Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2047/18.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
DIREITO DE INFORMAÇÃO
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
NOMEAÇÃO DE ÓRGÃOS SOCIAIS
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.58, 64, 289, 290, 375, 376, 377, 379, 406, 410, 411, 412 CSC
Sumário: I - O n.º 3 do artigo 410.º do Código das Sociedades Comerciais não exclui a hipótese de serem os próprios administradores a preverem a reunião em datas prefixadas ou uma forma de convocação não escrita.

II – Não é condição de validade das deliberações tomadas na assembleia sobre o relatório de gestão e as contas do exercício que, aquando da publicação da convocatória da assembleia anual para apreciação dessas matérias, tais documentos estejam na posse do presidente da mesa da assembleia geral.

III - É anulável a deliberação que aprova a nomeação de membros de órgãos sociais, na hipótese de, nos 15 dias anteriores à data da assembleia geral em que teve lugar a sua nomeação, não ter sido facultada à consulta dos accionistas os nomes das pessoas propostas, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares.

IV- No caso de a sociedade ter sítio na Internet, os documentos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do CSC devem também aí estar disponíveis durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral.

V- A não divulgação deles no respectivo sítio na Internet não configura violação do direito à informação preparatória da assembleia geral, pois o que a lei prevê, em tal hipótese, é a faculdade de qualquer accionista requerer o seu envio, através de correio electrónico, o que a sociedade deverá cumprir no prazo de oito dias.

VI- E assim o que, na realidade, é susceptível de configurar a violação do direito à informação preparatória da assembleia geral é a recusa de envio dos documentos através de correio electrónico, no prazo estabelecido na lei.

VII- O vogal suplente de um conselho de administração, que nunca exerceu efectivamente funções de administração, não tem nem o dever nem o direito de estar presente nas assembleias gerais de accionistas, ainda que um dos assuntos da assembleia seja a destituição dele do conselho de administração.

VIII – A deliberação, tomada na assembleia geral reunida para deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício e sobre a apreciação geral da sociedade, que não autoriza a presença nela de um administrador que tinha o direito de aí estar presente, é anulável se puser em causa a participação livre e informada dos accionistas na deliberação sobre as matérias a debater.

IX- A inexistência de justa causa não é motivo de invalidade da deliberação da assembleia geral que destitui qualquer membro do conselho de administração.

Decisão Texto Integral:




Sumário:

I - O n.º 3 do artigo 410.º do Código das Sociedades Comerciais não exclui a hipótese de serem os próprios administradores a preverem a reunião em datas prefixadas ou uma forma de convocação não escrita.

II – Não é condição de validade das deliberações tomadas na assembleia sobre o relatório de gestão e as contas do exercício que, aquando da publicação da convocatória da assembleia anual para apreciação dessas matérias, tais documentos estejam na posse do presidente da mesa da assembleia geral.

III - É anulável a deliberação que aprova a nomeação de membros de órgãos sociais, na hipótese de, nos 15 dias anteriores à data da assembleia geral em que teve lugar a sua nomeação, não ter sido facultada à consulta dos accionistas os nomes das pessoas propostas, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares.

IV- No caso de a sociedade ter sítio na Internet, os documentos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do CSC devem também aí estar disponíveis durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral.

V- A não divulgação deles no respectivo sítio na Internet não configura violação do direito à informação preparatória da assembleia geral, pois o que a lei prevê, em tal hipótese, é a faculdade de qualquer accionista requerer o seu envio, através de correio electrónico, o que a sociedade deverá cumprir no prazo de oito dias.

VI- E assim o que, na realidade, é susceptível de configurar a violação do direito à informação preparatória da assembleia geral é a recusa de envio dos documentos através de correio electrónico, no prazo estabelecido na lei.

VII- O vogal suplente de um conselho de administração, que nunca exerceu efectivamente funções de administração, não tem nem o dever nem o direito de estar presente nas assembleias gerais de accionistas, ainda que um dos assuntos da assembleia seja a destituição dele do conselho de administração.

VIII – A deliberação, tomada na assembleia geral reunida para deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício e sobre a apreciação geral da sociedade, que não autoriza a presença nela de um administrador que tinha o direito de aí estar presente, é anulável se puser em causa a participação livre e informada dos accionistas na deliberação sobre as matérias a debater.

IX- A inexistência de justa causa não é motivo de invalidade da deliberação da assembleia geral que destitui qualquer membro do conselho de administração.

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

M (…), residente (…), e C (…) Lda, com sede na rua(…), propuseram a presente acção declarativa com processo comum contra Casa de Saúde (…) S.A, com sede (…), pedindo se anulassem as deliberações adoptadas na Assembleia Geral da sociedade ré, realizada em 26.03.2018, isto é, a deliberação de renovação, com eficácia retroactiva, das deliberações adoptadas na AG de 9.02.2018 (destituição de todos os membros que integravam o anterior Conselho de Administração, nomeado para o triénio 2016-2018, e eleição de um novo Conselho de Administração, para completar o triénio em causa), deliberação adoptada ao abrigo do ponto 1 da respectiva ordem de trabalhos e, ainda, as deliberações adoptadas ao abrigo dos pontos 2, 2A e 3 da mesma ordem de trabalhos, reconhecendo-se a invalidade de todas essas deliberações, tudo com as legais consequências.

Para o efeito alegaram:
1. Que são accionistas da ré;
2. Que no dia 9 de Fevereiro de 2018 teve lugar uma assembleia geral extraordinária da ré na qual foi aprovada, com os votos a favor da accionista P (…) SA e os votos contra dos autores, a destituição de todos os membros que integravam o actual conselho de administração da ré e a eleição de um novo conselho de administração para completar o triénio de 2016 a 2018,
3. Que as deliberações eram inválidas;
4. Que eles, autores, requereram a suspensão de tais deliberações, correndo o respectivo procedimento no TJ da Comarca de Viseu com o 87/18.0T8VIS;
5. Que, no dia 26 de Março de 2018, teve lugar a assembleia geral anual da sociedade com a seguinte ordem de trabalhos: 1) Renovação, com eficácia retroactiva, das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária realizada em 9 de Fevereiro de 2018; 2) Deliberar sobre o relatório de gestão contas do exercício de 2017; 3) Deliberar sobre a proposta e aplicação dos resultados; 4) Proceder à apreciação da administração e fiscalização da sociedade; 5) Proceder à eleição do único da sociedade;
6. Que nessa assembleia foi aprovada por maioria a renovação com eficácia retroactiva das deliberações tomadas na AG. Extraordinária de 9 de Fevereiro de 2018 com os votos contra dos autores;
7. Que nessa mesma assembleia foram aprovados por maioria o relatório e gestão e as contas do exercício 2017, com os votos contra dos autores
8. Que foi ainda aprovada por maioria a proposta de aplicação dos resultados com abstenção dos autores;
9. Que por iniciativa de A (…), na qualidade de presidente do conselho de administração a ré e legal representante a accionista P (…) – SGPS foi aditado à ordem de trabalhos da assembleia o seguinte ponto: “apreciação da invalidade e eventual ratificação o contrato de empreitada para a ampliação e remodelação da Casa de Saúde (…) celebrado em  de Maio de 201 entre a E (…) SA e a Casa de Saúde (…) SA, o qual foi aprovado no sentido da validação ou ratificação do contrato de empreitada, com os votos a favor da accionista P (…)– SGPSSA e com a abstenção dos autores;
10. Que a deliberação sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017, a deliberação sobre a proposta de aplicação dos resultados, a deliberação sobre a validação e ratificação do contrato de empreitada e a deliberação de renovação com eficácia retroactiva das deliberações tomadas na assembleia de 9 de Fevereiro de 2018 são ilegais;
11. Que a assembleia geral anual foi convocada por iniciativa exclusiva do presidente da mesa da assembleia geral, sem precedência de intervenção do conselho de administração;
12. Que, aquando da convocação da assembleia geral anual, o CA não disponibilizou ao presidente da mesa da assembleia geral os elementos documentais de suporte às matérias a submeter à apreciação dos assuntos, designadamente as contas da sociedade;
13. Que a convocatória da assembleia para deliberar sobre a renovação das deliberações tomadas em 9 de Fevereiro de 2018 é ambígua;
14. Que não foi disponibilizada aos autores informação sobre o currículo das novas administradoras nos 15 dias anteriores à assembleia;
15. Que o administrador suplente (…) foi impedido de participar na assembleia geral e depois de votada a renovação das deliberações tomadas em 9 de Fevereiro de 2018 o administrador J (…) foi impedido de permanecer na assembleia;
16. Que as deliberações eram abusivas.

A ré contestou, pedindo a improcedência da acção. Para o efeito impugnou os factos articulados pelos autores.

No decurso da audiência – sessão de 10 de Dezembro de 2019 – o Meritíssimo juiz do tribunal a quo notificou a ré para juntar aos autos o pedido de convocatória do conselho de administração relativo à sua assembleia geral de 26-03-2018 e os documentos que compunham o dossiê/pasta relativos à convocatória da assembleia, com excepção dos documentos contabilísticos relativos às contas do exercício.

Dando cumprimento ao que fora determinado, a ré juntou aos autos cópia do pedido de convocatória da Assembleia Geral; cópia da convocatória, cópia dos comprovativos de pagamento da publicação da convocatória no Portal do Ministério da Justiça, cópia dos nomes a propor para o Conselho de Administração e cópia do Quadro-Resumo dos Órgãos Sociais.

Notificados da junção dos documentos, os autores arguiram a falsidade do documento relativo ao pedido de convocação da assembleia geral e do documento intitulado “Nomes a propor para integrarem o conselho de administração e demais informações a que alude a alínea d) do artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais”.

Pediram ainda a condenação da ré como litigante de má-fé.  

Após a realização da audiência foi proferida sentença que julgou improcedentes o incidente de falsidade e a acção e, em consequência, absolveu a ré Casa de Saúde (…), S.A. dos pedidos e, bem assim, do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelos autores. 

