Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/13.4GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º Nº 1 E 69º Nº 1 A) DO CÓDIGO PENAL
Sumário: Tendo o arguido, não habilitado com a licença de condução, sido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292.º, n.º1 do Código Penal,
deve igualmente ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor com fundamento no artº 69º nº 1 a) CP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Relatório

            Pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo especial sumário, o arguido
A..., casado, madeireiro, nascido em 11.10.1965, filho de (...) e de (...), natural da (...), Pombal, residente na (...),
imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido, em autoria material, na forma consumada e em concurso real,  um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido, pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º2/98, e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º1 do Código Penal e artigo 69.º, n.º1, alínea a) do mesmo Diploma Legal.

            Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 20 de Março de 2013, decidiu julgar parcialmente procedente a acusação pública e, em consequência:
- absolver  o arguido A... da prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 do Decreto - Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro;
- absolver o arguido da pena acessória de inibição de conduzir, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal; e
- condenar o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 600,00 (seiscentos euros).

             Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
I. O arguido A..., por sentença datada de 22 de Março de 2013, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º l, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros.
II. Contudo, foi absolvido da pena acessória de inibição de conduzir, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º l, alínea a), do Código Penal e não foi proferida, naquela sentença, a cominação no sentido em que não procedendo o arguido à entrega do título de condução (caso o viesse a revalidar ou obter), no prazo legalmente previsto, cometia o crime de desobediência.
III. Mesmo sem estar habilitado a conduzir, o arguido deve ser punido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa),
IV. Porquanto o condutor não habilitado legalmente a conduzir sempre poderá vir a obter licença ou carta de condução, depois da sentença condenatória, não ficando inibido de conduzir, enquanto o condutor que já se encontre habilitado sempre ficará sujeito àquela sanção.
V. Por seu turno, o Código da Estrada estabelece como um dos requisitos para a obtenção do título de condução “não se encontrar a cumprir sanção de proibição ou de inibição de conduzir” (artigo 18.º, n.º l, alínea e) do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, ex vi do artigo 126.º daquele diploma) - o que pressupõe que a proibição de conduzir deva ser aplicada a quem não for dela titular.
VI. Entendimento diferente conduziria a que se tratasse de forma mais gravosa quem teve um comportamento menos grave, na medida em que quem tivesse conduzido sob o efeito do álcool, mas com habilitação legal, ficaria inibido de conduzir, mas quem tivesse conduzido sob o efeito do álcool e sem habilitação legal, já não ficaria com aquela inibição.
VII. A sanção acessória visa que o agente não volte a praticar, no futuro, factos semelhantes, pelo que, os objectivos de prevenção especial não seriam alcançados sem a sua aplicação.
VIII.    À data da prolação da douta sentença tinha sido publicado em Diário da República o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013 (D.R., Série I, de 8 de Janeiro de 2013), nos termos do qual se fixou jurisprudência no seguinte sentido: « Em caso de condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, do art. 292.º do CP, e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada na lei (art. 69.º, n.º 3, do CP, e art. 500.º, n.º 2, do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP
IX. A jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013 mantém plena actualidade.
X. Os acórdãos de fixação de jurisprudência não constituem jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais. Contudo, estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada (cfr. art. 445.º, n.º 3, do CPP).
XI. Ora, no presente caso, temos que o tribunal judicial a quo não fundamentou a divergência com o referido Acórdão de Fixação de Jurisprudência, não tendo indicado o motivo pelo qual não ordenou ao arguido a entrega do título de condução de que fosse titular (caso entretanto o tivesse revalidado ou obtido) com a cominação de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência (do artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal).
XII. Substituindo a sentença recorrida por outra, que condene o arguido na pena acessória de inibição de conduzir, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º l, alínea a), do Código penal, e que lhe ordene a entrega da carta de condução e de qualquer outro título de condução de veículos, a motor ou motorizados, de que seja titular (caso entretanto revalide ou obtenha tais títulos) e que comine como crime de desobediência a não entrega dos referidos títulos, farão V.as Ex.ªs a habituada Justiça!

