Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3372/18.7T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS
Data do Acordão: 09/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 614.º E 662.º, N.º 1, AMBOS DO CPC, E ARTIGO 483.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I - Qualquer lapso/erro manifesto ou ostensivo, quer quanto à sua existência quer quanto ao modo de o retificar - ocorrido nos autos - deverá ser retificado/eliminado.

II - A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

III - Para afirmar a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, importa demonstrar que o agente, em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

             I. AA e mulher BB intentaram a presente ação declarativa comum contra CC (1º Réu), DD (2ª Ré) e EE e mulher FF (3ºs Réus), pedindo, nomeadamente[1]: o reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre o prédio rústico identificado no art.º 1º da petição inicial (p. i.); a condenação dos Réus a reconhecer que a decisão judicial do processo n.º 181/12.... constitui caso julgado em relação aos AA.; que seja declarada nula e de nenhum efeito a partilha efetuada de tal imóvel, no âmbito da escritura outorgada no Cartório Notarial ... em 16.8.1997, bem como todas as partilhas subsequentes; o cancelamento das inscrições registrais constantes da descrição n.º ...08 da Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... e respetivamente as resultantes das apresentações n.º ... de 1997/9/18 e as duas apresentações n.º ...38 de 2012/7/12 , a primeira referente à nua propriedade do 1º Réu e a segunda relativa ao usufruto da 2ª Ré; a condenação do 1º Réu e da 2ª Ré no pagamento de uma indemnização aos AA. de € 1 050 referente aos danos materiais sofridos com a perda do valor das árvores retiradas do imóvel, acrescida de juros legais a partir da citação.

            Alegaram, em síntese: são proprietários do bem imóvel identificado no art.º 1º da p. i., o qual entrou na sua posse após o óbito de GG, falecida em .../.../2011, que, por sua vez, o havia adquirido por sucessão mortis causa do seu marido HH; o referido imóvel pertenceu a um prédio cuja propriedade total pertencia ao pai de HH, o qual, após o seu falecimento e subsequente partilha, foi adjudicado na proporção de 6/14 ao próprio HH e 8/14 à sua irmã II; após a referida partilha, HH e II, em 03.01.1979, acabaram por vender parte do terreno ao 3º Réu, no total de 8/14 do mesmo; em 16.8.1984, II vendeu os restantes 4/14 que lhe restavam do aludido prédio; a partir dessa data HH e esposa GG e o 3º Réu passaram a possuir autonomamente as parcelas supramencionadas e com as delimitações e características indicadas nos art.ºs 11º, 12º e 14º da p. i., tendo exercido vários atos de posse correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre tais parcelas; após o óbito de GG, o A. passou a exercer a título próprio os direito sobre a aludida parcela de 2/14 (identificada no art.º 1º da p. i.); a descrita atuação ocorreu de forma pública, pacífica e sem oposição de terceiros, há mais de 30 anos; a referida parcela de 2/14 de terreno foi relacionada como fazendo parte integrante da herança aberta por óbito de JJ (avó do 1º Réu e sogra da 2ª Ré), tendo a mesma sido partilhada em sede de processo de inventário no ano de 1997 e adjudicada ao pai do 1º Réu e marido da 2ª Ré, KK; após o óbito deste, ocorrido em 2005, a referida parcela voltou a ser partilhada, tendo sido adjudicada a sua nua propriedade ao 1º Réu, ficando a 2ª Ré com o direito de usufruto; os Réus fundamentaram todos aqueles atos na circunstância de lhes ter sido tolerado nos anos 80 a utilização daquele espaço para corte e colocação de lenha, difundindo a ideia a partir do ano de 1997 que o terreno lhes havia sido vendido em 1977 pelo anterior proprietário, o que não corresponde à verdade; o 1º Réu e a 2ª Ré têm vindo a praticar vários atos que atentam contra o seu direito de propriedade sobre a aludida parcela de terreno (2/14 do prédio mãe), invadindo-o e ocupando-o ilicitamente, apesar de notificados para cessarem tais atos, entre os quais se encontram, além do mais, o corte e apropriação de pinheiros no valor de € 1 050.

             Citados os Réus, o 1º Réu contestou invocando a excepção de incompetência absoluta do tribunal (para conhecer dos primeiros pedidos) e impugnando a generalidade da matéria de facto alegada pelos AA., inclusive, aquela que contende com o invocado direito de propriedade dos mesmos sobre a parcela descrita no art.º 1º da p. i., afirmando que lhe pertence e que os AA. declararam o prédio em causa como omisso na matriz no ano de 2016 e, em 24.3.2017, inscreveram o mesmo junto da CRP .... Concluiu pela improcedência da ação.

            Por despacho de 23.10.2019 foi admitida a intervenção principal provocada, como associados dos Réus e quanto ao pedido formulado na petição inicial sob o “n.º 8” (fls. 21), de LL, JJ, MM, NN, CC e OO.[2]

            Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, e, ainda, procedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade quanto ao pedido deduzido pelos AA. sob o “n.º 3” na sua p. i. (fls. 20) e de falta de interesse em agir dos AA. quanto ao pedido deduzido sob o “n.º 7” na p. i., absolvendo-se os Réus da instância quanto a estes pedidos; o mesmo despacho identificou o objeto do litígio[3] e enunciou os temas da prova.

            Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 04.01.2022, julgou a ação  parcialmente procedente e, em consequência decidiu: a) Declarar o A. proprietário do prédio rústico descrito na CRP ..., sob o n.º ...84, situado em PP, com a área total de 2 460 m2, inscrito na matriz rústica da Freguesia ... sob o art.º ...75, designado por mata de quercíneas com oliveiras, pinheiros dispersos, confrontando a norte com estrada; sul e poente com QQ; e a nascente com caminho, tendo este direito sido constituído por usucapião; b) Declarar que o prédio identificado em a) corresponde à parcela de 2/14, registada na sua nua propriedade a favor do Réu CC e o direito de usufruto a DD, e melhor identificado nos pontos 2 e 3 da matéria de facto provada (cuja autonomização se declarou); c) Absolver os Réus do demais peticionado.

Inconformado, o 1º Réu apelou formulando as seguintes conclusões:       

            1ª - Porque a sentença recorrida não exarou a motivação que levou a nomenclar a factualidade considerada provada e atinente ao ponto 18 da mesma e ainda porque o item 3 se encontra com texto truncado e ininteligível, encontra-se inquinada de nulidades insanáveis e irreparáveis que aqui expressamente se invocam nos termos do art.º 615º/1 als. b e c) do Código de Processo Civil (CPC), porquanto a norma do art.º 607º/4 do mesmo diploma impunha, ao Tribunal recorrido, a produção de uma decisão sem ambiguidade ou obscuridade, tonando-a inteligível.

            2ª - São matérias controvertidas e “vexata quaestio” a posse sobre determinado espaço (duplicado em artigos matriciais pelos AA.) e o lapso temporal dessa posse e eventual abandono.

            3ª - Tomando a sentença recorrida e o facto do Tribunal a quo ter dado comprovado que os alegados anteproprietários dos AA. passaram a limpar aquela parcela de terreno “roçando o mato, cortando árvores, e levando a lenha de oliveiras e pinheiros para seu consumo doméstico, apanhando anualmente a azeitona das oliveiras aí existentes” (cf. Item 7 dos FP) o que terá ocorrido após 03/01/1979 (itens 7 e 5 dos FP) até ao falecimento de HH (.../.../1984) e após o decesso deste pelo menos nos dois anos seguintes; certo é que:

            - GG e também os A. abandonaram o espaço físico em litígio em termos possessórios, de tal sorte que encontramos respaldo na sentença posta em crise (pág. 23/28, 2ª linha) a qual refere “após um interregno”;

            - Face à factualidade provada e considerando o ponto 19 FP, provado ficou que antecessores do reconvinte usaram e fruíram o espaço em apreço, tudo concatenando com o julgado como não provado sob c), ou seja, a colocação de lenha e todos da sua

atividade sem qualquer pedido de autorização.

            - Temos assim verificado o abandono total do referido espaço físico por um lapso temporal de 21 para 22 anos por parte dos AA. e seus antepassados (itens 7, 11, 12 e 19 FP) e nunca uma posse durante “sensivelmente 33 anos” (sic pág. 23/28, 2º §).