Os autores não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e se substituísse a sentença recorrida por decisão que julgasse verificada a anulabilidade das deliberações adoptadas pela AG de 26.03.2018.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões consistiram, em resumo, na seguinte alegação:
1. Que o tribunal a quo errou na decisão de julgar provados os factos enunciados sob os pontos número 18, 21, 22, 28, 29, 36, 37, 38, 44, 45 e 59 dos fundamentos da sentença e na decisão de julgar não provadas as alegações enunciadas sob as alíneas a), b), c), d) e), f), g), h), i), j), q), r), s), t), u), v) e w);
2. Que o tribunal a quo entendeu não se mostrar verificado o vício na iniciativa da convocação da assembleia geral, incluindo quanto à renovação das deliberações adotadas na AG de 9.02.2018, mas que – e já com as pertinentes alterações e explicações formuladas em sede de impugnação do julgamento de facto ut supra, - a matéria de facto dada como provada não permite confirmar a conclusão explanada pelo tribunal a quo na decisão ora posta em crise;
3. Que o que emergia da prova carreada aos autos era que, aquando da publicação da convocatória para a realização da AG de 26.03.2018, não tinha o CA reunido para promover a sua convocação, como nunca veio a reunir para esse facto e, por conseguinte, aquela AG foi convocada pelo presidente da mesa, sem a precedência da intervenção do conselho de administração;
4. Que compulsado o livro de actas do CA junto aos autos pela ré, em sede de procedimento cautelar, constatava-se que não havia uma qualquer acta da qual resultasse ter o mesmo reunido para solicitar a convocatória da AG de 26.03.2018 e, bem assim, o conteúdo da ordem de trabalhos da mesma;
5. Que, por outro lado, o (ainda) membro do conselho de administração J (…) também não havia sido convocado para qualquer reunião daquele;
6. Que uma coisa era a convocação da AG e a sua publicação, outra coisa era a legitimidade para a iniciativa de solicitar ao Sr. presidente da mesa a convocação da mesma;
7. Que a iniciativa para suscitar a convocação da AG, por parte do presidente da mesa, cabia ao CA, o qual nunca reunira para tal e nunca solicitara o respectivo agendamento;
8. Que a convocação da AG partiu da iniciativa exclusiva do presidente da mesa da AG, sem a prévia intervenção do CA e, por conseguinte, era ilegal;
9. Que, como resultava do facto provado 39), a convocação da AG foi publicada pelo presidente da mesa da AG em 22.02.2018, fls., sem estar na posse desses elementos (relatório de gestão e as contas do exercício), o que consubstanciava ilegalidade;
10. Que se era verdade que a iniciativa de convocação da AG partiu, em exclusivo, do presidente da mesa da AG, menos não o era que o mesmo, também por sua iniciativa, procedeu à elaboração da ordem de trabalhos respectiva (o que era corroborado pela circunstância de, antes da publicação da convocatória junta como doc. 9 com a petição inicial a fls., ter sido publicada uma outra, entretanto “anulada”, junta como doc. 11 com a petição inicial a fls., sem a inclusão do ponto tendente à renovação de deliberações anteriores);
11. Que a definição de uma ordem de trabalhos onde constasse a renovação de deliberações sociais tinha de ter por base a iniciativa de outros agentes societários, não podendo resultar da iniciativa do presidente da mesa da AG (nºs 1 e 2 do artigo 375º do CSC);
12. Que a mesa da AG, como órgão isento e equidistante, não tinha, naturalmente, qualquer interesse próprio na eventual renovação de qualquer deliberação social, razão pela qual a lei não lhe reconhecia legitimidade para impulsionar essa renovação;
13. Que do exposto resultava inexoravelmente claro que o procedimento de convocação da AG de 26.03.2018 era ilegal e que a pretensão de “renovação” das deliberações de 9.02.2018 fora ali enxertada de forma ilegal, por parte do Sr. presidente da mesa da AG que, dessa forma, extravasou claramente os poderes que a lei lhe confere;
14. Que, no caso em apreço, verificava-se, pois, a anulabilidade das deliberações sociais adoptadas na AG de 26.03.2018, da sociedade requerida, designadamente da deliberação de renovação, com eficácia retroactiva, das deliberações adoptadas na AG de 9.02.2018, como constava do ponto 1 da ordem de trabalhos;
15. Que, ao assim não decidir, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 58.º, 375.º, 376.º, 377.º, 406.º, todos do CSC.
16. Que resultava do facto provado 38) que, na AG de 9.02.2018, foi deliberada a destituição de todo o conselho de administração, com a nomeação de um “novo” conselho de administração, composto por (…)
17. Que compulsada a ordem de trabalhos constante da convocatória da AG de 26.03.2018, verificava-se que, conforme decorria do ponto 1, estava em causa a renovação das deliberações sociais adoptadas nessa AG;
18. Que o que se pretendia, de facto, era a confirmação da nomeação, como administradoras, de (…) e (…) (esta como administradora suplente);
19. Que conforme decorria da impugnação da matéria de facto supra deduzida e na sua procedência, aquando da convocação da AG de 9.02.2018, não foi disponibilizada aos accionistas qualquer informação relativa aos novos administradores a nomear, designadamente, a informação relativa às suas qualificações profissionais, com indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares, em particular, quanto às novas administradoras (…);
20. Que perante a pretensão de renovação da deliberação de nomeação das filhas dos demais administradores, importaria que, no procedimento prévio à realização da AG, tivesse sido acautelada a disponibilização antecipada dessa informação, o que, uma vez mais, não se verificara, pese embora a declaração vertida em acta, pelo presidente do conselho de administração, A (…), de que tais elementos foram disponibilizados aos accionistas com a referida antecedência;
21. Que a informação relativa às novas administradoras apenas foi disponibilizada no início da AG – com a exibição de um sucinto curriculum vitae de cada uma delas –, e nunca em momento anterior; 
22. Que tal informação, como decorre das declarações de parte do autor, M (…) e ainda das declarações das testemunhas (…), todas supratranscritas, nunca esteve disponível junto dos elementos documentais preparatórios da AG. Aliás, nunca estiveram disponíveis na sede da sociedade, por nenhuma forma;
23. Que, apesar de a sociedade ter sítio na internet (facto provado 46), nunca tal informação aí foi disponibilizada;
24. Que ante o exposto mostrava-se violado, no plano procedimental, o direito de informação dos accionistas, em especial, e no que para o caso importa, dos ora autores, circunstância que integrava o fundamento de anulabilidade previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, por contrariar disposição legal imperativa, o que invocava, para os devidos efeitos legais;
25. Que, assim, tornava-se manifesto que mal andou o tribunal a quo ao decidir pela não verificação do invocado vício, incorrendo, por isso, na violação do disposto no artigo 289.º do CSC.
26. Que considerando não só a materialidade constante dos pontos 49) a 51), 54), 60) e 61), mas também a impugnação da matéria de facto supra aduzida (argumentação expendida a propósito da impugnação do facto provado sob 59, para onde se remete), nos termos do qual se provava que o administrador vogal J(…)fora impedido de participar na continuação dos trabalhos, tinha-se por verificado o invocado vício (perturbações graves ao normal funcionamento da AG de 26.03.2018);
27. E que, mesmo que se entendesse que só os administradores efectivos podiam/deviam estar presentes, era de elementar evidência que, em face, pelo menos, do ponto 1 da ordem de trabalhos, assistia ao administrador em causa, em face da pretensão de destituição do mesmo, o direito de estar presente, designadamente para, em face disso, poder exercer o respectivo contraditório, para melhor esclarecimento da assembleia geral;
28. Que o impedimento físico à participação do vogal suplente inviabilizou a possibilidade daquele contribuir para a formação esclarecida do sentido de voto dos accionistas, pondo em causa o normal funcionamento da AG, em face da ordem de trabalhos contrariando, ademais, o passado recente da sociedade, em que tal participação foi pacificamente aceite;
29. Que mutatis mutandis, no que atinava ao vogal J (…). Na verdade, o mesmo fora impedido de continuar na AG, tendo o accionista maioritário, representado pelo presidente do conselho de administração da sociedade requerida, votado para a sua saída;
30. Que, assim, tornava-se manifesto que mal andara o tribunal a quo ao decidir pela não verificação do invocado vício, incorrendo, por isso, na violação do disposto no artigo 379.º do CSC.
31. Que as deliberações tomadas na AG ora em causa eram também anuláveis na medida em que eram abusivas;
32. Que sem prescindir do acima exposto, e como decorria da convocatória da AG de 26.03.2018, o primeiro propósito da mesma – cf. ponto 1 – seria renovar, com eficácia retroactiva, a destituição de todo o CA da Casa de Saúde(…), S.A., promovendo-se, de seguida, a nomeação de um novo Conselho de Administração para completar o triénio em curso, de 2016-2018;
33. Que os dois administradores destituídos (efectivo e suplente) foram substituídos por duas filhas do casal de administradores (…), que tinha 22 anos, não possuindo qualquer formação académica ou profissional na área da saúde e/ou da gestão de empresas;
34. Que, por seu turno, R (…) tinha 19 anos, não possuindo, também ela, qualquer formação académica ou profissional na área da saúde e/ou da gestão de empresas e que, ainda que nomeada como vogal suplente do CA da Casa de Saúde (…) não possuía qualquer experiência de gestão, destacando-se, também ela, pela exclusiva circunstância de ser filha do presidente do conselho de administração da Casa de Saúde (…) (e da vogal (…));
35. Que da conjugação da deliberação pela qual fora destituído o CA em funções para o triénio 2016-2018, com aquela pela qual foi nomeado um novo CA para completar o referido triénio – deliberações adoptadas em 9.02.2018, e que agora se pretendiam renovar – ficava claro que o objectivo passou, em exclusivo, por destituir o administrador efectivo (vogal) J (…) eliminando, do mesmo passo, a possibilidade do suplente A (…)lhe suceder;
36. Que, reforçou-se, dessa forma, a posição de A (…), enquanto administrador da Casa de Saúde (…), dado que o órgão Conselho de Administração ficou exclusivamente composto por membros da sua família, mais concretamente, por si, pela sua esposa e por duas filhas do casal, estas últimas, sem qualquer contacto profissional conhecido com a realidade da gestão de empresas e, menos ainda, com o sector da saúde;
37. Que, na prática e com a adopção das deliberações em causa, assistiu-se a uma alteração do modelo de governação da sociedade ré, passando esta de uma estrutura de administração com um conselho de administração, para um modelo de gestão com administrador único;
38. Que, com efeito, A (…) – ainda que acolitado pela sua esposa – passava a concentrar em si todo o poder de decisão relativamente à Casa de Saúde (…);
39. Que toda a actuação descrita se mostrava nitidamente abusiva, porque contrária às mais elementares regras de boa-fé;
40. Que as deliberações em causa revelavam-se, de forma cristalina, adequadas a satisfazer, unicamente, os interesses de A (…) e da sua família, proporcionando, a estes, vantagens indevidas no relacionamento com a sociedade requerida e prejudiciais para esta;
41. Que, com efeito, A (…), fazendo uso da sua condição de presidente do conselho de administração da accionista P (…), S.A. – e nos moldes em que o fez, operava a destituição de dois administradores, a cerca de 10 meses do fim do mandato para o qual foram legitimamente eleitos, para os substituir por duas filhas suas, pessoas sem qualquer experiência profissional e empresarial;
42. Que a participação de J (…) e A (…) como membros do CA da ré – efectivo, o primeiro, suplente, o segundo – tinha assegurado um equilíbrio de representação dos diferentes interesses associados à Casa de Saúde (…), impedindo, dessa forma, uma homogeneização em torno da figura de A (…), e uma adequada representação dos minoritários;
43. Que, com efeito, tais administradores eram representantes legais de uma sociedade que era minoritária no universo da Casa de Saúde, por intermédio da sociedade P (…);
44. Que compulsadas as actas n.º 76, de 9.02.2018, e n.º 77, de 26.03.2018, verificava-se que não foi imputado a qualquer dos administradores destituídos qualquer facto que pudesse constituir, ainda que remotamente, uma justa causa de destituição dos mesmos;
45. Que, pelo contrário, verifica-se a ausência de qualquer fundamento para tal;
46. Que, assim, nenhum motivo sério se vislumbrava para a destituição desses administradores, que não fosse, tão-só, a circunstância de não estarem alinhados com a visão empreendida por A (…), em especial, no que tocava ao relacionamento que este tinha promovido entre a Casa de Saúde (…), S.A. e empresas do grupo empresarial “EE (…)”, de que era dono;
47. Que estava em causa a iniquidade e abusividade da destituição dos referidos administradores, relevante à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CSC;
48. Que tinha por fim exclusivo a preservação dos interesses dos administradores (…) os quais eram manifestamente contrários aos interesses da sociedade ré.