O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder, alterando-se a douta decisão recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. No dia 20 de Fevereiro de 2013, pelas 17h52m, o arguido conduzia na Estrada Nacional número 109, ao quilómetro 138,40, em Carriço, área desta comarca de Pombal, conduzia o veículo ciclomotor, de matrícula 4 SXL (...).
2. O arguido conduzia o mencionado ciclomotor sem que possuísse título de habilitação legal ou qualquer outro título que o habilitasse para o efeito, não tendo procedido à revalidação da licença de condução que dispunha que se encontra caducada.
3. O arguido sabia que não podia conduzir o referido veículo, numa via pública, sem possuir a necessária licença ou carta de condução
4. O arguido foi detentor de uma licença de condução de ciclomotores emitida pela Câmara Municipal da Marinha Grande em 04.11.1997, na qual não foi aposto qualquer período de validade.
5. O arguido não sabia que tinha que proceder à substituição da referida licença.
6. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), o arguido ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolímetro DRAGER, modelo 7110 MKIII P, com o código de série Arna-0085, o arguido apresentou a taxa de álcool de 2,39 gr/litro de sangue.
7. Ao proceder conforme descrito em 6) o arguido tinha perfeito conhecimento de que não podia circular, na via pública, conduzindo o mencionado veículo, sob a influência do álcool, mas não obstante essa cognição, ingeriu, antes de iniciar a condução, bebidas alcoólicas necessárias e suficientes para acusar a supra referida taxa de alcoolemia, tendo actuado de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se tendo, mesmo assim, abstido de a concretizar.
8. O arguido é madeireiro, contudo, encontra-se desempregado já há cerca de três anos a esta parte, não auferindo qualquer subsídio de desemprego ou pensão de carácter social.
9. O arguido habita em casa pertença da sua companheira, a qual neste momento não coabita com o mesmo por razões de saúde, encontrando-se junto de familiares próximos.
10. Para o sustento do arguido contribui apenas a pensão de reforma da companheira.
11. O arguido tem como habilitações o 4.º ano de escolaridade.
12. Do Certificado de Registo Criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações:
    a) por sentença datada de 06.03.2000, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º38/2000, do 1.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º1 do Decreto lei n.º2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 500$00 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 dias, por factos praticados em 04.03.2000.
    b) por sentença datada de 04.04.2002, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º55/99.9GCPBL, do 1.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º1 do Código Penal, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de 2,50 €. Tal pena foi declarada extinta por prescrição.
    c) por sentença datada de 21.06.2004, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º19/00.1GCPBL, do 2.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução, por factos praticados em 30.01.2000.Tal pena foi declarada extinta pelo decurso do período da suspensão.
    d) por sentença datada de 15.09.2004, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º488/04.0GTLRA, do 3.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º2 do Decreto-lei n.º2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 3,00 €, por factos praticados em 30.09.2004. A pena de multa foi declarada extinta pelo cumprimento.
    e) por sentença datada de 11.10.2004, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º533/04.0GTLRA, do 1.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º2 do Decreto-lei n.º2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 3,00 €, e pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal, na pena de na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 3,00 € por factos praticados em 30.09.2004. As penas já foram declaradas extintas pelo cumprimento.
    f) por sentença datada de 04.11.2008, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º512/07.5GBPBL, do 3.º Juízo deste Tribunal, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e três meses com sujeição a regime de prova. Tal pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.
    g) por sentença datada de 11.07.2011, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º301/10.0GAFIG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º2 do Decreto-lei n.º2/98, de 03 de Janeiro, na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, por factos praticados em 15.08.2010. Tal pena já foi declarada extinta pelo cumprimento em 30.04.2012.
13. A condenação referida em 12, alínea a) reporta-se a condução de veículo agrícola, constando dos factos provados na sentença proferida que o arguido possuía licença de condução de ciclomotores.
