Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3409/18.0T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: TESTAMENTO
NEGÓCIO USURÁRIO
ARROLAMENTO
RECURSO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 403, 404, 405, 640 CPC, 282, 2199 CC
Sumário: 1. É de rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quando o recorrente não especifica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, também insuficientemente concretizadas (art.º 640º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC).

2. O regime do art.º 282º do CC (negócios usurários) é aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais, como é o caso das disposições testamentárias, nesta hipótese com as necessárias adaptações, face à sua especificidade - anulabilidade advinda do facto de se ter “explorado a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do testador”, obtendo, assim, “benefícios excessivos ou injustificados”.

3. Justifica-se a providência cautelar de arrolamento quando o requerente tenha interesse na conservação dos bens que integram determinado acervo hereditário e exista justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie, oculte ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens (cf. os art.ºs 403º, 404º, n.º 1 e 405º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Decisão Texto Integral:






            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I. Em 11.10.2018, J (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o presente procedimento cautelar de arrolamento contra A (…), pedindo que “seja decretado o arrolamento de todos os valores constantes no documento junto no artigo 155º (doc. 24) deste requerimento pertencentes à herança por morte de M (…)”, ou, “caso já não existam os aludidos valores/depósitos ou aplicações financeiras”, a notificação de “M (…) para que informe para que conta ou contas foram transferidos os valores em causa e proceda desde já ao seu arrolamento”.
Alegou, em síntese: é sobrinho da mencionada M (…) e pretende intentar acção de anulação do testamento que instituiu a requerida como sua herdeira, pelos fundamentos que melhor discriminou na petição inicial (p. i.); tais “valores” integram o património financeiro constituído por depósito e outros produtos de poupança e aplicações pertencentes à herança deixada por aquela M (…); em virtude da anterior actuação da requerida tem um justo receio de que esta, conhecendo a intenção do requerente ou de algum outro sobrinho da falecida intentar tal acção, dissipe os valores que integram a respectiva herança.
Pediu a dispensa de citação prévia da requerida, o que foi indeferido.
Entretanto, pediu a ampliação do arrolamento, para que se estenda ao prédio que é uma moradia unifamiliar inscrita na matriz predial urbana da freguesia de (...) , (…) e sita em (…), (...) , com fundamento no facto de ter tido conhecimento de que a requerente havia colocado esse imóvel, também integrante da herança, à venda em imobiliária.
A requerida deduziu oposição concluindo pela não verificação dos requisitos do arrolamento. Pediu a condenação do requerente como litigante de má fé.
Realizada a audiência final, o Tribunal a quo julgou o procedimento cautelar procedente, determinando: o imediato arrolamento de todos os valores/depósitos/produtos financeiros que constam do documento 24 junto com a p. i., bem como do imóvel sito (…), (...) , (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 9432º; caso já não existam os referidos valores/depósitos/produtos financeiros - a notificação de B (…) para informar para que conta ou contas foram transferidos e o arrolamento dessa(s) mesma(s) conta(s), desde que dela(s) seja titular ou co-titular a requerida. E julgou improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pela requerida.
Inconformada, a requerida apelou, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
(…)
O requerente respondeu concluindo pela manutenção da sentença.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) modificação da decisão sobre a matéria de facto/erro na apreciação da prova, relevando, necessariamente, o eventual incumprimento dos respectivos ónus/art.º 640 do Código de Processo Civil (CPC); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração da decisão de facto.
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II. 1. A 1ª instância deu como indiciariamente provado:
1) M (…) faleceu, com 82 anos de idade, no dia 29.8.2018, no estado de viúva de A (…)
2) O autor é sobrinho da M (…), sendo filho de uma irmã desta, A (…) e O (…), já falecida.
3) No dia 25.10.2017, no Cartório Notarial de (...) a cargo do Dr. (…) a supra referida M (…) declarou perante o Sr. Notário que, não tendo descendentes nem ascendentes vivos, pelo testamento “institui herdeira da totalidade da sua herança A (…), divorciada, residente em (...) ”.
4) Foram testemunhas do aludido testamento A (…) (companheiro da requerida) e M (…)
5) A aludida M (…) faleceu sem descendentes e sem ascendentes vivos, sendo que os seus familiares mais directos são os sobrinhos, filhos dos seus falecidos irmãos: - M (…), filha de J (…); - J (…), M (…), J (…) e M (…), filhos de L (…)
- J (…) (requerente).
6) Em 07.02.2016, M (…) foi internada de urgência no Hospital (...) , com síndrome Hiperglicémico, onde permaneceu 25 dias.
