Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
834/16.4T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CADUCIDADE
TRANSACÇÃO
NULIDADE
SENTENÇA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 498, 696 D), 697 Nº2 C) CPC
Sumário: 1.- Se o facto em que o requerente do recurso de revisão se baseia para pedir a mesma é a invalidade da transacção, homologada por sentença, celebrada no âmbito do de outro processo e que serviu de suporte à transacção celebrada nos presentes autos, invalidade aquela que foi declarada pelo STJ, em acórdão datado de 7.6.2018 e transitado em julgado em 25.6.2018, e o dito recurso de revisão entrou em juízo em 20.7.2018, dentro do prazo legal de 60 dias previsto no art. 697º, nº 2, c), do NCPC, não ocorreu a caducidade de tal recurso.

2.- A autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.

3.- A decisão proferida pelo STJ, como primeira decisão, a declarar nula uma transacção efectuada numa acção que correu no Tribunal de Aveiro, transacção que envolveu as mesmas partes dos autos (acção principal e presente apenso de recurso de revisão), funciona como pressuposto necessário e indiscutível da decisão a proferir nos presentes autos de recurso de revisão, como segunda decisão, para declarar nula uma transacção efectuada na acção principal.

4.- Se naquela acção do Trib. Aveiro a transacção aí celebrada foi declarada nula ou ineficaz (stricto sensu) absoluta e totalmente, em relação a todas as partes envolvidas e cláusulas contempladas, sendo que numa delas se previa transacção a efectuar na referida acção principal, o que foi levado a cabo pelas mesmas partes, um daqueles vícios jurídicos (seja ele qual for) projecta-se, por conexão, para a transacção celebrada nesta acção principal, tornando-a, também nula ou ineficaz, e dando, por isso, lugar à revisão da sentença que homologou esta última transacção, nos termos do art. 696º, d), do NCPC.

5.- Julgado procedente recurso de revisão, com fundamento na d) do art. 696º do NCPC, devem aproveitar-se os actos processuais já praticados e assim retomar-se a audiência de julgamento no ponto em que ela ficou, antes da celebração da transacção efectuada nos autos, em cumprimento do estatuído no art. 701º, c), do mesmo código.

Decisão Texto Integral:

 

I – Relatório

 1. J (…), que foi autor nos autos principais, apresentou (em Julho de 2018) contra C (…) SA, C (…) II, SA, CI (…), SA, R (…) Lda, e N (…), SA, recurso de revisão (nos termos do art. 696º, d), do NCPC), da sentença homologatória da transacção efectuada, proferida nos autos principais no dia 16.2.2017, já transitada em julgado, e que declarou extinta a instância, requerendo a revogação da sentença recorrida e o prosseguimento dos termos subsequentes do processo, aproveitando-se os actos já praticados, incluindo a prova já produzida, designando-se ainda datas para a continuação da audiência de julgamento com a produção da restante prova e prolação de decisão final.

Para o efeito, alegou, em síntese, que a sentença proferida em 16.2.2017, proferida nos autos principais, que homologou a transacção celebrada entre o aqui requerente, ali A., e a sociedade P (…)Lda., por um lado, e as ora requeridas, ali RR, e ainda L (…), J (…) e J (…), por outro, e que, consequentemente, declarou extinta a presente instância, não é válida, porquanto a mesma emergiu de outra transacção, celebrada no âmbito do Proc.2749/16.7T8AVR (que correu termos no Juiz 3 do Juízo Central Cível de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), que veio a ser declarada ineficaz e a respectiva sentença homologatória inválida pelo STJ (em acórdão datado de Junho de 2018 e transitado em julgado ainda nesse mês), por falta de representação de um dos seus intervenientes nas cláusulas nucleares, o J (…), o que implica necessariamente a invalidade das restantes cláusulas dela dependentes, portanto, da transacção efectuada nos autos principais.

O tribunal admitiu o recurso de revisão.

