Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1975/10.7T2AVR.B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTO-ÍNDICE
INCUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO J COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.3, 20, 30 CIRE, 342, 344 CC
Sumário: 1.- Por razões que se prendem com o princípio geral da igualdade das partes, as regras aplicáveis à produção de prova pelo requerente são extensíveis ao devedor, sendo este o significado abrangente da parte final do nº1 do art. 30º CIRE.

2.- O incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar.

3.- O requerente deve então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada (art. 20º CIRE), circunstancialmente verificada em função indiscutível da prova suficiente produzida.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), CRI (anteriormente designada Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…)), com sede em Santiago do Cacém, propôs a presente acção especial contra S (…) Lda, com sede na Estrada Nova do Canal, freguesia de Vera Cruz, Aveiro, pedindo seja esta declarada insolvente.

Para o efeito alega, em síntese, que:

- detém crédito sobre a requerida no montante de € 411.516,87,99 emergente de empréstimo que lhe concedeu por contrato celebrado em 30.05.2008 no montante de € 300.000,00 (para reestruturação da dívida referente aos empréstimos n°s 59058583741 e 59058953607) que não foi pago na data do respectivo vencimento (em 30.05.2009), a que acresce o saldo negativo da conta de depósito à ordem no montante de € 23.330,12;

- a requerida não se encontra a exercer actividade.

Conclui que a requerida não tem condições financeiras para cumprir as suas obrigações, e pugna pela procedência da acção com a declaração de insolvência da requerida.

Juntou certidão comercial da requerida e outros documentos (contrato de empréstimo).

Oficiosamente solicitadas:

Em 09 de Dezembro de 2010 o serviço de Finanças de Aveiro 1 informou que a requerida tem dívida fiscal no valor de € 2.021,43 a título de coimas fiscais do ano de 2010 e IMI referente ao ano de 2009;

Em 14 de Dezembro de 2010 o Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de Aveiro, informou que a requerida é devedora da quantia de € 357.141,78 a título de contribuições à segurança social referente aos meses de Junho/2004 a Maio/2005, Novembro e Dezembro/2005, Março/2006 a Dezembro/2008, Junho a Agosto de 2009, e Novembro/2009 a Outubro/2010.

Citada a requerida deduziu oposição alegando que:

- a requerente não alegou factos concretos que suportem o pedido que deduz porquanto além do crédito de que é titular não indicou outros credores/obrigações vencidas, nem acção/execução que penda sobre a requerida;

detém um capital social de €12.469,95 e, no final do exercício de 2010, o passivo cifrava-se em € 3.245.337,83 e o activo em € 5.813.899,71, integrado pelo prédio urbano que em 2008 foi avaliado em 2008 pelo valor de € 5.000.000,00, detendo assim uma situação líquida positiva acumulada (capital próprio) de € 2.586.561,88, correspondente a uma autonomia financeira de 44,18%, que aumentará para 55,74% caso os sócios e respectivos familiares convertam em capital social os créditos que detêm sobre a requerida, no montante de cerca de € 670.000,00,

é uma empresa economicamente viável mas, mercê da situação financeira, em 02.02.2009 recorreu ao Procedimento Extra Judicial de Conciliação, no âmbito do qual, para além da reestruturação do passivo existente possibilitado através do Acordo celebrado com os seus principais credores, foi admitido e previsto que a recuperação e relançamento da empresa sempre dependeria, como ainda depende, de um financiamento adicional que lhe permita dispor da liquidez indispensável para a sua operacionalização, e que perspectiva alcançar pela venda do respectivo imóvel por recurso ao Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas, com obrigação de recompra do mesmo, projecto cuja concretização, apesar de ter sido considerado economicamente viável com base no resultado das avaliações que no âmbito do mesmo foram realizadas, foi rejeitado pela entidade competente por insuficiência de fundos disponíveis para o efeito;

a requerida tem diligências em curso para eventual participação de investidores no respectivo capital e/ou alienação do imóvel que lhe permita o pagamento da totalidade do passivo e reinício da actividade numa outra localização.

Conclui pela improcedência da acção.

Subsidiariamente, caso a acção seja julgada procedente, requer que a administração da massa insolvente seja assegurada pela requerida, sem qualquer remuneração, comprometendo-se a apresentar plano de insolvência no prazo de 30 dias que preveja a continuidade da exploração da empresa pela requerida.

Juntou documentos (balanço em 3 1.12.2010 e certidão predial) e lista dos 5 maiores credores.