Factos não provados
Resultaram não provados os seguintes factos:
- Que o arguido sabia que a licença de condução de ciclomotores de que era detentor havia há muito caducado.
- Nas circunstâncias descritas em 1) e 2) dos Factos Provados o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punível.
Convicção do Tribunal
A convicção do Tribunal relativamente aos factos que são imputados atinentes à condução sem habilitação pelo arguido baseou-se, desde logo, na conjugação das declarações prestadas pelo próprio arguido, com o depoimento credível do agente autuante B... e o teor do certificado de registo criminal de fls. 21 a 39 e das certidões das sentenças de fls. 46 a 63 dos autos, que permitiram corroborar as declarações do arguido de que actuou sem conhecimento de que licença de que era portador, emitida pelo Câmara Municipal Marinha Grande, sem prazo de validade, se encontrava caducada e que já havia decorrido o prazo legal para proceder à sua renovação.
Com efeito, da análise do certificado de registo criminal do arguido e das sentenças cujas certidões se mostram juntas aos autos concluímos que o arguido nunca sofreu qualquer condenação pela prática de condução de ciclomotores sem habilitação legal.
Por outro lado, o agente autuante referiu que o arguido, na altura em que foi fiscalizado e que apresentou a licença de condução passada pela Câmara Municipal declarou desconhecer que tinha que renovar a licença, pensando que a mesma fosse perfeitamente
válida, desconhecimento que se afigurou genuíno à testemunha, na medida em que o arguido ficou muito surpreendido quando lhe foi comunicado que a licença em causa havia caducado.
No que tange aos factos respeitantes à condução do veículo em apreço sob influência do álcool, mostraram-se determinantes as declarações do referido agente autuante conjugadas com o talão de alcoolímetro de fls. 7 dos autos, prova esta que contraria as declarações do arguido de que apenas havia ingerido dois copos de vinho.
O arguido prestou ainda esclarecimentos quanto às suas condições económicas, sociais e pessoais, o que fez de forma credível, pelo que valoradas pelo Tribunal, tanto mais que corroboradas pela sua companheira, Maria Benvinda Pedrosa Duarte, a qual esclareceu que neste momento não coabita com o arguido por razões de saúde, encontrando-se junto de familiares.
No que tange à factualidade não apurada, não se conseguiu fazer prova dos mesmos na medida em que foram contrariados pelas declarações do arguido, as quais em conjunto com a restante prova produzida nos mereceram credibilidade nos moldes já supra-expandidos.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:
- se o condutor não habilitado com licença de condução, que incorre na prática de crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º1 do Código Penal, deve ser condenado na pena de proibição de conduzir a que alude o art. 69°, n. ° 1, alínea a), do mesmo Código, pelo que se impõe a consequente alteração da decisão recorrida e a condenação do arguido naquela pena acessória.
-
            Passemos ao conhecimento da questão.
            O Ministério Público defende que o Tribunal a quo ao não condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir pela prática do crime de condução em estado de embriaguez violou o disposto no art. 69.°, n. ° 1, alínea a), do Código Penal e proferiu ainda uma decisão contra jurisprudência fixada.