As requeridas responderam, alegando, em suma, que nos autos principais este Tribunal não se considerou vinculado aos juízos de apreciação da validade da transacção celebrada e homologada no Tribunal de Aveiro na acção ali pendente, por considerar que o Tribunal de Aveiro nem sequer tinha competência para decidir o que quer que fosse relativamente aos autos principais, tendo apreciado e homologado autonomamente e segundo critérios próprios a transacção efectuada nos autos, como decorre da aludida sentença homologatória e despacho complementar de 15.5.2017. Que as RR, ora requeridas, até reagiram à sentença homologatória, proferida nos autos principais, mediante recurso que foi julgado improcedente por decisão da Relação de Coimbra, que, assim, validou as decisões proferidas nos autos principais. Os acórdãos proferidos no STJ e no T. da Relação do Porto, no âmbito do identificado processo de Aveiro, apenas decidiram aí pela ineficácia e inoponibilidade da transacção e da sentença homologatória proferida na acção de Aveiro em relação ao J (…), deles não se extraindo a nulidade nem a anulabilidade quer da transacção quer da sentença que a homologou. No que se refere à decisão proferida nos autos principais que homologou a transacção relativamente às RR sociedades, não se verifica qualquer vício do negócio processual que lhe tenha servido de base. O presente recurso de revisão não foi interposto atempadamente, pois, em ofensa do estabelecido na c) do nº 2 do art. 697º do NCPC, foi interposto decorridos mais de 60 dias desde o conhecimento, pelo requerente/A. do facto que lhe serve de base, porquanto o único facto que pode servir de base à pretendida revisão não é o falado acórdão do STJ, mas sim a decisão proferida nos autos em 16.2.2017 (com a aclaração e complemento de 15.5.2017). É forçoso concluir-se que no caso não se verificam os pressupostos enunciados na alínea d) do art. 696º do NCPC, por inexistência de qualquer causa de nulidade ou anulabilidade.  

*

No despacho saneador foi proferida sentença em que o tribunal julgou o recurso de revisão procedente e, em consequência, revogou a sentença homologatória da transacção e os actos processuais subsequentes dela dependente, determinando o prosseguimento dos autos principais, com a continuação da audiência de julgamento, aproveitando-se os actos processuais já praticados.

*

2. As requeridas/RR, interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes (repetitivas das alegações, 88 !! longas e prolixas) conclusões:

(…)

3. O requerente/A. contra-alegou, concluindo que:

(…)

 II - Factos Provados

a) No âmbito dos autos principais, no dia 15/02/2017, as partes, de comum acordo, deram entrada no processo de um requerimento com o seguinte teor: “1º. Por termo de transacção lavrado no âmbito da Acção de Processo Comum n.º2749/16.7T8AVR, que correu termos no Juízo Central Cível de Aveiro – J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, e que foi homologado por douta sentença de 13/02/2017, o A. nos presentes autos desistiu dos pedidos que aqui formulou contra as RR., tendo estas aceite expressamente essa desistência, tudo com vista a colocar termo ao presente litígio. -cfr. Documento n.º 1 (Termo de Transacção). 2º Acordaram ainda as partes que as custas eventualmente em dívida no presente processo serão pagas em metade pelo A. e na outra metade pelas RR. 3º As partes obrigaram-se a comunicar aos presentes autos o termo de transacção, o que ora fazem, em cumprimento do acordado no respectivo ponto 11. 4º Em consequência do que requerem seja declarada a extinção da instância, nos termos do e para os efeitos do disposto no artigo 277º/d) do Código de Processo Civil. 5º. Requerem ainda sejam dadas sem efeito as datas já agendadas para continuação da audiência de julgamento, comprometendo-se as partes a comunicar às testemunhas que arrolaram a sua não realização”.

b) Em documento anexo, juntaram a ata da audiência de julgamento realizada no processo n.º 2749/16.7T8AVR (do Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 3), do dia 13/02/2017, com a mencionada transação e do seguinte teor:

ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

*

Data: 13 de Fevereiro de 2017, pelas 9h30m

Juiz de Direito: Dr.º (…)

Escrivã Auxiliar: M (…)

Autor: L (…)

Mandatário do Autor: Dr.º (…)

: P (…), Lda

Mandatário da ré: Dr.º (…)