7) Quando lhe foi concedida alta hospitalar, M (…), devido ao seu frágil estado de saúde e aos cuidados de que necessitava, não regressou de imediato a casa, tendo sido internada, no dia 04.3.2016, na Unidade de proximidade local do Centro Hospitalar (...) , sito nas (...) , onde permaneceu durante cerca de 6 meses.
8) Aí recebeu os cuidados médicos de que necessitava, tendo sido tratada não só da diabetes, como das perturbações do foro neurológico de que sofria.
9) Foram-lhe realizados uma ressonância magnética, em 08.4.2016, e um eletroencefalograma, em 15.4.2016. Destes exames resultou que a falecida M (…) padecia, em 2016, de leucoencefalopatia vascular isquémica; apresentava lesões vasculares e lesão cortico-subscortical occipital direito, compatível com AVC isquémico, acentuada atrofia cerebral difusa, cortico–subcortical com correspondente dilatação do sistema ventricular supratentorial.
10) Nessa época, M (…) necessitava do apoio de terceiros para se vestir, alimentar e efectuar a higiene diária; estava mentalmente confusa com alterações e sinais de apatia e desorientação e, quando saiu dos cuidados continuados, não estava em condições de residir sozinha.
11) A sua casa situava-se na aldeia do (...) .
12) Dado o seu debilitado estado de saúde, M (…) e os seus sobrinhos entenderam que era mais seguro residir em (...) , onde facilmente teria acesso a cuidados médicos, pelo que estes optaram, com o acordo da tia, por arrendar um apartamento nesta cidade, para ela aí residir, cuja zona foi por ela escolhida, tendo em atenção a residência próxima de alguns amigos e ser aí que se localizavam alguns serviços (v. g., a sua cabeleireira).
13) Porque ela necessitava de apoio constante, foram contratados os serviços de uma empresa – B (…), S. A., - que lhe prestava apoio domiciliário 24 horas por dia.
14) As funcionárias da B (…) acompanhavam e tratavam da M (…) durante o dia e a noite, todos os dias da semana, 24 horas por dia, em sistema de rotatividade.
15) Estas cuidadoras confeccionavam as refeições, tratavam da casa e da sua pessoa, mediam o nível de açúcar no sangue e administravam a insulina em conformidade com os valores.
16) A sobrinha M (…) acompanhava a tia em tudo o que era necessário, dando instruções às cuidadoras sobre a dieta a que a M (…) estava sujeita e para controlarem os níveis de glicemia e deslocava-se, com regularidade, à casa onde ela residia, para se assegurar que tudo corria bem.
17) Era também ela quem efectuava os pagamentos uma vez que as funcionárias da B (…) estavam proibidas pela própria entidade patronal de “mexer” no dinheiro das pessoas que acompanhavam.
18) A requerida foi uma das funcionárias da B (…) que acompanhou a falecida M (…) o que sucedeu desde, sensivelmente, o mês de Novembro de 2016.
19) Em princípio, o acompanhamento era feito por três funcionárias que faziam turnos de 8 horas diárias.
20) Em Junho de 2017, M (…) fracturou uma perna, tendo sido internada no Hospital de (...) , onde permaneceu até 15.6.2017.
21) Durante o internamento, a requerida, bem como as outras funcionárias da B (…), faziam-lhe companhia no Hospital.
22) Quando esta regressou a casa, permaneceu acamada durante algum tempo, tendo depois recuperado e passado a movimentar-se, mas com limitações, carecendo da ajuda de terceiros.
23) A partir desta altura, a requerida aproveitando-se do estado de fragilidade de M (…), começou a insinuar-se junto dela, com intenção de se apropriar dos seus bens.
24) Alimentou-lhe a ideia de que seus sobrinhos não a apoiavam, queriam aproveitar-se dela e ficar com os seus bens.
25) Começou a tomar decisões à revelia da sobrinha M (…).
26) Convenceu M (…) a deixar o apartamento que arrendara na Av. Marques de Pombal, lugar que esta escolhera para viver.
27) Começou a movimentar as contas bancárias de M (…), tendo conhecimento dos códigos do multibanco, bem como das aludidas contas bancárias e dos seus valores, elementos esses a que teve acesso em virtude do estado debilitado em que aquela se encontrava.
28) As outras funcionárias da B (…) aperceberam-se das manobras da Anabela, tendo-as transmitido à entidade patronal; esta sociedade, quando teve conhecimento do que se passava, despediu a requerida, em Novembro de 2017.
29) Nesse mesmo dia, a requerida convenceu M (…) a ir para sua casa e a prescindir dos cuidados das restantes pessoas que a assistiam, havendo passado a assumir pessoal e integralmente o acompanhamento da tia do requerente, que passou assim a estar completamente nas suas mãos.