Notificada das informações oficiosamente solicitadas, a requerida nada veio dizer.

Notificada para o efeito, a requerente manifestou oposição à atribuição, à requerida, da administração da massa insolvente, e indicou administrador da insolvência, comum ao nomeado nos processo de insolvência de outras empresas do «grupo) de que faz parte a requerida (fls. 91).

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

“Em conformidade com o exposto declaro a insolvência de S (…) Lda, com o NIPC (…)”.

A (…), casado, residente na Rua (…), em Aveiro, contribuinte n° (...), sócio e gerente da requerida/insolvente nos autos à margem referenciados, não se conformando com a sentença veio ao abrigo do disposto nos artigos 37°, n° 1, 42°, n° 1 e 40º n° 1 al. f) do CIRE, interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

(…)

Não foram produzidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto considerada assente na 1ª Instância e que consta da decisão recorrida:

De acordo com o articulado pelas partes e documentos juntos, e com relevância para a decisão a proferir nestes autos, julgam-se provados por confissão e/ou documento os seguintes factos:

1. Em 30.05.2 008 a requerida celebrou com a requerente contrato empréstimo no montante de € 300.000,00 (para reestruturação da dívida referente aos empréstimos n°s 59058583741 e 59058953607), contrato que não foi cumprido pela requerida na data do vencimento da obrigação de reembolso do capital e pagamento dos juros, numa prestação única, vencida em 30.05.2009, totalizando o montante em dívida a quantia de €411.567,87 (capital, juros remuneratórios, juros de mora, imposto de selo e comissão), a que acresce o saldo negativo da conta de depósito à ordem, no montante de € 23.330,12.

2. A requerida, que tem como objecto a preparação industrial do expurgo e higienização do sal marinho comum, não se encontra a exercer actividade.

3. Por reporte à data de 14.12.2010, a requerida é devedora ao Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de Aveiro, da quantia de € 357.141,78 a título de contribuições à segurança social referentes aos meses de Junho/2004 a Maio/2005, Novembro e Dezembro/2005, Março/2006 a Dezembro/2008, JUnho a Agosto de 2009, e Novembro/2009 a Outubro/2010.

4. A requerida detém um capital social de € 12.469,95.

5. Do Balanço da requerida, elaborado por reporte a 31.12.2010, consta:

- resultado líquido negativo (do período) de € 171.959,89,

- total do activo no valor de € 5.813.899,71, no que está reflectido o valor de avaliação, em 2008, do único imóvel de que a requerida é proprietária, no valor de €5.000.000,00, e incluído o valor de € 221.704,88 a título de Propriedades de Investimento e o valor de € 592.706,03 a título de outras contas a receber,

- total do capital próprio e do passivo o valor de € 5.813.899,71, do qual € 3.245.337,83 corresponde a passivo, €2.508.561,88 corresponde ao total do capital próprio, sendo este ali integrado pelo valor do capital social, reservas legais no montante de € 15.875,24, outras reservas no montante de € 57.102,38, resultados transitados no valor negativo de €2.892.680,24, e excedentes de revalorização no valor de € 5.547.754,44.

6. Sob a ficha n° 1960 da Conservatória do Registo Predial de Aveiro consta descrito agregado industrial destinado a higienização de sal com área total coberta de 3.383m2 (edifícios e dependências) e descoberta de 15.600m2 (quintal), composto de 1 edifício de r/ch e l andar, 1 edifício de r/ch. e 4 edifícios de r/ch.

7. A requerida não dispõe de meios/recursos financeiros que lhe permitam dispor da liquidez indispensável para a sua operacionalização/relançamento da respectiva actividade (art. 46° da petição), e tem em curso diligências para angariação de investidores no respectivo capital e/ou alienação do imóvel com o propósito declarado/alegado de pagar a totalidade do passivo e reiniciar a actividade numa outra localização.

*

Nos termos do ad. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, utilizando a sua própria matriz, ressaltam as seguintes questões:

I.

17. Deduzida oposição, deverá sempre realizar-se audiência de julgamento, onde caberá, além do mais, a selecção da matéria de facto relevante e a produção de alegações de facto e de direito (art.° 35 n.°s 5 e 7 do CIRE).

18. Daí que o tribunal a quo não deveria ter dispensado a realização da audiência de julgamento.

Apreciando, diga-se - como noutras circunstâncias, através de enunciado em que se persiste - que, tendo o credor, requerente da insolvência, alegado factos integradores da impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações vencidas, sendo este citado, impende sobre ele o ónus de alegar e de provar factos integradores da sua solvência.