            4ª - Ao invés, em função da matéria julgada como provada em 19 e ao supra dito e transcrito em 34 a 39, aqui dado por reproduzido, temos acervo factual / probatório suficiente para julgar como provada a posse (com depósito de lenhas, desflorestamento) do recorrente e seus antepassados, naquele local, desde a “década 80/inícios da década de 90” até à atualidade, de forma contínua e pública tudo o que foi acompanhado de registo na CRP ... e da respetiva presunção (art.º 7º do Código de Registo Predial), desde 18/9/1977, atualizado em 12/7/2012.

            5ª - Não surpreendemos que os recorridos tenham intentado qualquer ação de prevenção com vista a afastar agravo e concretizar abstenção por parte do recorrente, nos termos do art.º 1276º do Código Civil (CC).

            6ª - A propósito do ponto 23 FP salienta-se que face à prova em matéria possessória, o Réu CC não entrou naquele dia “ex novo” no prédio, mas entrou e saiu do mesmo, como em tanto outros dias, sempre que necessitou.

            7ª - Como se disse na fundamentação deste recurso em 26 a 33 aqui dado por reproduzido, e quanto ao “prédio” a que alude o ponto 1 dos FP, em 06/5/2016 os AA.:

            - Peticionaram a criação de um novo artigo matricial ao Serviço de Finanças, para a parcela “sub judice” circunscrevendo-o, confinando-o, descrevendo-o e denominando-o, como se de um prédio omisso à matriz se tratasse – o que efectivamente não era verdade desde 1972 (atual matriz vigorante no concelho ...) e na qual tem o art.º rústico ...76 da Freguesia ... - ponto 4 dos FP;

            - Ainda assim de “motu proprio” no mesmo Serviço de Finanças adicionou o novo artigo (em duplicação do acabado de mencionar) ao processo e imposto sucessório n.º ...65, como se tivesse ficado à morte de GG, ocorrida a 20/7/2011 (cerca de 5 anos antes); 

            - Este expediente, em conjunto, levou ao registo de um imóvel originado da forma acabada de referir, em contravenção, ao princípio latino “nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet”.

            8ª - Tal registo, se teve o propósito de ilidir a presunção a favor do recorrente e seus antepossuidores, desde 1997, atualizado a 2012 (item 12 supra e 14 FP), esse resultado jamais poderia ser conseguido, mas certo é que a sentença recorrida declarou a duplicidade registral e matricial e a autonomização do espaço, sem ordenar o cancelamento das inscrições a favor dos RR., mantendo-se, pois, a presunção do registo de 2/14 sob o imóvel em causa a favor do recorrente e os atos de posse imputados e praticados pelo mesmo nu-proprietário e seus antepossuidores, desflorestando o pinhal, usando o local para depósito de materiais da sua atividade (item 19 FP).

            9ª - A duplicação do registo por parte dos AA. e a posse e registo do recorrente nunca poderia resultar no decidido em crise; reforçando esta ideia o texto final da pág. 20 e início da 21: “Independentemente do acerto/bondade da conduta dos Autores ao declararem omisso um determinado prédio que já encontrava respaldo numa realidade matricial e registral vigente em data anterior, a verdade é que um e outro prédio dizem respeito à mesma realidade material e cujas partes reclamam para si o direito de propriedade, uns por usucapião (Autores) outros de forma derivada e fazendo-se valer da presunção decorrente do registo nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial (Réu).

            10ª - Com a factualidade constante dos pontos 20 e 21 dos FP pretendeu o Tribunal recorrido atribuir à decisão tirada na APC 181/12.... do ..., o valor de caso julgado relativamente a estes autos, porém não o poderia, jamais, fazer, porque nesta ação não se repetem, cumulativamente, sujeitos, pedido e causa de pedir do da anterior (cf. art.ºs 580º e 581º do CPC) quanto muito sobrando o valor extraprocessual das provas conforme previsto no art.º 421º do CPC, razão pela qual, como força de caso julgado, caem também os pontos 20 e 21 FP.

            11ª - Assim impunha-se decisão diversa da assumida e tomada pelo Tribunal recorrido e no sentido de que:

            a) Constassem da factualidade provada as matérias:

            I - Os Réus e seus antecessores, em data não concretamente apurada, mas durante a década 80/inícios da década de 90, colocaram lenha e toros da sua atividade no espaço identificado em 1), o que se mantém até à atualidade. (anterior 19 FP, reformulado)

            II. - Em 08.4.2017 o Réu CC também entrou no espaço referido em 1), com máquinas agrícolas, lavrou o terreno, cortou o mato, podou as oliveiras aí existentes, tendo cortado e deitado ao chão oito pinheiros que aí se encontravam, e dividiu-o em toros. (anterior 23 FP, reformulado) e, ao invés,

            b) As matérias supra ditas em 54 integrassem a lista dos factos não provados:

            I. Após o acto descrito em 5), HH e mulher GG passaram a limpar aquela parcela de terreno, melhor descrita nas suas dimensões e confrontações em 1) (correspondente a 2/14 do prédio adjudicado por óbito de RR), roçando o mato, cortando árvores, e levando a lenha de oliveiras e pinheiros para seu consumo doméstico, apanhando anualmente a azeitona das oliveiras aí existentes. (anterior 7 FP)

            II. Todos os atos descritos em 7) foram praticados em conjunto por HH e esposa GG, até ao seu falecimento de HH, e, após o seu falecimento, por GG durante pelos menos os 2 anos seguintes, com conhecimento público, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de serem proprietários da aludida parcela de terreno e de não lesarem direitos de terceiros. (anterior 11 FP)

            III. Em data não concretamente apurada, mas após 28.02.2008, GG voltou a praticar sobre o referido terreno os atos indicados em 7), através de AA, sendo que, após o seu falecimento, este passou a fazê-lo em nome próprio. (anterior 12 FP)

            IV. No âmbito do processo n.º 181/12...., que correu termos na Instância Local ... – Secção Cível – J2, por sentença datada de 13/02/2015, onde figuravam como Autores reconvindos AA e BB e, como Réus reconvintes, além do mais, DD e CC, foi julgado improcedente a reconvenção deduzida com os Autores, no qual peticionavam o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, pela via do usucapião, da parcela de 2/14 do prédio “(…) matriciado sob 2576 da Freguesia ... – ..., descrito na CRP ... sob o número ...18, formando um prédio rústico menor: “... e mato, com oliveiras e cultura, estaleiro de madeiras, sito nas ..., com área aproximada a 1 996,96 m2 a confrontar do norte com Estrada, nascente com caminho, sul com SS e TT e poente com Herdeiros de UU””. (anterior 20 FP)

            V. No âmbito da referida ação foram dados como não provados, além do mais, os seguintes factos por referência à aludida parcela de terreno cuja aquisição por usucapião foi julgada improcedente:

            “e) Tendo sido adquirida verbalmente por CC e JJ a HH e GG, em 1977. f) O Réu CC e seus antecessores KK, DD, CC e JJ, bem como através de HH e GG, têm, desde 1977, feito dessa parcela estaleiro de madeiras para carregamentos destinados à celulose, bem como a serrações, e destinados a lareiras. g) Cortando mato e pinheiros, amanhando as oliveiras, podando-as e delas recolhendo a azeitona. h) Destinando-as posteriormente ao corte para madeira, deixando que as mesmas fossem perecendo e secando com o crescimento da pinha. i) O que sucede há mais de 5, 10, 15, 20, 30 e mais anos. j) À vista de toda a gente de ..., inclusive dos Autores. l) Sem oposição de quem quer que seja. m) Continuadamente, sempre que necessário. n) Na convicção de não lesarem interesses de outrem, inclusive dos Autores.”. (anterior 21 FP)

            12ª - Tudo levando a “julgar a ação improcedente, porque não provada, absolvendo os réus do pedido. Custas a cargo dos Autores.”.

            13ª - Assim não tendo acontecido, foram violadas pelo Tribunal a quo as normas dos art.ºs 300º, 302º, 303º, 305º, 1251º, 1256º a 1262º, 1287º a 1289º, 1292º e 1267º do CC e 421º, 580º, 581º, 607º/4 e 615/1 als. b) e c) do CPC.

             Os AA. responderam e, em recurso subordinado, concluíram:

            1ª - Os recorridos deduziram pedido de condenação no pagamento aos A.A por parte do 1º e 2º R.R de uma indemnização de € 1 050 referente aos danos materiais sofridos pela perda do valor das árvores retiradas do imóvel pelos mesmos R.R, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos contados a partir da citação.