*

Sendo a hora marcada, publicamente e de viva voz, identifiquei os presentes autos e de imediato procedi à chamada de todas as pessoas que nele devem intervir, após o que comuniquei verbalmente ao MM.º Juiz, o rol dos presentes e dos faltosos, a saber:

PRESENTES:

Autor: L (…)

Mandatários do Autor: (…)

Testemunhas arroladas pelo Autor: (…)

Legal Representante da Ré: (…)

Mandatário da Ré: Dr.º (…)

Testemunhas arroladas pela Ré: (…)

*

Iniciada a audiência, que se encontra integralmente gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, em obediência ao disposto no art.º 155.º do CPC, pelo Ilustre Mandatário do autor foi pedida a palavra, no seu uso requerendo que aquele prestasse declarações de parte, nos termos do disposto no art.º 466.º do CPC.

Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Ré, pelo mesmo foi dito nada ter a opor ao requerido, requerendo também a prestação de declarações de parte por parte do legal representante daquela.

Pelo Ilustre Mandatário do Autor foi dito nada ter a opor ao requerido, tendo o MM.º Juiz deferido as requeridas declarações.

*

De seguida, procedeu-se à identificação da 1ª testemunha presente e arrolada pelo autor.

J (…), com os sinais dos autos, o qual prestou juramento legal, tendo dito ser irmão do autor.

**

Após, pelo MM.º Juiz foi tentada a conciliação das partes (art.º 604.º do CPC), tendo os Ilustres Mandatários presentes, após negociações, declarado que as partes tinham chegaram a acordo, acordo que foi lido aos presentes, sendo que pelo autor, presente neste acto, foi dito que o mesmo não correspondia na íntegra ao seu propósito ou vontade.

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Retomadas as negociações e concluídas as mesmas, pelos Ilustres Mandatários foi dito que as partes pretendem pôr termo ao litígio, mediante a seguinte

TRANSAÇÃO

O autor, a ré e o seu legal representante J (…), acordam na presente acção, bem como o autor e J (…) e J (…), agindo em nome pessoal e na qualidade de legais representantes das sociedades C (…), S.A., C (…) II, S.A., R (…) Lda e N (…), S.A., todas sociedades comerciais constituídas segundo a lei portuguesa, com sede em (...) , onde estão registadas, contribuintes fiscais, respectivamente (…)põem termo à presente acção e aos processos que correm termos no Tribunal Central da Guarda, sob os n.ºs 834/16.4T8GRD e 984/16.7T8GRD, o que fazem nos termos seguintes:

1. J (…) declara ceder as acções de que é titular na sociedade C (…) e N (…), S.A., pelo valor global de 700.000,00€ (setecentos mil euros) sendo 500.00,00€ (quinhentos mil euros) para as acções, prestações suplementares de capital, suprimentos e prestações acessórias da SGPS e 200.000,00€ (duzentos mil euros) para as acções da N (…), S.A., aos Srs. J (…), J (…) e L (…) que declaram adquiri-las em comum e em partes iguais;

2. O preço para a transmissão referida na cláusula anterior é de 700.00,00€ (setecentos mil euros) e será pago em 19 (dezanove) prestações, sendo uma inicial no valor de 100.00,00€ (cem mil euros), paga nos próximos 8 (oito) dias de calendário, contados a partir de hoje, por cheque emitido à ordem de J (…) e enviado para o escritório do seu Ilustre Mandatário, o Sr.º Dr.º (..), com escritório na (…) 17 (dezassete) prestações subsequentes no valor de 33.500,00€ (trinta e três mil e quinhentos euros) cada uma, a pagar no dia quinze dos dezassete meses imediatamente seguintes ao primeiro pagamento e uma décima oitava no valor de 30.500,00€ (trinta mil e quinhentos euros) a pagar no mesmo dia do mês imediatamente seguinte à décima sétima prestação;

3. A transmissão das acções é imediata comprometendo-se o transmitente a assinar os documentos fiscais que eventualmente sejam necessários, o que deve ser feito até ao fim do corrente mês de Fevereiro;

4. A sociedade N (…), porque tem interesse que a SGPS de que são sócios os seus demais sócios, fique somente nas mãos dos três ora adquirentes, presta fiança aos adquirentes na aquisição das acções da SGPS, sendo que esta pelo mesmo motivo, presta fiança aos adquirentes na aquisição das acções da Natura;