A ré respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Para o efeito alegou:
1. Que os recorrentes incumpriram o disposto no n.º 1 do art.º 639.º do C.P.C., pois que as conclusões apresentadas eram manifestamente complexas ou prolixas, incumprindo as exigências de sintetização a que se refere tal normativo;
2. Que o corpo das alegações encontrava-se organizado em 13 pontos e as conclusões estendem-se por 96;
3. Que os recorrentes consideravam ter havido erro de julgamento sobre a factualidade constante dos pontos 18, 21, 28 e 29, 36, 37, 38, 44 e 59 dos factos provados, bem como dos factos constantes das als. a) a j da factualidade não provada;
4. Que não lhes assiste qualquer razão, pois que, no que respeita ao ponto 18.º dos factos provados, quer o depoimento da testemunha (…), quer o depoimento da testemunha (…) (prestado em 10/12/2019, passagem 05:00 a 06:56) evidenciavam que não houve qualquer erro de julgamento;
5. Que também não houve erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto constante do ponto 21 dos factos provados, desde logo pela circunstância do depoimento da testemunha (…), constante da passagem 24:38 a 26:36, evidenciar não ser merecedora de censura a decisão proferida;
6. Que também não houve erro de julgamento da matéria de facto constante dos pontos 28 e 29 dos factos provados, como decorre do depoimento prestado na audiência de 10/12/2019 pela testemunha (…), constante da passagem constante de 20:48 a 22:44;
7. Que também não assistia qualquer razão aos recorrentes na impugnação dos factos constantes dos pontos 36 a 38 dos factos provados, como decorria do depoimento da testemunha (…), na audiência de 10/12/2019, passagem constante de 06:57 a 09:32, e na audiência de 3/3/2020, passagem constante de 03:20 a 04:06, e do depoimento da testemunha (…), prestado na audiência de 3/3/2020, passagem constante de 04:11 a 08:58;
8. Que inexistia erro de julgamento sobre a matéria de facto constante do ponto 44 dos factos provados, pelas razões vertidas na douta sentença, quanto às declarações do autor (…)e como decorre do depoimento da testemunha (…), prestado na audiência de julgamento de 3/3/2020, passagem constante de 04:08 a 06:30, e no depoimento da mesma testemunha, prestado no dia 10/12/2019 passagem constante de 11:21 a 14:07;
9. Que, do mesmo modo, não houve qualquer erro de julgamento quanto aos factos constantes do ponto 59 dos factos provados, e quanto aos factos das als. a) a j) da factualidade não provada, dando-se por integralmente reproduzido, quanto a tais factos, o que se consignou na douta sentença recorrida;
10. Que não havia qualquer erro na interpretação e aplicação da lei, designadamente, não eram abusivas as deliberações de destituição e de eleição do novo Conselho de Administração, para completar o triénio 2016-2018, pois que as mesmas não se enquadravam na previsão da alínea b) do nº 1 do art.º 58.º do CSC.
11. Que a decisão recorrida havia procedido a uma correcta valoração da matéria de facto, a uma adequada subsunção jurídica e a uma irrepreensível interpretação e aplicação da lei.


*

Síntese das questões suscitadas pelo recurso e pela resposta:

O recurso suscita questões de facto e de direito. Em sede de facto suscita a questão de saber se o tribunal a quo errou na decisão proferida sob os pontos números 18, 21,22, 28, 29, 36, 37, 38, 44, 45 e 59 da fundamentação e na proferida sob as alíneas a) a j) e q) a w, dos factos julgados não provados.

Em sede de direito suscita, em síntese, as seguintes questões:
1. Saber se, ao julgar que a convocação da assembleia geral de 26 de Março de 2018 não fora ilegal, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 58.º, 375.º, 376.º, 377.º e 406.º do Código das Sociedades Comerciais [CSC];
2. Saber se, ao julgar improcedente o pedido de anulação das deliberações que renovaram, com eficácia retroactiva, as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de 9 de Fevereiro de 2018, a sentença violou o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do CSC;
3. Saber se, ao julgar improcedente o pedido de anulação das deliberações sociais, na parte em que ele se baseou no facto de J (…), vogal efectivo, e A (…), vogal suplente, terem sido impedidos de estar presentes na assembleia geral, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 379.º do CSC;
4. Saber se, ao julgar improcedentes o pedido de anulação da deliberação que destituiu os administradores J (…) e A (…)e o de anulação da deliberação que nomeou R (…) e R (…)como novas administradoras, na parte em que eles se baseavas na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, a decisão recorrida violou esta disposição legal. 

A resposta ao recurso suscita a questão de saber se as conclusões do recurso complexas ou prolixas e se havia fundamento para convidar o recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas.

A questão suscitada pela resposta foi decidida no despacho liminar.


*

Ordem de resolução das questões:

Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, iremos começar o julgamento do recurso pelo conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

(…)