30) Nesse mesmo dia, levou-a de casa, sem nada dizer à família.
31) A partir de finais de Setembro de 2017, o dinheiro que a requerida tinha depositado em várias instituições bancárias começou a ser levantado.
32) Até essa data, M (…) tinha depositado nas suas contas cerca de € 430 000, sendo que grande parte desse dinheiro fora herdado por óbito de sua irmã, M (…) ocorrido em 22.02.2016.
33) Após o aludido óbito fez, com as ajudas dos sobrinhos, diversos depósitos e aplicações financeiras, sendo que as contas bancárias eram solidárias com a sobrinha M (…), sendo esta quem procedia aos levantamentos e pagamentos das despesas de sua tia.
34) A partir de finais de 2017, M (…) levantou todo o dinheiro que estava depositado numa conta de que era titular no A (…) (cerca de € 107 000) e, no período compreendido entre 20 de Setembro e 14.11.2017, foram levantados em caixas multibanco, diariamente, cerca de € 400, até um total de € 12 400, de uma conta de que M (…) era titular no banco B (…) juntamente com a sua sobrinha.
35) Em 20 de Outubro, a requerida procedeu à liquidação de um depósito a prazo no montante de € 52 000, junto do M (…), que transferiu para uma outra conta, de que apenas ela era titular.
36) No início do mês de Novembro, foi levantado em numerário da conta da requerida junto da C (…) o montante de € 29 0000 e transferido o montante de € 264 059 para uma outra conta.
37) Em Dezembro de 2017, foi levantado em numerário mais € 10 000, tendo a respectiva conta ficado com um saldo de € 67,54.
38) Até Outubro de 2017, M (…) tinha depositado nas suas contas o montante global de mais de € 430 000 (documentos n.ºs 12 a 19 juntos com a p. i.), o que era do conhecimento da requerida, tendo sido ela quem acompanhou e ajudou M (…)a fazer todos os supra citados movimentos bancários, tendo o dinheiro daquela passado a estar depositado ou aplicado numa única conta confidencial, de que só ela era titular, mas que era controlado pela requerida.
39) Era esta que a acompanhava e convencia a levantar grandes somas de dinheiro.
40) Quando, em Novembro de 2017, a requerida levou M (…) para a sua residência, sita na localidade de (...) , nenhuma delas avisou qualquer um dos sobrinhos, nomeadamente, M (…), de tal facto.
41) M (…) era a pessoa a quem, inicialmente, a requerida se dirigia quando M (…) necessitava de alguma coisa, sendo que, antes de Setembro de 2017, os contactos entre ambas eram frequentes.
42) A partir do momento em que M (…) passou a residir com a requerida, deixou de ter quaisquer contactos regulares com os seus sobrinhos e com os seus amigos, sendo, permanentemente, influenciada por ela no sentido de não ter tais contactos.
43) Quando M (…) atendia os telefonemas de seus sobrinhos, a requerida mantinha-se perto dela e controlava o que dizia, nomeadamente, sussurrando-lhe respostas.
44) Durante o tempo em que viveu em casa da requerida, M (…) praticamente deixou de falar com os seus sobrinhos, recusou passar o Natal na companhia destes, como sempre acontecia, e recusava qualquer convite que lhe fosse feito pelos seus familiares ou, mesmo quando o não fazia, acabava por não aparecer.
45) M (…), na companhia da requerida, frequentava em cafés e pastelarias, onde ingeria bolos e outros alimentos que lhe estavam completamente proibidos e tomava refeições em restaurantes sem qualquer restrição dietética.
46) A requerida tinha perfeito conhecimento que M (…) não podia ingerir tais alimentos, a fim de evitar a repetição de episódios de coma diabético.
47) Todo o comportamento da M (…), para com os familiares e para com os amigos, se alterou, desde que a requerida a passou a influenciar.
48) Entretanto o estado de saúde física e mental de M (…)  foi-se agravando, até que foi internada na Clínica de (...) em (...) , sem que disso tivessem sido avisados quaisquer familiares ou amigos.
49) Ali permaneceu internada durante cerca de dois meses e, quando os sobrinhos de M (…) tomaram conhecimento desse facto e pretenderam saber do estado de saúde de sua tia, foi-lhes negado qualquer informação “por instruções da curadora“.
50) Vieram, depois, a saber da existência de um “testamento vital” onde a requerida a constava como procurador de cuidados de saúde e onde constava que a M (…)  não queria ser reanimada.
