Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
745/16.3T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
CRÉDITO
CLASSIFICAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. COMÉRCIO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 128º E 130º DO CIRE .
Sumário: I – No CIRE não existe norma que discipline a matéria da classificação dos créditos reclamados em sede de PER, pelo que as reclamações de créditos no PER devem seguir o modelo estabelecido no art.º 128º do CIRE, com as indicações estabelecidas nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 128º - providência de crédito, sua data de vencimento, os respectivos montantes de capital e juro, as condições a que o crédito esteja subordinado, a sua natureza, sendo que, no caso de se tratar de um crédito garantido, devem ser indicados os bens ou direitos objecto da garantia, a existência de garantias pessoais, a taxa de juro de mora (cfr. Ac. Rel. de Lisboa de 20/2/2014, proc. n.º 1390/13.0TBTVD-A).

II – A lei não prevê um modo particular de impugnação da lista provisória de créditos para o PER, a impugnação pelos credores interessados será realizada como no processo de insolvência comum, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o n.º1 do art.º 130 do CIRE.

Decisão Texto Integral:




Acordam na secção cível (3.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra
1. Relatório

1.1.V... – Construções Civil, SA, com sede na Rua ..., vem comunicar, para efeitos do disposto nos art.ºs 17.ª-A, 17.º-B, 17.º-C  e segs. do CIRE, que pretende dar inicio às negociações previstas e conducentes à sua Revitalização e Recuperação.

Para tanto alega, em síntese:

- Encontra-se numa situação económica difícil em virtude de enfrentar dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez.

- Por força do procedimento cautelar n.º ... que já se encontra pendente desde Setembro de 2015, conforme douto despacho de 12/1/2016.

- A requerente encontra-se numa situação economicamente viável mas encontra-se numa situação financeira difícil.

- Tendo estado a cumprir pontualmente as suas obrigações.

- Não cessou os pagamentos, mas sente dificuldades por falta de liquidez em cumprir pontualmente os compromissos.

Assim, só com um plano de recuperação, no âmbito do PER, permitirá alcançar o saneamento financeiro, declarando a ora requerente que reúne as condições necessárias para a recuperação, encontrando-se preenchidos os requisitos dos art.ºs 17.ºA, 17.ª-B 17.º-C todos do CIRE.

            Termina requerendo que seja nomeado como administrador judicial provisório o Dr.º R..., administrador de insolvência, com morada profissional na Rua ...

            1.2. A fls. 290 foi proferido despacho a admitir liminarmente o requerimento inicial, por estarem verificados os requisitos e formalidades previstas no art.º 17.º-C do CIRE, nomeando como administrador judicial provisório o Dr.º R...

            1.3. A fls. 619 foi proferido despacho a notificar o administrador para em 5 dias se pronunciar sobre a inclusão da lista definitiva dos créditos (…), bem como para se pronunciar sobre as impugnações deduzidas quanto aos créditos (…), entre eles o da aqui recorrente República Democrática de S. Tomé.

            1.4. A fls. 795 foi proferido despacho a ordenar a notificação do administrador judicial provisório para juntar as reclamações de credores, entre eles o da aqui recorrente – República Democrática de S. Tomé e Príncipe.

1.5. A fls. 853 foi proferido despacho, datado de 29/6/2016, que aqui se transcreve, apenas no que concerne à recorrente República Democrática de São Tomé e Príncipe « (…) A República Democrática de São Tomé e Príncipe veio reclamar um crédito nos seguintes termos: “Deve o crédito ora reclamado, no valor total de €1.687.099,13 (um milhão, seiscentos e oitenta e sete mil, noventa e nove euros e treze cêntimos), sendo€1.574.571,23 de capital e €112.527,90 de juros moratórios vencidos, ser verificado, reconhecido e graduado como comum”.

Quanto à existência do crédito alega, em resumo o seguinte:

Por contrato de 11 de Dezembro de 2009 a RD de São Tomé e Príncipe adjudicou a um consórcio formado entre a V..., S.A. e a C..., S.A. uma empreitada para a “Concepção, Restauração e Construção a ex-Casa B...”. Em 5 de Março de 2012 adiantou por conta do preço global da empreitada a quantia de €1.574.571,23, a qual deu entrada na conta bancária da aqui Devedora.

Em 21 de Janeiro de 2014 a RD de São Tomé e Príncipe interpelou o Consórcio para dar início à obra a que se refere o contrato de empreitada.

Em Janeiro de 2015, como os trabalhos não se tivessem iniciado, a RD de São Tomé e Príncipe decidiu não realizar a empreitada e comunicou essa decisão às sociedades do Consórcio. Pediu-lhes ainda a devolução da quantia entregue a título de adiantamento, considerando os custos e proveitos incorridos devidamente documentados e contabilizados.

A Devedora nunca respondeu e furtou-se até a contactos com o Governo da RD de São Tomé e Príncipe.

2. A Devedora impugnou o crédito reclamado com os seguintes fundamentos, agora resumidamente expostos:

Falta o original da procuração em que o Governa da RD de São Tomé e Príncipe confere mandato ao subscritor da reclamação de créditos.

Não resulta da cópia da procuração que ao Ministro das Finanças e da Administração Pública tenham sido delegados poderes para representar a RD de São Tomé e Príncipe.

Entende que só os Tribunais da República de São Tomé e Príncipe são competentes para dirimir o presente conflito, até porque o contrato de empreitada foi celebrado com a República de São Tomé e Príncipe e assinado em São Tomé e Príncipe.

A devedora, porém, impugna o crédito alegando que não aceita a rescisão unilateral do contrato de empreitada, mantendo o interesse na realização da obra. E que, à cautela, já invocou o direito a uma indemnização a título de lucros cessantes e danos emergentes no valor de €1.634.516,12 pelo incumprimento contratual da RD de São Tomé e Príncipe.