            2ª - Impõe-se a condenação dos R.R nesse pagamento, uma vez que o seu comportamento é ilícito e causal desses mesmos danos.

            3ª - Através de notificação judicial avulsa, datada de 02.4.2017, os AA. instaram o 1º Réu para que deixasse de tentar ocupar com coisas suas o imóvel identificado em 1 e para que desocupasse o mesmo, retirando os cepos de oliveiras ali colocados.

            4ª - Em 08.4.2017 o 1º Réu entrou de novo no referido imóvel, com máquinas agrícolas, lavrou o terreno, cortou o mato, podou as oliveiras aí existentes, tendo cortado e deitado ao chão oito pinheiros que aí se encontravam, e dividiu-o em toros.

            5ª - No mesmo dia os AA. participaram a conduta referida em 21 e 22 à GNR.

            6ª - No dia 10.4.2017, da parte da manhã, o 1º Réu retirou do local a madeira de pinheiro cortada, apropriando-se da mesma contra a vontade dos AA..

            7ª - O valor atual daquela madeira aproxima-se a € 1 050, por ser o valor de € 150 cada pinheiro cortado.

            8ª - Os AA. apresentaram queixa crime contra o 1º Réu pelos factos identificados em 23) a 25), dando origem ao inquérito n.º 48/17.... do DIAP ..., processo que acabou arquivado.

            9ª - Deve assim nos precisos termos do disposto no art.º 483º do CC, ser alterada a sentença da 1ª instância, julgando procedente o pedido do ponto 10, e assim condenando-se também os 1º e 2º R.R no pagamento aos AA. do montante de € 1 050, referente aos danos materiais sofridos pela perda do valor das árvores retiradas do imóvel, pelo mesmos Réus, acrescido dos juros legais a partir da citação.

            10ª - A manter-se o decidido na sentença, nessa parte, a mesma viola o disposto no art.º 483º do CC.

            Rematam dizendo que deve ser negado provimento ao recurso deduzido pelo 1º Réu e julgado procedente o “ponto 10” do pedido (fls. 21).

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar/decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito (cuja modificação depende, sobretudo, do sucesso daquela impugnação; pedido indemnizatório deduzido pelos AA.).


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de ..., sob o n.º ...84, o prédio rústico, situado em PP, com a área total de 2460 m2, inscrito na matriz rústica da Freguesia ... sob o art.º ...75, designado por mata de quercíneas com oliveiras, pinheiros dispersos, confrontando a norte com estrada; sul e poente com QQ; e a nascente com caminho, encontrando-se registado a favor de AA, constando como causa da aquisição “Sucessão Testamentária” e como sujeito passivo GG.

            2) O prédio rústico composto de terra de pastagem com oliveiras, pinhal e mato, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., com a área matricial de 10 560 m2, a confrontar matricialmente do norte com VV, do nascente com herdeiros de CC, do sul com WW e do poente com QQ, encontra-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...76º.

            3) O referido prédio encontra-se descrito na CRP ... sob a descrição n.º ...18, com inscrição sob a Ap. ... de 1999/08/25 da quota de 12/14 a favor de EE e mulher FF; sob a Ap. ...38 de 2012/07/12, a quota de 2/14 a favor de CC; encontrando-se averbada, através da Ap. ...38 de ...12, data presente. 6 de 1997/09/13 com indicação de partilha judicial-usufruto sobre 2/14 a favor de DD.

            4) Por escritura de partilha por óbito de RR e mulher II, datada de 06.6.1973, outorgada perante o Cartório Notarial ... foi adjudicado aos descendentes HH e a II, na proporção de 6/14 e 8/14, respetivamente, o imóvel descrito sob o verba n.º 5 como “Uma terra de mato, pinheiros e terra de semeadura chamada PP, a confrontar do norte com VV, nascente com ..., sul com ... de do poente com QQ”, naquela data inscrito na matriz sob o art.º ...76 da Freguesia ..., concelho ...”.

            5) Por escritura pública de compra e venda, datada de 03.01.1979, perante o Cartório Notarial ..., HH e II, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam vender ao 3º Réu, tendo este declarado comprar na qualidade de segundo outorgante, 8/14 do prédio identificado em 2), sendo 4/14 de HH e 4/14 de II.

            6) Por escritura Pública de compra e venda, datada de 16.8.1984, perante o Cartório Notarial ..., II, na qualidade de primeira outorgante, declarou vender ao 3º Réu, tendo este declarado comprar, 4/14 do prédio identificado em 4).

            7) Após a o acto descrito em 5), HH e mulher GG passaram a limpar aquela parcela de terreno, melhor descrita nas suas dimensões e confrontações em 1) (correspondente a 2/14 do prédio adjudicado por óbito de RR), roçando o mato, cortando árvores, e levando a lenha de oliveiras e pinheiros para seu consumo doméstico, apanhando anualmente a azeitona das oliveiras aí existentes.

            8) HH faleceu em .../.../1985[4], constando da relação de bens apresentada no processo de Imposto Sucessório n.º 14263, instaurado no Serviço de Finanças ... em 15.9.1985, o prédio identificado sob a verba 16 como “Uma terra de semeadura, com oliveiras e pinheiros, chamada PP, no limite de ..., confrontando do norte com caminho, sul com QQ, nascente e poente com caminho”.

            9) Por testamento outorgado a 28.02.2008, GG declarou, além do mais, instituir o A. como seu único e universal herdeiro.

            10) GG faleceu a .../.../2011[5], constando da habilitação efetuada a 16.11.2011 junto do Cartório Notarial ... que o A. declarou, além do mais, que a falecida não tinha herdeiros legitimários, tendo deixado testamento público no qual o instituiu como herdeiro universal, não havendo outras pessoas que com ele concorram à sucessão.

            11) Todos os atos descritos em 7) foram praticados em conjunto por HH e esposa GG, até ao seu falecimento de HH, e, após o seu falecimento, por GG durante pelos menos os 2 anos seguintes, com conhecimento público, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de serem proprietários da aludida parcela de terreno e de não lesarem direitos de terceiros.

            12) Em data não concretamente apurada, mas após 28.02.2008, GG voltou a praticar sobre o referido terreno os atos indicados em 7), através do A., sendo que, após o seu falecimento, este passou a fazê-lo em nome próprio.

            13) No dia 16.8.1997, perante o Cartório Notarial ..., foi celebrada escritura de partilha por óbito de JJ, falecida a .../.../1984, na qual foi adjudicado a KK 2/14 de uma pastagem com dezasseis oliveiras, pinhal e mato, sito em ..., com a área de dez mil quinhentos e sessenta metros quadrados, a confrontar do norte com VV, nascente CC herdeiros, sul WW, e poente QQ, inscrito na matriz sob o artigo n.º ...76.

            14) KK faleceu a .../.../2005; correu termos processo de inventário para partilha do seu acervo hereditário no extinto tribunal de ... (n.º 215/10....), no qual o prédio identificado em 13)[6] e aí descrito sob a verba 26 foi adjudicado a CC (nua propriedade) – e o direito de usufruto DD (filho e viúva do falecido, respetivamente).

            15) Em 11.10.1984 não foi comunicado junto do Serviço de Finanças, para efeitos de liquidação do imposto de selo por óbito de JJ, o prédio identificado em 13) como integrando a relação de bens daquela.

            16) AA, a 06.5.2016, participou junto do Serviço de Finanças ..., para efeitos de inscrição matricial com fundamento na omissão na matriz do prédio identificado em 1).

            17) AA, a 14.02.2017, requereu junto do Serviço de Finanças ..., para efeitos de liquidação de Imposto de Selo, o adicionamento da verba correspondente ao prédio identificado em 1) “por não ter sido em tempo relacionada na respetiva relação de bens”.

            18) AA procedeu à inscrição no registo do imóvel descrito em 1) no dia 24.3.2017.

            19) Os Réus e seus antecessores, em data não concretamente apurada, mas durante a década 80/inícios da década de 90, colocaram lenha e toros da sua atividade no terreno identificado em 1).

