Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1041/05.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRA – 2.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 522º-B; 690.º-A; 712.º; DO CPC; ARTIGOS 1085.º DO CC; ARTIGO 111.º DO RAU
Sumário: 1. Os artigos 712.º e 690.º-A do CPC impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.

2. É sempre insuficiente um pedido mais ou menos global e genérico para levar a Relação a reapreciar a prova.

3. Para haver um contrato de locação/cessão de estabelecimento, tem de poder dizer-se que, como objecto do negócio, está um estabelecimento comercial; ou, ao menos, um “mínimo de estabelecimento”, um quid que, embora desfalcado de algum ou alguns dos seus elementos não essenciais – materialmente incompleto, mas juridicamente completo – permita a caracterização do contrato como de locação/cessão de estabelecimento.

4. A locação dum estabelecimento – a transferência da exploração dum estabelecimento comercial – não tem que ser necessariamente acompanhada da transferência do gozo do prédio em que aquele se encontra instalado.

5. Se pode haver um negócio unitário (de locação ou trespasse) dum estabelecimento sem que no mesmo se inclua a transferência/transmissão do gozo do prédio em que aquele se encontra instalado, também, por idêntica razão, nada obsta a que se continue no mesmo negócio de locação se o estabelecimento que inicialmente funcionava num prédio do locador passar a funcionar e a estar instalado noutro prédio do locador.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., S.A., com sede na ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B..., residente na ..., pedindo:

Se decrete findo o contrato de concessão de exploração, condenando-se a ré a entregar o estabelecimento cedido: e

Se condene a ré no pagamento das rendas devidas desde Julho de 1999 até 30 de Junho de 2004, totalizando o valor de € 6.352,28; no pagamento dos consumos de electricidade facturados de Agosto de 1999 a Abril de 2004, no valor total de € 3.501,23; e no pagamento da quantia de € 113,65 a título de compensação mensal pela ocupação do estabelecimento comercial até à sua efectiva entrega, sendo o valor devido à data (da PI) de € 909,20.

Alegou, para tal, em síntese:

Ser dona dum prédio urbano sito em ... (onde funcionavam as suas oficinas) e dum estabelecimento comercial de café – denominado “ X...” – nele instalado, cuja exploração cedeu, em 7/01/87, a D..., então marido da R.; cessão que, na sequência de divórcio (ocorrido em 1994), passou exclusivamente para a R..

Entretanto, tendo a A. decidido transferir as suas instalações oficinais para local fora do centro da cidade, “empreendeu esforços no sentido de colocar a R. (…) nas suas instalações no 1.º andar do Terminal Rodoviário de ..., junto ao refeitório dos trabalhadores da A., possibilitando que a R. prosseguisse a sua actividade”; o que passou a acontecer desde 01/04/1999.

Acontece que, segundo a A., a R. deixou, a partir de Julho de 1999, de efectuar o pagamento da renda e “deixou de pagar os consumos de electricidade que lhe foram facturados”; tendo a A. comunicado por escrito à R., em 03/05/2004, que denunciava o contrato para a data da renovação (31/12/2004) e suspendido o fornecimento da electricidade desde Outubro de 2004.

A R. apresentou contestação/reconvenção; em que invocou, em resumo:

Que o contrato de cessão de exploração caducou aquando da mudança de instalações entretanto ocorrida.

Tendo então sido celebrado um novo contrato – que designa como contrato promessa de arrendamento comercial – segundo o qual ocuparia gratuita e provisoriamente as instalações que hoje ocupa no 1.º andar até estarem concluídas as obras de adaptação do novo espaço do estabelecimento no R/C, ocasião em que seria concretizado o definitivo contrato de arrendamento comercial; sendo que, até ao momento, a A. ainda não realizou tais obras de adaptação, razão por que se mantém provisória e gratuitamente no 1.º andar (e não efectuou, por não serem devidos, os pagamentos que a A, peticiona na acção).

Assim, além de concluir pela total improcedência da acção, em reconvenção, após alegar os danos decorrentes do fornecimento de electricidade e os causados pela destruição de uma arrecadação por si utilizada para armazenar produtos destinados à venda no estabelecimento, conclui e pede que a A. seja condenada:

A reconhecer que entre a A. e ré foi celebrado um contrato de promessa de arrendamento comercial, desde o final de Dezembro de 1997, até ao dia em que a A disponibilizar instalações no rés do chão do imóvel sito no W..., em ..., nos termos e condições que constam do artigo 45.º da Contestação/Reconvenção.

A, no prazo 1 dia após a decisão final que vier a ser proferida nesta acção, proceder à ligação da energia eléctrica, sob pena de o não fazendo, ter de pagar à ré a quantia diária de 50,00 €, a titulo de indemnização compulsória até à ligação definitiva, e de os responsáveis da A. serem notificados com a cominação de que incorrerão na prática de um crime de desobediência qualificada caso não cumpram o que lhes for ordenado, no prazo que vier a ser fixado pelo Tribunal, e sem prejuízo das medidas adequadas à execução coerciva.

A, no prazo 15 dia após a decisão final que vier a ser proferida nesta acção, proceda à reconstrução da arrecadação que mandou destruir (…), sob pena de, não o fazendo, ter de pagar à R. a quantia diária de 50,00 €, a titulo de indemnização compulsória até à reconstrução definitiva, e de os responsáveis da A. serem notificados com a cominação de que incorrerão na prática de um crime de desobediência qualificada caso não cumpram o que lhes for ordenado, no prazo que vier a ser fixado pelo Tribunal, e sem prejuízo das medidas adequadas à execução coerciva.

A pagar à ré quantia de 5.000,00 € a título de indemnização pelos danos não patrimoniais referidos na contestação.

A liquidar à R. todos os danos que esta já sofreu até hoje e ainda não é possível quantificarem-se até ao dia em que o estabelecimento comercial de snack-bar estiver em funcionamento pleno depois das obras que a autora terá de fazer e acima se discriminaram que são relegados para cálculo de liquidação de execução de sentença.

A A. replicou, refutando a caducidade do contrato de cessão de exploração do estabelecimento, salientando que a mudança de instalações foi feita com o acordo das partes; e impugnando a facticidade respeitante à reconvenção e pedindo a sua improcedência.

Houve tréplica que nada trouxe de novo.

Proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, foi instruído o processo e realizada a audiência, tendo a Exmo. Juiz de Circulo proferido sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…)

Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:

Declaro findo o contrato de concessão de exploração a que se reportam os autos, condenando a R. a entregar à A. o estabelecimento cedido.

Condeno a R. a pagar à A. as rendas devidas desde Julho de 1999 até 30 de Junho de 2004, totalizando o valor de € 6.352,28.

Condeno a R. a pagar à A. os consumos de electricidade facturados de Agosto de 1999 a Abril de 2004, no valor total de € 3.285,45.

Condeno a R. a pagar à A. a quantia mensal de € 113,65 a título de compensação pela ocupação do estabelecimento comercial, desde Julho de 2004 e até à sua efectiva entrega.

Absolvo a R do pedido relativamente ao remanescente que era reclamado pela A., a título de pagamento dos consumos de electricidade.

Julgo improcedente a reconvenção e, em consequência, absolvo a A. do pedido, relativamente à pretensão a esse título deduzida pela ré.

(…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção improcedente e a reconvenção procedente.

Termina a sua alegação com “conclusões”[1] que aqui transcrevemos ipsis verbis – pese embora a sua redundância e extensão – tendo em vista facilitar e tornar perceptíveis as respostas que, em sede de apreciação, daremos:

(…)

1) Conforme resulta de fls., a Autora, aqui Recorrida, intentou a presente acção declarativa, que segue termos sob a forma de processo ordinário, contra a Recorrente, peticionando o que consta dos autos;

2) A Recorrente contestou e apresentou reconvenção, nos termos que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;

3) A Autora veio responder à contestação, refutando que tenha ocorrido a caducidade do contrato de cessão de exploração do estabelecimento, salientando que a mudança de instalações foi feita com o acordo das partes. Contraria a matéria alegada pela Ré e reitera os termos da respectiva pretensão. Conclui defendendo a improcedência da reconvenção;

4) A Recorrente treplicou e alegou o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;

5) Foram seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória;

6) Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento com a observância do formalismo legal;

7) Por Sentença de fls., decidiu o Meritíssimo Juiz o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;

8) Salvo devido respeito, não podemos concordar com esta decisão;

9) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, o contrário resultou;

10) O contrato celebrado em 7 de Janeiro de 1987 com o marido da Recorrente caducou com a celebração do novo contrato promessa de arrendamento celebrado com a Recorrente;

11) E para se chegar a tal conclusão basta analisar os contratos que versam sobre os mesmos imóveis e fins;

12) Não faz qualquer sentido que, entre a Autora e a Ré existissem dois contratos celebrados com o memo objecto;

13) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento pela Recorrente, ficou provado que, foi celebrado verbalmente um contrato promessa de arrendamento entre a Recorrente e os Responsáveis da Autora;

14) Estipulando-se nesse contrato que, a Recorrente aceitaria mudar a sua actividade comercial a partir do final de Dezembro de 1997, do rés-do-chão do imóvel sito na Y... em ..., para o l.º andar do imóvel sito no W... em ..., ocupando duas salas disponíveis, uma para a instalação do café e Snack-bar e atendimento ao público e outra par armazém de produtos e mercadorias;

15) Estipulou-se ainda que a localização seria provisória e que a Recorrente não pagaria à Autora qualquer quantia a título de renda ou a outro qualquer título ou rubrica, pela ocupação destas duas salas, até que, a Autora disponibilizasse instalações no rés-do-chão deste ultimo imóvel;

l6) As partes estipularam que a Autora procederia, no prazo de seis meses, às obras necessárias, de modo a assegurar que à Ré seriam facultadas duas salas distintas e contíguas, uma destinada a café e snack-bar e outra a arrecadação de produtos e mercadorias de apoio ao café snack-bar;

17) Todos os factos alegados pela Recorrente, ao contrário do que entende o Tribunal “a quo” foram demonstrados e provados, bastando analisar os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente;

18) Por esse motivo, não poderia o Tribunal “a quo” ter decidido da forma como decidiu, pois não valorou a prova apresentada pela Recorrente;

19) Limitando-se a dar como provada a matéria alegada pela Autora, tendo em contas as testemunhas por si apresentadas e os documentos juntos, que por sinal foram todos impugnados;

20) Nunca se poderia ter dado como provados os factos 1 a 23 da base instrutória, pois os mesmos não resultaram provados, tal como V.S. Exas., certamente, apreciarão;

21) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nenhum dos factos descritos nos pontos 1 a 23 da BI se lograram provar;

22) No decorrer das diligências de prova, os Autores nada provaram quanto aos factos por si alegados, e não é pelo facto de terem sido juntas facturas, que foram impugnadas pela Recorrente, que provam que as rendas estavam em divida;

23) É necessária prova que sustente tais documentos, prova essa que não foi conseguida pela Autora;

24) Deveria o Tribunal “a quo”, porque tal prova foi conseguida, ter dado como provados os factos alegados pela Recorrente, nomeadamente os que constam nos pontos 24 a 55 e 59 e 60 da BI;

25) Com o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente, provado ficou que, entre a Autora e a Recorrente foi celebrado um contrato promessa de arrendamento que substituía o celebrado com o marido da Recorrente, no qual estipularam que: A Recorrente aceitaria mudar a sua actividade comercial a partir do final de Dezembro de 1997, do rés-do-chão do imóvel sito na Y... em ..., para o 10 andar do imóvel sito no W... em ..., ocupando duas salas disponíveis, uma para a instalação do café e Snack-bar e atendimento ao público e outra par armazém de produtos e mercadorias; A localização seria provisória e que a Recorrente não pagaria à Autora qualquer quantia a título de renda ou a outro qualquer título ou rubrica, pela ocupação destas duas salas, até que, a Autora disponibilizasse instalações no rés-do-chão deste ultimo imóvel; As partes estipularam que a Autora procederia, no prazo de seis meses, às obras necessárias, de modo a assegurar que à Ré seriam facultadas duas salas distintas e contíguas, uma destinada a café e snack-bar e outra a arrecadação de produtos e mercadorias de apoio ao café snack-bar;

26) Conforme depoimentos das testemunhas da Recorrente que se encontram gravados, e que aqui acima parcialmente se transcreveram e aqui se requer a sua apreciação;

27) Ao contrário dos Autores, tal como lhes competia, a Recorrente provou, nomeadamente com o depoimento das testemunhas, que foi celebrado um contrato verbal onde ficou estipulado os factos constantes nos quesitos 25°, 26°, 27°, 28°, 29° da BI;

28) Não poderia o Tribunal “a quo” ter dado como provados os factos n°s 1 a 23°, e 56° a 59° da BI, pois, os mesmos não ficaram provados;

29) Todos os factos alegados pela Recorrente, e basta analisar o depoimento das testemunhas acima transcritos;

30) Também tem a Sentença recorrida ser revogada na parte que julgou improcedente a reconvenção, sendo que, todos os danos emergentes da conduta da Autora ficaram provados;

31) Nomeadamente, os prejuízos causados pelo arrombamento da arrecadação onde se encontrava guardado todo o stock que ficou estragado, bem como o estado de espírito da Recorrente desde que, a Autora lhe arruinou o negócio;

32) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente, prova testemunhal o contrário resultou;

33) E este Venerando Tribunal poderá comprovar tal facto, com o depoimento das testemunhas arroladas pela Ré, aqui Recorrente, que acima se descreveu onde o seu depoimento se encontra gravado, e desde já, aqui se requer a sua apreciação;

34) Existindo uma contradição grave entre os factos dados como provados a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento e a decisão;

35) Na Sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz dá como provados os factos 31, 32, 33, 34 e 35, e a final, decide o Tribunal “a quo”, julgar improcedentes os pedidos reconvencionais;

36) Provados ficaram todos os factos alegados pela Recorrente em sede de reconvenção;

37) Daí não se entender a decisão final da Reconvenção;

38) Pelos fundamentos acima exposto, deverá este Venerando Tribunal revogar a Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes;

39) Também se requer a V. Exa. a reapreciação destes factos, tendo em conta a prova produzida em Sede de Audiência de Julgamento, bem como os documentos juntos nos autos, considerando, desta forma, o peticionado pela Recorrente;

40) Mormente, atendendo à prova dada como provada e pelas razões acima expostas, a acção teria de ser julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo ter sido considerado os pedidos feitos sem sede de reconvenção;

41) O Tribunal “a quo”, limitou-se a dar como provado a matéria alegada pelos Autores, sem perceber a realidade dos factos aqui em causa;

42) Razão pela qual, com a presente motivação, se requeira uma reapreciação de facto sobre aquela matéria, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos: 690-A e 7l2° do CPC;

43) Verifica-se assim, que na Sentença recorrida não se procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;

44) Sofrendo a Sentença recorrida de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.° 1 do artigo 668° do CPC, nulidade que aqui se invoca com todos os efeitos legais;

45) Julgamos, que depois da transcrição exposta em supra, que esse Venerando Tribunal, irá Revogar tal Sentença, alterando a matéria de facto dada como provada, atendendo ao disposto nos artigos 690°-A, e 712° do Código do Processo Civil, nos termos em que se deixaram requeridos;

46) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão da Alegante;

47) Neste caso em concreto, o Meritíssimo Juiz não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, na parte que se recorre;

48) O Meritíssimo Juiz “a quo” na decisão sob recurso viola o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 668° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula;

49) Tanto mais, que o direito da Alegante, é um direito legal e constitucional;

50) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205° da C. R. P., artigo 204° da C.R.P.;

51) Na verdade a decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°;

52) Isto é, o (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

53) O Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só a emitir uma Sentença “economicista”;

54) Deixando o Meritíssimo Juiz de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;

55) A Sentença recorrida viola: artigos 158°, alíneas b), c) e d) do artigo 668° e 712° do Código do Processo Civil; artigos 13°, 20°, 202°, 204°, 205° da C. R. P.

(…)

A. A. não apresentou qualquer contra-alegação.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como questão prévia à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

Até à reforma operada pelos DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância era praticamente imodificável e os poderes do Tribunal da Relação encontravam-se quase circunscritos ao julgamento das questões de direito. Essa realidade alterou-se, entretanto, em virtude da gravação das audiências finais, a requerimento das partes ou por determinação do tribunal (art. 522º-B do CPC), e da ampliação dos poderes da Relação, nesse campo, introduzida por aqueles diplomas legais ao darem nova redacção ao art. 712º do CPC.

Segundo este, em três hipóteses pode a Relação alterar a decisão relativa à matéria de facto proferida pela 1ª instância:

a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida;

b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; razão por que constam do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento.

Todavia, tal só acontecerá – como consta da alínea a) supra transcrita – se tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles (depoimentos prestados) proferida.

Artigo 690.º-A do CPC em que se dispõe expressamente o seguinte:

1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição, do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º.C

Significa isto, como é evidente, que para impugnar a decisão da matéria de facto – proferida com base em depoimentos prestados – não é suficiente indicar quais os quesitos/pontos que, segundo o recorrente, foram incorrectamente julgados.

Além de tal indicação, é absolutamente indispensável, sob pena de rejeição do recurso, que se enumerem e identifiquem os concretos meios probatórios, constantes de registo ou gravação realizada – por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º.C – que impõem decisão diversa sobre os quesitos/pontos em causa.

É justamente isto que a recorrente não faz; ou melhor, só na aparência o faz e não, de modo algum, em substância.

Efectivamente, percorrendo toda a peça recursiva – quer a alegação quer as conclusões, que, como já referiu, não sintetizam, antes reproduzem, o que antes se disse – apenas nos deparamos com fórmulas vagas e genéricas, a propósito da impugnação da decisão de facto.

O Ex.mo Juiz a quo – consta dos autos, mas não é despiciendo referi-lo aqui – após responder aos 60 pontos da base instrutória, despendeu 13 páginas para elencar todos os meios de prova produzidos, para analisar criticamente a prova produzida e para dizer o que foi decisivo na e para a formação da sua convicção

O Ex.mo Juiz começou por resumir o que de mais relevante as pessoas ouvidas em depoimento de parte e as testemunhas disseram; depois, expressou, a propósito das grandes questões de facto, o modo como analisava a prova produzida e construiu a “verdade intra-processual” resultante da prova produzida; finalmente, explicou o que, em face de tal “verdade intra-processual”, irradiava em termos de respostas para os factos constantes da base instrutória.

Enfim, o Exmo. Juiz a quo exteriorizou e expôs, circunstanciadamente, a fundamentação e a sua convicção.

Perante tão densa e consistente fundamentação – ao longo de 13 páginas – limita-se a recorrente, para impugnar a decisão de facto, a dizer:

13) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento pela Recorrente, ficou provado que, foi celebrado verbalmente um contrato promessa de arrendamento entre a Recorrente e os Responsáveis da Autora;

17) Todos os factos alegados pela Recorrente, ao contrário do que entende o Tribunal “a quo” foram demonstrados e provados, bastando analisar os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente;

18) Por esse motivo, não poderia o Tribunal “a quo” ter decidido da forma como decidiu, pois não valorou a prova apresentada pela Recorrente;

19) Limitando-se a dar como provada a matéria alegada pela Autora, tendo em contas as testemunhas por si apresentadas e os documentos juntos, que por sinal foram todos impugnados;

20) Nunca se poderia ter dado como provados os factos 1 a 23 da base instrutória, pois os mesmos não resultaram provados, tal como V.S. Exas., certamente, apreciarão;

21) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nenhum dos factos descritos nos pontos 1 a 23 da BI se lograram provar;

22) No decorrer das diligências de prova, os Autores nada provaram quanto aos factos por si alegados, e não é pelo facto de terem sido juntas facturas, que foram impugnadas pela Recorrente, que provam que as rendas estavam em divida;

23) É necessária prova que sustente tais documentos, prova essa que não foi conseguida pela Autora;

24) Deveria o Tribunal “a quo”, porque tal prova foi conseguida, ter dado como provados os factos alegados pela Recorrente, nomeadamente os que constam nos pontos 24 a 55 e 59 e 60 da BI;

26) Conforme depoimentos das testemunhas da Recorrente que se encontram gravados, e que aqui acima parcialmente se transcreveram e aqui se requer a sua apreciação;

27) Ao contrário dos Autores, tal como lhes competia, a Recorrente provou, nomeadamente com o depoimento das testemunhas, que foi celebrado um contrato verbal onde ficou estipulado os factos constantes nos quesitos 25°, 26°, 27°, 28°, 29° da BI;

28) Não poderia o Tribunal “a quo” ter dado como provados os factos n°s 1 a 23°, e 56° a 59° da BI, pois, os mesmos não ficaram provados;

29) Todos os factos alegados pela Recorrente, e basta analisar o depoimento das testemunhas acima transcritos;

30) Também tem a Sentença recorrida ser revogada na parte que julgou improcedente a reconvenção, sendo que, todos os danos emergentes da conduta da Autora ficaram provados;

32) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente, prova testemunhal o contrário resultou;

33) E este Venerando Tribunal poderá comprovar tal facto, com o depoimento das testemunhas arroladas pela Ré, aqui Recorrente, que acima se descreveu onde o seu depoimento se encontra gravado, e desde já, aqui se requer a sua apreciação;

36) Provados ficaram todos os factos alegados pela Recorrente em sede de reconvenção;

39) Também se requer a V. Exa. a reapreciação destes factos, tendo em conta a prova produzida em Sede de Audiência de Julgamento, bem como os documentos juntos nos autos, considerando, desta forma, o peticionado pela Recorrente;

40) Mormente, atendendo à prova dada como provada e pelas razões acima expostas, a acção teria de ser julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo ter sido considerado os pedidos feitos sem sede de reconvenção;

41) O Tribunal “a quo”, limitou-se a dar como provado a matéria alegada pelos Autores, sem perceber a realidade dos factos aqui em causa;

42) Razão pela qual, com a presente motivação, se requeira uma reapreciação de facto sobre aquela matéria, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos: 690-A e 7l2° do CPC;

43) Verifica-se assim, que na Sentença recorrida não se procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;

Ou seja, perante uma detalhada fundamentação, como é o caso da decisão de facto a quo, limita-se a recorrente à mera indicação de trechos inconcludentes (tendo em vista os pontos da base instrutória colocados em crise) de alguns depoimentos testemunhais; sem indicar e explicitar, minimamente, onde é que tais meios de prova, só por si ou conjugadamente, infirmam e destroem, razoavelmente, os alicerces ou os “raciocínios” de toda a convicção detalhadamente exposta; sem tocar ou mencionar, a propósito dum único ponto da base instrutória, qual a exacta resposta que, em sua opinião, devia ser dada (em vez da que consta da decisão a quo).

A recorrente, verdadeiramente, o que faz é dizer que impugna toda a decisão de facto – os quesitos são 60 e, na conclusão 20, disse que “nunca se poderia ter dado como provados os factos 1 a 23 da base instrutória”, na conclusão 24, disse que “o tribunal “a quo”, porque tal prova foi conseguida, devia ter dado como provados os factos alegados pela Recorrente, nomeadamente os que constam nos pontos 24 a 55 e 59 e 60 da BI” e, na conclusão 28.ª, disse que “não poderia o Tribunal “a quo” ter dado como provados os factos n°s 1 a 23°, e 56° a 59° da BI, pois, os mesmos não ficaram provados, isto é, não deixa de fora um único dos 60 pontos que constituem a base instrutória – o que, em tese e em abstracto, não lhe estaria, só por si, à partida vedado.

Porém – é este o óbice – por aqui se fica a recorrente.

Efectivamente, em vez de explicar ponto por ponto – ou, pelo menos, a propósito das grandes questões de facto em discussão – as concretas razões e motivos da sua censura e divergência com a totalidade da decisão de facto[2], limita-se a recorrente, para fundamentar a sua divergência, a pouco mais do que dizer que “basta analisar os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente” (conclusão 17.ª), que “no decorrer das diligências de prova, a A. nada provou quanto aos factos por si alegados” (conclusão 22.ª), que “deveria o Tribunal “a quo”, porque tal prova foi conseguida, ter dado como provados os factos alegados pela Recorrente” (conclusão 25.ª), que “não poderia o Tribunal “a quo” ter dado como provados os factos n°s 1 a 23°, e 56° a 59° da BI, pois, os mesmos não ficaram provados” (conclusão 28.ª), que “da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, nomeadamente, prova testemunhal (…) este Venerando Tribunal poderá comprovar tal facto, com o depoimento das testemunhas arroladas pela Ré, aqui Recorrente, que acima se descreveu onde o seu depoimento se encontra gravado, e desde já, aqui se requer a sua apreciação (conclusões 32.ª e 33.ª) e que “o Tribunal “a quo”, limitou-se a dar como provado a matéria alegada pelos Autores, sem perceber a realidade dos factos aqui em causa, razão pela qual, com a presente motivação, se requeira uma reapreciação de facto sobre aquela matéria, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos: 690-A e 7l2° do CPC (conclusões 41.ª e 42.ª).

Enfim, a recorrente parece laborar no erro de pensar que basta um pedido global e genérico para meter a Relação a reapreciar a prova – toda a prova – produzida em 1.ª Instância; ou, quando muito, parece laborar no erro de pensar que qualquer coisa serve e é “engodo” bastante para obrigar a Relação a reapreciar a totalidade da prova e a totalidade da decisão de facto produzida em 1.ª Instância.

Não é, porém, assim.

Se fosse assim, se pudesse ser assim, mais valia – era mais simples e menos dispendioso para todos – considerar suficiente um mero pedido do recorrente, feito numa única linha e sem qualquer tipo de fundamentação, a requerer a reapreciação de toda a prova e a produção de nova decisão de facto; e – é onde se pretende chegar – entre esta hipótese “esdrúxula” e o que a recorrente fez, não há, em termos substantivos, grande diferença.

Os referidos art. 712.º e 690.º-A impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.

É sempre assim – isto é, é sempre insuficiente um pedido mais ou menos global e genérico para meter a Relação a reapreciar a prova – mas ainda deve ser mais, em casos como o presente, em que é o próprio conteúdo escrito da fundamentação da decisão de facto, pela sua densidade e detalhe (pelo exteriorização do seu percurso fundamentador), que permite, propicia e “exige” ao recorrente a determinação do exacto momento(s) em que se inicia e situa, em sua opinião, a “incorrecção do julgamento”, para que – em “revisão” e não em “reexame” (como, sem se dar conta, parece ser a ideia que a recorrente tem dos recursos) – a Relação se debruce sobre as concretas e exactas incorrecções apontadas à decisão impugnada.

É justamente isto que, em substância, a peça recursiva não cumpre, razão pelo qual se rejeita e não se procede ao escrutínio da decisão de facto.

Em todo o caso, não sem reservas e dúvidas, vamos abrir uma excepção; respeitante à facticidade, constante da base instrutória, atinente ao alegado, pela recorrente, contrato verbal de promessa de arrendamento, pretensamente celebrado entre si e os responsáveis da A.

A tal propósito, é a recorrente um pouco menos vaga e genérica – revelando, pelo menos, uma concreta divergência com o decidido – razão pela qual – sem prejuízo de tudo o que supra se referiu e de também aqui a impugnação da decisão de facto não estar “bem feita” – se irá conhecer e apreciar a parte da decisão de facto que julgou não provados os pontos da base instrutória que lhe dizem respeito.

Passemos pois a tal (re)apreciação:

E, antecipando a conclusão, a nossa própria convicção, ponderando todos os meios de prova, é, quanto a tal facticidade, idêntica à que presidiu à decisão de facto a quo.

Pelo seguinte:

É pacífico nos autos que a A. procedeu à transferência das respectivas oficinas do centro da cidade de ... para local periférico; tendo a R. permanecido, depois de tal transferência, no local inicial algum tempo mais, após o que “negociou” com a A. a sua instalação no terminal rodoviário.

Foi neste contexto que a R. passou a explorar o café-bar instalado no 1.º andar do terminal; girando toda a questão à volta do que foi combinado e do “título” da R. para estar no local em que está no terminal rodoviário.

O que verbalmente foi combinado, segundo a R., foi que esta ocuparia no terminal rodoviário duas salas, sendo uma para atendimento do público (no 1.º andar) e outra para armazém, a título provisório (até que a A. disponibilizasse instalações no rés-do-chão, no prazo máximo de 6 meses) e gratuito; configurando a R. tal acordo verbal como uma “promessa de arrendamento comercial”.

Ora, a prova dum acordo verbal com tais características factuais – coisa bem diferente da validade e/ou da configuração jurídica do mesmo – foi muito pouco segura, confiável e consistente.

As testemunhas inquiridas não revelaram um conhecimento directo das “negociações” e dos termos exactos de tal acordo verbal; baseando a sua razão de ciência, basicamente, no que tinham ouvido dizer, designadamente à R.

Como observa pertinentemente o Ex.mo Juiz a quo, a versão – ventilada por algumas testemunhas da R. – de “que o conflito com a R. não existiria caso não tivesse ocorrido a morte do Dr. E.... e este se mantivesse administrador da A.” é até infirmada pelo documento de fls. 195 a 197 (junto pela própria R.), comprovadamente assinado por tal administrador da A., documento, datado de 24/05/1999, que não contempla qualquer solução provisória, não “qualifica” o contrato como “arrendamento”, não assume qualquer compromisso quanto à cedência de salas no rés-do-chão, nem a realização de obras e/ou a isenção temporária de rendas ou outras prestações.

Ademais – importa não esquecer no exame crítico das provas – a R. explorava nas oficinas da A., no centro da cidade de ..., um café-bar que lhe estava cedido pela própria A. (dona do estabelecimento de café-bar), sendo que, tal cedência, era pelo prazo renovável de 1 ano; isto é, não tendo a A. qualquer dificuldade em fazer terminar tal vínculo contratual, não se alcança a razão por que iria, em vez de continuar a locar o “mesmo” estabelecimento (embora noutro local), passar a locar apenas o próprio espaço de funcionamento do estabelecimento (como alega a R., no acordo verbal invocado), espaço este correspondente a parte dum prédio, parte essa cuja exacta delimitação a R. não faz sequer.

Enfim, a versão factual da R. teve contra si, além da debilidade da concreta prova produzida, a sua relativa improbabilidade; o ser, num plano de normalidade e à luz das regras da experiência, bastante inverosímil (e, evidentemente, o “inverosímil” requer, para a sua demonstração, mais do que uma prova “débil” e “inconsistente”).

Em face de tudo isto – que a motivação da decisão de facto refere – e das atinentes regras da experiência, o sentido e a avaliação da prova produzida, em termos de análise crítica, não poderia ser outra senão a que enformou as respostas negativas dadas no que diz respeito aos factos atinentes ao alegado contrato verbal de promessa de arrendamento; que assim reflectem e exprimem com fidelidade a prova produzida.

É quanto basta para – em parte (na maior parte) por a recorrente não haver cumprido o seu ónus de alegação/fundamentação, razão pelo qual, nessa parte, o recurso, quanto à matéria de facto, é aqui e agora formalmente rejeitado, em parte (na restante parte, respeitante ao alegado, pela recorrente, contrato verbal de promessa de arrendamento) por a decisão de facto não enfermar de qualquer erro de julgamento – concluir e estabelecer que não há lugar a qualquer alteração à matéria de facto fixada pela 1.ª Instância.


*


III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos apurados – cronologicamente alinhados – com relevo para a apreciação do recurso:

A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial em nome da autora desde 14 de Novembro de 1991 e em nome da C..., E.P., desde 23 de Setembro de 1977, sob o n.º ..., o prédio urbano, sito na Z..., ..., da freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...– alínea A) da especificação.

B) Por escritura pública outorgada no dia 7 de Janeiro de 1987, C..., E.P., declarou conceder a D... que a aceitou a exploração do estabelecimento comercial de café denominado “ X...”, instalado em parte do rés do chão esquerdo do prédio urbano situado na Z..., n.º ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2.277 – alínea B) da especificação.

C) A concessão referida em B) teria início em 1 de Janeiro de 1987 e seria feita pelo prazo de um ano, renovável se não fosse denunciada por qualquer das partes, mediante o pagamento de uma prestação mensal de 3.000$00 (três mil escudos), correspondente a € 14,96 (catorze euros e noventa e seis cêntimos) – alínea C) da especificação.

D) No documento referido em B), mais se consignou que “o concessionário no uso desta concessão, utilizar-se-á de todos os móveis e utensílios que se encontram no aludido estabelecimento, os quais deverão ser restituídos em bom estado de conservação, findo que seja o presente contrato, ficando o concessionário obrigado a substituir os que se perderem ou inutilizarem” – alínea D) da especificação.

E) O estabelecimento mencionado em B) encontrava-se instalado nas antigas oficinas da A..., na cidade de ... – resposta ao quesito 3.º.

F) O comércio deste estabelecimento era feito preferencialmente com os próprios funcionários da A..., S.A., que frequentavam as oficinas – resposta ao quesito 4.º.

G) Por sentença datada de 15 de Abril de 1994, foi decretado o divórcio entre a ré e D... e, desde essa data, a concessão referida em B) passou a ser detida pela ré – alínea F) da especificação.

H) A partir da data referida em G) – 15 de Abril de 1994 – as facturas da exploração do estabelecimento mencionado em B) passaram a ser emitidas em nome da ré, bem como as facturas dos consumos de energia eléctrica – respostas aos quesitos 1.º e 2.º.

I) A autora decidiu mudar de instalações oficinais, deixando o centro da cidade de ... e instalando-se na freguesia de ..., concelho de ..., concretamente no lugar das ..., ... – resposta ao quesito 5.º.

J) Na sequência do facto referido em I), a autora empreendeu esforços no sentido de colocar a ré nas suas instalações referidas em E) – resposta ao quesito 6.º.

K) Actualmente, a ré ocupa umas instalações da autora sitas no 1.º andar do Terminal Rodoviário de ..., sito na Z..., tendo igualmente entrada pelo W... – alínea E) da especificação.

L) A ocupação referida em K) ocorre pelo menos desde 1 de Abril de 1999 – respostas aos quesitos 7.º e 24.º.

M) A ré deixou de efectuar em Julho de 1999, o pagamento da renda, bem como deixou de pagar os consumos de electricidade que lhe foram facturados – respostas aos quesitos 8.º e 9.º.

N) No decurso de todos estes anos e até à presente data, foi a ré por diversas vezes instada ao pagamento das rendas e consumos de electricidade cuja facturação lhe foi atempadamente enviada, encontrando-se por pagar toda a facturação de rendas desde Julho de 1999 até Julho de 2004, data em que a ré deixou de proceder à facturação das rendas uma vez que não obtinha o respectivo pagamento – respostas aos quesitos 10.º e 11.º.

O) Do mês de Julho de 1999 até Maio de 2000 a renda mensal devida pela concessão era de € 102,13 (cento e dois euros e treze cêntimos) – resposta ao quesito 12.º.

P) Do mês Junho de 2000 até Maio de 2001 a renda mensal devida pela concessão era de € 105,05 (cento e cinco euros e cinco cêntimos) – resposta ao quesito 13.º.

Q) Do mês de Junho de 2001 até Junho de 2002 a renda mensal devida pela concessão era de € 107,38 (cento e sete euros e trinta e oito cêntimos) – resposta ao quesito 14.º.

R) Do mês de Julho de 2002 até Junho de 2003 a renda devida pela concessão era de € 109,22 (cento e nove euros e vinte e dois cêntimos) – resposta ao quesito 15.º.

S) Do mês de Julho de 2003 até Junho de 2004 a renda mensal da concessão era de € 113,65 (cento e treze euros e sessenta e cinco cêntimos) – resposta ao quesito 16.º.

T) A ré recebeu a facturação referida em N), nada tendo reclamado – resposta ao quesito 17.º.

U) A autora enviou sempre à ré os avisos de actualização da renda devida pela concessão – resposta ao quesito 18.º.

V) De Agosto de 1999 a Abril de 2004, a ré despendeu electricidade no montante de € 3.285,45 (três mil duzentos e oitenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) – resposta ao quesito 21.º.

X) Em 3 de Maio de 2004, a autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção, na qual denunciava o contrato de concessão de exploração, terminando o mesmo em 31 de Dezembro desse ano, referindo-se expressamente não haver intenção de proceder à renovação do mesmo – resposta ao quesito 22.º.

Z) A carta referida em X) foi recebida pela ré, nada dizendo ou reclamando – resposta ao quesito 23.º.

AA) A autora suspendeu o fornecimento de energia eléctrica à ré, em 7 de Outubro de 2004 – alínea H) da especificação.

BB) O facto referido em AA) – suspensão do fornecimento de energia eléctrica – foi consequência do não pagamento, por parte da ré, das facturas relativas ao fornecimento de energia eléctrica – resposta ao quesito 19.º.

CC) A autora comprou entretanto bens necessários para a sua actividade comercial – resposta ao quesito 35.º.

DD) Em consequência do facto referido em AA), a ré não pode ter em funcionamento o frigorífico, o balcão frigorífico, e a máquina de café – resposta ao quesito 39.º.

EE) Para a ligação da energia eléctrica é apenas necessário ligar-se o quadro que existe numa dependência contígua àquela onde se encontra instalado o estabelecimento comercial pertencente à ré – resposta ao quesito 40.º.

FF) A ré guardava produtos e mercadorias num espaço do terminal rodoviário que utilizava como arrecadação, nas proximidades do café-bar – resposta ao quesito 41.º.

GG) Em 2005, funcionários da autora rebentaram com a porta desse espaço usado como arrecadação, entraram e deitaram as paredes abaixo, destruindo-a totalmente e retirando grades de água, grades de cerveja, grades de sumos de laranja, ananás e outros, caixa de café, bolos, caixas de pastilhas, caixas de amendoins, caixas de bolos secos que ali se encontravam para uma placa, onde os cobriram com plásticos e que se destinavam à venda no café snack-bar – respostas aos quesitos 46.º, 47.º e 48.º.

HH) A ré sentiu-se envergonhada pelo corte da electricidade e pela destruição do espaço de arrecadação – resposta ao quesito 53.º.

II) A ré, não mais irá esquecer durante a sua vida, os factos referidos em AA) e GG) – resposta ao quesito 54.º.

JJ) A ré tem como meio de sobrevivência o rendimento que vem retirando da exploração do café snack-bar – resposta ao quesito 55.º.

KK) A transferência das oficinas e a mudança por parte da ré para as instalações referidas em K) permitiu à autora ceder as instalações referidas em B), para aí funcionar um supermercado – resposta ao quesito 60.º.

LL) Encontra-se junto por iniciativa da R. – fls. 195 a 197 – um documento particular, assinado apenas pela autora, com data de 24 de Maio de 1999, intitulado “Contrato Promessa de Cessão de Exploração”, por referência ao estabelecimento café-bar, propriedade da A..., S.A., instalado no 1.º andar da garagem sita no W... em ..., contanto do mesmo o seguinte:

PRIMEIRO:

UM – Este contrato teve o seu inicio em 1 de Abril de 1999, durará o prazo de um ano, pelo que terminará em 31 de Março de 2000, renovável por períodos de um ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de sessenta dias do termo do contrato ou da prorrogação que estiver em curso, por carta registada com aviso de recepção.

DOIS – Terminado o contrato ou qualquer das suas prorrogações a cedente poderá tomar imediatamente posse do estabelecimento, não podendo a cessionária exigir ou reclamar qualquer indemnização ou quantia a que título for.

SEGUNDO:

Por esta cessão paga a cessionária a importância de Esc.: 17.500$00 mensais, durante a vigência deste contrato. Para qualquer das suas prorrogações será acordado um novo valor. O pagamento será efectuado nas instalações do primeiro outorgante, em ..., ou noutro local que a cedente indique, nos primeiros oito dias do mês a que respeitar.

TERCEIRO:

Os utensílios afectos ao funcionamento do estabelecimento e que constituem o seu recheio, constam de um inventário elaborado em duplicado, ficando um dos exemplares em poder da concedente e outro em poder da concessionária.

QUARTO:

Durante a vigência deste contrato, a segundo outorgante, utilizar-se-á de tudo quanto for inventariado, obrigando-se no fim do contrato a substituir o que faltar ou pagar em dinheiro, pelo seu valor real todas as faltas que se verificarem.

QUINTO:

A concessionária findo o contrato e quando restituir o estabelecimento à concedente, deverá entregá-lo em perfeito estado de asseio e limpeza, procedendo a reparações de quaisquer danos que se verificarem.

SEIS:

Todos os encargos derivados do funcionamento e exploração do referido estabelecimento, designadamente o pagamento de quaisquer contribuições, impostos e taxas serão de exclusiva responsabilidade da concessionária, a partir do início deste contrato

SÉTIMO:

A concessionária não poderá efectuar quaisquer obras no local onde se encontra instalado o estabelecimento, sem consentimento dado por escrito da concedente, devendo no fim do contrato devolver todo o recheio em bom estado funcional. – alínea G) da especificação.


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IV – Fundamentação de Direito

É vulgar e apropriado começar com a “tabelar” observação do objecto e âmbito do recurso estar delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC).

E, em casos como o presente, em que se pretendia uma “copérnica” alteração da decisão de facto, é comum dizer-se que a apreciação e decisão do recurso se circunscreve, no essencial, em termos jurídicos – pressuposta a alteração à decisão de facto – à retirada das adequadas consequências jurídicas respeitantes aos novos factos; pelo que, não havendo novos factos, uma vez que o recurso sobre a decisão de facto é totalmente infundado, é apropriado dizer-se que não há quaisquer consequências jurídicas a retirar, que nada há a acrescentar, em termos estritamente jurídicos – de aplicação do direito aos factos provados – ao que foi exposto na decisão impugnada.

É, em grande medida, o que sucede no presente recurso.

Ainda assim, justificam-se as duas seguintes notas e observações:

Uma 1.ª, a propósito das questões, estritamente de direito (ou melhor, que não estão inseridas na impugnação da decisão de facto), explicitamente suscitadas:

Percorrendo mais uma vez a peça recursiva – maxime, as conclusões – deparamo-nos com a invocação de várias nulidades de sentença e com a invocação da violação de preceitos constitucionais respeitantes ao acesso ao direito e ao dever de fundamentação das decisões judiciais.

É de todo evidente que a recorrente não tem qualquer razão em tais invocações.

Mas, mais do que a falta de razão, o que sobressai – para quem não seja leigo e estiver atento – é o despropósito de tais invocações, que nada têm a ver com o caso dos autos e que não são mais que uma fórmula gasta, estafada, sem qualquer utilidade e oca de substância jurídica.

De tal maneira que, para estas mesma invocações, sempre rigorosamente iguais – ainda que o caso as repudie – também já cunhámos a seguinte resposta “standard”:

A alegação da Apelante termina com esta a suscitar a nulidade da sentença por violação das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, sem que, todavia, explique, ainda que sucintamente, onde vislumbra tais causas de nulidade.

Segundo a referida alínea b), constitui causa de nulidade da sentença a falta de fundamentação, porém, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Segundo a referida alínea c), constitui causa de nulidade da sentença os fundamentos estarem em oposição com a decisão, porém, quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.

Segundo a referida alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 660.º do CPC.

Explicado o sentido de tais causas de nulidade de sentença, é de todo evidente que só por manifesto lapso se pode invocar o vício de nulidade em relação a uma sentença em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em perfeita harmonia com o exposto e em que se conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas.

Improcedem pois as nulidades de sentença invocadas; sentença que cumpre os incisos constitucionais respeitantes à fundamentação das decisões judiciais e que foi produzida no termo dum processo leal e fair, em que a R/apelante exerceu, de forma efectiva, os seus direitos, podendo invocar todos os que entendia assistir-lhe e contraditando todos os exercidos pela parte contrária.

Uma 2.ª, a propósito do “fundo/mérito” da acção e da reconvenção:

Para dizer – sem prejuízo de se poder sustentar, admite-se, que não foi suscitada, na peça recursiva, nenhuma concreta questão sobre o “fundo/mérito” e que por isso estamos a extravasar do objecto do recurso – que, em termos estritamente jurídicos, de aplicação do direito aos factos provados, se corrobora o essencial do que foi exposto – o percurso e o discurso fundamentador – na decisão impugnada, para que se remete (ao abrigo do disposto no art. 713.º, n.º 5, CPC), dizendo-se, tão só em síntese, o seguinte:

Resulta claramente da escritura pública referida em B) que, em 07/01/1987, a A. e marido da R. celebraram um contrato de locação do estabelecimento comercial que na escritura identificam; contrato também conhecido e designado por cessão de exploração do estabelecimento ou por concessão de exploração do estabelecimento (como, alias, é identificado no acto notarial em causa).

Contrato que, como quer que o denominemos, consiste na negociação do estabelecimento comercial traduzida na transferência temporária do seu gozo ou exploração; transferência que, quando é onerosa, quando implica uma obrigação periódica de pagamento de retribuição, tipo renda ou aluguer, “encaixa” melhor com a qualificação, mais estrita, de contrato de locação do estabelecimento[3][4].

Contrato este que, à época, em 07/01/1987, exigia, para ser formalmente válido, escritura pública (cfr. art. 89.º, k), do C. Notariado de 1967), que, como já referimos, foi celebrada.

E se nada obstava à validade formal de tal contrato de locação de estabelecimento, também nada foi provado ou sequer alegado que pudesse colocar em crise a sua validade substantiva.

Pelo seguinte:

Tal contrato não era nem é um contrato típico, com um regime genérico resultante da lei; porém, pela negativa, a lei não deixava – em 1987 – de estabelecer algumas limitações à liberdade contratual, tendo em vista impedir que o recurso à locação/cessão de exploração pudesse representar (em fraude à lei) o afastamento do regime fortemente restritivo/vinculístico, então vigente, para o arrendamento[5].

Daí que a lei – primeiro no art. 1085.º do C. Civil e depois no art. 111.º do RAU – tenha procurado delimitar a cessão de exploração, pelo prisma da exclusão do regime do arrendamento, dizendo que “não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”; acrescentando que “a falta de algum dos elementos estruturais do estabelecimento, aquando da cessão, determina a conversão legal desta em arrendamento”.

Significava isto, a contrario, que, para haver um contrato de locação/cessão de estabelecimento, tinha de poder dizer-se que, como objecto do negócio, estava um estabelecimento comercial; ou, ao menos, um “mínimo de estabelecimento”, um quid que, embora desfalcado de algum ou alguns dos seus elementos não essenciais – materialmente incompleto, mas juridicamente completo – permitira a caracterização do contrato como de locação/cessão de estabelecimento.

Enfim, embora um estabelecimento comercial – que é composto, via de regra, por coisas corpóreas, coisas incorpóreas, aviamento e clientela – tenha como ponto mais significativo do seu regime jurídico a possibilidade da sua negociação unitária[6], não estava nem está vedado que as partes, ao abrigo da sua autonomia privada, possam retirar do estabelecimento, tendo em vista a sua negociação, elementos que dele fazem parte.

Desde que o conjunto unitariamente negociado e cedido[7] não fique de tal modo descaracterizado que já não possa/deva considerar-se, o que veio a ser cedido, como um “estabelecimento” em condições de funcionar.

Daí que a locação dum estabelecimento – a transferência da exploração dum estabelecimento comercial – não tenha que ser necessariamente acompanhada da transferência do gozo do prédio em que aquele se encontra instalado[8].

É justamente por tudo isto – por não ter sido minimamente posto em causa o objecto do negócio (um estabelecimento comercial) celebrado em 07/01/1987 – que afirmámos ser o contrato de locação do estabelecimento, em face do que foi provado e havia sido alegado, de validade substantiva irrepreensível.

E se isto deve ser dito da fase estática e estipulativa do negócio, o mesmo tem que ser dito, em face do que se provou, de toda a fase dinâmica e executiva do negócio.

Negócio que, em 1994, “passou” a ter do lado passivo a R./apelante.

É certo que não sabemos o regime de bens da R. e tão pouco, caso o regime fosse o duma comunhão[9], se encontra junto o documento de partilha que “passou” a locação do estabelecimento apenas para a R., porém, em face da posição assumida pelas partes – maxime, da posição da A. – e do tempo entretanto decorrido, há que desconsiderar qualquer invalidade formal que porventura haja viciado tal partilha (parcial).

Continuando a apreciar e integrar juridicamente os factos provados, foi pois ainda no âmbito e em execução da locação de estabelecimento, de 07/01/1987, que a R. passou a estar instalada no 1.º andar do Terminal Rodoviário de ..., sito na Z....

Se pode haver um negócio unitário (de locação ou trespasse) dum estabelecimento sem que no mesmo se inclua a transferência/transmissão do gozo do prédio em que aquele se encontra instalado, também, por idêntica razão, não vemos obstáculo a que continuemos no mesmo negócio de locação se o estabelecimento que inicialmente funcionava num prédio do locador passar a funcionar e a estar instalado noutro prédio do locador[10].

Foi esta a solução jurídica da sentença recorrida e é, a nosso ver, a que melhor se ajusta a todos os factos; ao contexto em que o estabelecimento funcionava, às razões e circunstâncias da sua mudança de instalações e ao tempo de funcionamento decorrido após tal mudança.

Efectivamente, o estabelecimento funcionava nas instalações oficinais da A. e tendo estas mudado do centro da cidade de ... para a periferia da cidade de ..., produziu-se, em virtude de tal mudança, uma alteração no local de funcionamento do estabelecimento, cedido em locação à R., locação do estabelecimento que, no novo local, se manteve juridicamente incólume, válida e vigente.

Isto dito, daqui irradiam as respostas – com que se concorda – que a sentença recorrida deu quer à acção quer à reconvenção.

Por um lado:

O direito da A/apelada receber e a obrigação da R/apelante pagar as rendas mensais devidas – e de que se provou serem actualizadas todos os anos – pela locação do estabelecimento.

O direito da A/apelada denunciar para o fim de cada ano civil (termo de cada renovação) o contrato de locação do estabelecimento, o que fez, respeitando o prazo de pré-aviso combinado, para o final do ano de 2004 (como se vê das alíneas X) e Z) dos factos provados deste acórdão).

O direito da A/apelada, tendo extinguido o contrato, exigir, findo o contrato, a restituição da coisa composta ou universalidade em que o estabelecimento se traduz (art. 1038.º, i), do C. Civil).

O direito da A/apelada receber e a obrigação da R/apelante pagar os consumos de electricidade facturados e provados; não tanto por tal resultar directamente da cláusula 5.ª do contrato, mas, fundamentalmente, por resultar da economia do contrato de locação que a renda mensal não incluía o consumo de electricidade (daí uma cláusula como a 5.ª), sendo certo e fora de toda a dúvida que a electricidade consumida pelo estabelecimento (no terminal rodoviário de ...) era disponibilizada pela A. (como cristalinamente resulta da alegação da R. e dos pedidos reconvencionais que esta alicerçou na obrigação, atribuída à A., de lhe fornecer a electricidade e no facto de, em face de tal obrigação, lhe ter cortado “ilicitamente” a electricidade).

O direito da A/apelada cortar a electricidade à R/apelante, assim exercendo – 5 anos volvidos sem receber quaisquer rendas e consumos de electricidade e quando faltavam menos de 3 meses para o termo do contrato – sem excesso, sem abuso de direito, a excepção de não cumprimento que o art. 428.º do C. Civil lhe facultava.

O direito da A/apelada, findo o contrato e não tendo a coisa composta (estabelecimento) sido restituída, a exigir a renda em dobro (art. 1045.º, n.º 2, do C. Civil).

Por outro lado:

A negação de todos os direitos e pretensões formuladas pela R./reconvinte, que pressupunham a extinção, em 1997, por caducidade, dum contrato que só cessou no final de 2004; a existência de um “contrato-promessa de arrendamento” que não ficou demonstrado; e a prova dum conjunto de factos, todos eles, no essencial, não demonstrados, razão por que, à míngua de qualquer prova[11] (342.º, n.º 1, do C. Civil), a improcedência total das pretensões reconvencionais era apodíctica.

Em conclusão, improcede tudo o que a apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.


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V - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


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Barateiro Martins (Relator)
Arlindo Oliveira
Emídio Santos

[1] Ao arrepio do disposto no art. 690.º, n.º 1, do CPC em que se diz que o recorrente “ (…) concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Deficiência que, é verdade, dá lugar a convite a aperfeiçoamento (cfr. art. 690.º, n.º 4, do CPC), mas que não conduzindo, em boa verdade, a uma imediata e efectiva sanção processual – razão pela qual já “desistimos” do convite ao aperfeiçoamento – leva a que, hoje em dia, rara seja a alegação cujas conclusões não se apresentem como um ostensivo exercício de desdém pela referida “forma sintética” imposta pela lei.

[2] Censura em que a recorrente, no seu ininteligível afã de tudo impugnar, comete o paradoxo, por não usar de qualquer rigor ou critério, de incluir quer os pontos/factos por si alegados que até ficaram provados (de que são exemplos os pontos 39.º, 40.º, 48.º e 54.º) quer os pontos/factos alegados pela A. que já ficaram não provados (de que são exemplos os pontos 20.º, 56º, 57.º e 58.º).

[3] A cessão de exploração inclui a cedência temporária a qualquer título, sendo a locação do estabelecimento uma cessão onerosa.

[4] Daí que a nossa lei, na passagem do RAU para o NRAU, tenha evoluído da epigrafe “Cessão de Exploração do Estabelecimento” (do art. 111.º do RAU) para a epígrafe “Locação de Estabelecimento” (do actual art. 1109.º do C. Civil).

[5] Actualmente, já não é tanto assim, razão do conteúdo bem diverso, em relação ao 111.º do RAU, do actual art. 1109.º do C. Civil, em que apenas se dispõe que “a transferência temporária e onerosa do gozo dum prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção – segundo a qual as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação são livremente estabelecidas pelas partes.

[6] Ao contrário da regra que faz funcionar, perante um conjunto de situações jurídicas distintas, a regra da especialidade, isto é, a exigência, para cada uma das transmissões, dum negócio jurídico autónomo.
[7] Ou transmitido, no caso do trespasse.

[8] O estabelecimento não é – usando expressões do Prof. Orlando de Carvalho, in RLJ ano 114.º, pág. 360 e ss. e 115.º, pág. 9 e ss. – um “epifenómeno do prédio”, “irradiação do prédio”, “uma como que manifestação do seu próprio valor de uso”.

[9] Esquadrinhando os autos, retiramos da sentença de divórcio, junta a fls. 28/29, que o casamento era do ano de 1974, pelo que é de admitir que a locação do estabelecimento fosse um bem comum do casal.

[10] Repare-se que o “novo” prédio também dá para a mesma Avenida Heróis do Ultramar (onde ficava o “primitivo” prédio, das instalações oficinais da A.) e que, inclusivamente, também nele funcionam serviços da A., pelo que, em termos de aviamento e clientela, tudo sugere que continuemos no mesmo estabelecimento, razão pela qual, em face da relação directa e imediata que ocorreu entre a saída dum “local” e a ida para o outro “local”, nada há que infirme a referida conclusão sobre continuarmos no mesmo e inicial negócio de locação de estabelecimento. Nem infirma tal conclusão o documento de fls. 195 a 197 – só assinado pela A. – que, verdadeiramente, só corrobora a mudança de local do estabelecimento e actualiza a “renda” mensal. Pode, certamente, colocar-se a questão de saber se a documentação da mudança de local é uma formalidade ad probationem ou ad substantiam, questão a que, como resulta da posição que tomámos, damos a 1.ª resposta: formalidade ad probationem.

[11] Sendo certo, refere-se, que os direitos acabados de conferir à A/apelada, só por si, excluíam a viabilidade da generalidade das pretensões da R/reconvinte; como é o caso das pretensões indemnizatórias que assentavam numa lógica de ilicitude que se provou ser totalmente inexistente.