5. Com o presente termo de transacção, a sociedade C (…) II, S.A., põe fim à acção que corre termos no Tribunal da Guarda por desistência do pedido formulado nos autos, que correm termos sob o n.º 984/16.7T8GRD, declarando o aí réu J (…) que a aceita;

6. J (…) declara desistir do pedido no processo que corre termos no Tribunal da Guarda sob o n.º 834/16.4T8GRD, declarando as sociedades C (…)SGPS, S.A., C (…) II, S.A., CI (…), S.A., R (…), Lda e N (…), S.A. que aceitam a desistência;

7. Com ratificação de L (…), a ré nesta acção, a sociedade P (…) Lda, melhor identificada nos autos, declara ceder à sociedade C (…) II, S.A. que, por sua vez, declara aceitar, a dívida que reconhece ter para com o ora autor, no montante de 195.000,00€ (cento e noventa e cinco mil euros), montante que a sociedade adquirente da dívida pagará nos termos e condições que vier a fixar com o ora autor;

8. Quer a adquirente da dívida quer o credor, exoneram a P (…), Lda, do pagamento da dívida, expressamente declarando não poder instaurar qualquer acção contra ela por tal dívida;

9. Os autores e os réus nas duas acções que correm termos na Guarda, supra identificadas, declaram que estão feitas todas as contas entre eles, nada devendo uns aos outros seja a que título for, à excepção, obviamente, do supra mencionado nesta transacção;

10. Autores e réus nas acções da Guarda obrigam-se a comunicar aos referidos processos este termo de transacção;

11. Quer as sociedades, quer os adquirentes, quer a ré neste processo, quer o transmitente J (…), declaram que pela factualidade ocorrida até hoje, não intentarão uns contra os outros, quaisquer outras acções;

12. J (…) prestou, enquanto administrador das sociedades supra referidas ou da sociedade P (…), Lda, com o NIF (…) aval em empréstimos bancários que ainda andam em circulação, pelo que os adquirentes se comprometem a, na data dos vencimentos, retirar o aval nem que seja pelo pagamento dessas quantias, obrigando-se a pagar a J (…) tudo aquilo que ele vier a pagar por via de tal incumprimento;

13. Autores e réus nas acções cujos processos correm termos na Guarda, supra identificados e o autor e ré neste processo, prescindem de procuradoria e custas de parte, sendo que as eventualmente em dívida a juízo serão pagas metade por J (…) e outra metade pelas sociedades;

14. As custas ainda em dívida na presente acção serão suportadas em partes iguais por autor e ré.

*

Lida a presente transacção aos presentes (L (…), J (…) e J (…)), pelos mesmos foi dito confirmarem o seu teor uma vez que a mesma corresponde à sua vontade.

Após, pelo MM.º Juiz foi proferida a seguinte:

SENTENÇA

Considerando que a transacção ora celebrada se mostra válida pelo seu objecto e pela qualidade dos intervenientes, homologo-a por sentença, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos (arts. 283º, n.º 2, 284.º, e 290.º, n.º4, todos do CPC). Custas nos termos acordados. Registe/notifique.

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Da antecedente sentença, foram todos os presentes devidamente notificados, que declararam terem ficado bem cientes do mesmo. Encerramento da audiência pelas 12h00.

A presente ata foi integralmente revista e por mim, M (…), elaborada.

O MM.º Juiz de Direito

Dr.º (…);

c) No dia 16/02/2017, o Mm.º Juiz dos presentes autos proferiu a seguinte decisão:

Fls. 2348 e ss., Na presente ação vieram os ilustres mandatários das partes apresentar transação a que chegaram no âmbito da Ação de Processo Comum n.º2749/16.7T8AVR, que correu termos no Juízo Central Cível de Aveiro – J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, e que foi homologado por douta sentença de 13/02/2017, em que o A. nos presentes autos desistiu dos pedidos que aqui formulou contra as RR., tendo estas aceite expressamente essa desistência, tudo com vista a colocar termo ao presente litígio. Invocando que se obrigaram a comunicar aos presentes autos o termo de transação, o que ora fizeram, em cumprimento do acordado no respetivo ponto 11, em consequência do que vêm requerer seja declarada a extinção da instância, nos termos do e para os efeitos do disposto no art.º 277º, al. d) do CPC. * Compulsados os autos e a transação junta temos que a mesma, versando também o presente litígio, se mostra já homologada judicialmente, embora naturalmente por reporte àqueles autos, importando apenas retirar as consequências da mesma neste processo. Com efeito, tal transação, importando concessões de ambas as partes com repercussão em vários processos, incluindo este, não obstante aí se mencionar a desistência de pedidos, não a descarateriza como tal. * O Tribunal é o competente. Tanto o Autor como as Rés têm legitimidade, não importando a transação afirmação de vontade relativamente a direitos indisponíveis. Assim, a transação que antecede é válida, atenta a disponibilidade do seu objeto e a qualidade das pessoas que nele intervieram, sendo que o Ilustre Mandatário do Autor tem poderes especiais para o efeito (cfr. fls. 119), mas já não o Ilustre Mandatário constituído pelas Rés (cfr. fls. 174 e 175), motivo pelo qual, provindo unicamente a nulidade da falta de poderes especiais por parte daquele Ilustre Mandatário, homologa-se aquela por sentença, nos termos do disposto no artigo 291º, nº 3 Código de Processo Civil e, consequentemente, condenam-se as partes a observá-la nos seus precisos termos(arts.º 283º, n.º2; 284º; 287º; 289º e 290º todos do Código de Processo Civil). As custas serão a suportar em partes iguais, como acordado, cfr. art.º 537º, n.º2 do CPC. Julgo extinta a instância – cfr. artº 277º, al. d) do CPC. Dê cumprimento ao disposto no art.º 291º, nº3 do CPC, relativamente às Rés, tendo em conta que o seu ilustre mandatário não tem procuração com poderes especiais para a representar. Fica sem efeito a continuação da audiência de discussão e julgamento (e respetivas datas), devendo desconvocar-se as pessoas em conformidade, bem como se mostram prejudicados os demais trâmites processuais, nomeadamente os que se reportam a fls. 2157 a 2161; 2168 a 2170; 2186 a 2257 e 2259 a 2339. Registe e notifique. * Guarda, D.S. (Processei e revi, n.º5, art.º 131ºC.P.C.) O Juiz de Direito, (…)”;

d) A 22/02/2017, o autor, notificado desta sentença, e da menção da falta de poderes do mandatário das rés, informou o tribunal que a única pessoa que por si mesma não estava presente no ato de transação era J (…), que ainda assim outorgou procuração com poderes especiais ao seu advogado, tendo o mandatário das rés poderes especiais para representar as demais rés no processo de Aveiro, tendo, nessa sequência, requerido ao tribunal que declarasse que “a transação celebrada e homologada por douta sentença de 13/02/2017, proferida no âmbito do processo n.º2749/16.7T8AVR, mediante a qual as RR. nos presentes autos declaram aceitar a desistência do pedido aqui formulado pelo A. não padece de qualquer nulidade nem carece de ratificação”;

e) A 27/02/2017, J (…) e J (…), na qualidade de legais representantes das rés, em resposta à notificação do tribunal, declararam não ratificar a transação efetuada naquele processo, nem o respetivo processado;

f) E a 08/03/2017, no exercício do contraditório relativamente ao requerimento do autor de 27/02/2017, sustentaram o entendimento que a transação havia sido efetuada por mandatário sem poderes especiais para as representar, sendo nula, e que não ratificavam a transação efetuada – alegando e documentando terem já requerido ao Tribunal de Aveiro a declaração da nulidade da transação efetuada;

g) A 09/03/2017, o autor, notificado deste requerimento, juntou aos presentes autos a resposta por si também apresentada no Tribunal de Aveiro a propósito da invocada nulidade da transação;

h) E na mesma data, as rés, notificadas do requerimento do autor, juntaram aos presentes autos a resposta por elas apresentada no Tribunal de Aveiro relativamente às exceções deduzidas pelo aqui autor no articulado de resposta;