Se é certo que a insuficiência patrimonial para solver as suas obrigações pode ser demonstrada através de acções executivas (art. 20º n° 1 e) do CIRE), não é menos verdade que a requerente não invocou esse facto, mas antes, basicamente, a falta de cumprimento de obrigações reveladoras da impossibilidade de satisfação pontual das obrigações (art. 20° n° 1, b) do CIRE).

E o requerido, devedor, chamado a pronunciar-se sobre tal alegação, contraditou, deduzindo oposição com fundamento na inexistência da situação de insolvência, seja pela impugnação dos fundamentos invocados, seja pela excepção de factos - pretendidamente - impeditivos, modificativos ou extintivos dos fundamentos invocados ou da sua eficácia jurídica (art. 30º n° 3); estando, para além disso, onerados com a alegação e prova da sua solvência, como se depreende do n°4 do art. 30° do diploma citado.

De tal postulação decorre não ser o credor que está onerado com a prova da insolvência, facto constitutivo do direito que invoca, como, em tese geral, decorreria do n° 1 do art. 342° do CC. Ao invés, a lei resolveu expressamente a dúvida sobre o tratamento como constitutivos do direito dos factos alegados na petição inicial e sobre a consequente oneração do requerente com a respectiva prova (art. 342° n° 3 CC); assim, em vez de impor ao requerente o ónus da prova da insolvência, carregou sobre os ombros do devedor o ónus da prova da sua solvência, operando, assim, uma verdadeira inversão do ónus de prova (art. 344º nº 1 CC); logo, provando o requerente a sua dívida, passa a competir ao requerido provar a possibilidade de a solver, isto é, cabe ao devedor ilidir a presunção que emana do facto-índice, trazendo ao processo factos e circunstâncias probatórias dos quais se conclua que não está insolvente.

A insuficiência do património penhorável como indício da impotência económica determinativa da insolvência isto é, da situação de impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas (art. 3º n° 1 do CIRE), pode ser demonstrada por outros meios que não só através de acções executivas (art. nº 1, e) do CIRE), (Ac. RE de 25 de Outubro de 2007, CJ, Tomo IV/2007, p.261).

Em qualquer caso, como a letra do preceito inequivocamente revela, o devedor pode fazer uso da faculdade conferida no n.° 3 do art.° 3.

Tal qual sucede com o requerente, o devedor oponente deve, com o articulado de oposição, oferecer os meios de prova de que disponha, seja qual for a sua natureza. A falta de cumprimento desta injunção determina a impossibilidade de produção da prova não indicada.

Por razões que, decerto, se prendem com o princípio geral da igualdade das partes, as regras aplicáveis à produção de prova pelo requerente são extensíveis ao devedor. É este o significado abrangente da parte final do n.° 1 do art. 30º CIRE.

Não pode, porém, esquecer-se o regime actualmente fixado no art.° 11.º, que permite ao juiz fundamentar a decisão sobre o pedido de declaração da insolvência, e seja qual for o sentido dela, em factos não alegados pelas partes, n.° 2.

Em todo o caso, o juiz deve verificar se os factos alegados são de molde a consubstanciar alguma das hipóteses configuradas nas alíneas do n.° 1 do art.° 20.° é só nesse caso é que declarará a insolvência (neste sentido, cfr. acs. da Rel. Lx., de 12/OUT/ 2006, in CJ, 2006, IV, pág. 73, e da Rel. Pto., de 291N0V/ 2006, in CJ, 2006, V, pág. 185).

-

Na emergência dos Autos, no referencial dos factos assentes, resulta incontroverso - e sem dependência de qualquer outro tipo de prova a produzir -, como estatuído,  que

“Dos factos provados resulta que a requerida deixou de cumprir obrigações emergentes do seu exercício, designadamente, as contribuições à segurança social, que mantém em falta desde Janeiro de 2004 até Outubro de 2010, sem qualquer descontinuidade desde Novembro de 2009, no montante total de € 357.141,78, apenas a título de capital. Do Balanço de 2010 mais resulta que àquela dívida somam dívidas a fornecedores (€ 549.993,39), dívidas decorrentes de financiamentos obtidos (€1 .003.707,47 + € 700.384,47), e outras contas a pagar (€ 549.551,77).

Tais elementos revelam falta de cumprimento voluntário de dívidas vencidas, sendo que, muito para além da mera presunção, resultou provada a impossibilidade de pagamento de tais obrigações vencidas por confessada ausência de meios para o fazer (próprios ou por recurso a financiamento).