3. A RD de São Tomé e Príncipe respondeu juntando o original da procuração emitida por aquele Estado. Afirma que o Ministro do Governo de São Tomé e Príncipe tem competências delegadas pelo Conselho de Ministros para contratar um gabinete jurídico privado para tratar da recuperação do crédito reclamado.

Os tribunais portugueses são competentes para apreciar a presente questão, já no âmbito do PER são chamados todos os credores independentemente do lugar ou país onde se constituiu o crédito.

Não existem quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes pela não realização da empreitada.

4. Decidindo

Os factos provados com interesse para a boa decisão da causa.

1. Por contrato de 11 de Dezembro de 2009, a RD de São Tomé e Príncipe adjudicou a um consórcio formado entre a “V..., S.A.” e a sociedade de direito santomense “C..., S.A.” a empreitada de “Concepção, Restauração e Construção a ex-Casa B...

2. Em 5 de Março de 2012 a Reclamante efectuou o pagamento à Devedora de €1.574.571,23, que constituiu adiantamento por conta do preço global da empreitada, correspondente a 30% do respectivo valor.

3. Quantia que deu entrada na conta bancária da Devedora sedeada na “C..., S.A.” nessa data.

4. Por comunicação escrita de 21 de Janeiro de 2014 a RD de São Tomé e Príncipe interpelou formalmente o Consórcio para dar início à obra da empreitada que lhe havia sido adjudicada.

5. A Devedora, em 28-01-2014, enviou uma carta ao Ministro da Obras Públicas, Infraestruturas, Recursos Naturais e Meio Ambiente da RD de São Tomé e Príncipe, manifestando a vontade dar início à obra, uma vez removidos os obstáculos ao seu início.

6. Em Janeiro de 2015 a RD de São Tomé e Príncipe decidiu não realizar a empreitada, tendo em conta as linhas orientadoras de investimento público gizadas pelo Governo da República Democrática de São Tomé e Príncipe, procedendo á rescisão unilateral do contrato de empreitada, decisão que comunicou às sociedades do Consórcio, através de carta datada de 3 de Março de 2015.

7. Em simultâneo com a comunicação de não realização da empreitada, a República Democrática de São Tomé e Príncipe instou o consórcio a proceder á devolução do valor da primeira tranche adiantada, correspondente a 30% do valor global da obra, considerando os custos e proveitos incorridos, devidamente documentados e contabilizados.

8. A Devedora não respondeu e furtou-se até a contactos com o Governo da RD de São Tomé e Príncipe.

9. Em 2 de Março de 2015 foi publicada uma notícia sobre a existência de gabinetes de arquitectos interessados em recuperar a mesma “ex Casa B...”, através de investidores Angolanos.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

Motivação da matéria de facto.

Documentos constantes da reclamação de créditos:

- Contrato de empreitada e condições estipuladas (doc. 1)

- Contrato de consórcio interno (doc. 2)

- A instrução para pagamento da quantia de €1.574.571,23 emitida pela RD de São Tomé e Príncipe (doc. 3)

- O extracto da conta à ordem titulada pela Devedora do qual resulta a entrada da quantia atrás referida (doc. 4)

- A minuta da carta tipo a enviar pela RD de São Tomé e príncipe à C..., S.A.” para obtenção de financiamento (doc. 5)

- Carta datada de 21 de Janeiro de 2014 enviada ao Consórcio, dirigida à “C...”, instando o consórcio a dar início à obra (doc. 6).

- A comunicação do Governo da RD de São Tomé e Príncipe relativa à rescisão do contrato de empreitada, datada de 03-03-2015, na qual pede a devolução do que não tenha sido gasto com a empreitada, acrescido dos proventos que aquela quantia tenha gerado (doc. 7)

- A correspondência no sentido de se fazer um acerto de contas, sendo que apenas “C..., S.A.” manifestou disponibilidade para o fazer (doc. 8, 9 e 10).

- Decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar interposto pela RD de São Tomé e Príncipe e pela “C..., S.A.”, o qual tomou o no ... e que corre termos na Instância Local, Secção Cível, J3 desta Comarca de Viseu (doc. 11).

Documentos constantes da Impugnação:

- Contrato de consórcio (fls. 478 a 483)

- Lei n.º 8/2009 de 26/08 da RD de São Tomé e Príncipe que aprova o Regulamento de Licitação e Contratações Públicas (fls. 483 verso a 506)

- A declaração da RD de São Tomé e Príncipe de que o vencedor do concurso público foi Consócio V.../C... (fls. 507)

- A comunicação do Governo da RD de São Tomé e Príncipe relativa à rescisão do contrato de empreitada, datada de 03-03-2015, na qual pede a devolução do que não tenha sido gasto com a empreitada (fls. 507 verso e 508)

- A notícia de 2 de Março de 2015 relativa á recuperação da Casa B... por outros investidores (fls. 508 verso)

- A estimativa da Devedora dos danos emergentes, estudos económicos, custo do estaleiro e lucros cessantes relacionados com rescisão contratual (fls. 509).

- A comunicação da V... ao Ministro da Obras Públicas, Infraestruturas, Recursos Naturais e Meio Ambiente da RD de São Tomé e Príncipe, datada de 28-01-2014, manifestando a vontade dar início à obra, uma vez removidos os obstáculos ao seu início (fls. 510).

- A comunicação datada de 7 de Fevereiro de 2014 entre os membros do Consórcio sobre pormenores do início da execução da obra (fls. 510 verso)

Os demais documentos não dizem directamente respeito à questão que nesta sede se discute: averiguação da séria probabilidade da existência um crédito reclamado e cujo voto não tenha sido contabilizado.

O enquadramento jurídico.

Dos autos constam documentos que permitem concluir que o mandatário da República Democrática de São Tomé e Príncipe tem poderes suficientes para reclamar o crédito deste Estado no âmbito do presente processo, os quais lhe foram regularmente conferidos. O Ministro das Finanças e da Administração Pública do Estado de São Tomé e Príncipe tem poderes delegados pelo Conselho de Ministros para mandatar um gabinete jurídico para proceder à recuperação do seu crédito no âmbito do presente processo.