51) Após a sua transferência para o Hospital de (...) , onde veio a falecer, continuaram a ser negadas informações à família, por ordem da “curadora”.
52) M (..:)  havia sido professora do ensino básico, tinha muitas colegas e amigos com quem socializava, estava bem inserida no seu meio, pertencendo a uma família conhecida na cidade.
53) Por influência da requerida, cortou todo esse convívio, tendo passado a estar numa situação de necessidade e dependência, tanto física como psíquica, em relação à requerida.
54) A requerida tinha perfeito conhecimento do testamento, que foi feito quando era já ela que cuidava desta e lhe prestava todos os cuidados e assistência, sendo, à época, apenas na sua companhia que saía.
55) Logo após o testamento, a requerida convenceu M (…)  a alterar todas as suas contas bancárias e levou-a a retirar o nome da sua sobrinha dessas contas, tendo-a também influenciado para que as procurações fossem revogadas e passado a mantê-la isolada e controlada, na sua casa.
56) Não existia entre a M (…)  e a A (…) qualquer relação de parentesco.
57) A requerida é bem mais nova do que M (…) - tendo cerca de 40 anos - e aquela tinha por hábito relacionar-se apenas com pessoas do seu meio social e cultural, a que a requerida não pertencia.
58) A requerida, aproveitando-se da debilidade de M (…)  conseguiu controlar a vontade desta, “envenenou-a” contra os sobrinhos para que, assim, esta fizesse testamento de toda a sua fortuna a seu favor.
59) M (…) auferia uma pensão de reforma de cerca de € 1 600 mensais.
60) Em Agosto de 2018, o seu património mobiliário ascendia a € 347 705, do qual faziam parte, para além de depósitos e poupanças, diversos produtos/aplicações financeiros (documento n.º 24 junto com a p. i.), pelo que, desde Setembro de 2017, para além da sua pensão de reforma, haviam sido gastos € 83 000.
61) M (…) era também proprietária de uma casa sita no (...) , de valor não inferior a € 150 000, o que a requerida conhecia perfeitamente.
62) A requerida tinha perfeita consciência do estado de saúde da M (…)e das doenças de que sofria, sendo que sabia também que ela tinha uma reduzida esperança de vida.
63) Tinha conhecimento que esta estivera já internada no Hospital (...) em coma diabético, à beira da morte.
64) Deixou-a ingerir alimentos que agravaram o seu estado de saúde, sabendo que M (…), devido ao seu estado mental, não estava em condições de se autodisciplinar quanto à sua alimentação e se zangava com os familiares quando estes não a deixavam comer o que queria.
65) Está a decorrer uma acção de interdição, acção que prosseguiu após a morte da M (…), do que a requerida tem perfeito conhecimento, estando ciente da intenção dos sobrinhos de M (…) porem em causa o testamento desta.
66) Apesar desse conhecimento e sem aguardar o termo daquele processo de interdição, a requerida está a procurar vender a casa referida em II. 1. 61. e embolsar o respectivo preço, tendo contratado uma imobiliária para o efeito.
2. E não deu como indiciariamente provado[1], nomeadamente:
a) Quais as concretas lesões permanentes, ao nível das faculdades mentais, de que M (…) padecia.
b) Que M (…) desconhecesse todos os levantamentos de dinheiro efectuados pela requerida, das suas contas bancárias, ou alguns deles.
c) Que no dia 03.8.2018, quando lhe foi efectuado o exame pericial no âmbito do processo de interdição, M (…) haja denotado “uma profunda confusão mental”.
d) Quais as fontes de rendimento do agregado familiar da requerida - ou a ausência delas.
3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1 do CPC), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir - as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).
            Ora, o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[2], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.[3]
As conclusões servem assim para delimitar o objecto do recurso (art.º 635º do CPC), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo, constando normalmente, na sua parte final, se se pretende obter a revogação, a anulação ou a modificação da decisão recorrida.
4. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640º, n.º 1 do CPC).
No caso previsto na citada alínea b), observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (n.º 2 do mesmo art.º).
            5. Tais requisitos da impugnação da decisão de facto justificam-se pela simples razão de que importa alegar o porquê da discordância, devendo o recorrente concretizar as suas divergências.
Trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, por um lado, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada [e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas], e, por outro lado, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar, assim se garantindo o efectivo cumprimento do princípio do contraditório [art.ºs 638º, n.º 5 e 640º, n.º 2, alínea b) do CPC], obviando-se, assim, à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.[4]
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se quando, nomeadamente, falta a indicação dos concretos pontos da discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto, a indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda ou a posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, tratando-se de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.[5]
6. A requerida/recorrente insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto, centrando a sua aparente discordância, principalmente, na forma como veio a ser atendida/ponderada a prova pessoal produzida em audiência de julgamento (cf., principalmente, as “conclusões 4ª a 11ª”/ponto I, supra).