Alegou para este efeito e em síntese o seguinte:
-. O entendimento de que o condutor que pratica o crime de condução em estado de embriaguez, não seria punido em pena acessória quando não estivesse habilitado a conduzir veículos com motor, violaria o princípio da igualdade, consagrado no art.13.º da Constituição da República Portuguesa, pois o condutor habilitado a conduzir veículos com motor, que pratique igual crime, é punido com pena acessória de proibição de conduzir;
- o art.18.º, n.º1, al. e), do Regulamento da habilitação legal para conduzir ( DL n.º 138/2012, de 05 de Julho), ex vi do art.126.º do Código da Estrada , ao estabelecer que um dos requisitos para a obtenção do título de condução é « não se encontrar a cumprir sanção de proibição ou de inibição de conduzir », pressupõe que a proibição de conduzir deve ser aplicada a quem não for titular de título de condução;
- os fins da sanção acessória, que são de prevenção especial, não seriam atingidos sem a aplicação da mesma, como é referido nos acórdãos da Relação de Évora, de 10 de Dezembro de 2009, e da Relação de Coimbra, de 3 de Julho de 2012, que se reproduzem em parte;
- à data da prolação da douta sentença tinha sido publicado em Diário da República o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013, pelo que não tendo aquela indicado o motivo pelo qual não ordenou ao arguido a entrega do título de condução de que fosse titular (caso entretanto o tivesse revalidado ou obtido) com a cominação de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência (do artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, violou jurisprudência fixada pelo STJ.
O Tribunal a quo decidiu que não se encontrando o arguido habilitado a conduzir veículos com motor não lhe é aplicável a pena acessória a que alude o art.69.º, n.º1, al. a) do  Código Penal, referindo para o efeito o seguinte:
« Resulta assim, que à pena principal supra pode ainda acrescer a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista pelo supra citado artigo. Porém, tal pena, em nosso entendimento, apenas é aplicável a quem está habilitado a conduzir. Neste sentido v.g. designadamente o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/02/2004, disponível em www.dgsi.pt, no qual, entre outros argumentos se refere, relativamente à expressão “título de condução” (…) o uso de tal expressão não pode deixar de ser entendido, assim, como referindo-se ao título de condução que habilita o agente a conduzir o veículo com o qual cometeu o crime pelo qual foi condenado, pois é essa perigosidade do agente que se pretende evitar, sendo que bem pode acontecer que o mesmo esteja habilitado com outros títulos – significa isto, em suma, que a obrigação de entregar o título de condução (determinado) supõe a habilitação do condenado com um título de condução e que o mesmo não esteja apreendido (…)”.».
Vejamos.
A propósito da aplicação da pena de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art.69.º, n.º1, al. a) do Código Penal, ao condutor não habilitado com carta ou licença de condução, que praticou um crime de condução de veículo em estado de embriagues, já o relator se pronunciou no acórdão proferido neste Tribunal da Relação, de 24 de Maio de 2006 ( proc. n.º 919/06, in www.dgsi.pt e na C.J, ano XXXI, tomo 3, pág. 49).
O Tribunal da Relação de Coimbra, com a constituição dos juízes que ora o constituem, voltou a tomar posição sobre esta questão no acórdão proferido em 9 de Fevereiro de 2011 ( proc. n.º 43/09.96ATBU.C1), embora no âmbito da prática de crime de condução perigosa previsto no art.
291.º do  Código Penal.
Porquanto as razões de aplicação da pena de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art.69.º, n.º1, al. a) do Código Penal, são similares, quando o arguido praticou o crime de condução de veículo em estado de embriagues, p. e p. pelo art.292.º do Código Penal  ou praticou o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal, seguiremos aqui no geral o que então ali escrevemos, pois não surgiram entretanto argumentos que nos levem a alterar a posição ali tomada.
No presente caso, é pacifico que o arguido A... com a sua conduta descrita nos factos provados praticou, em autoria material , um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º1, do Código Penal.
O art.69.º, n.º1, al. a) do Código Pena impõe a aplicação da inibição de conduzir ao condutor condenado por crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º do Código Penal.
A sanção inibitória de proibição de conduzir veículos com motor tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º, da sua inserção sistemática e do elemento histórico ( Actas da Comissão de Revisão do Código Penal  , n.ºs 5, 8, 10 e 41), traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso , à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação , que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim , mas não por último , deve esperar-se desta pena acessória que contribua , em medida significativa , para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.
Aquando da revisão do Código Penal  de 1982 , que deu lugar às alterações do DL n.º 48/95 , de 15 de Março , perante uma  redacção idêntica à que ora existe no n.º 3 do art.69.º do Código Penal,  a questão da aplicação da inibição de conduzir a quem não tinha licença de condução foi abordada e sobre ela foi tomada posição.