i) A 30/03/2017, o Mm.º Juiz deste processo proferiu o seguinte despacho: “Fls. 2370 e ss., Tendo em conta as questões ora suscitadas, nomeadamente as que se prendem com a representação das Rés, importa instruir os autos com certidão atualizada do registo comercial daquelas, bem como da ata de 13.02.2017, do Processo Comum n.º 2749/16.7T8AVR e das procurações juntas àqueles autos. Por reporte aos mesmos autos, deverá ser solicitada informação sobre se a nulidade da transação aí realizada foi já apreciada, devendo ser junta certidão dessa decisão em caso afirmativo”;

j) E a 15/05/2017, instruído o incidente, proferiu a seguinte decisão: “Fls. 2370 e ss., Na esteira da decisão que colocou termo à instância veio o Autor expor que na audiência de julgamento ocorrida em Aveiro no decurso da qual foi celebrada e homologada a transação estavam presentes as pessoas com capacidade para obrigar as RR. nos presentes autos, L (…) e J (…) que celebraram a transação agindo em nome pessoal e na qualidade de legais representantes das Rés, conforme resulta da acta que juntaram, sendo que dos Extratos das Publicações do Ministério da Justiça se conclui que na data em que a transação foi celebradaL (…) era Vogal do Conselho de Administração e/ou Gerente de cada uma das Rés; estavam por isso as Rés representadas por dois dos seus administradores e assim devidamente representadas. Acrescentou que a única pessoa que por si mesma não estava presente no ato de transação era J (…), que ainda assim outorgou procuração com poderes especiais ao seu advogado (cfr. documento n.º6), pelo que não ocorre nulidade nem consequentemente existem atos a ratificar, na medida em que as aqui RR., no ato de transação, se encontravam devidamente representadas pelas pessoas com capacidade para as obrigar. Requereu, pois, que o Tribunal declare que a transação celebrada e homologada por sentença de 13/02/2017, proferida no âmbito do processo n.º2749/16.7T8AVR, mediante a qual as Rés nos presentes autos declaram aceitar a desistência do pedido aqui formulado pelo Autor não padece de qualquer nulidade nem carece de ratificação. Garantido o contraditório vieram a fls. 2389 e ssJ (…) e J (…) na qualidade de legais representantes das Rés declarar que não ratificam a transação junta aos autos. Vieram depois a fls. 2400 e 2401 referir que o Autor não entendeu bem os termos do despacho de 16/02/2017 (Ref.ª Interna 25032091), pois aquele despacho é claro quando se demarca da transação no processo de Aveiro (e sua homologação) e faz uma apreciação estrita da validade da transação neste processo da Guarda; é que neste processo da Guarda, o que foi declarado na transação de Aveiro carece (quanto aos intervenientes) dos necessários poderes para a validade das declarações efetuadas; acrescenta que nem em Aveiro isso acontece – tanto que ali foi já apresentado o pedido de declaração da nulidade da transação – sendo que nesta ação é óbvio que os intervenientes (Ilustres Mandatários) carecem inegavelmente de poderes para transigir, como acontecia na ação de Aveiro; nem é verdade que na ação de Aveiro, o sócio das Rés J (…) tenha estado válida e suficientemente representado por mor da procuração aqui junta pois, como se disse no requerimento junto ao processo de Aveiro e se extrai do documento junto pelo Autor com o requerimento, o dito J (…) não concede em nome pessoal quaisquer poderes ao Ilustre Causídico nela identificado, apenas se registando naquele documento declarar que constitui bastante procurador da sua representada o Sr. Dr. ....., mas não se identifica quem seja a sua representada, ou seja, inexiste qualquer mandato conferido por quem quer que seja, pelo que, sendo certo que o J (…) não constituiu, em seu nome pessoal, qualquer mandatário, também não o fez em nome de nenhuma das sociedades aqui Rés; assim é óbvio que o J (…) não esteve presente nem representado na transação de Aveiro, não podendo ser-lhe atribuídas quaisquer obrigações nem tendo qualquer valor a transação no que a ele pessoalmente diz respeito ou no que possa ou pudesse respeitar às sociedades aqui Rés. Foi junto depois pelas partes documentação vária sobre a arguição de nulidade da transação operada no Processo n.º2749/16.7T8AVR, relativamente à qual, para além de ter sido interposto recurso da sentença homologatória, inexiste ainda a decisão. Apreciando o requerido comecemos por referir que não se mostra arguida qualquer nulidade da decisão homologatória que antecede, a qual, como dela se fez constar, mais não fez que analisar e considerar as declarações que, com repercussão nestes autos, foram feitas constar na ata que as partes ao mesmo juntaram. É determinante reter que não se considerou que a transação a que as partes chegaram no processo que corre termos em Aveiro pudesse abranger, em termos vinculativos, estes autos (cuja competência estava subtraída ao àqueloutros), situação em que, ao invés de uma sentença homologatória nos teríamos limitado a reconhecer a impossibilidade/inutilidade da lide. Nessa, e só nessa, medida estaria esta ação e decisão dependente do trânsito em julgado da transação a que se chegou no processo n.