            20) No âmbito do processo n.º 181/12...., que correu termos na Instância Local ... – Secção Cível – J2, por sentença de 13.02.2015, onde figuravam como Autores reconvindos AA e BB e, como Réus reconvintes, além do mais, DD e CC, foi julgado improcedente a reconvenção deduzida com os Autores, no qual peticionavam o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, pela via do usucapião, da parcela de 2/14 do prédio “(…) matriciado sob 2576 da Freguesia ... – ..., descrito na CRP ... sob o número ...18, formando um prédio rústico menor: “... e mato, com oliveiras e cultura, estaleiro de madeiras, sito nas ..., com área aproximada a 1.996,96 metros quadrados a confrontar do norte com Estrada, nascente com caminho, sul com SS e TT e poente com Herdeiros de UU”.

            21) No âmbito da referida ação foram dados como não provados, além do mais, os seguintes factos por referência à aludida parcela de terreno cuja aquisição por usucapião foi julgada improcedente:

            “e) Tendo sido adquirida verbalmente por CC e JJ a HH e GG, em 1977.

            f) O Réu CC e seus antecessores KK, DD, CC e JJ, bem como através de HH e GG, têm, desde 1977, feito dessa parcela estaleiro de madeiras para carregamentos destinados à celulose, bem como a serrações, e destinados a lareiras.

            g) Cortando mato e pinheiros, amanhando as oliveiras, podando-as e delas recolhendo a azeitona.

            h) Destinando-as posteriormente ao corte para madeira, deixando que as mesmas fossem perecendo e secando com o crescimento da pinha.

            i) O que sucede há mais de 5, 10, 15, 20, 30 e mais anos.

            j) À vista de toda a gente de ..., inclusive dos Autores.

            l) Sem oposição de quem quer que seja.

            m) Continuadamente, sempre que necessário.

            n) Na convicção de não lesarem interesses de outrem, inclusive dos Autores.”.

            22) Através de notificação judicial avulsa, datada de 02.4.2017, os Autores instaram o 1º Réu para que deixasse de tentar ocupar com coisas suas o imóvel identificado em 1) e para que desocupasse o mesmo, retirando os cepos de oliveiras ali colocados.

            23) Em 08.4.2017 o 1º Réu entrou de novo no referido imóvel, com máquinas agrícolas, lavrou o terreno, cortou o mato, podou as oliveiras aí existentes, tendo cortado e deitado ao chão oito pinheiros que aí se encontravam, e dividiu-o em toros.

            24) No mesmo dia os AA. participaram a conduta referida em 22) e 23)[7] à GNR.

            25) No dia 10.4.2017, da parte da manhã, o 1º Réu retirou do local a madeira de pinheiro cortada, apropriando-se da mesma contra a vontade dos AA..

            26) O valor atual daquela madeira aproxima-se a € 1 050, por ser o valor de € 150 cada pinheiro cortado.

            27) Os AA. apresentaram queixa crime contra o 1º Réu pelos factos identificados em 23) a 25), dando origem ao inquérito n.º 48/17.... do DIAP ..., processo que veio a ser arquivado.

            2. E deu como não provado:

            a) A partir de 16.8.1984, HH e EE procederam à divisão do prédio identificado em 2) e 3) através da colocação de marcos.

            b) Que os atos identificados em 7) tenham sido praticados por GG no período que mediou entre o 3º ano após a morte de HH e a outorga do testamento a favor do A..

            c) Que a colocação da madeira referido em 19) tenha sido autorizada por HH e GG.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1, do CPC[8]), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir, indicando quais os fundamentos do recurso – as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

Ora, o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objetiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[9], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada nas alegações.[10]

Assim, perante o aludido enquadramento normativo, esta Relação considerará, apenas, as concretas questões suscitadas que respeitem aquelas exigências, permaneçam controvertidas e relevem para a (re)ponderação e o desfecho da lide.

4. Diz o 1º Réu/recorrente que relativamente ao ponto 18 da matéria assente, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo não exarou a motivação que levou a nomenclar tal factualidade como provada e que o ponto 3 da matéria julgada como provada apresenta-se-nos com texto truncado, não decifrável na sua plenitude, verificando-se, assim, as causas de nulidade da sentença previstas no art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e c), in fine.

No despacho sobre o requerimento de interposição do recurso, o Mm.º Juiz do tribunal a quo considerou, por um lado, que «foram devidamente discriminados na sentença os concretos fundamentos pelos quais o facto 18 se deu como provado, o que facilmente se constata pela leitura e análise da motivação de facto (segunda página da motivação de facto, penúltimo parágrafo). É certo que de tal motivação consta que a mesma se refere aos factos 1, 9, 10, 16, 17 e 19, mas da sua leitura é latente que se trata de um lapso de escrita quando se refere “17 e 19”, quando o que se queria consignar seria “17 e 18” (tanto mais que o facto 19 se encontra motivado na primeira página da motivação da matéria de facto)»; e, por outro lado, que «quanto à ininteligibilidade do ponto 3 da matéria de facto provada também não poderá colher, isto porque se trata apenas da transcrição da matéria constante da certidão junta aos autos, sendo que, quaisquer dúvidas que pudessem surgir na sua interpretação, são desde logo sanadas com a leitura da motivação de tal facto correspondente»; assim, indeferiu a apontada “nulidade decorrente da falta de fundamentação e ininteligibilidade invocada pelo Réu CC nas suas alegações de recurso”.

            Ora, não importando cuidar doutras razões adjetivas e seu enquadramento, dir-se-á, apenas, que da leitura da motivação da decisão relativa à matéria de facto e dos ditos pontos de facto decorre estarmos perante meros lapsos de escrita já suficientemente esclarecidos e retificados por parte do Mm.º Juiz do Tribunal a quo,  sendo que, em princípio, perante qualquer lapso/erro manifesto ou ostensivo, quer quanto à sua própria existência quer quanto ao modo de o retificar - ocorrido nos autos - este deverá ser retificado/eliminado [cf. o art.º 614º, do CPC e, a propósito do erro de cálculo ou de escrita nas declarações de vontade negociais, o disposto no art.º 249º, do CC].[11]

            Conclui-se, desta forma, pela inexistência dos apontados vícios.

            5. a) Tendo-se adiantado a importância da reapreciação da prova, verifica-se que o recorrente/1º Réu se insurge contra a decisão relativa à matéria de facto, invocando parte da prova pessoal produzida em audiência de julgamento e a prova documental, concluindo, sobretudo, que o tribunal a quo deveria dar nova redação aos pontos de facto 19) e 23) e ter julgado não provada a matéria dita em II. 1. 7), 11), 12), 20) e 21), supra, ciente de que tal alteração levará a um diferente desfecho dos autos.

            Assim, dada a relevância de tal factualidade, importa saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo.

b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[12], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos (e declarações de parte) foram apreciados de forma razoável e adequada.

            E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[13], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            d) Partindo da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto e tendo em atenção o objeto do recurso, destacamos os seguintes excertos:

            «(…) considerando a causa de pedir tal qual foi estruturada pelos Autores e a ausência de reconvenção por parte dos Réus, a presente contenda apenas circunscreve-se ao alegado direito de propriedade dos Autores sobre o terreno descrito no artigo 1º da petição inicial, o qual, segundo os próprios, coincide com aquele que se encontra registado a favor do Réu CC (nua propriedade) e DD (direito de usufruto sobre a mesma) e descrito no artigo 38º a 42º do mesmo articulado. / Isto para dizer que os factos constantes dos pontos 13, 14, 15 e 19[14] da matéria de facto como provada resultam desde logo do acordo das partes, porquanto reconhece o Réu CC que a parcela de terreno reclamada pelos Autores é a mesma que foi relacionada como integrando o acervo hereditário de JJ, tendo-lhe sucedido EE e, após o decesso deste, foi essa parcela de terreno adjudicada ao próprio (nua propriedade) e à Ré DD (direito de usufruto), tendo procedido ao respetivo registo. Resulta igualmente da matéria de facto admitida por acordo que durante a década de 80 os antecessores do Réu CC colocaram madeira na parcela de terreno em litígio, tendo o mesmo impugnado apenas a matéria atinente à autorização ou não por parte de HH e GG para esse efeito. Ademais, sempre tais factos encontram respaldo nos elementos documentais juntos aos autos, cuja força probatória autêntica não foi posta em causa, mais concretamente da escritura de partilha de fls. 95 a 113; Habilitação de herdeiros fls. 115; certidão processo de inventário fls. 467 a 491; e certidão de registo predial a fls. 127, tal como consta da certidão de fls. 541 a 546, emitida pela Autoridade Tributária, que aquando da liquidação do imposto de selo por óbito de JJ não foi relacionado como bem integrante do seu património os 2/14 do prédio aqui em discuta, não se encontrando ali nenhum bem com idêntica descrição e número de matriz. / Concomitantemente, não restam também dúvidas, face à posição assumida pelas partes e ao teor do testamento público e habilitação de herdeiros de fls. 81 a 86; certidão de registo predial de fls. 27; matriz predial de fls. 26; requerimentos enviados às finanças de fls. 87, 88, 94, que GG instituiu o Autor (...) como seu único e universal herdeiro; que o prédio identificado no artigo 1º da p. i. foi declarado omisso na matriz e que foi instaurado procedimento para liquidação de imposto de selo pelo óbito de GG, bem como que a referida aquisição foi inscrita na CRP no ano de 2017 (...). / (...) Igualmente admitido por acordo estão os factos imputados pelos Autores ao Réu CC que contendem com a invocada notificação judicial avulsa (doc. fls. 269 a 289), processo crime n.º 48/17.... (fls. 200 a 218, 415 a 441), processo cível n.º 181/12.... e atos praticados por este no terreno em litígio, nomeadamente quanto à ocupação, corte de árvores e respetivo valor (...). / (...) Dito isto, a restante matéria de facto que se mostrava controvertida (factos provados 7, 11 e 12) carecia naturalmente da comprovação através da produção de prova testemunhal, na medida em que estão em causa os atos de posse praticados desde a aquisição do prédio pelo falecido HH e esposa GG, bem como, posteriormente pelo Autor (...). / Para além das testemunhas arroladas pelo Autor, mostrou-se igualmente relevante o teor do depoimento de parte do Réu EE, o qual, apesar de assumir o papel de parte nos presentes autos, não deixou de esclarecer os concretos contornos em que se deu a sua aquisição dos 12/14 do qual é proprietário, relatando os diferentes momentos em que adquiriu os mesmos, evidenciando um conhecimento profundo e detalhado quer da composição do terreno ao longo dos anos, bem como daqueles que reportava como seus proprietários. / Assim, tal depoimento mostrou-se consentâneo com aquilo que viriam a relatar as testemunhas arroladas pelos Autores, (...) às quais foi atribuída a necessária credibilidade por forma a dar tal facto como provado. (...) quanto aos atos de posse exercidos pelo falecido HH e esposa GG ao longo dos vários anos (principalmente até à morte do primeiro), bem como dos atos que viriam a ser praticados pelo Autor (...) (tanto enquanto GG era viva, como após a sua morte), os mesmos mostraram-se consentâneos e articulados a ponto de concluirmos pela sua veracidade. / Apesar de ser um facto que reputamos como notório, não podemos deixar de realçar que a interpretação e valoração daquilo que foi dito por todas as testemunhas teve necessariamente em conta o lapso temporal decorrido desde a prática dos factos sobre os quais as mesmas se pronunciaram (entre os 20 e os 30 anos), o que fez com que encarássemos os mesmos com a devida parcimónia. / Neste sentido, veio a testemunha SS, de uma forma minimamente circunstanciada e objetiva, evidenciando um discurso completamente descomprometido com o desfecho da presente causa, relatar que conhece muito bem o terreno aqui em causa, atento a circunstância de ter um terreno que confina com o mesmo. Referiu que o terreno passou a pertencer a HH e II, após a morte do pai de ambos, tendo igualmente conhecimento que uma determinada parcela havia sido vendida ao Réu EE. (...) relatou que durante o tempo em que HH foi vivo que ele e a sua esposa GG sempre “amanharam o terreno” e que, após este falecer, deixou de ver lá a esposa GG (...). No mais, referiu que o terreno desde então deixou de ser cuidado, ficando repleto de silvas, o que só terá mudado desde o momento em que AA passou a tomar conta do terreno, limpando o mesmo e podando as oliveiras. / Quanto à testemunha XX, ainda que se trate de um irmão do Autor (...), consideramos que, em geral, tal circunstância não o impediu de responder com verdade àquilo que lhe foi questionado, em particular no que concerne à propriedade do terreno e aos atos nele praticados. De uma forma contextualizada, evidenciando conhecimento direto dos factos, veio (...) afirmar de forma perentória e assertiva que se lembra de ir para o mesmo desde criança com o seu tio HH, o qual sempre o viu a tratar do terreno juntamente com a tia GG. Referiu igualmente que após a tia ter passado a ir viver com o irmão AA, foi este que passou então a tratar do terreno, limpando o mesmo e podando as árvores, sendo do conhecimento de todos os sobrinhos que a tia iria deixar os seus bens (incluindo a parcela de terreno em causa) ao irmão AA, após este ter decidido tomar conta da tia (que com ele foi viver por volta de 2007/2008). / (...) os depoimentos destas testemunhas mostraram-se consentâneos com o relato efetuado pelo Réu EE, o qual, apesar de assumir essa posição nos presentes autos, não demostrou nenhum interesse contra ou a favor (...), na medida em que é apenas proprietário dos restantes 12/14 do prédio aqui em disputa, ninguém pondo em causa o seu direito. Deste modo, foi o mesmo (...) perentório e objetivo, sem deixar de relatar factos que, em abstrato, poderiam ser desfavoráveis tanto aos Autores como aos Réus, que desde que adquiriu a sua parcela de terreno a HH e a II, sobretudo após passar a pertencer-lhe os 12/14 e a HH os 2/14, que era este que travava e cuidava daquela parcela de terreno. Referiu que até à morte de HH (...) sempre viu lá o próprio e a sua esposa GG a tratar do terreno, referindo que sempre tiveram no local as sementeiras. Contudo, esclareceu que após o falecimento de HH deixou de ver lá a sua esposa GG, referindo que aquela parcela de terreno ficou ao abandono e “cheia de silvas”, à exceção de um ou dois anos em que a mesma ainda apanhou a azeitona nas oliveiras que estavam no terreno. Desde então, (...) mais ninguém fez nada no terreno, situação que se manteve até cerca de 2009, altura em que viu o Autor (...) a fazer a limpeza no terreno e a cortar alguns pinheiros, em 2010/2011 a “moer a água”, tudo isto enquanto a tia GG ainda era viva (...). Tais atos sobre a aludida parcela de terreno mantiveram-se mesmo após a morte de GG e até ao ano de 2016. / Tudo compulsado, intercalando o depoimento das testemunhas supramencionadas com o depoimento de parte do Réu EE, não temos dúvidas em considerar tais factos como provados, ficando para nós claro que HH e GG e, posteriormente, AA quem praticaram os aludidos atos de posse[15]. / (...) a testemunha YY evidenciou em discurso tendencioso e parcial tentando fazer transparecer ao tribunal que teria um conhecimento real dos factos em causa, quando na verdade praticamente a totalidade do seu depoimento se refere a factos que reporta ao ano de 2012 (...). / Quanto a ZZ, AAA e BBB, igual juízo se impõe quanto à sua credibilidade. Do seu discurso denotou-se uma “vontade desmesurada de falar”, mas cujo teor das suas declarações foi sempre repleto de juízos conclusivos, respostas de acordo com a forma sugestiva com que lhes foram colocadas (...). /(...) toda a matéria de facto alegada pelo Réu CC foi circunscrita a matéria de defesa por impugnação, alegando o mesmo que teria sido celebrado em 1977 um contrato verbal para aquisição da aludida parcela de terreno e que desde então os seus antecessores haviam praticados vários atos de posse sobre o mesmo. / Ora, em abstrato, tal matéria seria passível de legitimar a aquisição da aludida parcela de terreno pela via da usucapião, mas a verdade é que os Réus nada excecionaram ou reconvencionaram nesse sentido. (...) / Decorre da matéria de facto dada como provada que a ação instaurada pelos Autores no ano de 2012 com vista ao reconhecimento do direito de propriedade sobre a parcela aqui em disputa (a qual terminou nesta parte com a desistência da instância), acolheu também por parte do aqui Réu CC um pedido reconvencional com vista à aquisição daquele terreno pela via da usucapião. Sobre este pedido pronunciou-se o tribunal, dando como não provado exatamente a mesma factualidade que o mesmo aduziu nos presentes autos na sua contestação (embora nenhum efeito jurídico tenha retirado da mesma). / Assim, sobre tais factos já recaiu uma decisão judicial anterior, transitada em julgada, pelo que, naturalmente, nenhum efeito jurídico quiseram os Réus retirar nos presentes autos quanto à alegação de tais factos (cientes certamente do caso julgado quanto àquela matéria). / Como tal, e sem necessidade de maiores considerações, sempre se diga que tal alegação do Réu sempre se mostrou inconsequente para a presente causa, na medida em que, embora nenhum efeito tenha retirado da alegação de tal matéria, sempre tais factos se mostram julgados e transitados por sentença anterior, pelo que sempre estaria vedado a este tribunal qualquer pronúncia quanto aos mesmos. (…)»

 e) Ouvida a prova pessoal, vejamos o que decorre das declarações e dos depoimentos (mencionados na impugnação):