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Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto consideram-se provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados:
1. A ré Casa de Saúde de (…) S.A. é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…) que tem o seguinte objecto social: “tratar doentes e dar aos médicos a possibilidade de cuidar deles em ambiente hospitalar capaz de lhes proporcionar uma boa assistência clínica, cirúrgica e especializada”;
2. Tem o capital social de € 4.817.500,00 (quatro milhões, oitocentos e dezassete mil e quinhentos euros), correspondendo a 963500 (novecentas e sessenta e três mil e quinhentas) acções nominativas, com o valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada.
3. O autor M (…) é titular de 500 (quinhentas) acções nominativas - n.ºs 54001 a 54500-, representativas do capital social da ré.
4. A autora C (…), Lda. é titular de 4000 (quatro mil) acções nominativas - n.ºs 53001 a 54000, 54501 a 55500, 55501 a 56500 e 56501 a 57500-, representativas do capital social da ré.
5. Em 13 de Julho de 2010, 21 de Maio de 2013 e 29 de Abril de 2016, respectivamente pelas inscrições 48, 51 e 56, foram registadas, na matrícula da ré, as deliberações de designação de A (…), A (…) e J (…) como membros do seu conselho de administração, o primeiro como presidente e os restantes como vogais, e, bem assim, de A (…), como suplente, para os triénios de 2010 a 2012, 2013 a 2013 e 2016 a 2018, respectivamente; obrigando-se a sociedade pela assinatura de dois dos seus administradores.
6. O autor M (…) é médico e sócio-gerente da autora C(…) Lda.
7. A (…9 e A (…) são casados entre si.
8. R (…) e R (…), nascidas respectivamente a 23-11-1995 e 05-10-1998, estão registadas como filhas de A (…) e A (…).
9. Pela inscrição 10, apresentação 4 de 14-02-2017 foi registada na matrícula comercial da sociedade E (…) S.A., pessoa colectiva n.º (…), com sede em(…), a designação de A (…) e M (…) respectivamente como presidente e vice-presidente do conselho de administração.
10. P (…) S.A. é uma sociedade anónima que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas;
11. Tem o capital social de € 7.000.000,00 (sete milhões de euros), correspondendo a um milhão e quatrocentas mil acções, no valor nominal de cinco euros cada.
12. Desde o quadriénio de 2008 a 2011 a, pelo menos, 2016 a 2019 que a P (…) SGPS, S.A. contemplava, na sua estrutura de administração, um conselho de administração composto por A (…), como presidente, A (…) e J (…)como vogais.
13. A (…) é gerente da sociedade HH (…), Lda. e J (…) é sócio desta sociedade.
14. A sociedade H (…) Lda. é accionista da P (…) SGPS, S.A. onde detém uma participação correspondente a 176.000 acções.
15. J (…) é médico há cerca de trinta e cinco anos, assegurou as funções de director clínico da ré e é director clínico de várias empresas.
16. A (…) é advogado há cerca de vinte anos e é empresário.
17. A direcção clínica da Casa de Saúde é representada por um médico.
18. As reuniões dos conselhos de administração mencionados no artigo quinto dos factos provados, em regra, ocorriam à quarta-feira, da parte da manhã, por acordo de todos os administradores e sem convocação prévia.
19. O conselho de administração da ré deliberou por unanimidade em 23 de Abril de 2014 com a presença dos administradores A (…), A (…) e J (…), a proposta de contratação de um empréstimo junto do Banco (…), S.A., no montante global de €7.000.000,00 (sete milhões de euros), em duas tranches, ao abrigo da iniciativa JESSICA, a autorização de constituição de hipotecas a favor do Banco (…) S.A., sobre o imóvel sito na Rua (…), em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º(…), a proposta de autorização de constituição de penhores mercantis a favor do Banco (…) e mandataram os administradores A (…) e J (…) para outorgarem no acto constitutivo de empréstimo, da hipoteca, penhores mercantis e titulação e para efectuarem os actos necessários ao cumprimento e execução das deliberações tomadas. Consta da acta relativa a esta reunião que o vogal J (…)“detalhadamente, explicou aos presentes a necessidade das obras de ampliação e remodelação sobre o imóvel descrito no ponto 1 da ordem de trabalhos, bem como a aquisição de equipamento diverso (…). Este investimento será financiado com a contratação junto do Banco (…), S.A. de um empréstimo, ao abrigo do programa JESSICA, no montante de €7.000.000,00 (sete milhões de euros), razão pela qual será necessária a constituição, para garantia deste financiamento, de hipotecas sobre o imóvel descrito no ponto 1 da ordem de trabalhos, a favor da referida instituição”.
20.  O conselho de administração da ré deliberou por unanimidade em 18 de Julho de 2014, com a presença dos administradores A (…), A (…) e J (…), o aumento do capital social da ré de €817.500,00 para €2.817.500,00, por emissão de 400.000 novas acções ao preço nominal de cinco euros, previamente à deliberação, consta da respectiva acta, que o presidente do conselho de administração “expôs os motivos que suportam a necessidade do aumento da capital (…) informou que o investimento previsto rondará os 20 milhões de euros num prazo de dois a três anos, dos quais 12 a 13 milhões para a renovação e ampliação das instalações. (…) O Dr. J (…) questionou a forma de financiamento (…) e chamou à atenção que o esforço exigido teria que ser necessariamente diluído no tempo”.
21. O conselho de administração da ré deliberou por unanimidade em 22 de Julho de 2015, com a presença dos administradores A (…) (também em representação do administrador (doc. 4 da contestação), intitulado contrato referente à execução da empreitada de “Ampliação e Remodelação da (…) S.A.”, nos termos do qual foi declarado, em síntese, o seguinte: Pelos primeiros que a sua representada, a ré, após convite, adjudicou a obra de “Ampliação e Remodelação da CSSM, S.A.” à representada do segundo outorgante, E (…), S.A., “de acordo com as condições técnicas, caderno de encargos e proposta apresentada pelo segundo outorgante, com a respectiva lista de preços unitários, documentos que ficarão arquivados, constituindo parte integrante do contrato”. Pelos primeiros outorgantes que “com ele, segundo outorgante, contrata a mesma nos seguintes termos” (em síntese): - O valor da adjudicação é de €9.926.244,72 (nove milhões, novecentos e vinte e seis mil, duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), incluindo IVA à taxa legal em vigor; O prazo da conclusão da obra é 31 de Dezembro de 2016; O pagamento dos trabalhos incluídos no contrato será efectuado no prazo de 30 (trinta) dias da data da factura, tendo por base autos de medição mensais, com observância do disposto nos artigos 387.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro;  A empreitada segue o regime de preços por valor global, em sistema “chave na mão”; O preço da empreitada não está sujeito a revisão de preços; Pelo segundo outorgante foi declarado que aceitava para a sua representada a adjudicação referenciada.
22. Desde 2014 a ré empreendeu um processo de renovação e ampliação da sua estrutura física denominada “Casa de Saúde”.
23. Os trabalhos de construção civil de reestruturação da Casa de Saúde têm vindo a ser executados pela sociedade E (…), S.A. Em conformidade com os autos de mediação, relativos aos trabalhos executados, a ré paga à E (…) S.A. os trabalhos que executa.
24. A execução da obra é financiada com capitais bancários.
25. Os trabalhos de ampliação e remodelação, os empréstimos contraídos, os custos dos trabalhos estão reflectidos nos relatórios de gestão e nas contas de exercício relativos a 2014 a 2016 foram aprovados, por unanimidade, de todos os elementos do conselho de administração.
26. No dia 9 de Fevereiro de 2018, teve lugar uma assembleia geral de accionistas da ré, na sua sede social, convocada pelo presidente da mesa da assembleia geral, R (…) por meio de publicação, no dia 18 de Janeiro de 2018, no portal da Justiça – “Publicação On-Line de Ato Societário e de outras entidades”-, com a indicação de ter sido convocada a solicitação do conselho de administração, com a seguinte ordem de trabalhos: 1.- Informações. 2.- Destituição de todos os membros que integram o actual Conselho de Administração. .- Eleição de novo Conselho de Administração para completar o triénio 2016 a 2018.
27. Presidiu à assembleia R (…) secretariado por N (…) como elementos da mesa da assembleia geral;
28. Encontravam-se ainda presentes: A (…) na qualidade de presidente do conselho de administração da Casa de Saúde (…)  S.A. e, “munido da respectiva carta mandadeira”, em representação da accionista P (…) – SGPS, S.A., detentora de 93,30% do capital social da ré; M (…), na qualidade de accionista e em representação da accionista C (…), Lda.; A (…), como vogal do conselho de administração da ré; J (…) como vogal do conselho de administração da ré; e A (…), advogado, como vogal suplente do conselho de administração da ré.
29. Nessa assembleia geral, com os votos contra da accionista “C (…) e de M (…), e os votos a favor da “P (…) (detentora de oitocentas e noventa e nove mil acções) foi deliberado, por maioria, o seguinte: A destituição de todos os membros que integram o conselho de administração; A eleição, mediante proposta da “P (…)”, de um novo conselho de administração para completar o triénio 2016-2018 com a seguinte composição: Presidente – A (…) Vogais – A (…), R (…) e como vogal suplente R (…)
30. Os autores intentaram procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, tendo por objecto as deliberações adoptadas na mencionada assembleia de 09-02-2018, que corresponde ao apenso A do processo n.º 1234/18.7T8VIS-A, deste Juízo, no âmbito do qual, por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-10-2018 foi decretada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nestes autos.
31. O vogal J (…) não foi convocado para qualquer reunião do conselho de administração tendo em vista a convocação da assembleia geral de 26 de Março de 2018.
32. O pedido de convocação da assembleia geral, agendada para o dia 26 de Março de 2018, resulta de deliberação de A (…) e A (…), em reunião realizada na segunda ou terceira quarta-feira do mês de Fevereiro de 2018, pedido esse que foi formalizado através de requerimento escrito, datado de 21 de Fevereiro de 2018, subscrito por A (…) dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral, em que solicita a convocação de assembleia geral anual dos accionistas da ré, para o dia 26 de Março de 2018, às 9h30m, com os seguintes pontos da ordem de trabalhos: 1. Renovação, com eficácia retroactiva, das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária realizada no dia 09 de Fevereiro de 2018; 2. Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017; 3. Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados; 4. Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade; 5. Proceder à eleição do Fiscal único da sociedade.
33. O pedido mencionado no artigo anterior foi entregue ao presidente da mesa da assembleia geral.
34. Na sequência, no dia 22 de Fevereiro de 2018, a ré promoveu a publicação, no Portal da Justiça – “Publicação On-Line de Ato Societário e de outras entidades”, de convocatória para a realização da assembleia geral no dia 26 de Março de 2018, subscrita pelo presidente da mesa da assembleia geral, R (…), nos termos seguintes: “Nos termos legais, convoco os Senhores Accionistas para se reunirem em Assembleia-Geral Anual no dia 26 de Março de 2018, pelas 09h30, na sede social na Rua (…), com a seguinte ORDEM DE TRABALHOS: 1.- Renovação, com eficácia retroactiva, das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 9 de Fevereiro de 2018. 2.- Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017. 3.- Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados. 4.- Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade. 5.- Proceder à eleição do fiscal único da sociedade. Nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, as propostas a submeter à Assembleia-Geral, assim como os demais instrumentos de informação preparatória, estarão à disposição dos Senhores Accionistas na sede da sociedade”.
35. Na data mencionada no artigo anterior não foram disponibilizados pelo conselho de administração ao presidente da mesa da assembleia geral os elementos documentais relativos às contas da sociedade e a informação relativa aos novos administradores a nomear.
36. Em 8 de Março de 2018 foi convocado o conselho de administração para deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017.
37. No dia 9 de Março de 2018, pelas 17h30m, reuniu o conselho de administração da ré, com a presença do presidente, A (…), e dos vogais, A (…) e J (…), e, bem assim, de A (…) e I (…), representantes do fiscal único, e teve por objecto “a aprovação do relatório e as contas do exercício de 2017”.
38. O relatório de gestão foi assinado pelos administradores A (…) e A (…)tendo o administrador J (…) efectuado a declaração anexa ao mesmo, que se encontra junta ao “relatório e contas de 2017” a fls. 206 a 207.
39. Aquele relatório e contas foram objecto de exame por parte do fiscal único da ré que, com data de 9 de Março de 2018, subscreveu o documento intitulado “certificação legal das contas” junto a fls. 230 a 231, que foi incluído no “relatório e contas de 2017”, emitindo parecer no sentido de que o “relatório de gestão foi preparado de acordo com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis em vigor, a informação nele constante é concordante com as demonstrações financeiras auditadas e, tendo em conta o conhecimento e apreciação sobre a Entidade, não identificámos incorrecções materiais”.
40. Durante os quinzes dias anteriores à data da assembleia geral do dia 26 de Março de 2018, foram facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade os seguintes documentos: relatório de gestão e as contas de 2017 e os documentos juntos aos autos em 16-12-2019 sob os n.ºs 4 e 5 (fls.245v.º a 246), cujo teor se dá por reproduzido, onde constava o seguinte em relação às novas administradoras: - Vogal: R (…) estudante de direito, tem acompanhado e dado apoio ao nome proposto para Presidente do Conselho de Administração na E (…), S.A. e nas empresas que constituem o denominado grupo E (…); - Vogal Suplente: R (…), estudante de economia, tem acompanhado e dado apoio ao nome proposto para Presidente do Conselho de Administração na E (…) SGPS, S.A. e nas empresas que constituem o denominado grupo E (…). Nenhum dos nomes propostos é titular de qualquer acção no capital social da Casa de Saúde (…).
41. Nos quinze dias anteriores à assembleia geral de 26 de Março de 2018, o autor deslocou-se às instalações da Casa de Saúde de (…), S.A. e solicitou e consultou o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017.
42. A ré dispõe de sítio na Internet, com o endereço www.casadesaudesaomateus.pt.
43. A ré não divulgou no seu sítio na Internet informação relativa aos novos administradores.
44. Os estatutos da ré não têm qualquer cláusula relativa à divulgação no sítio na Internet.
45. À hora designada para a realização da assembleia geral do dia 26 de Março de 2048, os accionistas depararam-se com a presença, no hall do piso 2 da “Casa de Saúde (…) junto à porta de acesso aos serviços administrativos – onde normalmente decorrem as reuniões de accionistas, de um segurança privado;
46. Segurança contratado pelos administradores (…) e disponibilizado pela empresa (…) Lda., com sede em (…).
47. Aquele segurança transmitiu a A (…) que tinha ordens para o não deixar entrar, impedindo, dessa forma, o acesso ao local onde foi realizada a assembleia geral do dia 26 de Março de 2018.
48. Presidiu à assembleia R (…) que perante a ausência do secretário, N (…), propôs aos accionistas a indicação de L (…) para desempenhar as funções de secretário da assembleia, o que mereceu a concordância unânime dos accionistas presentes.
49. No início da assembleia encontravam-se ainda presentes: A (…), na qualidade de presidente do conselho de administração da ré e, munido de carta de representação, em representação da accionista P (…) SGPS, S.A.; M (…), na qualidade de accionista e em representação da accionista C (…)Lda.; A (…), como vogal do conselho de administração da ré; J (…), como vogal do conselho de administração da ré; e A (…), na qualidade de representante do fiscal único P (…) Lda.
50. Previamente à ordem de trabalhos, foi pedida a palavra pelo vogal J (…) que manifestou o entendimento de que devia estar presente na assembleia o vogal suplente do conselho de administração, Dr. (…), tendo o presidente da mesa referido que estando presentes os três membros efectivos do conselho de administração não poderia estar presente o membro suplente, porém, se a assembleia assim o entendesse poderia estar presente, mas sem intervir, tendo de imediato o representante da accionista “P (…)” manifestado a sua oposição à presença na assembleia do vogal suplente.
51. De seguida foi lida a acta da assembleia geral realizada no dia 9 de Fevereiro de 2018.
52. Nessa assembleia os autores não suscitaram qualquer questão quanto à inclusão do ponto um na convocatória.
53. Previamente à votação do ponto um da ordem de trabalhos, J (…) solicitou a palavra e fez a declaração que consta das páginas 44 a 48 do livro de actas (fls. 69v.º a 71v.º dos autos), cujo teor se dá por reproduzido.
54. De seguida pediu a palavra o presidente do conselho de administração da ré, que referiu pretender também intervir na qualidade de representante da accionista P (…) e no uso da mesma fez a declaração que conta das páginas 49 a 51 do livro de actas (fls. 72 a 73 dos autos), cujo teor se dá por reproduzido, tendo declarado nomeadamente, entre outros, o seguinte: “(…) desde que os mesmos iniciaram as funções há cerca de 9 anos sempre o Conselho de Administração reuniu e continua a reunir todas as semanas às quartas-feiras, e, por isso sem necessidade de qualquer convocatória por escrito. Foi o que aconteceu na quarta-feira que precedeu a entrega, ao Senhor Presidente da Mesa, da convocatória da referida assembleia extraordinária no sentido de o mesmo providenciar pela publicação no portal do Ministério da Justiça, inexistindo por isso qualquer vício. De todo o modo a existir qualquer irregularidade, cabe à presente Assembleia deliberar sobre o pedido de renovação das deliberações. (…) a presente Assembleia foi convocada com a antecedência superior a trinta dias e dela consta o pedido de renovação das deliberações. (…) Informou ainda a assembleia que, com o propósito de garantir a legalidade das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária, foi incluído no ponto um da convocatória desta assembleia geral a proposta de renovação de tais deliberações uma vez expurgadas de todos os vícios que lhe pudessem ser assacados. E com esse propósito, foi realizada reunião do Conselho de Administração da Casa de Saúde (…) tendo em vista a realização da presente assembleia (…)”
55. Após a aprovação do primeiro ponto da ordem do dia, o representante da accionista P (…), S.A., A (…), questionou a mesa da assembleia se o vogal destituído podia estar presente na Assembleia. Pelo presidente da mesa foi referido que a mesa não via qualquer inconveniente a que o vogal do conselho de administração destituído, Dr. (…), permanecesse na assembleia, não podendo usar da palavra, só assim não permaneceria se os senhores accionistas manifestassem a vontade de que o mesmo se retirasse da assembleia. O autor informou que não via qualquer inconveniente em que o administrador destituído continuasse na assembleia, já o representante da accionista P (…), SGPS, S.A. manifestou a sua oposição a que aquele permanecesse na assembleia, facto que levou J (…) a retirar-se da assembleia.
56. Foi chamada a PSP de (…) ao local com vista a que J (…) e A (…) saíssem das instalações da Casa de Saúde (…).
57. Após a saída de J (…), prosseguiu a assembleia com os restantes elementos presentes, tendo o presidente do conselho de administração da ré, A (…) feito a declaração que consta das páginas 53 a 55 do livro de actas (fls. 73vº, 74v.º e 75 dos autos), cujo teor se dá por reproduzido, onde referiu, além do mais, que, usando da faculdade prevista no artigo 412.º, n.ºs 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais, propunha que a assembleia se pronunciasse no sentido de ratificar, com efeitos retroactivos, o contrato de empreitada celebrado entre a Casa de Saúde (…) e a E (…) S.A. relativo à ampliação e remodelação do edifício da Casa de Saúde de (…).
58. Na sequência, o presidente da mesa da assembleia geral referiu o seguinte: “A assembleia pode, se assim o decidir, proceder à apreciação de tais actos, ainda que os mesmos não constem da ordem de trabalhos, nos termos do disposto nos números dois e três do artº. 412º do Código das Sociedades Comerciais. Por isso, (…) sugeriu aos senhores accionistas que, após a votação do ponto dois da ordem de trabalhos e para a apreciação e votação dos senhores accionistas da proposta contida na declaração do Presidente do Conselho de Administração, se aditasse à ordem de trabalhos o ponto ‘Dois-A’, com a seguinte redacção: apreciação da validade ou invalidade e eventual ratificação do contrato de empreitada para a ampliação e remodelação da Casa de Saúde de (…)celebrado em dois de maiô de dois mil e catorze entre a E (…) e a Casa de Saúde (…), S.A.”, o que foi aceite por todos.
59. Na assembleia geral realizada no dia 26 de Março de 2018, em relação aos mencionados pontos da ordem do dia, foram adoptadas as seguintes deliberações:
a) Foi aprovada, por maioria, com os votos contra do autor (detentor de 500 acções, que correspondem a 0,055% e a 5 votos) e da autora (detentora de 4.000 acções, que correspondem a 0,442% e a 40 votos), com os votos a favor da accionista P (…), SGPS, S.A. (detentora de 899.000 acções, que correspondem a 99,50% e a 8990 votos), a renovação, com eficácia retroactiva, das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária realizada no dia 9 de Fevereiro de 2018 (ponto 1 da ordem de trabalhos).
b) Foram aprovados, por maioria, o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017 (ponto 2 da ordem de trabalhos), com os votos contra dos autores, com os votos a favor da accionista P (…), SGPS, S.A.
c) Foi aprovado, por maioria, o ponto “dois – A” no sentido da validação e/ou ratificação do contrato de empreitada, com a abstenção dos autores e com os votos a favor da accionista P (…), SGPS, S.A.
d) Foi aprovada, por maioria, com a abstenção dos autores, com os votos a favor da accionista P (…), SGPS, S.A. a proposta de aplicação dos resultados de €111.497,68 (cento e onze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e sessenta e oito cêntimos), nos termos seguintes: €5.574,88 para reserva legal e €105.922,80 para resultados transitados.