Neste contexto, cabia à insolvente ilidir a presunção que daqueles factos derivam, contrariando-os ou fazendo prova de outros que permitissem concluir pela respectiva solvabilidade, sendo certo que, considerando os pressupostos/conceito de insolvência, para o efeito não bastaria alegar/provar que o activo de que é proprietária, nele se incluindo o património imobiliário, é superior ao seu passivo”.

E sem que daí derive violação do art. 35º CIRE (audiência de discussão e julgamento) uma vez que todo o processamento que se consagra neste artigo é inspirado pela preocupação de celeridade que atravessa, de modo coerente, o instituto da insolvência.

Como sucede, porém, com relação a outras injunções deste tipo, estamos em presença de normas cujo eventual incumprimento não comporta qualquer sequela no que respeita ao devir processual (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO - REIMPRESSÃO, 2009, p. 187).

-

Daí que, como deve, o juiz haja conhecido de qualquer questão - como as suscitadas - que envolva o afastamento de uma ou mais causas de pedir na acção, de modo a evitar ter de especificar ou quesitar factos que de antemão se revelaram indiferentes à solução jurídica do pleito. Só quando em determinado caso o juiz tiver dúvidas sobre se certo facto interessa ou não à solução do pleito, se impõe que quesite esse facto (Cf. Ac. RL, de 12.1.1973: BMJ, 223.°-273).

Naturalmente que o conhecimento do pedido, nestas circunstâncias, pressupõe um estudo profundo do processo por forma a conhecer-se que é esse o único caminho a seguir (Ac. RC, de 25.10.1983: Col. Jur., 1983, 4.°-64). E isso aconteceu, como indicado, com adequação. Já que, para conhecer, assim, do mérito da causa, é necessário que os autos contenham já todos os elementos suficientes para uma decisão segura (Ac. RE, de 3.11.1988: BMJ, 381.°-771). Como, circunstancialmente, também acontece. Uma vez que, em função da única prova relevante produzida (documental), não sobreleva (face à sua intensidade e potencial) qualquer necessidade de averiguar - ainda - outros factos, dispensando, por irrelevante, essa pleonástica indagação, a pretexto de os Autos já disporem da suficiente matéria de facto apurada (Cf. Ac. RC, de 19.4.1989: BMJ, 386.°-519).

Quer isto dizer que podia conhecer-se do pedido, nestas circunstância, por o processo já proporcionar, com segurança, e em termos objectivos, todos os elementos que possibilitam a decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (que não apenas segundo a solução a que adere o juiz do processo) (Ac. RC, de 20.6.1989: BMJ, 388.°-610). Para o efeito, pois, o julgamento, com produção de prova suficiente, consumou-se com adequação processual, sem necessidade de qualquer outra, em diferenciado circunstancialismo, sem virtualidade diferenciada.

A Relação pode manter, neste contexto, a resposta/consideração dada pela 1ª instância perante a relação jurídica sub judice, ou específica afirmação contextualizada, por assente, quando puder entender que a mesma resultou da convicção do julgador, formada exclusivamente com base em documentos de sustentação, em termos revelados insusceptíveis de alteração conceitual ou interpretativa abrangente, não obstante oposição pelo recorrente. Por isso com relevo de força probatória de circunstância, insusceptível de alteração por outro tipo pela contribuição probatória, eventual e pretendidamente a produzir.

O que responde negativamente às questões em I.

II.

21. A sentença recorrida enferma dos vícios constantes do disposto no artigo 668°, n° 1 al. c) e d) do CPC, que acarretam, necessariamente, a sua nulidade.

22. A Mma Juiz a quo não se pronunciou sobre matéria fundamental para a boa decisão da causa e existem graves contradições da sentença recorrida, tendo o tribunal a quo declarado a insolvência da requerida sem se verificarem todos os pressupostos da mesma,

23. existindo patente contradição quanto à matéria de facto dada como provada, as considerações de Direito e a decisão.

28. O Tribunal a quo deturpou o alegado pela recorrida na sua Oposição e não teve devidamente, em conta quer o alegado por esta no seu articulado, quer a matéria de facto dada como provada, mormente, a constante na alínea 5. dos factos provados.

29. O Tribunal a quo não cuidou de apurar a verdadeira dimensão do activo (que não se limita ao imóvel em referência) e das capacidades financeiras da requerida, limitando- se a secundar o alegado pela requerente na sua petição inicial.