            Decorre dos autos, em particular, do arrazoado e das “conclusões” da alegação de recurso, que a requerida/recorrente não se conformará com a factualidade subjacente à decisão de mérito, mas não concretizou os correspondentes pontos da matéria de facto, aludindo, apenas, à factualidade alegada nos art.ºs 18º e 20ª da p. i.[6] - que diz dever ser dada como não provada - mas sem concretizar/especificar, minimamente, onde ou em que contexto temporal foi a mesma atendida nos 66 factos dados como indiciariamente provados, ou qual a concreta contradição ou incongruência que decorre do decidido sob os pontos II. 1. e II. 2., supra (que, naturalmente, não se confundem com pretensas incongruências na valoração e na conjugação de determinados meios de prova, e sempre se imporá explicitar se e em que medida, existindo, afectaram a concreta decisão relativa à matéria de facto), sendo certo, e nomeadamente, que a factualidade incluída em II. 1. 9), supra, decorre, sobretudo, do teor do relatório de exame (ressonância magnética crânio-encefálica) datado de 08.4.2016 e o Tribunal a quo não deixou de considerar insuficientemente indiciadas, designadamente, as “concretas lesões permanentes, ao nível das faculdades mentais”, conforme ficou expresso em II. 2. alínea a), supra.
            A requerida/recorrente desrespeitou, pois, ostensivamente, as exigências que a lei claramente consagra para uma válida impugnação da decisão de facto, na medida em que veio a descurar, totalmente, o ónus que sobre ela impendia de dizer, claramente, na “fundamentação/corpo” da alegação de recurso e, também, nas respectivas “conclusões”, quais os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados (indicando os factos que não deviam ser dados como indiciariamente provados e os que deviam ser acrescentados ou, em geral, quais as modificações de facto a introduzir…).
            Sem quebra do respeito devido por entendimento contrário, verifica-se, assim, ostensivo/patente desrespeito pelas exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto (cf. II. 4. e 5., supra).
            A recorrente aparenta discordar do decidido mas não concretiza/especifica a decisão que considera dever ser proferida sobre a matéria de facto impugnada (também não concretizada ou, pelo menos, insuficientemente concretizada); não sabemos que modificações devam ser introduzidas!
            A A./recorrente devia ter dado cumprimento ao preceituado no art.º 640º do CPC levando ainda em atenção o regime de alegação mencionado em II. 3., supra, ao invés de optar por uma alegação (relativamente) complexa e difusa; denotou o seu pretenso inconformismo através de uma extensa e inconsequente “narrativa” (procedendo à transcrição de excertos dalguns depoimentos, que, em geral, diga-se, corroboram o decidido…), postergando, pois, exigências cujo incumprimento a lei reprova e fulmina com a rejeição da impugnação.
            Não resta assim alternativa à total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto apresentado pela requerida.
7. Importa atender à factualidade dada como indiciada em 1ª instância.
Nos termos do art.º 403º do CPC, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles (n.º 1), sendo o arrolamento dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas (n.º 2).  
            O arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos (art.º 404º, n.º 1 do CPC).
            O requerente fará prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de acção proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente (art.ºs 405º, n.º 1 e 365º, n.º 1 do CPC).
             O Juiz ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (art.º 366º, n.º 1 do CPC) e, produzidas as provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo Juiz (art.º 367º, n.º 1 do CPC), a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão, de que o interesse do requerente corre risco sério (art.ºs 368º, n.º 1 e 405º, n.º 2 do CPC).
            8. O arrolamento é uma medida cautelar de carácter conservatório. Apresenta-se, em geral, como medida destinada a assegurar a manutenção de bens litigiosos no período em que persistir a discussão da titularidade do direito no âmbito da acção principal de que o arrolamento é instrumental. Se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (...) do arrolamento.[7]
            Tendo em conta a latitude dos bens que podem constituir o seu objecto e o modo de execução da medida, o arrolamento assemelha-se ao arresto, do qual difere quanto à situação de periculum in mora que visa prevenir, pois que, em lugar do risco de perda da garantia patrimonial que o arresto visa esconjurar (art.º 391º, n.º 1 do CPC), tende a eliminar ou a atenuar o perigo de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens litigiosos.