Concluímos que o Estado de São Tomé e Príncipe está regularmente representado em juízo.

Os Tribunais portugueses são, quanto a nós, competentes para apreciar as questões que se suscitem no âmbito do presente Processo Especial de Revitalização, entre as quais a da verificação dos créditos reclamados. Com efeito, de acordo com o artigo 62.º al. a) do C.P.C. “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.” Neste domínio rege o disposto no art. 7.º do CIRE que prevê que o tribunal competente em razão do território é o tribunal da sede da Devedora. A devedora tem sede em Viseu, pelo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes.

Questão diferente é a de saber se a lei aplicável à verificação do crédito deverá ser a lei portuguesa ou a lei santomense.

As partes estabeleceram no ponto 62.1. das Condições Gerais do Contrato de Empreitada que “O presente contrato será executado e interpretado de acordo com a legislação vigente na República Democrática de São Tomé e Príncipe.”.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 41.º do C. Civil “As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substancia dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.” Assim, consideramos que a lei á luz da qual deverá ser apreciada a questão da verificação do crédito reclamado no âmbito do presente PER é a lei da República de São Tomé e Príncipe.

A Devedora e a “C..., S.A.” celebraram um contrato de consórcio. “O consórcio ... define-se como o contrato através do qual duas ou mais empresas, singulares ou colectivas, se vinculam a realizar concertadamente determinada actividade ou efectuar certa contribuição com vista a prosseguir um dos tipos de actividade expressamente previstos na lei.” – José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pag. 398 e 399 - O consórcio formado pela Devedora e pela Credora Reclamante concorreu a um concurso público promovido pela RD de São Tomé e Príncipe para a celebração de um contrato de empreitada em que aquele Estado era o dono da obra e o consórcio a empreiteira. O consórcio formado ganhou o concurso público e foi celebrado o respectivo contrato de empreitada.

Neste domínio do direito das obrigações e das regras relativas ao contrato de empreitada não se descortinam diferenças significativas na legislação portuguesa e na legislação de São Tomé e Príncipe, designadamente no que diz respeito ao cumprimento e não cumprimento das obrigações. Assim,

O contrato de empreitada foi “rescindido” unilateralmente pela RD de São Tomé e Príncipe. A declaração da RD de São Tomé e Príncipe consubstancia uma desistência da empreitada pelo dono da obra. Na carta enviada a dona da obra não invoca o incumprimento da parte contrária, apenas considera que “não é prioritário de momento a prossecução do contrato consubstanciado”. Trata-se, portanto, de uma desistência da empreitada. Ora, a desistência é uma faculdade do dono da obra de exercício livre. Todavia, este fica obrigado a indemnizar o empreiteiro pelo interesse contratual positivo, o que equivale a dizer que o dono da obra fica obrigado a indemnizar a outra parte com se tivesse incumprido o contrato. O direito à indemnização da aqui Devedora existe, embora não se consiga apurar o seu montante.

Para o nosso caso, revelando-se inequívoco que a Devedora tem na sua posse uma quantia que lhe foi entregue pela RD de São Tomé e Príncipe como adiantamento do pagamento do preço fixado no contrato de empreitada, e sendo também claro que a dona da obra não pretende manter o contrato de empreitada, já não é claro qual o direito de crédito que poderá exigir da empreiteira na sequência da desistência. Não se pode, portanto, concluir, com as limitações probatórias que o PER impõe, que o crédito reclamado tenha uma séria probabilidade de existir.

Atento o que ficou dito, e no âmbito do presente PER, entendemos que não deverá ser contabilizado o voto da República Democrática de São Tomé e Príncipe.

Notifique o Sr. Administrador Judicial Provisório para, em 5 dias, juntar documento contendo o resultado da votação sobre o plano de recuperação, tendo em conta as decisões atrás proferidas.

29-06-2016 »

1.6. -  A fls. 879 foi proferido despacho datado de 14/7/2016, onde se decidiu homologar o plano de recuperação da requerente – V... – Construções Civil, S.A. constante de fls. 728 e seg.ºs, despacho recorrido que se transcreve « Da aprovação do plano:

1. Veio “V... – Construção Civil, S.A.” requerer processo de revitalização nos termos do disposto no art. 17o-A e seguintes do CIRE.

2. O requerimento inicial foi liminarmente admitido e foi nomeado administrador judicial provisório.

3. Findas as negociações foi aprovado um plano de recuperação que, para os efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 17.º-F do CIRE, a Devedora apresentou para homologação e que consta dos autos de fls. 728 e seguintes.

4. Foi proferida decisão pela qual se determinou os créditos que tendo sido impugnados deveriam ser computados no cálculo das maiorias.

5. Cumpre decidir.

Estipula o n.º 5 do art.º 17.º-F que “O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos dez dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”

Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 17.º-F, n.º3, al. a) do CIRE (na redacção introduzida D.L. n.º 26/2015 de 6 de Fevereiro) “Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os nos3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou ...”

No caso em apreço, há que considerar os créditos contidos na lista de créditos, bem como aqueles que resultaram da decisão antecedente.

Deliberaram, votando, sobre o plano de recuperação proposto, credores que representavam mais de um terço da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto – 91,60% dos votos. Assim, foi respeitado o quorum de votação previsto na primeira parte da al. a) do n.º3 do art. 17.º-F do CIRE.

A proposta do plano de recuperação recolheu o voto favorável de 88,30% dos votos emitidos, sendo que não existem votos que correspondam a créditos subordinados. Aquela percentagem representa mais de dois terços dos votos emitidos. – segunda parte da al. a) do n.º 3 do art. 17.º-F do CIRE.

Assim, dever-se-á considerar a proposta validamente aprovada.

Da homologação do plano.