º2749/16.7T8AVR. Ao invés, e numa lógica que não mereceu qualquer censura das partes, o que se fez foi retirar daquele acordo complexo as consequências relevantes para estes autos, o que (como já tivemos oportunidade de referir em sede própria) poderia relevar em termos de transação ou de desistência do pedido. Neste conspecto, como nos parece razoavelmente claro, o trânsito em julgado da decisão proferida naquele processo acaba por não condicionar o juízo realizado na decisão que antecede nestes autos. Não está, pois, subtraída ou condicionada a avaliação que fazemos neste processo do vertido na ata de julgamento que as partes juntaram (visando colocar termo à ação, como lograram), pelo que foi entendido naqueles autos de Aveiro. Dito isto, o que está agora em causa e o Autor contesta prende-se com a necessidade de ratificação da transação que in casu se mostra homologada e que as Rés vieram depois declarar não ratificar. Com efeito, na sentença homologatória que antecede foi determinado que, em virtude da falta de poderes especiais por parte do Ilustre Mandatário das Rés, se homologava aquela transação, nos termos do disposto no artigo 291º, nº 3 Código de Processo Civil, ordenando-se o cumprimento ao disposto no art.º 291º, nº3 do CPC, relativamente às Rés. Ora, analisada a motivação do requerente constata-se que efetivamente lhe assiste razão, tendo a sobredita notificação constituído um plus que, em rigor, não colhe justificação in casu. É que, como aquele sustenta, se é certo que o ilustre mandatário das Rés não estava munido de poderes especiais para transigir nestes autos, aquilo que apenas fez foi, com o mandatário da contraparte, juntar a estes autos um termo de transação celebrado numa diligência realizada num outro processo, o qual foi, naturalmente, considerado tendo em conta as pessoas aí intervenientes. Neste sentido, resulta claramente da ata de julgamento de 13.02.2017, junta de fls. 1478 a 1482 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) que, estando presentes L (…), J (…) e J (…) representado pelo seu Ilustre mandatário (Dr(…)), munido de procuração outorgada pelo mesmo J (…) (cfr. fls. 2375), tendo este àquele concedido “…os mais amplos poderes gerais forenses incluindo os de receber custas de parte e ainda os poderes especiais, para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entender”, os mesmos protagonizaram o acordo ali vertido, o qual foi-lhes depois lido, tendo aqueles declarado expressamente corresponder à sua vontade. De igual forma, resulta da documentação junta de fls. 2371 a 2373, bem como das certidões juntas de fls. 1428 a 1476 (documentação e certidões cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), que precisamente aqueles presentes e representado são os elementos do conselho de administração e gerentes (respetivamente) das Rés, as quais se obrigam, desde logo (e respetivamente), “pela assinatura de dois administradores”; “assinatura de dois membros do conselho de administração”; “com a intervenção de dois gerentes” e com “assinatura de um membro do conselho de administração” (o que com a presença dos referidos L (…) e J (…) se mostra claramente satisfeito), isto sem ter em conta a pessoa do aqui Aut2or, presente e parte no acordo celebrado. Por outro lado, quanto às “insuficiências” da procuração com poderes especiais outorgada por J (…) naquele processo (também junta a estes autos), são as próprias Rés que, pelo seu novo mandatário, referem ser certo que naqueles autos “…o J (…) não constituiu, em seu nome pessoal, qualquer mandatário”, o que torna óbvio e evidente que era em relação às Rés que a procuração foi realizada e junta. Aliás, não fazendo aqui ulteriores considerações sobre tal litigância (que neste processo não foram suscitadas), é evidente que tendo aquele outorgado procuração naqueles autos onde as aqui Rés são autoras e nunca tendo colocado em causa tal instrumento, não se vislumbra como agora pudesse sustentar que aquela procuração visasse outro propósito que não aquele com que foi outorgada, junta em juízo e considerada naquele processo (isto em representação das sociedades aqui Rés). Tudo visto, e com os elementos entretanto juntos, inexistia, pois, fundamento para operar a sobredita notificação das Rés, nos termos do art.º 291º, n.º3 do CPC, cuja realização e resultado assim em nada aduz ou interfere com a homologação do acordado decidida a fls. 2358 e 2359. Defere-se, pois, o requerido pelo Autor, no sentido de se reconhecer que a transação atrás homologada não carece de qualquer ratificação, porque realizada por quem podia obrigar as Rés. Neste sentido, fica prejudicado qualquer efeito a retirar da declaração de não ratificação junta pelos representantes das Rés a fls. 2389 e ss. (no sentido de prejudicar ou contender com o acordado no documento junto a estes autos e que determinou a extinção desta instância), mantendo-se a decisão homologatória proferida nos autos. Notifique. Guarda, D.S.(Processei e revi, n.º5, art.º 131ºC.P.C.) O Juiz de Direito, (…);