            Tal como ocorre com a generalidade das providências não especificadas, também o arrolamento dispensa a formulação de um juízo seguro quanto à titularidade do direito, bastando que o tribunal, com base em factos que considere provados, se convença da sua existência, de acordo com um critério de verosimilhança ("probabilidade séria", segundo o art.º 368º, n.º 1 do CPC), sendo que tratando-se de direitos de natureza potestativa, se exige adicionalmente a verificação da probabilidade de procedência da acção principal, nos termos do art.º 405º, n.º 1 do CPC, solução justificada para evitar que o arrolamento seja posto ao serviço de pretensões manifestamente inviáveis, de pretensões claramente infundadas ou de pretensões que não apresentam probabilidade alguma de êxito.[8]
            9. A recorrente afirmou manter o interesse na apreciação do recurso em matéria de direito, independentemente da decisão a proferir quanto à impugnação da matéria de facto, considerando, além do mais, que não se verificam os requisitos do negócio usurário na definição do art.º 282º do Código Civil (CC)[9] e que o caso versado no acórdão do STJ de 23.6.2016, citado pelo requerente e acolhido na sentença sob censura, não é similar à situação destes autos; reitera que a má fé do requerente ficou demonstrada tanto face à falta de prova do que alega, quer porque descreve apenas o que lhe contaram.
            10. A situação dos autos não é isenta de dificuldades mas a manutenção da indiciada factualidade e o entendimento na doutrina e jurisprudência de que o art.º 282º do CC é aplicável a todos os negócios[10], que se perfilha, leva-nos a sufragar o decidido na sentença recorrida.
Assim, nada será de objectar ao expendido naquela decisão, mormente quando se refere:
- No caso dos autos, está devidamente demonstrada a legitimidade do requerente para a acção de impugnação do testamento de sua tia M (…) na qualidade de sobrinho desta e sendo que a mesma faleceu no estado de viúva e sem deixar descendentes ou ascendentes.
- Refere-se no Acórdão do STJ proferido, em 23.6.2016, no âmbito do processo 1579/14.5TBVNG.P1.S1 (disponível no site da dgsi)[11]:
«O problema da ´aplicabilidade do regime dos negócios usurários ao testamento` não se encontra tratado de forma aprofundada no direito português.
Em tese geral, defende-se em alguma doutrina nacional (Pires de Lima/Antunes Varela, ´CC Anotado`, I, 1987, pág. 260; Pedro Eiró, ´Negócio usurário`, 1990, págs. 68 e segs.; H. E. Hörster, ´A parte geral do Código Civil Português`, 2014, reimp., pág. 556) a possibilidade de tal aplicação à generalidade dos negócios jurídicos, tanto bilaterais como unilaterais, sem, contudo, se referir directamente o testamento.
Entre os cultores do direito sucessório, há autores que defendem a sujeição do testamento ao regime da usura (Capelo de Sousa, ´Lições de Direito das Sucessões`, I, 2000, pág. 185; Duarte Pinheiro, ´O Direito das Sucessões Contemporâneo`, 2013, pág. 135).
A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem admitindo a aplicação da usura aos negócios jurídicos unilaterais (…)
- Relativamente aos negócios testamentários, são de referir as seguintes decisões deste Supremo Tribunal:
No acórdão de 22/5/2003-proc. n.º 03B1300, dgsi), num caso em que o testamento foi anulado por coacção, admitiu-se, em tese geral, que o regime da usura possa aplicar-se ao testamento: art.º 282º do CC (…)
”É um normativo aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais, como é o caso das disposições testamentárias, nesta hipótese com as necessárias adaptações, face à sua especificidade.”
No acórdão de 13/5/2004-proc. n.º 1452/04, dgsi), num caso em que se concluiu não ter sido feita prova que permitisse anular o testamento, considerou-se, em tese geral, o seguinte: “(…) atenta a natureza genérica do art.º 282º (negócios usurários) aplicável a qualquer tipo de negócio jurídico, designadamente aos negócios jurídicos unilaterais como é o caso das disposições testamentárias, ficarão sujeitos à anulabilidade advinda do facto de terem explorado a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do testador para deste obterem a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.”»
- (…) Deve ter-se presente que se regulam, nos art.ºs 2199º a 2203º do CC, as ´especificidades da falta e vícios da vontade do testador`.
- Identificam-se os três requisitos previstos neste preceito [art.º 282º do CC]: a) ´Existência de uma situação de inferioridade do declarante`; b) ´Exploração da situação de inferioridade pelo usurário`; c) Lesão, isto é, ´promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados para o usurário ou terceiro`.
- Em face dos ensinamentos extraídos daquele Acórdão[12], julga-se que a conjugação de todos os factos indiciários referentes à idade avançada, ao estado de debilidade física e de dependência permanente da ajuda de terceira pessoa em que se encontrava, são bastantes para (…) considerar verificada a situação de inferioridade (no sentido de dependência e, nessa medida, de subordinação à vontade alheia) de M (…) em relação à requerida.