Factos não provados:
a) A adjudicação da obra à empresa E (…) S.A. foi decidida e executada exclusivamente pelo casal (…)
b) Não existe qualquer deliberação do conselho de administração da Casa de Saúde de (…) no sentido de adjudicar essas obras;
c) Não existe qualquer intervenção do órgão de fiscalização da sociedade no sentido de assentir na adjudicação dessas obras;
d) A execução da obra tem sido exclusivamente controlada pelo casal Lemos;
e) O casal Lemos mandou executar a obra, definiu o preço e as condições de pagamento, emitiu as facturas da E (…) S.A;
f) E emitiu os cheques, por parte da Casa de Saúde (…), S.A. do respectivo pagamento;
g) As obras têm sido executadas quando, como e pelo preço que o casal Lemos entendeu e entende, sem ouvir o conselho de administração, sem ouvir os accionistas e sem ouvir o órgão de fiscalização da sociedade ré;
h) Nunca foi elaborado qualquer caderno de encargos e muito menos foi ele submetido à aprovação do conselho de administração;
i) Todo o volume de negócios relativo à execução das obras tem passado exclusivamente por A (…) e pela sua esposa, que controlam os pagamentos e recebimentos da ré e E (…) S.A;
j) Mantendo tal negócio e a sua gestão corrente à margem do conselho de administração da ré e da assembleia geral de accionistas;
k) As obras não têm fiscalização e são desconhecidos os respectivos autos de medição.
l) A (…) declarou na assembleia geral realizada no dia 26 de Março de 2018 que as obras previsivelmente demandarão a contratação de novos financiamentos;
m) Inexiste qualquer acto, contrato ou negócio que não tenha merecido a concordância unânime dos administradores;
n) Nenhum dos administradores deduziu qualquer objecção, oposição ou discordância quanto aos actos praticados pelo conselho de administração.
o) A assembleia geral aprovou, por unanimidade, o relatório de gestão e contas de exercício relativas aos exercícios de 2014 a 2016;
p) Os trabalhos de ampliação e remodelação, os empréstimos contraídos, os custos dos trabalhos foram sempre aprovados por unanimidade dos sócios, merecendo a gestão e a administração votos de louvor.
q) A convocatória de 22-02-2018 foi da exclusiva iniciativa do presidente da mesa da assembleia geral
r) A convocatória de 22-02-2018 não foi precedida de qualquer solicitação de qualquer outro órgão da sociedade, nomeadamente do conselho de administração.
s) O conselho de administração da ré nunca reuniu e nunca deliberou no sentido de solicitar ao presidente da mesa da assembleia geral o agendamento da mesma.
t) O pedido de marcação da assembleia geral realizada no dia 26 de Março de 2018 foi formalizado através de requerimento que se encontra assinado por dois dos três administradores.
u) A informação relativa às novas administradoras apenas foi disponibilizada no início da assembleia geral com a exibição de um sucinto curriculum vitae de cada uma delas.
v) Tal informação nunca esteve disponível junto dos elementos documentais preparatórios da assembleia geral do dia 26-03-2018;
w) Nem esteve disponível na sede da sociedade, por nenhuma forma;
x) Nem constavam na data em que o autor se deslocou às instalações da Casa de Saúde (…), S.A. para consultar os elementos preparatórios disponíveis.
y) Em relação às qualificações e experiências profissionais de R (…) e R (…) só resulta provado o que consta do artigo 44.º.
z) Em relação à matéria constante dos artigos 147.º a 150.º, 155.º e 168.º da petição inicial só resultou provado o que consta dos artigos 57.º a 60.º dos factos provados;
aa) Foi por indicação de A (…) que a PSP foi chamada ao local nas circunstâncias referidas no artigo 60.º dos factos provados.
bb) Os autores admitiram a inclusão do ponto “dois – A” na ordem de trabalhos por não terem conhecimento jurídico, admitindo que tal fosse possível;
cc) Na acta da assembleia geral realizada no dia 26 de Março de 2018 foi transcrito tudo o que os autores pretenderam.
dd) J (…) na qualidade de sócio da H (…), Lda., no final de 2017, considerou que a P (…) – SGPS, S.A. deveria alienar a participação que detém na Casa de Saúde (…)
ee) A (…) e mulher não concordam com a venda, passando a apresentar divergências quanto à gestão da ré.


*

Descritos os factos, passemos à apreciação do recurso na parte em que versa matéria de direito.

I)

Os recorrentes começam por impugnar o segmento da sentença que decidiu que a convocação da assembleia geral realizada no dia 26 de Março de 2018 não era ilegal.

Laborando no pressuposto de que a decisão relativa à matéria de facto foi alterada no sentido por si indicado, acusam a decisão de ter violado o disposto nos artigos 58.º, 375.º, 376.º, 377.º e 406.º do Código das Sociedades Comerciais. A acusação assentou, em síntese, na seguinte linha argumentativa:
1. Que o conselho de administração não reuniu para promover a convocação da assembleia e, por conseguinte, a assembleia geral foi convocada pelo presidente da mesa da assembleia por sua exclusiva iniciativa;
2. Que a convocação da assembleia geral foi publicada pelo presidente da mesa da assembleia sem estar na posse do relatório de gestão e das contas do exercício;
3. Que foi o presidente da mesa da assembleia quem procedeu à elaboração da ordem dos trabalhos da assembleia;
4. Que a definição de uma ordem de trabalhos de onde conste a renovação de deliberações sociais tem de ter por base a iniciativa de outros agentes societários, não podendo resultar da iniciativa do presidente da mesa da assembleia.

Apreciação do tribunal:

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente o fundamento do recurso ora em apreciação.

Em primeiro lugar, o recurso parte de pressupostos de facto que não estão verificados. Com efeito, não está provado, como está pressuposto no recurso, que a assembleia foi convocada por iniciativa exclusiva do presidente da mesa da assembleia geral e que o conselho de administração da ré nunca reuniu nem nunca deliberou no sentido de solicitar ao presidente da mesa da assembleia geral o agendamento da mesma.

A realidade que está provada é substancialmente diferente da que é pressuposta pelos recorrentes. Com efeito, em primeiro lugar, está provado que A (…) e A(…) membros do conselho de administração da requerida, respectivamente presidente e vogal, reuniram-se e deliberaram pedir ao presidente da mesa da assembleia geral a convocação da assembleia geral dos accionistas da ré, para o dia 26 de Março de 2018, às 9 horas e 30 minutos, com a ordem de trabalhos que constou da convocatória. Em segundo lugar está provado que o pedido, subscrito pelo presidente do conselho de administração, foi entregue ao presidente da mesa da assembleia geral, que na posse dele convocou a assembleia geral [pontos n.ºs 32, 33 e 34 dos factos julgados provados].

Não tem, pois, apoio nos factos provados a alegação dos recorrentes de que a assembleia geral foi convocada por iniciativa exclusiva do presidente da mesa da assembleia geral, nem a alegação de que os assuntos que constavam da ordem de trabalhos da assembleia haviam sido aí incluídos por iniciativa exclusiva do presidente da mesa da assembleia.

Estando assente que a iniciativa da convocação da assembleia geral não partiu do presidente da mesa da assembleia geral, é desnecessário responder à questão de saber se o presidente da mesa da assembleia geral tem o poder de, por sua iniciativa, convocar assembleias gerais.

Questão que, como se dá conta na sentença recorrida, não tem resposta uniforme na doutrina. A título de exemplo, J. M. Coutinho de Abreu, sustenta que, “em regra o presidente da mesa não tem competência para, por iniciativa autónoma, convocar assembleias gerais…” “Só excepcionalmente, para evitar a paralisia da orgânica da sociedade, ele terá direito de, por sua livre iniciativa, convocar [Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume VI, Almedina, página 66].Já Pedro Maia é de entendimento diferente, afirmando que “não obstante o silêncio da lei, supomos que o presidente da assembleia pode desencadear autonomamente a convocação da assembleia de accionistas [O presidente das assembleias de sócios, Problemas do Direito das Sociedades, Almedina, página 435]. É da mesma opinião António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, Coimbra Editora, página 298].

Questão diferente é a de saber se a circunstância de um dos vogais do conselho de administração, no caso J (…), não ter sido convocado para qualquer reunião do conselho de administração, tendo em vista deliberar sobre o pedido da convocação da assembleia [ponto n.º 31 dos factos provados], afecta a validade da deliberação que foi tomada pelos dois outros membros do conselho de administração e vicia, em consequência, o processo de formação das deliberações tomadas na assembleia de 26 de Março de 2018.