            - Depoimento do Réu EE (fls. 600):

            Comprou os “12/14” do prédio, em 1979; os restantes “2/14” eram do HH e da esposa GG (“os 2/14 avos eram do HH e da senhora GG”), falecidos em 1985 e 2011, respetivamente - “eram herança do HH, herdou do pai”. “(...) Até 1984 iam lá sempre eles os dois, todo o ano… todos os anos tinham uma sementeira naquele terreno. (...) A partir de 84 quando ele começou a não poder trabalhar, pronto, a partir daí mais ninguém lá fez mais nada. Depois dele falecer mais ninguém lá fez mais nada nesse terreno. (...) A esposa… quer dizer eu não a vi lá vir, mas diz que ainda veio lá um ano ou dois apanhar a azeitona, mas depois também não amanhou mais nada. Aos pontos que aquilo quando foi em 2009, o AA (A.) lá veio fazer a limpeza, era a silva lá por todo o lado até ao cimo das oliveiras e pinheiros que nasceram no meio das oliveiras, lá caíram uns pinhões, lá nasceram e lá cresceram… ninguém impediu que eles crescessem”. O A. “é o tal rapaz que habita lá… O homem que habita lá na ...…”, sobrinho da GG, “e parece que a Sr.ª GG lhe fez os bens…”. Em 2009, o A. “fez a limpeza toda nesse…, foi lá, cortou a silva toda, cortou os pinheiros que estavam no meio das oliveiras e levou-os que já dava boa lenha para a lareira e, pronto, a partir daí ficou limpo e depois daí só o vi lá…. em 2010 e 2011 a moer a erva lá no trator…; (...) ele cortou aquilo tudo, quando fez a limpeza. (...) A partir de 2011 vi-o lá a ele, só de passagem, assim de visita. Vinha lá muita vez, até 2016. A partir de 2016 não o vi lá mais.” O 1º Réu “é Sr. que habita lá nas ...…; (...) a ele assim a trabalhar os terrenos nunca o lá vi; a única vez que o vi, vi-o lá uma vez a trabalhar, (...) como o pai era madeireiro nesses tempos, e (...) estacionava ali… a lenha mais miúda, quer dizer, os maiores toros iam para a fábrica e os outros punham ali. (...) Vi lá o CC uma vez a carregar (...) uma camioneta, com um trator… (...) Só vi lá essa vez a trabalhar. Sim, nos 2/14 avos. (...) A demarcação (entre os “2/14” e os “12/14”) foi sempre pelo caminho”. Os marcos delimitam “a propriedade inteira”.

            - Testemunha CCC (fls. 601):

            “(...) Conheço (o terreno) porque eu cheguei lá ir a mais a minha tia, em tempo, Sr.ª GG, (...) irmã do meu pai, (...) (casada) com o Sr. HH; (...) fui lá, mais do que uma vez até, com… buscar lenha e… a mais a minha tia, ajudá-la. (...) (a tia) vivia nas .... (...) já era viúva; (...) aquele terreno era da minha tia, (...) foi herança do meu falecido tio, HH. (...) Do terreno do outro lado da estrada não estou bem certo o que é que era. Acho que (...) era de uma irmã do meu tio, desse meu tio, HH (...)” e, esta, “uma parte vendeu a um Sr. que tem lá a casa ao pé, (...) é o Sr. que está ali assim. (...) A tia “tinha oliveiras e (...) à costa tinha pinheiros, (...) lenha das oliveiras, porque ela mandava limpar a lenha das oliveiras, e era a lenha de pinho. (...) cheguei a ir lá buscar lenha e a (...) ir a ajudá-la a apanhar a azeitona naquelas oliveiras. (...) ela faleceu em .../.../2011. (...) depois quem (...) limpava aquilo, sempre limpou, sempre lá vi o (...) AA (A.) a limpar aquilo; (...) o AA é (...) meu primo. (...) teve um tempo enquanto ela foi capaz de… estar hábil para fazer a sua vida normal, esteve sozinha em casa. E depois teve em casa do meu primo AA. (...) ele é que pôs-se a tomar conta dela, (...) era o que estava mais disponível. Não tinha filhos (...) a minha tia fez-lhe os bens a ele. (...) a partir de dois mil e nove começou a limpar aquilo; (...) ninguém lá aparecia, (...) e ele amanhava aquilo, limpava aquilo, limpava a costa, limpava tudo como deve ser. Vi-o lá muita vez. E desde que a minha tia faleceu, (...) a partir daí começou-se a ver esses problemas todos, (...) a tomar posse da… prontos, a invadirem aquilo, o Sr. CC (...) pôr lá paus de pinho a fazer cepos, sim. (...) na altura o pai dele pediu (...) à minha tia se lhe podia deixar pôr lá uns paus que era (...) para pôr em montes para carregar, para pôr uns cepos e (...) ainda foi um tempito, (...) eu recorda-me aí a partir de 1990 é que começou (...)  foi pedir-lhe e ela deu-lhe autorização; (...) Eu sei porque ela teve uma conversa a mais o meu pai (DDD) e o meu pai um dia foi almoçar a minha casa (...) e a minha tia pediu-lhe já nessa altura, já ela estava um bocadinho delimitada, pediu-lhe para ir falar com o Sr. HH (...) para tirar de lá o coiso, porque já andavam a querer abusar daquilo. (...) o meu pai foi almoçar a minha casa e pediu-me para ir a mais ele à casa do Sr. HH falar com ele para ver se ele tirava aquilo, o material que lá estava. Eu nem saí fora do carro, (...) o meu pai saiu e falou com ele; (...) a partir daí, não puseram lá mais nada, e as andanças começaram a partir da morte da minha tia..., aqui o Sr. CC é madeireiro. (...) a partir de 2017 é que começaram a invadir aquilo (...), cortaram os pinheiros, (...) vi-os cortados no chão. (...) o Sr. CC lá pôs toros e cortou os pinheiros; (...) vi lá uma vez a máquina e sei que a máquina que era dele; (...) aquela faixa de terreno (...) era da minha tia, (...) sempre conheci da minha tia e do meu tio, nunca lá vi ninguém a mais; (...) foi no ano 2009 que eu vi lá a primeira vez o meu primo AA a limpar aquilo, e a partir daí… (...) passava lá e vi-o lá a limpar a costa, o pinhal, as oliveiras e amanhava as oliveiras, (...) fresava e amanhava-as, punha esterco e amanhava as oliveiras. (...) O meu pai faleceu em 2000 e qualquer coisa...

            - Testemunha XX (fls. 601):

            O terreno pertencia ao tio “HH; (...) tinha uma taberna e vivia da taberna e da agricultura. (...) Morreu, salvo erro, em 85. (...) Fui lá muita vez a esse terreno com ele, no carro de uma mula e, por restos, até num carro num boi. (o terreno era composto) por oliveiras e pinhal. (...) aquela parte foi sempre dele (...) e teve outra parte que vendeu ao vizinho para ele construir lá uma casa. (...) É identificável (...) tem um caminho que vai para aqui, tem outro que passa assim e tem a entrada para a .... (a partir da estrada/caminho) é do Sr. que comprou, (...) está aqui (na sala de audiências). (...) O meu irmão (herdou os bens). (...) eles (tios HH e GG) não tinham filhos. (...) Não tinha herdeiros. E a partir daí acompanhei-a, ia lá muita vez à lenha (...), fui lá muita vez cortar lenha a mais ela, que ela pedia aos sobrinhos. (...) mesmo depois de 85, depois de o meu tio morrer, cheguei lá a ir várias vezes com ela buscar lenha…; (...) E ela dizia-nos a nós, a vossa mãe morreu, vocês estão no lugar dela, um dia não se sabe para quem isto será. Até que chegou à conclusão de fazer o testamento ao meu irmão. (...) o meu irmão é que a ajudou (...). Ela devia para lá ter ido 2007, 2008 talvez. E faleceu em 2011”.  Em determinada altura, por volta de 2009, a tia GG deslocou-se ao local na companhia da A. e disse ao A., na presença do depoente, “´faz atenção naquilo que é teu, ou que é para ser teu, não vás cortar naquilo que é dos vizinhos`; (...) Nunca ninguém veio dizer que aquilo não era dele, nem dela. (...)”.