“C... – Sociedade de Construção Civil, S.A.”, “J... & Associados – Arquitectos, Lda.” e a República Democrática de São Tomé e Príncipe vieram pedir a não homologação do plano porque desproporcional e violador do princípio da igualdade entre credores, bem como por existir uma violação não negligenciável de regras procedimentais e das normas respeitantes ao seu conteúdo.

No que diz respeito à questão da desproporção ou da violação do princípio da igualdade entre credores, não resulta dos requerimentos dos credores quais os motivos pelos quais estes entendem que foi violado princípio da igualdade entre credores. Na verdade, do teor do plano de recuperação não resulta que existam credores que sejam objecto de um injustificado tratamento diferenciado. Com efeito, todos os credores cujos créditos têm a mesma natureza ou origem são contemplados por forma semelhante (bancos e fornecedores), sendo que também os credores cujos créditos são litigiosos são alvo de uma previsão no plano.

A questão do reconhecimento ou não dos créditos é uma questão prévia que já foi objecto de decisão e que em nada releva para a apreciação da legalidade do plano. Da mesma forma, as questões específicas dos litígios em que a Devedora se encontra com aqueles credores também em nada influencia a apreciação da eventual violação das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação.

Quanto à violação não negligenciável de regras procedimentais.

Cremos que a questão fundamental suscitada pelos credores atrás referidos prende-se, fundamentalmente, com a aprovação do plano sem que fosse contabilizado o seu voto de rejeição do plano.

Dos autos resulta que a Devedora impugnou a lista de créditos reconhecidos relativamente a créditos de vários credores entre os quais os supra referidos.

Findo o prazo das impugnações a devedora dispõe de dois meses para concluir as negociações encetadas com os credores, sendo esse prazo prorrogável por mais um mês (art. 17.º-D, n.º5 do CIRE). Este prazo como vem sendo sublinhado pela jurisprudência (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-11-2015 in www.dgsi.pt; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2015 in www.dgsi.pt, entre outros) é um prazo peremptório caso seja ultrapassado determina o encerramento do processo negocial, conforme prescreve o n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE. A fim de evitar o encerramento do processo negocial a Devedora deve juntar a acta da votação e o plano de recuperação antes do fim desse prazo.

Coloca-se, porém, o problema de poderem não estar decididas as impugnações à lista de créditos junta pelo Sr. Administrador Judicial Provisório.

 Neste caso o cômputo dos votos deverá ser feita de acordo com a lista provisória de créditos, independentemente das impugnações deduzidas (sublinhe-se que o Administrador Judicial Provisório tem o dever de incluir nesta lista apenas os créditos que se afigurem de existência provável). Todavia, o juiz, para a aprovação do plano deverá analisar se existem créditos que tenham sido impugnados e relativamente aos quais exista uma probabilidade séria de estes serem reconhecidos (art. 17.º-F, n.º 3 do CIRE).

No caso concreto, a Devedora impugnou vários créditos constantes da lista provisória, entre os quais os dos credores que pedem a não homologação do plano. No fim do prazo para a conclusão das negociações as impugnações não se encontravam decididas. A Devedora, dentro do prazo para o efeito, juntou o plano de recuperação e o documento com o resultado da votação. Nesta não foram contabilizados os votos de todos os credores constantes da lista de créditos. Entendemos, por isso, que se trata de uma violação de regras procedimentais pelos motivos expostos. Todavia, é uma violação negligenciável na medida em que, de acordo com o disposto no no3 do art. 17o-F do CIRE, foi proferida decisão que determina quais dos créditos impugnados e com relevo para a formação das maiorias que deveriam ser contabilizados, assim se suprindo a irregularidade apontada.

Entendemos, por isso, que não se verifica qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação. Não existe, por isso, qualquer motivo para recusar a homologação do plano, nem pelos motivos invocados pelos credores supra referidos, nem por quaisquer outros que não se vislumbram.

Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide homologar o plano de recuperação de “V... – Construção Civil, S.A.” constante de fls. 728 e seguintes.

14-07-2016»

            1.7. Dos despachos datados de 29/6/2016 e 14/7/2016, supra referidos, foi interposto recurso, tendo a recorrente República Democrática de São Tomé e Príncipe apresentado as seguintes conclusões:

...

            1.8. A fls. 941 v.º a 961 a recorrida apresentou as suas contra-alegações referindo em conclusão:

...

                  2. Fundamentação

Questão prévia, saber se o recurso referente ao despacho datado de 29/6/2016 é recorrível, já que a recorrida põe em causa essa possibilidade.

Face ao preceituado nos art.ºs 644, n.º 1, al. a) e 3, do C.P.C., e art.º 14, n.º 6, do CIRE, o recurso no que concerne a tal despacho é admissível.

Desde logo por o n.º 3 do art.º 644º do C.P.C. referir que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1; as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, que é o caso.

2.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

Questões a resolver:

a)-Saber se o tribunal “ a quo” violou o art.º 607, n.º 4, do C.P.C., ao não valorar a prova segundo as regras e a lógica da experiência comum.

b)-Saber se o despacho datado de 29.06.2016 é nulo por violação do art.º 615, n.º 1, al. c), do C.P.C., por enfermar  de contradição entre a fundamentação e a decisão, bem como de contradição entre os próprios termos da fundamentação.

            c)-Saber se mesmo despacho, por violação do n.º 3 do art.º 17.º F do CIRE, deve ser revogado, na parte em que decidiu não computar o crédito da recorrente, sendo substituído por outro que lhe reconheça o direito de voto pela totalidade do seu crédito, ou, quando muito, por 50% desse valor, por existir probabilidade séria do seu reconhecimento.

d)-Saber se deve ser anulado todo o processado posterior ao despacho, datado de 29/6/2016, designadamente, o despacho de homologação do Plano de Recuperação.

e)-Saber se o despacho de homologação do Plano de Recuperação de 14.07.2016, por se encontra ancorado em despacho ferido de nulidade e de violação de lei – o antecedentemente aludido, de 29.06 -, deve ser liminarmente revogado.

f)-Saber se o despacho datado de 14.07.2016 padece dos mesmos vícios de falta de fundamentação, contradição entre a fundamentação e a decisão, violação de lei e do princípio de igualdade das partes - cfr. arts 4.º, 607.º, n.º 4 e 615.º, 1, c), do mesmo CPC e n.º 3, do artigo 17.º-F do CIRE.

g)-Saber se deve ser substituído por outro que reconheça não ter sido o Plano aprovado pela maioria dos votos a que alude o artigo 17.º-F, n.º 3 do CIRE, pelo que deverá considerar-se rejeitado.