E esta questão coloca-se pelo seguinte.

Em primeiro lugar porque o artigo 410.º do CSC, que dispõe sobre as reuniões e deliberações do conselho de administração, estabelece no n.º 3 que “os administradores devem ser convocados por escrito, com a antecedência adequada, salvo quando o contrato de sociedade preveja a reunião em datas prefixadas ou outra forma de convocação”, e no caso está assente que um dos administradores, J (…), não foi convocado para qualquer reunião do conselho de administração, tendo em vista deliberar sobre o pedido da convocação da assembleia, e resulta do exame do contrato de sociedade junto aos autos [documento junto com a petição] que o mesmo não prevê a reunião em datas prefixadas.

Em segundo lugar, porque o artigo 411.º do mesmo diploma, que dispõe sobre a invalidade das deliberações do conselho de administração, diz na alínea a) do n.º 1 do preceito que “são nulas as deliberações do conselho de administração tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou caso o contrato o permita, tiverem votado por correspondência”, e no caso um dos membros do conselho de administração (J (…)) nem foi convocado para qualquer reunião do conselho de administração tendo em vista deliberar sobre o pedido da convocação da assembleia, nem esteve presente na reunião onde foi deliberado pedir a convocação da assembleia geral anual.

No entender deste tribunal, deve ser dada resposta negativa à questão de saber se a deliberação tomada pelos dois administradores, no sentido de pedirem a convocação da assembleia, é inválida.

Com efeito, resulta do n.º 3 do artigo 410.º que o contrato de sociedade, ou seja, os accionistas, pode prever outra forma de convocação ou podem prever a reunião em datas prefixadas, hipótese em que se torna desnecessária a convocação, por escrito ou por qualquer outra forma.

Apesar de o preceito não prever, como excepção à regra de que os administradores devem ser convocados por escrito, com a antecedência adequada, a hipótese de serem os próprios administradores a preverem a reunião em datas prefixadas ou uma forma de convocação não escrita, tal hipótese é de admitir como legal. Socorrendo-nos das palavras de J. M. Coutinho Abreu, em comentário ao n.º 3 do artigo 410.º, a propósito das datas prefixadas, elas “podem ainda ser estabelecidas por deliberação do conselho de administração ou por regimento deste” [Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume VI, Almedina, página 489].

Ora, está provado que os membros do conselho de administração, concretamente (…), acordaram entre si que o conselho reunia em regra à quarta-feira, da parte da manhã, sem convocação prévia [ponto n.º 18 dos factos provados].

Este acordo configura uma deliberação dos membros do conselho de administração, estabelecendo datas prefixadas para as reuniões do conselho de administração, sendo de presumir que um dos objectivos do estabelecimento de datas prefixadas foi precisamente o de tornar desnecessária a convocação prévia dos administradores, por escrito ou por qualquer outra forma, para as reuniões do conselho de administração.

Segue-se do exposto que sempre que a reunião do conselho de administração da ré tivesse lugar à quarta-feira, da parte da manhã, não era necessário convocar os seus membros. Foi precisamente o que sucedeu com a reunião onde os dois membros do conselho de administração da ré deliberaram pedir a convocação da assembleia. Tal reunião aconteceu a uma quarta-feira [ponto n.º 32 dos factos provados].

Em consequência do exposto deve ter-se por válida a deliberação dos dois membros do conselho de administração da ré no sentido de pedir a convocação da assembleia geral anual.

Porém, ainda que se entendesse que a deliberação tomada pelos dois administradores era nula por o vogal J (…)não ter sido convocado para reunião, nem ter estado presente ou representado, nem ter posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação, como lhe era consentido  pelo n.º 3 do artigo 56.º do CSC, aplicável por remissão do n.º 2 do artigo 411.º do mesmo diploma, tal nulidade não inquinaria o processo de formação das deliberações, concretamente a convocatória, a realização da assembleia e as deliberações nela tomadas.

Com efeito, resulta do n.º 1 do artigo 412.º do CSC que as deliberações do conselho que forem inválidas só deixarão de produzir efeitos se tal invalidade for declarada pelo próprio conselho ou pela assembleia geral, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, e, no caso, não há prova de que o próprio conselho ou a assembleia geral hajam declarado a nulidade da deliberação dos dois membros do conselho de administração da ré no sentido de pedir a convocação da assembleia geral anual.

E ainda que se interprete o n.º 1 do artigo 412.º no sentido com que ele foi interpretado no acórdão do STJ proferido em 9-01-2018, no processo n.º 1148/16.5TGRD, publicado em www.dgs.pt., ou seja, que a deliberação do conselho de administração de uma sociedade anónima é judicialmente sindicável, no que diz respeito à sua invalidade, sem necessidade de previamente a submeter ao controlo interno por reclamação para o próprio órgão ou para a assembleia geral, tal interpretação também não dá amparo à pretensão dos recorrentes, pois também não está demonstrado que a deliberação dos dois membros do conselho de administração da ré no sentido de pedir a convocação da assembleia geral anual tenha sido impugnada judicialmente.

Uma outra razão que leva os recorrentes a sustentar a ilegalidade das deliberações é constituída pela alegação de que, quando a convocatória foi publicada, o presidente da mesa da assembleia geral ainda não estava na posse do relatório de gestão e das contas do exercício.

Em relação a esta alegação cabe dizer que, embora seja exacto que, quando foi publicada a convocatória da assembleia, não foram disponibilizados, pelo conselho de administração, ao presidente da mesa da assembleia geral os elementos documentais relativos às contas da sociedade [ponto n.º 35 dos factos provados], ela não tem o efeito jurídico que eles lhe assinalam.

Com efeito, ao alegarem no sentido acima exposto, os recorrentes argumentam como se resultasse da lei que era condição da validade das deliberações tomadas na assembleia sobre o relatório de gestão e as contas do exercício que, aquando da publicação da convocatória da assembleia anual para apreciação dessas matérias, tais documentos estivessem na posse do presidente da mesa da assembleia geral.

Sucede que este argumento não tem amparo nem nos preceitos que os recorrentes dizem ter sido violados pela decisão recorrida [artigos 58.º, 375.º, 376.º. 77.º e 406.º, todos do CSC], nem em quaisquer outros, designadamente no artigo 65.º do CSC sobre o dever de relatar a gestão e apresentar contas, que recai sobre os membros da administração, ou no artigo 377.º do mesmo diploma, que dispõe sobre a convocação e a forma de realização das assembleias gerais.

É certo que, segundo o 2 do artigo 376.º do CSC, o conselho de administração tem o dever de pedir a convocação da assembleia geral dos accionistas para deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício e o de apresentar as propostas e documentação necessárias para que as deliberações sejam tomadas.

Porém, não resulta, nem da letra nem do espírito de tal preceito, que o dever de apresentar as propostas e a documentação necessárias para que as deliberações sejam tomadas compreenda o dever de apresentar as propostas e documentação necessária ao presidente da mesa, quando lhe é feito o pedido de convocação da assembleia geral anual.

A quem o conselho de administração deve apresentar, para consulta, o relatório de gestão, as contas do exercício e outros documentos, é aos accionistas e, ainda assim, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia. É o que resulta do artigo 289.º, n.º 1, alínea e) do CSC.

Pelo exposto, improcede o primeiro fundamento do recurso.

II)

Os recorrentes insurgem-se, em segundo lugar, contra o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação da deliberação que renovou, com eficácia retroactiva, as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária da requerida em 9 de Fevereiro de 2018, concretamente a que destituiu todos os membros do conselho de administração e a que elegeu um novo conselho de administração para completar o triénio 2016 com a seguinte composição: presidente – A(…), vogais: A (…) e R (…); vogal suplente  - R (…).

Laborando também aqui no pressuposto da alteração da matéria de facto, os recorrentes imputam à sentença a violação do disposto no artigo 289.º, n.º 1, do CSC, com base na seguinte linha argumentativa: 
1. Aquando da convocação da assembleia de 9 de Fevereiro de 2018 não foi disponibilizada aos accionistas qualquer informação relativa aos novos administradores a designar, designadamente a informação relativa às suas qualificações profissionais, com indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade e do números de acções de que são titulares, em particular quanto às novas administradoras, R (…) e R (…)
2. Que importaria que no procedimento prévia à realização da assembleia geral tivesse sido acautelada a disponibilização antecipada dessa informação o que não se verificou, pois a informação relativa às novas administradoras apenas foi disponibilizada no início da assembleia geral;
3. Que apesar de a sociedade ter sítio na internet, nunca tal informação aí foi disponibilizada.

Apreciação do tribunal:

Antes de mais importa dizer que a informação em falta a que os recorrentes dão relevo, para concluírem que a deliberação foi tomada com violação do seu direito a obterem informações sobre a proposta de eleição dos novos membros do conselho de administração, é a respeitante às qualificações profissionais das novas administradoras, R (…) e R (…), designadamente sobre as actividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, sobre as funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade e sobre o número de acções de que eram titulares.

A apreciação deste fundamento do recurso remete-nos para a alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º e para a alínea b) do n.º 4 do mesmo preceito e para a alínea d) do n.º 1 do artigo 289.º, do CSC.

A alínea d) do n.º 1 do artigo 289.º, sob a epígrafe “informações preparatórias da assembleia geral”, estabelece que quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros dos órgãos sociais, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral devem ser facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade, os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares.

A alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC diz que são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.

E o n.º 4 do mesmo preceito considera, para efeitos desse artigo, elementos mínimos de informação, a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.

Da combinação destes preceitos resulta que é anulável a deliberação que aprova a nomeação de membros de órgãos sociais, na hipótese de, nos 15 dias anteriores à data da assembleia geral em que teve lugar a sua nomeação, não ter sido facultada à consulta dos accionistas os nomes das pessoas propostas, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares.

Interpretados os preceitos acima indicados com o sentido exposto, a razão estaria do lado dos recorrente se, nos 15 dias anteriores à assembleia de 26 de Março de 2018, não tivessem sido facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade, os nomes das pessoas que eram propostas para integrar o conselho de administração, especialmente os nomes de R (…) e R (…), as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares.

Sucede que esta condição não está verificada. Com efeito está provado que, nos quinze dias anteriores à assembleia, estiverem disponíveis, para consulta pelos accionistas, na sede da sociedade requerida, as seguintes informações relativas às novas administradoras:

Vogal: R (…) estudante de direito, tem acompanhado e dado apoio ao nome proposto para presidente do conselho de administração na E (…) SGPS, e nas empresas que constituem o denominado grupo E (…)

Vogal suplente: R (…), estudante de economia, tem acompanhado e dado apoio ao nome proposto para presidente do conselho de administração na E (…)SGPS, e nas empresas que constituem o denominado grupo E (…).

Nenhum dos nomes propostos é titular de qualquer acção no capital social da Casa de Saúde (…) [ponto n.º 40 dos factos s].

Em consequência do exposto, não está em condições de proceder a pretensão dos autores com o fundamento ora em apreciação.

Uma segunda ordem de razões que leva os recorrentes a sustentar a ilegalidade das deliberações é constituída pela alegação de que, apesar de a ré dispor de sítio na internet, a mesma não divulgou no seu sítio da internet a informação relativa aos novos administradores.

Em relação a esta alegação cabe dizer que os factos nela compreendidos são exactos, pois está provado que a ré dispõe de sítio na internet e que, nesse sítio, não foi disponibilizada informação relativa aos novos administradores [pontos n.ºs 42 e 43 dos factos provados].