            - Declarações do A. (fls. 601):

            “(...) o terreno foi dos meus tios, (...) já era do pai do meu tio, HH (...). Ele faleceu em 85 e (...) ficou para a minha tia, GG. (...) sei que era dele porque desde miúdo andei sempre com eles por lá, nos terrenos. A minha mãe faleceu e eu era pequeno e eu andei sempre com eles, tanto conhecia aqueles como os outros. (...) O restante ele tinha vendido uma parte ao Sr. EE e outra parte era da irmã, II, (que) também vendeu a outra parte dela (...) a esse EE. (...) Até lá ele (tio) sempre cultivou e sempre fez tudo lá dentro. Quando ele faleceu, a minha tia ainda apanhou azeitona um ano ou dois (...). Depois deixou (...) aquele e os outros, não foi só aquele terreno (...). Tinham silvas e pronto estava assim um bocado desprezado. Depois (...) ela foi para minha casa em 2008, (...) e deixou-me os bens dela. Eu sou o único herdeiro, deixou-me por testamento. (...) não estavam definidos todos os bens dela que estavam na relação de bens dela. (...) O terreno começou a criar silvas…. Dois ou três anos ela ainda apanhou a azeitona como eu já referi. Depois ela já tinha uma certa idade e pronto deixou de apanhar azeitona (...), nem apanhava nos outros terrenos, estava tudo igual. E depois quando ela veio para minha casa é que eu limpei, a mando dela. Porque aquilo foi dela até ela morrer. Depois dela morrer é que eu tinha o testamento… (...) Limpei as silvas, limpei as oliveiras, cortei o mato na costa, fiz tudo. A partir dali teve sempre tudo limpo até 2017. (...) Desde que o meu tio faleceu aquilo deixou de ser amanhado. (...) Os sobrinhos ajudavam, mas também tinham a vida deles. E conforme há a dela com silvas, há muitas. (...) Não tinha posses para pagar a quem. E só quando ela foi para minha casa é que limpei aquele e limpei os outros. (anteriormente) ela de vez em quando precisava dum pinheiro ou assim vinha-se lá buscar (...). Eu (...) a lenha com ela não vim. Mas sei de sobrinhos que vieram. (...) Andei lá até a apanhar azeitona depois do meu tio morrer (...) quando ela estava em minha casa. (...) Só soube que se tinham assumido como proprietários quando eu fui tratar de passar das coisas para meu nome, isso foi em 2012. Ela faleceu em 2011, e eu fui para passar os terrenos para meu nome e esse terreno não encontrei em nome dela. (...) O que eu fiz foi ir ter com o Sr. CC (1º Réu) e perguntar o que é que se estava a passar e ele respondeu para mim que aquilo era tudo dele! E eu disse ´então isso para ser teu, tu tens de me mostrar provas de coisa` e ele diz que não tinha provas nenhumas, mas que aquilo era tudo dele. Ele depois mandou-me ir ter com a mãe dele e eu fui ter com a mãe e a mãe disse-me (...) para a gente chegar a um acordo e não sei quê, para não vir para tribunal, (...) Eles, na altura, não tinham feito escritura de uns para os outros, quando eu fui a ver já tinham feito escritura de uns para os outros. Isso foi (...) no princípio de 2012. (...) Eu pedi ao ... e deve estar aí um documento como prova de que aquilo sempre foi da família do meu tio. (...) Eu limpei, tive aquilo tudo limpo, desde que a minha tia foi para minha casa até 2017. (...) Em 2017 o Sr. CC foi lá, ao terreno, cortou-me oito pinheiros e invadiu-me o terreno todo com cepos de carvalho e de oliveira (...). (...) Estragou-me o terreno todo. Agora, há oito dias ou quinze, foi lá, acho que foi no dia 5 de outubro, foi lá e retirou aquilo tudo outra vez. Não sei o que é que ele anda a pensar em fazer. Limpo não está! (...) em 2012 só fui falar com ele. A gente não tivemos conflito nenhum, (...) e eu disse para ele ´então tens que me amostrar uma prova como aquilo é teu`. E ele disse-me ´não tenho prova nenhuma, mas aquilo é tudo meu`. Depois mandou-me falar com a mãe. Foi então quando a mãe disse para ir resolver as coisas a bem, para não ir para tribunal. (...) Ainda esperei uns dias a ver se alguém dizia alguma coisa, se chegávamos a algum acordo (...). Quando eu fui a ver já (...) tinham feito as partilhas todas. Pronto até ali não tinham partilhas feitas.  (...) houve um julgamento. Mas eu mantive sempre o terreno limpo e sempre nunca ninguém, mesmo quando eu limpei a primeira vez nunca ninguém veio lá ter comigo, desde 2008 ou 2009 que eu limpei aquilo. Nunca ninguém apareceu lá para me dizer ´estás a limpar aquilo que é meu, estás a cortar isto que é meu`. (...) As partilhas era do lado dos pais dele. (...) O pai é (...) EE. Faleceu só pai. A mãe ainda é viva. (...) (a parcela de terreno situa-se) pelo meio dos caminhos. (...) Ele pediu à minha tia, depois do meu tio falecer, se lhe podia… porque eles, os madeireiros tiram a madeira do pinhal e botam para carregamento. (...) Ela deu autorização. Ao fim de dois, três anos ou quê o tempo já se estava a prolongar muito e ela mandou que eles retirassem de lá aquilo, a madeira, porque já se estava a prolongar. Sei disso porque cheguei lá a ver a madeira e a minha tia falava. (...)”

            - Testemunha ZZ (fls. 604):

            “(...) Aquilo era tipo um estaleiro e onde ele armazenava muita lenha, o CC (1º Réu). E nós éramos empregados, tínhamos que ir para lá trabalhar, de manhã à noite. (...) Na altura ainda era por conta até do pai, mais tarde foi para o CC. (...) Continuo lá a ver cepos de oliveira e coisas assim (...), sempre pensei daquilo ser, pronto, deles, normal...; (...) nunca ninguém lá nos foi estorvar, tantas vezes que lá estivemos a trabalhar, nunca ninguém lá foi estorvar de lá andarmos...” Não sabe se assim sucedeu devido a autorização dos proprietários, mas, porque “ninguém foi lá chatear”, sempre admitiu que a parcela pertencesse ao 1º Réu. O 1º Réu “é madeireiro” (“comprar madeiras e vender”), mas “também tem serração”; “(...) a minha atividade no local era fazer lenha com um motosserra e a que tivesse maior a gente tinha que rachar (...)”. Trabalhou no local, como “trabalhador contratado”, durante aproximadamente dois anos, há cerca de 30 anos. “(...) O terreno (...), supostamente, seria do Sr. CC (...); agora... eu sei lá se era, se não era!...