                        Vejamos cada uma das situação:

I - Saber se o tribunal “ a quo” violou o art.º 607, n.º 4, do C.P.C., ao não valorar a prova segundo as regras e a lógica da experiência comum.

Operando á leitura do despacho recorrido não vemos que o tribunal “a quo” não tivesse operado a uma leitura criteriosa da prova.

Na verdade, o mesmo refere os factos que considerou provados com interesse para a decisão, fazendo a sua leitura dos mesmos, pode a recorrente afirmar que a leitura não foi a mais assertiva, em sua opinião, mas não nos parece que o tribunal “ a quo” não tenha operado à análise da prova.

Da leitura do despacho em causa não vemos que o tribunal “a quo” não tenha ponderado a matéria de facto, o que referiu expressamente.

Por outro lado, também resulta que a decisão foi fundamentada, pois basta ler a mesma para se chegar a tal conclusão. A mesma refere o tipo de contrato celebrado, referindo que a recorrente desistiu da empreitada, pelo que o dono da obra fica obrigado a indemnizar o empreiteiro pelo interesse contratual positivo, o que equivale a dizer que o dono da obra fica obrigado a indemnizar a outra parte com se tivesse incumprido o contrato. O direito à indemnização da aqui devedora existe, embora não se consiga apurar o seu montante, e foi por essa razão que o tribunal “ a quo”, chegou á conclusão de não haver um fundamento suficientemente forte para se verificar a existência do crédito.

Assim, o tribunal fundamentou a decisão a que chegou, indicando as respectivas razões.

Ou seja, o facto da recorrente não concordar com a decisão não significa que a mesma não se encontre fundamentada.

Assim, não vemos que esta pretensão da recorrente possa ter procedência.                        II - Saber se o despacho datado de 29.06.2016 é nulo por violação dos art.ºs 607, n.º 4 e 615, n.º 1, al. c), do C.P.C., por enfermar de contradição entre a fundamentação e a decisão, bem como de contradição entre os próprios termos da fundamentação. 

Segundo a recorrente o despacho em causa é contraditório nos seus próprios termos, bem como entre a fundamentação e a decisão, por afirmar «que a devedora tem na sua posse uma quantia que lhe foi entregue pela RD de São Tomé e Príncipe, como adiantamento do preço fixado no contrato de empreitada, e sendo também claro que a dona da obra não pretende manter o contrato de empreitada, já não é claro qual o direito de crédito que poderá exigir da empreitada na sequência da desistência. Não se pode, portanto, concluir, com as limitações probatórias que o PER impõe, que o crédito reclamado tenha uma séria probabilidade de existir».

Tendo presente que são duas questões, cabe analisar cada uma delas:

a)- Saber se o despacho em causa é contraditório nos seus próprios termos.

Segundo a recorrente o despacho é contraditório nos seus termos, por dizer por um lado que existe um crédito sobre a V... e por outro afirmar não se poder concluir que o crédito reclamado tenha uma séria probabilidade de existir.

Lendo o despacho recorrido que aqui transcrevemos na parte que, agora, importa «Para o nosso caso, revelando-se inequívoco que a Devedora tem na sua posse uma quantia que lhe foi entregue pela RD de São Tomé e Príncipe como adiantamento do pagamento do preço fixado no contrato de empreitada, e sendo também claro que a dona da obra não pretende manter o contrato de empreitada, já não é claro qual o direito de crédito que poderá exigir da empreiteira na sequência da desistência. Não se pode, portanto, concluir, com as limitações probatórias que o PER impõe, que o crédito reclamado tenha uma séria probabilidade de existir», não vemos a contradição apontada. 

O despacho recorrido não afirma que a recorrente tem um crédito sobre a requerente da revitalização, o que diz é que a recorrente entregou uma quantia à requerente da revitalização, como adiantamento do preço de uma empreitada, que a recorrente, não pretende manter, não sendo claro o direito de crédito que poderá exigir, ou seja, poderá ou não existir direito de crédito, é isto que é referido no despacho recorrido e não que existe um crédito.
Disto isto não vemos, nesta parte, que assista razão à recorrente.
            b) - contradição entre a fundamentação e a decisão

Segundo a recorrente o despacho recorrido, contém factualidade dada como provada, suficiente para que a decisão tivesse sido a aposta.

A respeito desta matéria escreve o Conselheiro Álvaro Rodrigues, no Ac. do S.T.J. de 30/5/2013, [ainda que tirado na vigência do Código Processo Civil, revogado, mas com plena aplicabilidade aos autos, que aqui transcrevemos, na parte que interessa], «a contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – artº 668º, nº 1, al. d) do CPC.

Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.

Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente» (ibidem, sendo nosso o sublinhado)».

No mesmo sentido Ac. da Rel. de Coimbra de 25/11/2003, do qual foi relator o Desembargador Isaías Pádua, ao escrever « Só ocorrerá esta causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando (os fundamentos invocados pelo juíz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto” (conf. Prof. Alb. dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor, quando das permissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído (vidé ainda , Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.

Operando á leitura do despacho recorrido, não vemos que exista a contradição apontada. Na verdade as permissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram clara e inequivocamente enunciados e externos, podemos é ter uma leitura diferente, mas isso não implica a contradição apontada.