E é também exacto que, no caso de a sociedade ter sítio na Internet, os documentos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do CSC [entre os quais figuram os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e o número de acções da sociedade de que são titulares] devem também aí estar disponíveis durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral. É o que resulta do n.º 4 do artigo 289.º do CSC.

É certo que esta disponibilização dos documentos no sítio da sociedade na Internet facilita a consulta deles aos sócios, pois, em tal hipótese, poderão fazê-lo sem necessidade de se deslocar à sede da sociedade, fora dos horários de funcionamento desta e fazer-se assistir em tal consulta por quem entenderem. Como se escreveu no preâmbulo do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, diploma que prescreveu a disponibilização dos documentos no sitio da sociedade na Internet, tratou-se de dar atenção “… à necessidade de aproveitamento das novas tecnologias da sociedade da informação em benefício do funcionamento dos órgãos sociais e dos mecanismos de comunicação entre os sócios e as sociedades”.

Porém, o que a lei prevê, no caso de a sociedade não os divulgar no respectivo sítio na Internet, é a faculdade de qualquer accionista requerer o seu envio, através de correio electrónico, o que a sociedade deverá cumprir no prazo de oito dias [alínea b) do n.º 3 do artigo 289.º, do CSC].

E assim o que, na realidade, é susceptível de configurar a violação do direito à informação preparatória da assembleia geral é a recusa de envio dos documentos através de correio electrónico, no prazo estabelecido na lei.

Sucede que esta hipótese não se coloca no caso dos autos, visto que os autores ora recorrentes, não alegaram sequer que requereram o envio dos documentos em causa através de correio electrónico. 

 Em consequência do exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação.

III)

Perturbações graves do normal funcionamento da assembleia geral de 26 de Março 2018

Os recorrentes insurgem-se, em terceiro lugar, contra o segmento da decisão que julgou improcedente o pedido de anulação das deliberações sociais na parte em que ele se baseou no facto de J (…) vogal efectivo, e A (…), vogal suplente, terem sido impedidos de estar presentes na assembleia geral.

Acusam a decisão de violar o disposto no artigo 379.º do CSC [participação na assembleia] com a seguinte linhar argumentativa:
a) Mesmo que se entendesse que só os administradores efectivos podem/devem estar presentes, é de elementar evidência que, em face, pelo menos, do ponto 1 da ordem de trabalhos, assistia ao administrador em causa, em face da pretensão de destituição do mesmo, o direito de estar presente, designadamente para, em face disso, poder exercer o respectivo contraditório, para melhor esclarecimento da assembleia geral;
b) O impedimento físico à participação do vogal suplente inviabilizou a possibilidade daquele contribuir para a formação esclarecida do sentido de voto dos accionistas, pondo em causa o normal funcionamento da AG, em face da ordem de trabalhos contrariando, ademais, o passado recente da sociedade, em que tal participação foi pacificamente aceite;
c) Mutatis mutandis, no que atine ao vogal J (…). Na verdade, o mesmo foi impedido de continuar na AG, tendo o accionista maioritário, representado pelo PCA da sociedade requerida, votado para a sua saída.

Apreciação do tribunal:

A apreciação deste fundamento de recurso remete-nos, antes de mais, para o artigo 379.º, n.º 4 do CSC, na parte em que estabelece que devem estar presentes nas assembleias gerais de accionistas os administradores.

 Apesar de a letra do preceito falar no dever de os administradores estarem presentes na assembleia, é bom de ver que no espírito da norma cabe também o direito de estarem presentes.

Ao dever de presença, que impende sobre os administradores, corresponde o direito dos accionistas de exigirem a presença deles nas assembleias para, nas palavras de J.M. Coutinho de Abreu, em comentário ao artigo 379.º do CSC, “explicar sumariamente as propostas e documentos que tenham apresentado à assembleia” [obra supracitada Volume VI, página 91]. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 290.º do Código das Sociedades Comerciais, na assembleia geral, o accionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdade completas ou elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação. E de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, as informações abrangidas pelo número anterior devem ser prestadas pelo órgão da sociedade que para tal esteja habilitado.

Sendo esta a razão de ser do dever e do direito de os administradores estarem presentes na assembleia geral, é bom de ver que um administrador que nunca exerceu efectivamente funções e em relação ao qual os accionistas não têm o direito de pedir explicações sobre as propostas submetidas à assembleia não tem nem o dever nem o direito de estar presentes nesta. Era precisamente a situação de A (…), que era vogal suplente.

Como bem se refere na sentença, a presença dele na assembleia dependia, de acordo com o que dispõe o n.º 6 do artigo 379.º do CSC, da autorização do presidente da mesa, podendo, no entanto, a assembleia revogar essa autorização.

No caso, não só o presidente da mesa não autorizou tal presença, como, submetido o assunto à assembleia, esta, com o voto da accionista maioritária, P (…), declarou a sua oposição a essa presença.

Contra esta conclusão não vale a alegação dos recorrentes de que assistia a tal administrador o direito de estar presente em face da pretensão da destituição do mesmo, para, em face dela, poder exercer o respectivo contraditório, para melhor esclarecimento da assembleia geral.

Com efeito, não há preceito no Código das Sociedades Comerciais de onde resulte que, quando estiver em causa, numa assembleia de accionistas, a proposta de destituição de um membro não efectivo do conselho de administração, este tem o direito de estar presente a fim de exercer o contraditório em relação à proposta de destituição.

Em consequência do exposto, a sentença sob recurso não merece qualquer censura pelo facto de considerar lícito o impedimento à presença na assembleia de (…) vogal suplente.

No tocante à presença na assembleia de (…) os contornos de facto da questão são diferentes. Com efeito, este administrador esteve presente até ao momento em que foi votada a sua destituição do cargo e foi nomeado um novo conselho de administração. Ele só foi impedido de estar presente a partir do momento em que se passou à discussão e votação dos restantes assuntos da ordem do dia, concretamente o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017, a proposta de aplicação dos resultados, a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade, a eleição do fiscal único e a ratificação do contrato de empreitada celebrado entre a Casa de Saúde (…) e a E(…), S.A., relativo à ampliação e remodelação do edifício da Casa de Saúde (…).

Este tribunal entende que assistia a J (…) o direito de estar presente na assembleia, na parte em que ela se debruçasse sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017 e sobre a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade. Com efeito, uma vez que a assembleia iria apreciar o relatório de gestão e as contas do exercício bem como a administração geral da sociedade, relativos ao tempo em que esteve funções (exercício de 2017), e que, de acordo a segunda parte do n.º 4 do artigo 65.º, do CSC, os antigos membros da administração devem prestar todas as informações que para esse feito lhe forem solicitadas, relativamente ao período em que exerceram aquelas funções, J (…)tinha o direito e o dever de estar presente na assembleia quando se apreciassem tais assuntos e os accionistas tinham o direito de pedir explicações ao referido administrador sobre esses eles.

Foi, assim, ilícita a deliberação da assembleia que o impediu de estar presente na discussão e votação do relatório de gestão e das contas do exercício de 2017 e da apreciação geral da administração da sociedade.

Daqui não se segue, no entanto, que as deliberações que aprovaram o relatório de gestão e as contas do exercício de 2017 sejam inválidas. Vejamos.

A questão de saber quem pode e quem não pode estar presente na assembleia diz respeito à organização da assembleia e a organização da assembleia integra, a par de outros aspectos, o procedimento necessário para nela serem tomadas deliberações [cita-se em abono desta interpretação J.M. Coutinho de Abreu, em Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume I, Almedina, página 706].

Assim sendo, a exclusão, da assembleia, de pessoas que nela tinham o direito de estar presentes é um vício que diz respeito ao procedimento relativo às deliberações nela tomadas. Este vício está sujeito ao regime da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, segundo a qual, são anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade.

Se a letra do preceito aponta no sentido de que qualquer violação da lei ou do contrato de sociedade, respeitante ao procedimento, é causa de anulação da deliberação, o seu espírito não vai tão longe. Socorrendo-nos das palavras de J.M. Coutinho de Abreu “… há que atender à teleologia das normas procedimentais ofendidas e às consequências das ofensas. Em concreto, há vícios relevantes e vícios irrelevantes para efeitos de anulação das deliberações sociais” [obra supracitada página 708].

No caso, visto que a presença dos administradores tem a sua razão de ser no direito à informação dos sócios em assembleia geral, a exclusão, da assembleia, do administrador J (…) seria relevante, socorrendo-nos mais uma vez das palavras do citado autor, se ofendesse “de modo essencial o direito de participação livre e informada dos sócios nas deliberações” [página 709 da obra supracitada], concretamente se pusesse em causa a participação livre e informada dos autores na deliberação sobre o relatório de gestão e as contas do exercício e sobre a apreciação geral da sociedade.

Não há, no entanto, na matéria de facto qualquer indício de que tal tenha acontecido. Segundo a acta da assembleia, após a apresentação do relatório de gestão e das contas do exercício, nenhum dos accionistas pretendeu usar da palavra. De resto, apesar de não ter estado presente no momento da discussão e votação do relatório de gestão e das contas do exercício, no início da assembleia foi dada a palavras a J (…), que dela usou, tendo-se pronunciado sobre a vida da sociedade, designadamente sobre relatório de gestão e as contas da sociedade relativas ao exercício de 2017.

Por todo o exposto, não merece qualquer censura a sentença quando entendeu que a circunstância de J (…) ter sido impedido de estar presente na assembleia não determinava a invalidade das deliberações tomadas.


*

IV)

Sobre o carácter abusivo das deliberações

Os recorrentes impugnaram, em último lugar, o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação das deliberações tomadas na assembleia, na parte em que esse pedido tinha como fundamento a alegação de que as deliberações eram abusivas.

Estão em causa as deliberações que renovaram, com eficácia retroactiva, as deliberações tomadas na assembleia extraordinária de 9 de Fevereiro, concretamente a renovação da deliberação que destitui J (…) e A (…) do conselho de administração e a deliberação que nomeou R (…9 e R (…), como novas administradoras.

Os recorrentes, repetindo o que já haviam alegada na petição e passando ao lado das razões que levaram a sentença a julgar o pedido improcedente, sustentam a revogação da sentença com base, em síntese, na seguinte linha argumentativa:
a) Que o objectivo exclusivo das duas deliberações foi o de destituir o administrador efectivo (vogal) J (…), eliminando, do mesmo passo, a possibilidade do suplente A (…) lhe suceder, reforçando-se, dessa forma, a posição de A (…), enquanto administrador da Casa de Saúde (…) dado que o órgão conselho de administração ficou exclusivamente composto por membros da sua família, mais concretamente, por si, pela sua esposa e por duas filhas do casal, estas últimas, sem qualquer contacto profissional conhecido com a realidade da gestão de empresas e, menos ainda, com o sector da saúde;
b) Que, na prática e com a adopção das deliberações em causa, assistia-se a uma alteração do modelo de governação da sociedade ré, passando esta de uma estrutura de administração com um conselho de administração, para um modelo de gestão com administrador único, pois A (…)– ainda que acolitado pela sua esposa – passava a concentrar em si todo o poder de decisão relativamente à Casa de Saúde (…);
c) Que as deliberações em causa revelavam-se, de forma cristalina, adequadas a satisfazer, unicamente, os interesses de A (…) e da sua família, proporcionando a estes vantagens indevidas no relacionamento com a sociedade requerida e prejudiciais para esta;
d) Que A (…), fazendo uso da sua condição de presidente do conselho de administração da accionista P (…) SGPS, S.A., e nos moldes em que o fez, operou a destituição de dois administradores, a cerca de 10 meses do fim do mandato para o qual foram legitimamente eleitos, para os substituir por duas filhas suas, pessoas sem qualquer experiência profissional e empresarial;
e) Que a participação de J (…) e A (…) como membros do CA da R. – efectivo, o primeiro, suplente, o segundo – tinha assegurado um equilíbrio de representação dos diferentes interesses associados à Casa de Saúde (…), impedindo, dessa forma, uma homogeneização em torno da figura de A (…) e uma adequada representação dos minoritários;
f) Que tais administradores eram representantes legais de uma sociedade que era minoritária no universo da Casa de Saúde, por intermédio da sociedade P (…);
g) Que não havia sido imputado a qualquer dos administradores destituídos qualquer facto que pudesse constituir, ainda que remotamente, uma justa causa de destituição dos mesmos;
h) Que, pelo contrário, verificava-se a ausência de qualquer fundamento para tal;
i) Que nenhum motivo sério se vislumbrava para a destituição desses administradores, que não fosse, tão-só, a circunstância de não estarem alinhados com a visão empreendida por A (…) em especial, no que tocava ao relacionamento que este tinha promovido entre a Casa de Saúde de (…), S.A. e empresas do grupo empresarial “E (…)”, de que era dono.