Refere-se na acta n.º 8 da Comissão de Revisão que o Ex.mo Procurador Geral da República anteviu uma dificuldade lógica no n.º 3 para os não titulares de licença de condução , tendo então perguntado se vai proibir-se com pena acessória quem não tem licença de condução.
A necessidade de tal pena acessória, mesmo para os não titulares de licença de condução foi justificada pelo Prof. Figueiredo Dias , “ para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição.”. O que foi aceite pela Comissão. - Cfr. “ Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, Ministério da Justiça, 1993, páginas 75 e 76. 
Também o Prof. Germano Marques da Silva considera que “ A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha a licença.” – in “ Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança”, pág. 32.
Assim, sob pena de se tratamento desigual, os condutores que conduzem sob estado de embriaguez , estejam ou não habilitados com título legal de condução , devem ser inibidos da faculdade de conduzir.
Se é verdade que quem não é possuidor de carta ou licença de condução não a pode entregar, e poderá não ser viável fazer a anotação, a que alude o n.º 5 do art.69.º do Código Penal , ainda assim a sanção acessória de proibição de conduzir ao abrigo deste preceito penal não deve deixar de ser aplicada, tal como aos condutores habilitados com título de condução. 
A aplicação da inibição de conduzir veículos com motor, que deve ser comunicada à Direcção-Geral de Viação ( art.69.º, n.º 4 do Código Penal ) - actualmente ao IMTT -, não é inútil pelo facto de ser aplicada a quem não possui título de condução.
O art.18.º, n.º1, al. e), do Regulamento da habilitação legal para conduzir ( DL n.º 138/2012, de 05 de Julho), para que remete o art.126.º do Código da Estrada, estatui  que um dos requisitos exigíveis para  a obtenção de título de condução é que o condutor « Não  se encontrar a cumprir sanção de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução;».
Daqui resulta, por um lado, que quem não é titular de carta condução pode ter sido proibido ou inibido de conduzir ou ter sido sujeito a medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução; por outro, que quem foi sujeito a uma daquelas sanções não poderá conduzir no período de inibição uma vez que não poderá durante ele obter título de condução.
Também o art.101.º, n.º 4 do Código Penal, que prevê a medida de segurança de interdição da concessão de título de condução de veículo com motor, estatui que esta  pode ter lugar relativamente a um agente condenado por crimes de condução em estado de embriaguez que “… não for titular de título de condução…”, sendo então  a sentença comunicada à Direcção-Geral de Viação - actualmente ao IMTT.
A proibição ou inibição de conduzir e a medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução, não exigem, deste modo, a prévia habilitação do condenado.
Importa ainda referir que o condenado por crime de condução em estado de embriaguez, poderá não ter carta ou licença de condução para o veículo que conduzia aquando da prática da infracção, mas poderá tê-la para outra espécie de veículos com motor, exigindo-se assim a aplicação da sanção acessória a que alude o art.69.º do Código Penal.
Depois, é possível que entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença o arguido que foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez possa vir a obter carta ou licença de condução para veículos com motor.
Tal como qualquer outro condutor com título de condução que foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez, deve ele cumprir o período de inibição da faculdade de conduzir, porquanto se verificam também quanto a ele as finalidades de prevenção que estão na base desta pena acessória.
Defendendo a aplicação de pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor ao condutor que praticar o crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução, pronunciaram-se , entre outros , os acórdãos da Relação de Coimbra , de 22 de Maio de 2002 ( in C.J. ano XXVII, 3º , pág.45) e de 11/11/2009 ( proc. n.º 112/08.2GAPNC.C1, Desemb. José Gomes de Sousa, in www.dgsi.pt ), e o acórdão da Relação de Lisboa , de 29 de Junho de 2005 ( proc. n.º 4549/2005-3, Desemb. Carlos Almeida,  in www.dgsi.pt).
