latadas e os danos não patrimoniais foram calculados segundo um juízo de equidade, necessariamente atualizado, ao contrário dos demais danos, os respetivos juros de mora vencer-se-ão apenas a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.

Ao contrário do que ocorrerá relativamente aos demais danos, sendo devidos juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%, por força do disposto no citado artigo 805.º n.º 3, conjugado com o que decorre do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril)..

4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Quanto aos recurso dos AA.: Julgar o mesmo improcedente.
Quanto aos recuso dos RR.: julgar o mesmo improcedente nas várias vertentes.
a)- Improcedente a pretensão dos RR. em ver alterada a matéria fixada em 1.ª instância.
b)– Improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos recorrentes RR.
c) – Improcedente na questão de saber se os encargos reclamados pelos AA, sobre os prédios dos RR, exorbitam o normal conteúdo para a servidão de passagem de pé, de condução de água e, acolhidas na douta sentença, ora posta em crise, para passagem de terceiros, à sua ordem, como para beneficiação dos locais de implantação, de tais servidões, com deslocações e transporte de todos os materiais.
d) – improcedente a pretensão dos RR. na não entrega da chave do portão aos AA.
e) – Improcedente a pretensão dos RR. quando afirma, não existirem danos patrimoniais ou morais nos AA., tanto mais por não haver nexo causal.
f) – Improcedente a pretensão dos RR. na resconstituição natural pretendida.
 g) – Improcedente a pretensão dos RR. no alegado abuso de direito.
h) – Improcedente a pretensão dos RR. na alega prescrição.
i) – Improcedente a pretensão dos RR. no que concerne aos valores fixados na sentença recorrida.

 Em suma manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

 Custas a cargo de AA e RR. pelo decaimento dos respectivos recursos.

Coimbra, 06/12/2016

                             Des. Pires Robalo (relator)

                             Des. Sílvia Pires (adjunta)

                        Des. Jorge Loureiro (adjunto)