Apreciação do tribunal:

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

Apreciemos, em primeiro lugar, as alegações relativas à invalidade da deliberação de destituição de J (…) e A (…) dos cargos de administradores.

Em primeiro lugar, não está demonstrado que o que motivou a destituição dos administradores foi a divergência deles com o presidente do conselho de administração, A (…) no que dizia respeito ao relacionamento que este vinha promovendo entre a Casa de Saúde (…) e as empresas do grupo empresarial (E(…)), de que era dono.

Em segundo lugar, não é exacto que não tenha sido imputado a nenhum deles qualquer comportamento que pudesse constituir justa causa de destituição. Com efeito, na assembleia geral extraordinária que teve lugar em 9 de Fevereiro, A (…), na qualidade de representante da P (…) SGPS, S.A, declarou que um dos elementos do conselho de administração informou os demais que tinha de ter interesse no projecto da Casa de Saúde e que, por isso, se propunha alienar a participação que detinha no capital social da P (…), accionista da Casa de Saúde, tendo tal circunstância afectado de forma reversível a confiança entre todos os membros do conselho de administração, com feitos negativos e entropias nas tomadas de decisão de gestão e administração da sociedade, sendo por isso imperioso a eleição de um novo conselho de administração em que a harmonia, a cooperação e o empenho em levar por diante o projecto da Casa de Saúde fosse querido e pretendido por todos.

Em terceiro lugar, ainda que estivesse demonstrado que não havia fundamento sério para a sua destituição e que o único motivo que se vislumbrava para tal fosse a discordância deles com A (…) (presidente do conselho de administração), em especial no que dizia respeito ao relacionamento que este último vinha promovendo entre a Casa de Saúde (…) e as empresas do grupo empresarial E (…), de que era dono, o que tal realidade significaria é que J (…) e A (…)haviam sido destituídos sem justa causa.

Sucede que qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento [n.º 1 do artigo 403.º do CSC], e que a sanção para a deliberação de destituição sem justa causa é a constituição da sociedade na obrigação de indemnizar o administrador pelos danos sofridos, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 405.º do CSC.

E, assim, combinando a regra imperativa da livre destituição dos membros do conselho de administração pela assembleia, em qualquer momento, com a regra de que, nos casos em que a destituição não se funda em justa causa, há lugar ao pagamento de uma indemnização ao administrador, é de afirmar que a inexistência de justa causa não é motivo de invalidade da deliberação.

Observe-se que a questão de saber se as deliberações de destituição de qualquer membro do conselho de administração são susceptíveis de ser anuladas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC não obtém uma resposta unívoca na doutrina, como dá conta J. M. Coutinho de Abreu, sustentando este autor que “… as deliberações de destituição de administrador caracterizadas pelas notas caracterizadoras da hipótese prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º não são anuláveis (chame-se-lhe ou não deliberações abusivas) – a regra da destituição livre não é excepcionada nesses casos. Porque há então destituição sem justa causa, o destituído tem direito a indemnização. Se for indemnizado pela sociedade, esta tem direito a ser ressarcida à custa dos sócios que votaram abusivamente a destituição” [Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Volume VI, Almedina, página 388].

Pelo exposto, é de manter a decisão recorrida.

Apreciemos, de seguida, as alegações relativas à invalidade da deliberação de nomeação de R (…) e R (…) para o conselho de administração da ré, a primeira como vogal efectiva e a segunda como vogal suplente.

Em relação a elas, importa dizer, antes de mais, que é exacta a alegação dos recorrentes de que, por efeito desta nomeação, o novo conselho de administração passou a ser composto exclusivamente por pessoas da mesma família, como é exacta a alegação de que as novas administradoras não tinham qualquer contacto profissional conhecido com a realidade da gestão de empresas, nomeadamente no sector da saúde.

Porém, já não é exacta a interpretação dos recorrentes de que, na prática, deu-se uma alteração do modelo de governação da sociedade, passando-se de um órgão plural (conselho de administração) para um órgão singular (administrador único), com a concentração em A (…), ainda que acolitado pela sua esposa, de todo o poder de decisão relativamente à Casa de Saúde, proporcionando a estes uma vantagem indevida no relacionamento com a sociedade e prejudicial a esta.

Com efeito, já com a anterior composição do conselho integrada por J  (…), A (…)e mulher, A (…), garantiam a formação da maioria nas deliberações tomadas, pois o conselho era composto por 3 administradores e, segundo o n.º 7 do artigo 407.º do CSC, as deliberações são tomadas por maioria dos votos dos administradores presentes ou representados e dos que, caso o contrato de sociedade o permita, votem por correspondência.

Quanto à circunstância de as novas administradoras serem da mesma família dos membros que transitam do conselho de administração anterior e de não terem qualquer contacto profissional conhecido com a realidade da gestão de empresas, nomeadamente no sector da saúde, ao invés do que se passava com os administradores destituídos, ela não é motivo de invalidade da deliberação.

Em primeiro lugar, nem os estatutos da sociedade nem o Código das Sociedades Comerciais obstavam à nomeação de pessoas da mesma família para o conselho de administração. Com efeito, os estatutos limitam-se a estabelecer no artigo 8.º que a administração da sociedade será exercida por um conselho de administração composto por 3 ou 5 elementos e um suplente, accionistas ou não, eleitos em assembleia geral por 3 anos civis, podendo ser reeleitos por uma ou mais vezes. O n.º 3 do artigo 390.º do CSC, que dispõe sobre a composição do conselho de administração, estabelece que os administradores podem não ser accionistas, mas devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena.

Em segundo lugar, a circunstância de as novas administradoras não terem qualquer contacto profissional conhecido com a realidade da gestão de empresas, nomeadamente no sector da saúde, também não violava os estatutos ou o Código das Sociedades, pois nem aqueles nem este exigem, como requisito especial para a nomeação para o conselho de administração, experiência na gestão de empresas, nomeadamente na gestão de empresas que prestam cuidados de saúde.

É certo que, socorrendo-nos das palavras de Ricardo Costa, “Tal não significa que o CSC seja indiferente a determinadas qualidades; … é o próprio CSC – quando se refere artigo 64.º, 1, al. a), à aferição diligência do administrador através da bitola do gestor criterioso e ordenado – que aponta para um tipo legal de administrador qualificado; esta qualificação pressupõe uma certa dedicação (ou, noutras palavras, profissionalização) especialização próprias da classe dos gestores, uma competência basicamente assente em habilitações técnicas e profissionais.” Porém, socorrendo-nos ainda das palavras do mesmo autor, “a disponibilidade”, a “competência técnica” e “o conhecimento da actividade”, de que fala o artigo 64.º n.º 1 do CSC “não são condições de validade da designação do administrador” … “são requisitos atendíveis na avaliação objectiva e subjectiva da execução (ou omissão) das tarefas concretas da administração”. [Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume VI, páginas 205 e 206].   

É certo também, como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 15 de Dezembro de 2011, no processo n.º 98/08.3TBAFE.P1.S1, que o facto de uma deliberação ser formalmente regular não significava que não pudesse ser lesiva do interesse social ou o interesse de algum ou algum dos sócios [publicado na Colectânea de Jurisprudência Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIX, Tomo III/2011, páginas 156 a 158]. Por outras palavras, uma deliberação que, numa 1.ª apreciação, respeita os estatutos e o Código das Sociedades Comerciais pode cair nas malhas das deliberações abusivas [alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC].

Sucede  que para que tal suceda será necessário, segundo a letra do mencionado preceito, que estejam reunidos os seguintes pressupostos:
1. Que o voto de quem a aprovou tenha sido movido pelo propósito de conseguir para si ou para terceiro vantagens especiais, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente pelo propósito de prejudicar a sociedade ou os sócios (as chamadas deliberações emulativas);
2. Que a deliberação seja apropriada para satisfazer tais propósitos.

Pressupostos cuja prova cabe a quem invocar a natureza abusiva da deliberação, pois segundo o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e os mencionados pressupostos são constitutivos do direito à anulação da deliberação social.

Prova que implica a identificação da vantagem especial que, em concreto, é conseguida com a deliberação, para o sócio ou para terceiro, com prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou a identificação do prejuízo que, em concreto, é causado à sociedade ou a outros sócios com a deliberação.

Por sua vez à sociedade cabe provar que as deliberações teriam sido tomadas sem os votos abusivos.

Precise-se, como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 27 de Maio de 2003, no processo n.º 950/03, citando-se Pinto Furtado [Deliberações dos Sócios, Almedina, página 389] que “a norma não quis, obviamente, aplicar sem mais a sanção de anulabilidade à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, para a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescenta a feição de excessiva, i.e. abusiva – como inequivocamente se realça o adjectivo “abusivos”, expressamente usado para classificar os votos que a compõem” [o acórdão está publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XI, Tomo II/2003, páginas 69 a 74].

No caso, percorrida a matéria assente, não se encontram nela factos que mostrem que a accionista que aprovou a deliberação [a sociedade P (…)] que nomeou R (…) e R (…) Lemos, para o conselho de administração, fê-lo com o propósito de conseguir para si, P (…) ou para terceiros, uma vantagem especial em prejuízo da sociedade ou de terceiros, ou simplesmente com o propósito de prejudicar a sociedade ou os outros accionistas.

Por outro lado, ainda que se interprete a deliberação de nomeação como sendo favorável aos interesses dos anteriores administradores, A (…) e A (…) [terceiros em relação à sociedade], os factos apurados não permitem concluir que a vantagem criada pela nomeação redundará num prejuízo para a sociedade ou para os outros accionistas, designadamente para os autores, ora recorrentes. No campo das hipóteses, tal poderá vir a acontecer. Porém, como resulta do exposto acima, para se afirmar a natureza abusiva da deliberação, é condição necessária a identificação do prejuízo concreto, para a sociedade ou para outros sócios, que sobrevirá como consequência ou resultado de uma deliberação que favorece um sócio ou terceiros.         

Em consequência do exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando o disposto nos números 1 (1.ª parte) e 2 do artigo 527.º do CPC e o facto de os recorrentes terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas, restritas a custas de parte.

Coimbra, 25 de Janeiro de 2021

Emídio Santos ( Relator )

Catarina Gonçalves

Maria João Areias