Não existem nem contradição nem ilogicidade alguma. A decisão, depois de analisar, indagar e juridicamente balizar o “thema decidendum”, extraiu em conformidade o seu juízo jurídico-subsuntivo.

Na elaboração do correspondente silogismo judiciário, não se detecta, pois, a nosso ver, qualquer oposição ou contradição.

Torna-se patente que a recorrente não concorda com o sentido decisório a final extraído, mas o que não pode é apontar qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo.

            Neste sentido vai o Ac. do S.T.J. de 7/5/2008, ao referir « A decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio».

No caso em apreço, como já referimos, o que resulta patente é que a recorrente não concorda com a decisão a que o tribunal “a quo” chegou, mas isso, não nos permite afirmar que existe a contradição apontada, que não existe como já dissemos.

            Assim, face ao exposto esta contradição também não se verifica.

             III - Saber se mesmo despacho, por violação do n.º 3 do art.º 17.º F do CIRE, deve ser revogado, na parte em que decidiu não computar o crédito da recorrente, sendo substituído por outro que lhe reconheça o direito de voto pela totalidade do seu crédito, ou, quando muito, por 50% desse valor, por existir probabilidade séria do seu reconhecimento.

Segundo a recorrente o despacho recorrido deve ser revogado, por violação do n.º 3 do art.º 17-F do CIRE, por não ter concluído pela existência de probabilidade séria de o crédito da República Democrática de São Tomé e Príncipe ser reconhecido.

Sobre esta matéria cabe dizer algo a respeito do processo especial de revitalização (PER) que foi integrado no Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE) pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.

O legislador, como diz, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização, dispõe no art.º 17.º-A, com a epigrafe – Finalidade e natureza do processo especial de revitalização:

1 – O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de

insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

(…)

O processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele meio de aprovação de um plano de recuperação (cfr. n.º 1, do art.º 17 –C, do CIRE).

Recebido o requerimento, no tribunal, o juiz procede à nomeação do administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto  nos art.ºs 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações (cfr. al. a), do n.º 3, do art.º 17 –C, do diploma citado).

Logo que seja notificado do despacho a nomear o administrador, o devedor comunica a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração, que deu inicio a negociações com vista à revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que o documentação a que se refere o n.º 1, do art.º 24 se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta (cfr. n.º 1, do art.º 17-D, do referido diploma).

Qualquer credor dispõe de 20 dias, contados da publicação no portal Citius do despacho que nomeou o administrador, para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, o qual, no prazo de cinco dias, elabora uma provisória de créditos (cfr. n.º 2, do art.º 17-D).

A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis.

A lista apresentada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo de revitalização, deve apresentar-se desde logo tão exaustiva quanto possível, tendo em consideração o disposto no n.º 1 do art.º 154 do CIRE, não descurando o preconizado no n.º 2 do art.º 129 do mesmo diploma, ou seja, com a identificação de cada credor reclamante, o fundamento e montante dos créditos, a natureza garantida, privilegiada, comum ou subordinadas.

No CIRE não existe norma que discipline a matéria da classificação dos créditos reclamados em sede de PER, pelo que as reclamações de créditos no PER devem seguir o modelo estabelecido no art.º 128º do CIRE, com as indicações estabelecidas nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 128º - providência de crédito, sua data de vencimento, os respectivos montantes de capital e juro, as condições a que o crédito esteja subordinado, a sua natureza, sendo que, no caso de se tratar de um crédito garantido, devem ser indicados os bens ou direitos objecto da garantia, a existência de garantias pessoais, a taxa de juro de mora (cfr. Ac. Rel. de Lisboa de 20/2/2014, proc. n.º 1390/13.0TBTVD-A).

Cabe referir que a lei não prevê um modo particular de impugnação da lista provisória de créditos para o PER, a impugnação pelos credores interessados será realizada como no processo de insolvência comum, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o n.º1 do art.º 130 do CIRE (cfr. Ac. Rel. do Porto de 4/2/2014, in www.dgsi.pt). 

Do exposto a par dos efeitos sérios sobre os credores (cfr. art.º 17.º-E, n.ºs 1 e 6, do CIRE), resulta clara a imposição de prazos curtos e de uma tramitação que se quer célere. A lei consagrou um regime de cariz voluntário, optativo e de pendor marcadamente extrajudicial.

O quórum deliberativo para aprovação do plano de revitalização de empresa é calculado com base nos créditos relacionados, contido na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do art.º 17.º-D do CIRE.

Nos termos do art.º 17.º-F, para esse quórum o juiz pode computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos.

Como se refere no Ac. da Rel. de Coimbra de 17/6/2014, relatado por Fernando Monteiro «Confrontando este regime, especificamente no que respeita ás impugnações,

como o previsto nos art.ºs 128 e segs. da Lei, para o processo de insolvência, detectamos diferenças essenciais.

No PER não há uma norma que faça uma remissão para aquele regime mais complexo e o art.º 17-D expressa uma tramitação própria.

E entende-se que assim seja, porque, no PER, entre as impugnações e a conclusão das negociações medeiam 2 meses, no máximo três, sendo certo que para a deliberação do plano deverão estar os credores interessados.

(…)

Para conferir a referida celeridade, o legislador reduziu garantias processuais. E esta redução, naturalmente, deverá implicar efeitos e âmbito reduzidos ao próprio PER, salvo pequenas exceções, como a do art.º 17.º -G, n.º 7.

Apenas haverá efeitos definitivos no PER no caso de créditos não impugnados (art.º 17.º -D, n.º 4, decorrente da admissão de acordo), no caso das decisões não dependentes de melhor prova e no caso de créditos que, pelos fundamentos, permitam uma decisão sumária e imediata, nestes casos a decisão não está limitada.