30. As hipóteses de parcerias e/ou financiamento referidas pela requerida na Oposição à Insolvência foram totalmente ignoradas pela Mma Juiz a quo.

A este respeito, mais se diga que a nulidade prevista na 1.ª parte da al. d) do n.° 1 deste art. 668.° está directamente relacionada com o comando fixado no n.° 2 do art. 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Tal norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de Alberto dos Reis Cód. Proc. Civ. Anot., 5.°-54, que escreve: «... assim como a acção se indentifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».

No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das primeiras — das «questões» — integra nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões (vid., assim, Alberto dos Reis, ob. e vol. cits., pág. 143; RT, 78.°-172, 89.°-456, e 90.°- -219; Acs. STJ, de 2.7.1974, de 6.1.1977, de 13.2.1985, de 5.6.1985, entre muitos outros).

Assim, a nulidade de omissão de pronúncia prevista na al. d) do n.° 1 do art. 668.° do CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.° 2 do art. 660.° do citado Código, e que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras. A expressão «questões», que se lê naqueles preceitos, não abrange os «argumentos» ou «raciocínios», que não integram matéria decisória para o juiz (Ac. STJ, de 30.3.1990, Rec. n.° 2309: AJ, 7.°-90, pág. 22, e ADSTA , 346.°-1297).

Elemento que funciona, inarredavelmente, como tópico obsidiante, pretendido, em conclusão, como de sobreposição aos demais é aquele - não só arguido e tratado com desenvolvimento -, mas que, em essência, se reconduz, prova produzida, à emergência do que se consagra no referencial  5. dos factos provados:

5. Do Balanço da requerida, elaborado por reporte a 31.12.2010, consta:

- resultado líquido negativo (do período) de € 171.959,89,

- total do activo no valor de € 5.813.899,71, no que está reflectido o valor de avaliação, em 2008, do único imóvel de que a requerida é proprietária, no valor de €5.000.000,00, e incluído o valor de € 221.704,88 a título de Propriedades de Investimento e o valor de € 592.706,03 a título de outras contas a receber,

- total do capital próprio e do passivo o valor de € 5.813.899,71, do qual € 3.245.337,83 corresponde a passivo, €2.508.561,88 corresponde ao total do capital próprio, sendo este ali integrado pelo valor do capital social, reservas legais no montante de € 15.875,24, outras reservas no montante de € 57.102,38, resultados transitados no valor negativo de €2.892.680,24, e excedentes de revalorização no valor de € 5.547.754,44.

Todavia, a emissão conceitual do que aí se consagra enquadra-se e articula-se adequadamente ao elemento de justificação interpretativa de suporte decisório, que se reconduz à seguinte dimensão:

“(…) perante o volume, natureza e antiguidade das dívidas da requerida, na ausência de percepção de rendimentos ou de outros recursos financeiros aqueles factos indícios da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de um imóvel ainda que o seu valor possa ser superior ou igual ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, tal factor (relação activo/passivo) só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económico-financeira, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento (…),

 o que, de resto, efectivamente, não vem alegado.

Validamente complementada, ao apreciar-se, também, que:

“não obstante o já exposto, sempre se impõe acrescentar que a alegação da superioridade ou da correspondência do activo em relação ao passivo por referência ao valor de mercado do imóvel de que é proprietária, e ressalvando desde já o devido respeito pela expressão usada, não deixa de constituir um tiro no pé pois vale por admitir que só pela via da liquidação do seu património a devedora tem possibilidade de liquidar o seu passivo. Ora, concluindo os credores pela inviabilidade económica da devedora, qual a finalidade do processo de insolvência senão essa?

Com efeito, ainda que, conforme vem alegado, o activo da requerida seja superior ao seu passivo, dos factos aduzidos resulta que a requerida não está em condições de, no pressuposto da sua continuidade, como é pretendido, satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações porquanto não dispõe de liquidez ou de outros recursos financeiros para tanto. Do que resulta que, a socorrer-se do activo, só por via da liquidação o seu património estará apto a satisfazer o respectivo passivo, solução que a lei impõe seja executado no meio judicial próprio, em sede de processo de insolvência”;

O que não é, neste condicionalismo factual, infirmável.

Sendo que - exactamente neste condicionalismo - uma decisão, ou um acórdão (cf. art. 716°- 1, (só) é nula(o) «quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão», isto é, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa (A. dos Reis, Cód. Proc. Civ. Anot., 5.°-141; A. Varela, Manual, l.ª ed., pág. 671). E tal não acontece, circunstancialmente.