- Mais emerge (…) que, indiciariamente, foi a actuação, deliberada e consciente, da requerida que promoveu a mudança de atitude de M (…), nomeadamente, em relação às pessoas que lhe vinham prestando apoio e em relação às quais havia laços de sangue e a levou a dispor de todos os seus bens em seu benefício - sendo ela uma estanha, que aquela conhecera menos de um ano antes, quando lavrou o testamento posto em crise.
Fê-lo, a requerida, bem sabendo do valor do património de M (…) assim como do testamento, a cujo impulso, certamente, não será alheia (…).
- E, em face do mesmo conjunto de factos, aliado ao conhecimento do valor aproximado do acervo hereditário de M (…) - certamente, próximo dos quinhentos mil euros -, à idade avançada da testadora e aos seus problemas de saúde (que tornavam curta a sua esperança de vida), não se pode deixar de considerar que receber aquele património, de uma pessoa que conhecera pouco tempo antes e a quem, quando muito, prestava assistência há cerca de um ano e por poucos anos o continuaria, previsivelmente, a fazer (tanto mais que a sua actuação conhecida é no sentido de não respeitar os cuidados de alimentação a que aquela estava, por prescrição médica e motivos ponderosos, condicionada), se traduz num manifesto - e injusto - excesso de proveito, por esta via estando, também, preenchido o terceiro dos mencionados requisitos.
- Na decorrência de todo o exposto e aqui se remetendo, mais uma vez, para a jurisprudência citada, julga-se estar devidamente indiciada a probabilidade séria da existência de vício do testamento conducente à sua anulabilidade e, por essa via, urgindo concluir que o requerente logrou convencer da provável procedência do seu pedido a formular no processo principal.
- (…) perante o comportamento conhecido à requerida, é de configurar como altamente possível e provável que ela, temendo o desfecho do litígio e com receio de ver frustrado o êxito da sua actuação perante a falecida, trate de ocultar e/ou gastar o dinheiro que herdou, bem como o produto da venda que está a promover do imóvel que também integra o acervo hereditário./ Conclui-se, por conseguinte e sendo necessidade, ao que se julga, de melhores e mais desenvolvidas considerações, pela verificação de todos os pressupostos do arrolamento e pela procedência do vertente procedimento cautelar.
11. Concorda-se com a dita fundamentação.
Se, por um lado, podemos afirmar a elevada probabilidade da existência do direito em que se funda o arrolamento [cf., v. g., os art.ºs 2131º, 2132º, 2133º, n.º 1, alínea c) e 2145º, do CC; a precedente exposição e, nomeadamente, II. 1. 23), 24), 28), 29), 30), 47), 53), 54), 55), 58), 62) e 65), supra], por outro lado, o requerente tem interesse directo na conservação dos bens que integram o acervo hereditário em apreço, a arrolar, e que pretende pôr a coberto do risco de extravio ou dissipação, sendo que decorre também suficientemente indiciada a situação de perigo de extravio ou de dissipação dos bens, o justo receio de extravio ou dissipação dos bens cujo arrolamento se pretende obter [cf., sobretudo, II. 1., 27), 31), 34), 35), 38) e 66), supra].
            Concluindo: visto, por um lado, a provável procedência do pedido da acção principal (ao qual subjaz ou está normalmente associada a discussão em torno do direito a determinados bens materiais, tal como sucede no caso em apreço), por outro lado, que, sem a providência requerida, o interesse do requerente corre sério risco, e, por último, que o seu decretamento não deixará de conciliar todos os interesses em presença[13], não se vê razão para não confirmar o decidido (inclusive, quanto à manifesta improcedência do pedido de condenação do requerente por litigância de má fé).
12. Soçobram, desta forma, as demais “conclusões” das alegações de recurso.
*
III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela requerida/apelante.
*
30.4.2019


Fonte Ramos ( Relator )
Maria João Areias
Alberto Ruço

           

                         


[1] E referiu o Tribunal a quo que, sendo que da oposição da requerida não consta defesa por excepção, mas antes e apenas por impugnação motivada, a versão dos factos a atender – para efeito de a julgar indiciariamente provada ou não provada – é aquela que foi apresentada pelo requerente.

[2] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.
[3] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.
[4] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 15.09.2011-processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[5] Vide A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 127 e seguintes.