No caso contrário, das impugnações de relativa complexidade e prova, e porque a tramitação do art.º 17.º -D é limitada (também para as garantias das partes), o juiz decide limitadamente ou segundo uma probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, para os efeitos do PER».

   Dito isto, vejamos o caso concreto.

Como resulta da fundamentação de direito o despacho recorrido refere, que se transcreve a parte com interesse «… O contrato de empreitada foi “rescindido” unilateralmente pela RD de São Tomé e Príncipe. A declaração da RD de São Tomé e Príncipe consubstancia uma desistência da empreitada pelo dono da obra. Na carta enviada a dona da obra não invoca o incumprimento da parte contrária, apenas considera que “não é prioritário de momento a prossecução do contrato consubstanciado”. Trata-se, portanto, de uma desistência da empreitada. Ora, a desistência é uma faculdade do dono da obra de exercício livre. Todavia, este fica obrigado a indemnizar o empreiteiro pelo interesse contratual positivo, o que equivale a dizer que o dono da obra fica obrigado a indemnizar a outra parte com se tivesse incumprido o contrato. O direito à indemnização da aqui Devedora existe, embora não se consiga apurar o seu montante ...», vemos que a recorrente não invoca qualquer incumprimento, da parte contrária, antes uma desistência da empreitada, o que implica uma indemnização ao empreiteiro. Neste quadro, segundo a decisão recorrida, e bem, não é possível apurar-se o montante desta indemnização.

Da matéria  provada, e como bem se refere na decisão recorrida, não é possível, com uma forte probabilidade, como se alude no n.º 3 do art.º 17-F,  saber se a recorrente tem ou não algum crédito sobre a requerente ao plano de revitalização.

Desde logo, por a recorrente não ter invocado qualquer incumprimento do contrato de empreitada, mas sim a sua desistência, o que implica uma indemnização ao empreiteiro. E havendo lugar, ou podendo haver lugar a essa indemnização, pode o valor da mesma ser igual ou superior ao valor entregue pela recorrente.

Assim, e tendo presente as limitações probatórias que o PER impõe, não se verifica o pressuposto da probabilidade exigido no n.º 3 do art.º 17-F do CIRE, ou seja que o crédito reclamado tenha uma forte probabilidade de existir.

Face ao exposto, também esta pretensão da recorrente tem de improceder.

IV -Saber se deve ser anulado todo o processado posterior ao despacho, datado de 29/6/2016, designadamente, o despacho de homologação do Plano de Recuperação.

Quanto a esta matéria e tendo presente ao referido nos pontos I), II) e III) supra, terá forçosamente que improceder, por não verificar qualquer nulidade, como supra referido.

V -Saber se o despacho de homologação do Plano de Recuperação de 14.07.2016, por se encontrar ancorado em despacho ferido de nulidade e de violação de lei – o antecedentemente aludido, de 29.06 -, deve ser liminarmente revogado.

 Quanto a esta matéria e tendo presente ao referido nos pontos I), II) e III) supra, terá forçosamente que improceder, por o despacho datado de 14/7/2016 não estar ancorado em qualquer despacho ferido de nulidade.

 VI -Saber se o despacho datado de 14.07.2016 padece dos mesmos vícios de falta de fundamentação, contradição entre a fundamentação e a decisão, violação de lei e do princípio de igualdade das partes - cfr. arts 4.º, 607.º, n.º 4 e 615.º, 1, c), do mesmo CPC e n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE.

Segundo a recorrente o despacho, datado de 14/7/2016, é nulo por violação do preceituado no art.º 607, n.º 4, do C.P.C. e art.º 615, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma.

O n.º 4 do preceito refere «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos purados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

Operando à leitura do despacho em causa vemos que no mesmo se refere a razão de facto e de direito, que levou o tribunal “ a quo” a tomar a sua decisão.

Na verdade refere «De acordo com o disposto no artigo 17.º-F, n.º3, al. a) do CIRE (na redacção introduzida D.L. n.º 26/2015 de 6 de Fevereiro) “Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os nos3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou ...”

No caso em apreço, há que considerar os créditos contidos na lista de créditos, bem como aqueles que resultaram da decisão antecedente.

Deliberaram, votando, sobre o plano de recuperação proposto, credores que representavam mais de um terço da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto – 91,60% dos votos. Assim, foi respeitado o quorum de votação previsto na primeira parte da al. a) do n.º3 do art. 17.º-F do CIRE.

A proposta do plano de recuperação recolheu o voto favorável de 88,30% dos votos emitidos, sendo que não existem votos que correspondam a créditos subordinados. Aquela percentagem representa mais de dois terços dos votos emitidos. – segunda parte da al. a) do n.º 3 do art. 17.º-F do CIRE.

Assim, dever-se-á considerar a proposta validamente aprovada.

Da homologação do plano.

“C... – Sociedade de Construção Civil, S.A.”, “J... & Associados – Arquitectos, Lda.” e a República Democrática de São Tomé e Príncipe vieram pedir a não homologação do plano porque desproporcional e violador do princípio da igualdade entre credores, bem como por existir uma violação não negligenciável de regras procedimentais e das normas respeitantes ao seu conteúdo.

No que diz respeito à questão da desproporção ou da violação do princípio da igualdade entre credores, não resulta dos requerimentos dos credores quais os motivos pelos quais estes entendem que foi violado princípio da igualdade entre credores. Na verdade, do teor do plano de recuperação não resulta que existam credores que sejam objecto de um injustificado tratamento diferenciado. Com efeito, todos os credores cujos créditos têm a mesma natureza ou origem são contemplados por forma semelhante (bancos e fornecedores), sendo que também os credores cujos créditos são litigiosos são alvo de uma previsão no plano.

A questão do reconhecimento ou não dos créditos é uma questão prévia que já foi objecto de decisão e que em nada releva para a apreciação da legalidade do plano. Da mesma forma, as questões específicas dos litígios em que a Devedora se encontra com aqueles credores também em nada influencia a apreciação da eventual violação das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação.