Valendo por dizer que, verificando-se que na decisão recorrida constamos factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e este é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n.° 1, alíneas b), e) e e) do Cód. Proc. Civil) (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).

O que responde negativamente às questões em II.

III.

24. A verificação de qualquer um dos factos enunciados no n° 1 do art° 20° do CIRE permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual de certos sujeitos, nomeadamente, dos credores.

25. Mas o devedor pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica.

IV.

26. O único pressuposto objectivo da declaração de insolvência não deixa, assim, de ser a situação de insolvência (cfr. Art. 3.°), sendo os factos-índice meros fundamentos necessários mas não suficientes do requerimento da declaração de insolvência do devedor.

Assim não é! Diga-se, por acrescento, a tal respeito, e na sequência do que se deixou expresso, que, mesmo para fundamentar o pedido de insolvência baseado na insuficiência do activo do devedor em relação ao seu passivo, bastará ao requerente evidenciá-lo por recurso aos elementos da escrituração do devedor. A este cabe, todavia, a possibilidade de demonstrar a superioridade do activo resultante da sua revalorização. Estamos, igualmente, em crer que esta conclusão está hoje devidamente suportada pelo próprio texto legal. Desde logo, no proémio do n.° 3, na assunção da ideia de que o recurso ao critério alternativo de avaliação reveste natureza de excepção, o que se traduz na utilização do verbo cessar; e, além disso, no art.° 20.°, n.° 1, al. h), ao acolher como fundamento do requerimento de insolvência a «manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado». Mas também à vista do que dispõe o n.° 4 do art.° 30º.

Sempre na abrangência de que o estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. art.° 3º, n.° 1). Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice (cfr. Ac. da RE., de 25/OUT/2007, in CJ, 2007, IV, pág. 259). O que não foi logrado. Esta solução está, de resto, hoje claramente consagrada no n.° 3 do art.° 30°.

Tanto assim que o incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar, o requerente deve então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO - REIMPRESSÃO, 2009, p. 135). O que, por sua vez, foi logrado, através de produção de prova adrede (documental) adequada e suficiente, como condição da sua própria sustentabilidade.

O que responde negativamente às questões em III.

Podendo assim concluir-se, sumariando, que:

1.

Para conhecer do mérito da causa, é necessário que os autos contenham já todos os elementos suficientes para uma decisão segura, como circunstancialmente acontece. Uma vez que, em função da única prova relevante produzida (documental), não sobreleva (face à sua intensidade e potencial) qualquer necessidade de averiguar - ainda - outros factos, dispensando, por irrelevante, essa pleonástica indagação, a pretexto de os Autos já disporem da suficiente matéria de facto apurada.

2.

Quer isto dizer que podia conhecer-se do pedido, nestas circunstância, por o processo já proporcionar, com segurança, e em termos objectivos, todos os elementos que possibilitam a decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (que não apenas segundo a solução a que adere o juiz do processo). Para o efeito, pois, o julgamento, com produção de prova suficiente, consumou-se com adequação processual, sem necessidade de qualquer outra, em diferenciado circunstancialismo, sem virtualidade diferenciada.

3.

 A Relação pode manter, neste contexto, a resposta/consideração dada pela 1ª instância perante a relação jurídica sub judice, ou específica afirmação contextualizada, por assente, quando puder entender que a mesma resultou da convicção do julgador, formada exclusivamente com base em documentos de sustentação, em termos revelados insusceptíveis de alteração conceitual ou interpretativa abrangente, não obstante oposição pelo recorrente. Por isso com relevo de força probatória de circunstância, insusceptível de alteração por outro tipo pela contribuição probatória, eventual e pretendidamente a produzir.

4.

Por razões que se prendem com o princípio geral da igualdade das partes, as regras aplicáveis à produção de prova pelo requerente são extensíveis ao devedor. É este o significado abrangente da parte final do n.° 1 do art. 30º CIRE. E tal não se mostra violado.

5.

E sem que daí derive violação do art. 35º CIRE (audiência de discussão e julgamento) uma vez que todo o processamento que se consagra neste artigo é inspirado pela preocupação de celeridade que atravessa, de modo coerente, o instituto da insolvência.

6.

O incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar; o requerente deve então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada. (art. 20º CIRE), circunstancialmente verificada em função indiscutível da prova suficiente produzida.

7.

Verificando-se que no despacho que consubstancia a decisão recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e este é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n.° 1, alíneas b), e) e e) do Cód. Proc. Civil)

Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo