Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3113/03.3TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
NOTIFICAÇÃO
EXECUTADO
NULIDADE
ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 03/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 201º, 202º, 203º, 205º E 886º-A, Nº 4 DO CPC
Sumário: I – De acordo com o artº 201º, nº 1 do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (só) produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

II – Concluindo-se, por força desta disposição legal, que um acto tem de ser anulado, ter-se-á, de acordo com o que determina o nº 2 do citado preceito, que anular os termos subsequentes que desse acto dependam absolutamente.

III – A falta de notificação ao executado e seu mandatário do despacho judicial – artº 886º-A, nº 4 do CPC) que fixa a data, hora e local designados para a abertura de propostas em carta fechada e que fixa o valor base dos bens a vender (em acção executiva) consubstancia nulidade, nos termos do disposto no artº 201º do CPC.

IV – Perante uma omissão que integre a nulidade atípica prevista no artº 201º do CPC deve o interessado na prática do acto omitido, sob pena de aquela se vir sanar no decêndio posterior à data em que dela teve conhecimento, reclamar dessa nulidade (artºs 202º, 2ª parte; 203º; 205º, nº 1; e 153º, nº 1, do CPC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1 - Nos autos de acção executiva, para pagamento de quantia certa, instaurados por A... e a correr termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria contra B..., veio o executado, por requerimento de 19/12/2008, pronunciar-se sobe a modalidade da venda do prédio misto penhorado e indicar o valor base para a venda.

2 - O executado, por despacho de 15/01/2009, foi notificado de que a venda do prédio penhorado seria efectuada por propostas em carta fechada e que tinha sido ordenada a avaliação do imóvel, sendo notificado dessa avaliação em 12/02/2009.

3 - Por despacho de 25/03/2009, foi designado para abertura das propostas o dia 13/07/2009, estabelecendo-se que o valor a anunciar seria 70% do valor base de € 81.260,00;

4 – Foi dada publicidade à determinada abertura das propostas, por anúncios publicados no “O Popular de ...” de 17/04/2009 e de 01/05/2009, bem como por editais de onde constou, além do mais, o dia e hora designados para tal abertura, bem como o valor pelo qual havia sido avaliado o imóvel e o “valor a anunciar” (56.882, 00 €);

5 – No acto de abertura das propostas, em que não esteve presente o executado, nem a sua Exma. Mandatária, verificando-se existir apenas uma proposta de 57.310,00 €, oferecida por C...., considerou-se a mesma aceite (auto de 13/07/2000 – refeª nº 488222) e determinou-se a notificação do proponente, nos termos e para os efeitos do art.º 897º do CPC;

6 - Por despacho de 06/10/2009 do 4º Juízo Civil de Leiria, verificando-se encontrar-se depositado o preço e pago o IMI, adjudicou-se o prédio a C..., ordenou-se que se emitisse e entregasse o título de transmissão do prédio ao adjudicatário e determinou-se, além do mais, o cancelamento dos registos de hipoteca e penhora.

7 - Nem o executado B..., nem a Exma. Advogada, sua mandatária, foram notificados do despacho que designou dia e hora para a abertura das propostas;

8 - A Mandatária do executado, em 30/10/2009, foi notificada do referido despacho proferido em 06/10/2009, de onde constava, entre o mais, o seguinte:

“Encontrando-se depositado o preço e pago IMI devido, adjudico o prédio misto, composto de casa de habitação, arrumação e currais, com a superfície coberta de 34m2, dependências com 15m2 e terra de semeadura com oliveiras, árvores de fruto e videiras dispersas, com a área de 4824m2, sito no ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., a folhas ... do livro B ...e inscrito na matriz sob os artigos urbanos ... e rústico ... a C..., residente na ..., ..., ....


*

Emita e entregue ao adjudicatário título da transmissão do prédio acima identificado, com as menções constantes do nº2 do art.900º do Código de Processo Civil.

Ao abrigo do disposto no art.888º CPC, determino o cancelamento dos registos constantes a cotas C (Ap. 1954/02/22 )– hipoteca voluntária e “F – Ap. 6 de 2006/07/06 penhora -, relativo ao prédio acima identificado, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ....

Entregue ao proponente a certidão do presente despacho.».

9 – Através de requerimento de 30/06/2010, subscrito pela sua ilustre Mandatária, veio o executado B..., referindo que só no dia 04/06/2010 teve conhecimento de que o prédio penhorado teria sido vendido em 13/07/2009, requerer que fosse declarada nula/anulada tal venda e que fosse determinado o cancelamento do registo a favor de C..., bem assim como todos os que tivessem sido efectuados ou viessem a sê-lo “com base em tal negócio”.

Para sustentar o requerido, alegou, em síntese, que, por não ter sido notificado da data da realização da abertura das propostas para venda do prédio, foi preterida uma formalidade essencial que a lei prescreve e cuja omissão influiu no exame e decisão da causa, dado que não teve oportunidade de estar presente na diligência e não teve hipótese, designadamente, de ponderar uma eventual liquidação da dívida antes do bem penhorado ser vendido.

10 - Por despacho de 24/09/2010 (Ref. 5531712), indeferiu-se a reclamada nulidade, não se declarando nula/ anulada a venda efectuada e considerando-se prejudicado o pedido de cancelamento do registo.

11 - Desse despacho foi interposto recurso que veio a ser admitido como agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.

B) – O Recorrente findou a alegação desse Agravo formulando as seguintes conclusões:

[…]

Terminou pugnando pela procedência do recurso e pela substituição do despacho impugnado por decisão que declare nula/anulada a venda do prédio misto em causa.

A 1ª Instância sustentou o despacho agravado.

II - Em face do disposto nos art.ºs 684º, nºs. 3 e 4, 690º, nº 1 do CPC [1] (aplicáveis ao agravo, “ex vi” do art.º 749º do mesmo Código), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

E a questão a solucionar consiste em saber se deve ser atendida a nulidade reclamada e, por via disso, se deve anular a venda do prédio misto em causa.

III - A) O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I –A) supra.

B) No requerimento que foi indeferido pelo despacho impugnado, invocou o executado o disposto nos art.ºs 909°, n.° 1, al. c) e 201° do C.P.C, bem como, para sustentar a tempestividade dessa invocação, o preceituado no art.º 286° do Código Civil.

A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, para indeferir esse requerimento em que se pedia a declaração de nulidade/anulação da venda, entendeu, em síntese, que, muito embora a falta de notificação ao executado, bem como à sua Mandatária, do dia designado para a abertura das propostas - dado que acarretara a impossibilidade de exercício dos direitos que ao executado assistiam -, consubstanciasse nulidade processual, esta teria de se entender como sanada, uma vez que, tendo sido efectuada, na pessoa daquela ilustre Mandatária, notificação (em 30/10/2009) posterior à venda, comunicando-lhe a aceitação da proposta apresentada por C... e a adjudicação do prédio a este, tal nulidade fora então conhecida e não fora reclamada no decêndio posterior a esse conhecimento.

Vejamos.

Além dos casos previstos no artigo 908º e nas restantes alíneas do nº1 do artº 909º do CPC - que contemplam situações que não estão em causa aqui -, a venda fica sem efeito, “ex vi” do artº 909º, nº 1, c), do CPC, se for anulado o acto da venda.

Ora, de acordo com o art.º 201º, nº 1, do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, (só) produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Concluindo-se, por força desta disposição legal, que um acto tem de ser anulado, ter-se-á, de acordo com o que determina o nº 2 do artigo, que anular os termos subsequentes que daquele acto dependam absolutamente.

A arguição de nulidade que nos ocupa tem por base a omissão da notificação ao executado, bem assim como à sua ilustre mandatária, do dia designado para a abertura das propostas, omissão essa que obstou a que os mesmos estivessem presentes e a que, consequentemente, o executado pudesse exercer os direitos que a lei lhe confere (v.g. artºs. 893°, nº 1 e 894, nº 1, do CPC).

A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, referindo que cumpria ter sido notificado ao executado e à respectiva mandatária - o que se havia omitido -, o dia, hora e local da abertura das propostas, e, evidenciando que o executado tinha o direito de estar presente em tal acto e de ser ouvido sobre a aceitação das propostas, concluiu que a falta dessa notificação consubstanciara nulidade, nos termos do disposto no art. 201º do C.P.C.

Não nos merece discordância esta conclusão, salientando-se que vai nesse sentido, também, focando a falta de notificação do despacho ordenatório da venda, o Sr. Cons. Amâncio Ferreira[3].

Efectivamente, devendo a decisão que designa o dia e a hora para a abertura das propostas e que fixa o valor base dos bens a vender, ser notificada ao executado (art.º886º-A, nº 4, do CPC), este, na posse dos elementos assim transmitidos pode procurar obter, até ao dia aprazado para essa abertura, proponente que ofereça o preço que, acima do valor a anunciar, mais lhe convenha, podendo, ainda, para obviar à venda nas condições fixadas, procurar liquidar, até esse dia, o montante em débito.

Daí que se entenda que a falta dessa notificação integra a falta de observância de uma formalidade que a lei prescreve, consubstanciando, dado que é susceptível de influenciar a decisão da causa – “rectius”, a venda - nulidade secundária submetida à regra geral do art. 201º do CPC.