Quanto à violação não negligenciável de regras procedimentais.

Cremos que a questão fundamental suscitada pelos credores atrás referidos prende-se, fundamentalmente, com a aprovação do plano sem que fosse contabilizado o seu voto de rejeição do plano.

Dos autos resulta que a Devedora impugnou a lista de créditos reconhecidos relativamente a créditos de vários credores entre os quais os supra referidos.

Findo o prazo das impugnações a devedora dispõe de dois meses para concluir as negociações encetadas com os credores, sendo esse prazo prorrogável por mais um mês (art. 17.º-D, n.º5 do CIRE). Este prazo como vem sendo sublinhado pela jurisprudência (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-11-2015 in www.dgsi.pt; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2015 in www.dgsi.pt, entre outros) é um prazo peremptório caso seja ultrapassado determina o encerramento do processo negocial, conforme prescreve o n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE. A fim de evitar o encerramento do processo negocial a Devedora deve juntar a acta da votação e o plano de recuperação antes do fim desse prazo.

Coloca-se, porém, o problema de poderem não estar decididas as impugnações à lista de créditos junta pelo Sr. Administrador Judicial Provisório.

Neste caso o cômputo dos votos deverá ser feita de acordo com a lista provisória de créditos, independentemente das impugnações deduzidas (sublinhe-se que o Administrador Judicial Provisório tem o dever de incluir nesta lista apenas os créditos que se afigurem de existência provável). Todavia, o juiz, para a aprovação do plano deverá analisar se existem créditos que tenham sido impugnados e relativamente aos quais exista uma probabilidade séria de estes serem reconhecidos (art. 17.º-F, n.º 3 do CIRE).

No caso concreto, a Devedora impugnou vários créditos constantes da lista provisória, entre os quais os dos credores que pedem a não homologação do plano. No fim do prazo para a conclusão das negociações as impugnações não se encontravam decididas. A Devedora, dentro do prazo para o efeito, juntou o plano de recuperação e o documento com o resultado da votação. Nesta não foram contabilizados os votos de todos os credores constantes da lista de créditos. Entendemos, por isso, que se trata de uma violação de regras procedimentais pelos motivos expostos. Todavia, é uma violação negligenciável na medida em que, de acordo com o disposto no no3 do art. 17o-F do CIRE, foi proferida decisão que determina quais dos créditos impugnados e com relevo para a formação das maiorias que deveriam ser contabilizados, assim se suprindo a irregularidade apontada.

Entendemos, por isso, que não se verifica qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação. Não existe, por isso, qualquer motivo para recusar a homologação do plano, nem pelos motivos invocados pelos credores supra referidos, nem por quaisquer outros que não se vislumbram.

Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide homologar o plano de recuperação de “V... – Construção Civil, S.A.” constante de fls. 728 e seguintes».

Aliás como resulta da sua leitura, referem-se as razões que levou o tribunal a tomar a decisão, fazendo considerações, mormente jurisprudências, fundamentando o seu ponto de vista, explicando-o.

Assim, a pretensão da recorrente quanto à violação do art.º 607 do C.P.C. terá de ser julgada improcedente.

Quanto à violação do art.º art.º 615, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, também, não vemos qualquer violação.

Da leitura do despacho recorrido não vemos qualquer contradição nos seus pressupostos, nem entre estes e a fundamentação, pois como já referimos em II): « Só ocorrerá esta causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando (os fundamentos invocados pelo juíz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto” (conf. Prof. Alb. dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor, quando das permissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído (vidé ainda , Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.)».

O despacho recorrido ao fundamentar a sua decisão fá-lo de forma lógica, ou seja, os fundamentos invocados não são ilógicos com a decisão a que o tribunal chegou.

Pelo que também não existe a violação do art.º 615º do C.P.C., razão pela qual esta sua pretensão terá de ser julgada improcedente.

Diga-se, ainda, que operando à leitura do despacho recorrido não vemos qualquer violação de lei ao do princípio de igualdade das partes, desde logo, por todos os credores cujos créditos têm a mesma natureza ou origem serem contemplados por forma semelhante (bancos e fornecedores), sendo que também os credores cujos créditos são litigiosos são alvo de uma previsão no plano.

Aliás, isso mesmo resulta do despacho recorrido ao referir «..  C... – Sociedade de Construção Civil, S.A.”, “J... & Associados – Arquitectos, Lda.” e a República Democrática de São Tomé e Príncipe vieram pedir a não homologação do plano porque desproporcional e violador do princípio da igualdade entre credores, bem como por existir uma violação não negligenciável de regras procedimentais e das normas respeitantes ao seu conteúdo.

No que diz respeito à questão da desproporção ou da violação do princípio da igualdade entre credores, não resulta dos requerimentos dos credores quais os motivos pelos quais estes entendem que foi violado princípio da igualdade entre credores. Na verdade, do teor do plano de recuperação não resulta que existam credores que sejam objecto de um injustificado tratamento diferenciado. Com efeito, todos os credores cujos créditos têm a mesma natureza ou origem são contemplados por forma semelhante (bancos e fornecedores), sendo que também os credores cujos créditos são litigiosos são alvo de uma previsão no plano».

Assim, face ao exposto também esta pretensão não pode proceder.

VII -Saber se deve ser substituído por outro que reconheça não ter sido o Plano aprovado pela maioria dos votos a que alude o artigo 17.º-F, n.º 3 do CIRE, pelo que deverá considerar-se rejeitado.

Quanto a este ponto e tendo presente ao aludidos nos pontos I) a VI não merece provimento.

Pelo, que esta sua pretensão tem de ser julgada improcedente.

                                                           3. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e por consequência manter as decisões proferidas em 1.ª instância.

 Custas a cargo da recorrente.

Coimbra, 18/10/2016

                        Des. Pires Robalo (relator)

                         Des. Sílvia Pires (adjunta)

                         Des. Jorge Loureiro  (adjunto)