No sentido de que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser aplicada ao condutor que praticar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. b) do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra , de 11/10/2006 ( in CJ. ano XXI, tomo 4, pág. 43), e o de 22/09/2010 (proc. n.º 291/08.9GATBU.C1, Desemb. Esteves Marques , in www.dgsi.pt ).
Decidido que em face da condenação do arguido A... pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º1 do Código Penal, deve ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, importa agora determinar a sua medida concreta.
O bem jurídico protegido no crime de condução em estado de embriaguez é a segurança da circulação rodoviária e indirectamente a tutela de bens jurídicos que se prendem com essa segurança, como a vida, a integridade física de outrem e os bens patrimoniais.
Quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.
Na graduação da pena principal e da pena acessória, deve atender-se à culpa do agente, às exigências de prevenção ( geral e especial ) e a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido ( art.71.º do Código Penal ).
O grau de ilicitude na actuação do arguido é elevado, pois, como se realça na douta sentença recorrida, conduzia na via pública com uma taxa de álcool no sangue de 2,39 g/l, que é quase o dobro do limite a partir do qual a lei tipifica a conduta como crime.
Agiu com dolo directo e intenso.
Tem já antecedentes criminais, designadamente por condução em estado de embriaguez e condução de veículos sem que fosse possuidor de título que o habilitasse a conduzir.
Considerando o grau de perigosidade do arguido que resulta dos factos provados, designadamente do seu passado criminal, entendemos que são prementes as razões de prevenção especial.
Também são elevadas as razões de prevenção geral dada a frequência com que crimes de condução em estado de embriaguez são cometidos em todo o País, com os inerentes dramas associados.
O arguido é de modesta condição social, sendo precária a sua situação económica, encontrando-se inserido na família e na sociedade.
Conjugando todo o exposto o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no art.69.º, n.º1 do Código Penal, entende condenar o arguido na pena acessória de 12 meses de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria .
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2013 (D.R., Série I, de 8 de Janeiro de 2013), fixou jurisprudência no sentido de que « Em caso de condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, do art. 292.º do CP, e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada na lei (art. 69.º, n.º 3, do CP, e art. 500.º, n.º 2, do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP.».
Sendo pressuposto desta jurisprudência a condenação do arguido na sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, é natural que em face da absolvição do mesmo arguido dessa pena acessória, não tenha o Tribunal a quo determinado na sentença recorrida a entrega do título, no prazo previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP..
Considerando a decisão do Tribunal a quo , nesta parte, não se pode dizer que o mesmo violou jurisprudência fixada pelo STJ ao não dar cumprimento ao ali decidido.
Tendo o Tribunal da Relação decidido aplicar ao arguido a sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal em face da sua condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez do art. 292.º do CP, impõe-se agora ordenar a cominação ali prescrita, relativamente à qual não temos argumentos de discórdia.
Assim, em face da alteração da decisão recorrida, traduzida na aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, deverá o arguido A... entregar na secretaria do tribunal de 1.ª instância ou em qualquer posto policial, o título de condução de veículos com motor de que eventualmente seja titular, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado deste acórdão, sob a cominação de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP..
Procede, deste modo, o recurso interposto pelo Ministério Público.

Decisão

           Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, alterando-se a sentença recorrida quanto à sanção acessória, condena-se o arguido A..., nos termos conjugados dos artigos 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, al. a), do Código Penal, na proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 12 ( doze ) meses, devendo o mesmo entregar o título de condução de veículos com motor de que eventualmente seja titular, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado deste acórdão, sob a cominação de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP..
A secretaria do Tribunal de 1ª instância comunicará oportunamente o disposto no art.69.º, n.º 4 do C.P..
            Sem custas.

                                                                         *
Orlando Gonçalves (Relator)
Alice Santos

[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.