Não sendo obrigatória a presença do executado ou do seu advogado ao acto de abertura das propostas, que, assim, se pode realizar na ausência destes, esse acto pode, pois, vir a ser anulado, bem como o processado subsequente, sendo, consequentemente, anulada a venda, se a estes não foi notificado o despacho que designou dia para abertura das propostas, desde que essa omissão seja arguida tempestivamente. Anulada a venda com fundamento no disposto no art.º 909º, nº 1, c), do CPC, tem o executado, a contar da data da decisão definitiva que decrete tal anulação, o prazo de 30 dias para requerer a restituição dos bens (nº 3 do art.º 909º).

Não se tratando, no caso, de vício substantivo que gere a anulabilidade ou nulidade do negócio jurídico, não vale, pois, o apelo do Recorrente ao disposto nos art.º 285º e 286º do CC, não sendo, a anulação escorada no disposto no artº 909º, nº 1, c), do CPC, nem de conhecimento oficioso, nem invocável a todo o tempo.

Perante uma omissão que repute integrar a nulidade atípica prevista no art.º 201º do CPC, deve o interessado na prática do acto omitido, sob pena de aquela se vir a sanar no decêndio posterior à data em que dela teve conhecimento, reclamar dessa nulidade (art.ºs 202º, 2.ª parte, 203º, 205º, n.º 1 e 153º, n.º 1, todos do CPC).

Salvo o devido respeito, o vício procedimental, quer respeite ao próprio acto da venda, quer a acto anterior a esta e que foi indevidamente omitido ou praticado, que, com suporte no disposto no artº 201º do CPC, seja susceptível de produzir à anulação da venda, nos termos do art.º 909º, nº 1, c), está sujeito à mencionada sanação.

E foi essa sanação que, constatada pela Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, levou a que, com acerto, adiante-se, se indeferisse o requerimento do executado.

Não há dúvida de que, com a notificação que lhe foi efectuada em 30/10/2009, do despacho proferido em 06/10/2009, ficou a ilustre Mandatária do executado a conhecer que a abertura das propostas havia sido efectuada sem que tivesse sido notificada do despacho que designou dia para tal e que fixou o valor base da venda, pelo que, a partir dessa ocasião começou a correr prazo para reclamar dessa omissão.

Podia, também, logo a partir desse momento, face ao acto consumado da venda, confirmar junto do seu mandante se ele havia tido conhecimento prévio do dia designado para abertura das propostas e do valor base fixado, o que lhe daria a conhecer – como sucederia, também, assim que consultasse o processo - que o seu constituinte não tinha estado presente no acto de abertura das propostas, nem havia sido notificado do despacho de que designara o dia para esse acto e fixado o valor base da venda. Assim, também desde essa ocasião, estava a ilustre mandatária em condições de poder conhecer a nulidade que integrava a omissão da referida notificação ao seu constituinte, pois que, desde então, como refere a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, «… qualquer pessoa colocada na posição da mandatária e agindo com a devida diligência aperceber-se-ia de que a venda teria sido realizada sem que, ela ou o seu constituinte, para a mesma tivessem sido notificados.».

Assim, estando, a partir de 30/10/2009, a ilustre mandatária do executado, conhecedora da omissão consistente na falta de notificação do despacho que designou dia para abertura das propostas e que estabeleceu o valor base da venda, só oito meses depois, em 30/06/2010, veio reclamar a nulidade que tal omissão integrava, arrimando-a como suporte de anulação da venda. Só que, nessa ocasião, estava já sanada a nulidade, como concluiu a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, pois que, a partir de 30/10/2009, já havia decorrido o prazo a que se reportam os art.ºs 205º, nº 1 e 153º, nº 1.

É despiciendo, assim, alegar que o executado só em 04/06/2010 teve conhecimento de que havia sido efectuada a venda, mas, sempre se dirá, que caso fosse de atender a essa data, decorrido estava já, em 30/06/2010, quando se requereu a declaração de nulidade/anulação da venda, o prazo de reclamação da nulidade processual que se invocou em tal requerimento.

A conclusão a que se chega é, pois, a de que no despacho recorrido não se infringiu qualquer dos preceitos legais cuja violação o recorrente imputa - 153º, 201º, 205º, 253º, 876º, n.º 2, 909º do Código de Processo Civil, e art.ºs 285º e 286º, do CC -, sendo de negar provimento ao Agravo.

IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao Agravo e manter o despacho recorrido.

Custas pelo Agravante, sem prejuízo, porém, do apoio judiciário de que beneficia.


Falcão de Magalhães (Relator)
Regina Rosa
Artur Dias


[1] Os preceitos que deste Código forem citados, relativos ao processo de execução, reportam-se à redacção anterior à reforma introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março, aplicando-se, no que ao regime de recurso respeita, a redacção do CPC que antecedeu a que foi introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante forem citados sem referência de publicação.
[3] Curso de Processo de Execução, Almedina, 7ª Edição, págs. 358 e 359. Cfr. Tb., no domínio de legislação pretérita equivalente, o Acórdão do STJ de 19/05/1977, BMJ nº 267, pág. 112.