    De resto, quando o legislador introduziu um efectivo grau de jurisdição em matéria de facto, através do DL n.º 39/95, de 15.02, deixou expresso no preâmbulo deste diploma, nomeadamente:
   «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
   Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
   A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…)
   Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado (…).»
[6] Nos art.ºs 18º e 20º da p. i. foi alegado: “A atrofia cerebral de que a M (…) padecia corresponde a uma redução do volume do cérebro e à morte parcial das suas células ou neurónios, afectando as suas capacidades para realizar as actividades diárias que ela não conseguia executar (art.º 18º); “A leucoencefalopatia isquémica dá origem a dificuldades com o movimento dos membros e com a linguagem, produzindo também alterações cognitivas como perda de memória, atenção, abstracção, raciocínio e manifestando-se por um estado mental alterado “ (art.º 20º).
[7] Vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1981, págs. 104 e seguinte.
[8] Vide J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 35; Alberto dos Reis, ob. e vol. cit., pág. 113 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 3ª edição, Almedina, 2006, págs. 275 e seguinte.
     Cf. ainda, entre outros, os acórdãos da RL de 16.12.2003-processo 8877/2003-7 e da RC de 26.10.2010-processo 125/10.4TBFVN-B.C1, publicados no “site” da dgsi (o segundo, também, na CJ, XXXV, 4, 34).
[9] Que preceitua: “1 - É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados. 2 - Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos artigos 559º-A e 1146º”.
[10] Vide, designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 259.
[11] Assim sumariado: «I - O problema da aplicabilidade do regime dos negócios usuários ao testamento não se encontra tratado de forma aprofundada no direito português. II - A doutrina, em tese geral, defende a possibilidade da aplicação do regime dos negócios usurários à generalidade dos negócios jurídicos, tanto bilaterais como unilaterais, sem, contudo, se referir directamente ao testamento. III - A jurisprudência do STJ vem admitindo a aplicação da usura aos negócios unilaterais enunciando, em abstracto, a possibilidade de sujeição dos testamentos à usura, sem chegar a concretizar a transposição do instituto e dos seus requisitos. IV - A circunstância de nos art.ºs 2199º a 2203º do CC, respeitantes à falta e vícios da vontade do testador, não existir uma norma remissiva quanto à usura não permite concluir que o legislador pretendeu o seu afastamento, na medida em que o regime da usura se inclui na regulamentação do objecto do negócio jurídico. V - A anulabilidade dos negócios jurídicos usurários prevista no art.º 282º do CC pressupõe a verificação de três requisitos: (i) existência de uma situação de inferioridade do declarante; (ii) exploração da situação de inferioridade pelo usurário; (iii) lesão, isto é, promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados para o usurário ou terceiro. VI - Enquanto a transposição dos requisitos subjectivos relativos ao declarante e ao usurário não oferece especiais dúvidas, maiores dificuldades suscita a transposição do requisito objectivo da “lesão”, já que, por natureza, o testamento é apto a atribuir benefícios que excedem, total ou parcialmente, os merecimentos de quem os recebe. VII - Embora a usura não possa, por definição, existir sem um elemento objectivo, a sua aplicação ao testamento apenas poderá afirmar-se em circunstâncias muito excepcionais em que esse negócio jurídico se insira num contexto mais alargado, no qual a factualidade provada imponha uma diferente valoração, associada ao recurso à concepção de “sistema móvel”, considerando-se que, se for particularmente intensa a prova de factos que revelam um dos pressupostos do art.º 282º, n.º 1, do CC, será aceitável um menor grau de exigência na verificação de um outro pressuposto. VIII - Resultando da factualidade provada que a autora dos testamentos e da cessão gratuita de meação e de quinhão hereditário objecto do pedido de anulação, antes de falecer, se encontrava em situação de acentuada inferioridade, por necessidade e dependência, tanto física como psíquica, em relação a terceiros, dependência que, por actuação da própria ré, se transformou em dependência desta última, bem como que a ré explorou essa situação de inferioridade para conformar a vontade da falecida, o que se traduziu num processo para que esta lhe atribuísse, em vida ou por morte, a titularidade ou o controlo jurídico sobre a totalidade do seu património, e não podendo sequer equacionar-se a hipótese de modificação dos negócios nos termos do art.º 283º, n.º 2, do CC por não ter sido requerida em tempo, justifica-se a anulação de tais negócios jurídicos por usura.»
[12] Acórdão do STJ de 23.6.2016-processo 1579/14.5TBVNG.P1.S1, publicado no “site” da dgsi, referido na nota anterior, cujo teor foi seguido muito de perto (e reproduzido) na decisão recorrida.
[13] Vide, a propósito, Alberto dos Reis, ob. e vol. cit., pág. 124.