            - Testemunha AAA (fls. 604):

            “(...) Trabalhei para eles (…) o CC, o pai. (...) Eu saí de lá em 96. Andava nos pinhais (...) no estaleiro carreguei lá muita lenha para os fornos de cozer pão. (...) Tem duas partes; a parte de baixo tem oliveiras (…) a parte de cima era o estaleiro de lenha (...) é costa de mato. (...) carregávamos a lenha, botava-se a camioneta nesse (...) caminho velho e carregávamos; (...) traçávamos lenha com motosserra e carregávamos para a camionete; (...) não sei bem, sei que foi antes de 1990 que comecei/88; (...) trabalhei lá até 1996 … fui para ..., lá para o Tribunal novo que lá fizeram, fui para lá 3 anos a trabalhar; (...) passava lá ao estaleiro e andava lá sempre gente a trabalhar, (...) os empregados do CC e do pai; (...) essa fazenda (…) era do HH, não tinham filhos, e da GG, esposa dele, e depois venderam esse terreno, não sei se foi ao pai do CC se foi ao avô; (...) esse HH vendeu aquela parte do terreno ao EE ou ao CC, avô do CC, (...) a data que comprou aquilo não sei dizer; (...) eu era muito amigo do pai do CC (...) e ele disse-me várias vezes que tinha comprado aquilo ao HH; (...) eu pensava que era do pai do CC (...); (o local) estava sempre atestado com madeira, com lenha...; (...) era mato, mas nunca estava grande, andavam sempre lá a limpar aquilo e de vez em quando limpavam o mato todo lá da costa; (...) eles chegaram lá a amanhar aquilo no meio das oliveiras (…); (…) quando lá passava via lá pessoas da família CC a amanhar aquilo, dos outros nunca lá vi ninguém, do AA (A.) nunca lá vi ninguém; (...) talvez em 1980; (...) (o estaleiro) ainda agora lá está! (...) de eucaliptos, pinheiros...”.

            f) A prova documental foi adequadamente concretizada e analisada (na decisão sob censura), inclusive, quanto ao incluído nos pontos 20) e 21) da factualidade dada como provada, pois assim decorre, claramente, dos documentos juntos aos autos (máxime, a fls. 131/332, 146/303, 164/295, 174/291, 320 e 383), respeitando-se, ainda, o preceituado no n.º 1 do art.º 619º; o Mm.º Juiz do tribunal a quo limitou-se a referir alguns elementos da dita ação declarativa comum, instaurada no ano de 2012.[16]

6. A descrita fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, não suscita o menor reparo!

            Na verdade, face à mencionada prova pessoal e documental, apenas se poderá dizer que a factualidade dada como provada (e não provada) respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[17], o Mm.º Juiz não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[18]

            O Mm.º Juiz analisou criticamente as provas e especificou (clara e exaustivamente) os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, respeitando as normas/critérios dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1).

            Improcede a pretensão do apelante quanto à modificação da decisão de facto.

            7. O 1º Réu/recorrente pugnou por diferente decisão de mérito, no pressuposto de que a impugnação de facto seria atendida (cf., sobretudo, “conclusões 11ª e 12ª”, ponto I., supra).

            Inalterada a decisão de facto, e não vindo suscitadas quaisquer concretas questões de direito na base da factualidade dada como provada em 1ª instância[19], resta, pois, concluir pela total improcedência do recurso (principal/independente).    

            8. A respeito da “duplicidade registral e matricial” sempre se dirá que o conflito das partes ficou resolvido em razão da (agora efetivada) aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo[20].[21]

            9. No que concerne ao objeto do recurso subordinado - apreciação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos praticados pelos Réus, com o pagamento da indemnização de € 1 050 referente aos danos patrimoniais sofridos pelos AA. - releva, desde logo, a sustentação de tal segmento do pedido no regime jurídico do art.º 483º, n.º 1 do CC.

            O Mm.º Juiz do Tribunal a quo, ante a factualidade descrita em II. 1. 23), 25) e 26), supra, concluiu que não ficaram demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos, em particular, a ilicitude, pois, sendo a propriedade da parcela de terreno onde se encontravam os pinheiros atribuída ao A. apenas na presente ação, não se pode dizer que em 2017 o 1º Réu (que figurava no registo como proprietário) tenha praticado um facto ilícito, bem como que o tivesse feito com culpa, enquanto juízo de censura ou de reprovação que é dirigido ao obrigado que, atentas as circunstâncias do caso, podia e devia ter agido de outro modo, sendo que, in casu, atuou necessariamente na convicção de que era o titular do direito de propriedade sobre a dita parcela de terreno, o que legitimava a referida conduta (corte dos pinheiros e subsequente remoção).

            Daí, a decretada absolvição dos Réus quanto ao pagamento da indemnização de € 1 050 peticionada pelos AA..

            Os AA. pugnam pela alteração da sentença, nos precisos termos do disposto no art.º 483 do CC (cf. as “conclusões 9ª e 10ª” do seu recurso), pedindo a condenação dos Réus “a indemnizarem e pagarem aos A.A o valor do pedido constante do ponto 10 do pedido, no montante de € 1 050 referente aos danos materiais sofridos” com a perda do “valor das árvores retiradas do imóvel”.

            Ou seja, os AA. reiteram a posição assumida na p. i.; continuam a fundar aquele pedido na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

            Por conseguinte, sendo evidente que não estão reunidos todos os pressupostos que condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, cabendo a cada um desses pressupostos um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano, teremos, necessariamente, de acolher a resposta dada na 1ª instância, que não merece censura, porquanto, e além do mais, não será de concluir que o 1º Réu, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.[22]

10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” das alegações de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.               


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação (recursos principal e subordinado), confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso principal pelo 1º Réu/apelante e as do recurso subordinado pelos AA..


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28.9.2022


Relator: Fonte Ramos

Adjuntos: Alberto Ruço

Vítor Amaral




[1] Cf. os temas da prova mencionados na “nota 3”, infra.

[2] Consta do relatório da sentença que por apenso à presente ação e na sequência do óbito do chamado CC, correu termos incidente de habilitação de herdeiros, o qual acabou por julgar habilitados, como únicos e universais herdeiros do falecido CC, a viúva OO e os filhos EEE e CC, para, em substituição daquele, prosseguir com eles a ação principal.

[3] Tratando-se de saber: 1) se os AA. adquiriram por usucapião uma parcela de terreno autonomizada de um outro prédio, em termos de lhes dever ser reconhecido o respetivo direito de propriedade; 2) da validade da partilha do imóvel identificado no art.º 1º da p. i., efetuada através da escritura de 16.8.1997 no Cartório Notarial ..., bem como as partilhas subsequentes desse mesmo imóvel; 3) e, por último, da responsabilidade civil extracontratual dos Réus CC, EE e FFF pelos danos patrimoniais causados aos AA. com a remoção das árvores do seu prédio.
[4] Retificou-se (cf. documento de fls. 32).
[5] Retificou-se (cf. documento de fls. 29).
[6] Retificou-se lapso manifesto.
[7] Retificou-se lapso manifesto.
[8] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[9] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respetivamente.
[10] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.

[11]  Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1974, pág. 255 e os acórdãos do STJ de 27.11.2002-processo 01S2773 e da RC de 18.6.1991 e 01.02.2005-processo 3529/04, publicados, o segundo, no BMJ, 408º, 659 e, os restantes, no “site” da dgsi.

   A respeito da caracterização do erro material da sentença, vide Antunes Varela, RLJ, 124º, pág. 151, nota (1).

[12] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[13]Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[14] Cf. ponto II. 3., supra.
[15] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[16] Cf. II. 5. alínea d), in fine, supra.
[17] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares, cit., pág. 277.
[18] Ibidem, pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[19] Fazendo-se constar da fundamentação de direito: «(...) preenchidos todos os requisitos de que depende a aquisição da aludida parcela de terreno pela via originária, nomeadamente por usucapião, não podemos deixar de considerar a ação procedente nesta parte, reconhecendo o direito dos Autores sobre a parcela de terreno descrita no ponto 1 dos factos provados, autonomizada do “prédio mãe” indicado no ponto 2 e 3 dos factos provados, correspondente aos 2/14 que se encontram registados a favor dos aqui Réus CC e DD

[20] Cf. a orientação firmada pelo acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 1/2017 (publicado no DR, Série I, de 22.02.2017), que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções

[21] Cf., a propósito, o acórdão da RC de 10.9.2019-processo 594/10.2TBMGR.C1, subscrito pelo relator e o 1º adjunto (constando do sumário que “a existência de duplicação de descrições prediais poderá ser explicitada e afastada com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, mormente, se for evidente qual das descrições respeita ao verdadeiro proprietário”), publicado na CJ, ano XLIV, tomo 4, pág. 11.
[22] Vide, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I., 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 443 e seguintes.
   Assim, face à posição dos AA., que vemos reiterada, não se poderá/deverá seguir a orientação defendida no acórdão do STJ de 06.12.2006 (publicado na CJ-STJ, XIV, 3, 154) de vir a condenar na indemnização peticionada com fundamento em instituto diferente, mais propriamente, a figura do enriquecimento sem causa, se demonstrados os correspondentes requisitos...