k) As rés, não conformadas com esta decisão, que julgou válida a sentença homologatória da transação proferida nos presentes autos, sem necessidade de ratificação do processado pelos legais representantes das rés, interpuseram recurso de apelação (a 06/06/2017), tendo o autor contra-alegado (a 10/07/2017), recurso que foi apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em decisão sumária proferida no dia 28/11/2017, que decidiu: “1. Julgar improcedente o presente recurso interposto pelas recorrentes. 2. Manter integralmente a decisão recorrida e, consequentemente, a sentença homologatória proferida em 16/02/2017” – constando do respetivo resumo e conclusão: “Face ao exposto, improcede, pois, esta questão recursiva única e, em consequência – porque a mesma não violou, designadamente o disposto nos invocados artigos 291º/3 e 613º/1 do Código de Processo Civil, ou em quaisquer outros – mantém-se integralmente a douta decisão recorrida e, consequentemente, mantém-se a sentença homologatória proferida em 16/02/2017”;

l) A transação referida em b) foi celebrada na presença de L (..:) e J (…);

m) Sendo J (…) representado por Advogado, mediante a seguinte procuração, que outorgou:

PROCURAÇÃO

J (…), portador do Cartão de Cidadão (…), válido até 13/09/2021 contribuinte fiscal (…) residente em (…) - (...) , declara que constitui bastante procurador da sua representada o SR. DR. (…), Advogado com escritório (…) Covilhã, sócio da sociedade F (…) E ASSOCIADOS - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, a quem concede os mais amplos poderes gerais forenses incluindo os de receber custas de parte e ainda os poderes especiais, para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entender. (...) , 13 de Fevereiro der 2017. J (…)”;

n) Tal transação veio a ser homologada no processo onde foi outorgada;

o) Como o foi também nos presentes autos, por douto despacho-sentença de 16/02/2017, que transitou em julgado;

p) L (…), J (…) e J (…), por si e na qualidade de legais representantes das sociedades C (…)SGPS, S.A., C (…) II, S.A., CI (…), S.A., R (…), Lda e N (…)S.A., com fundamento de nulidade da transação homologada, a

01/03/2017 arguiram a nulidade e a 15/03/2017 interpuseram recurso de apelação da sentença homologatória da referida transação proferida no processo n.º 2749/16.7T8AVR;

q) Por douto acórdão de 14/12/2017, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a apelação foi julgada procedente, por se entender, em síntese, que J (…) não se encontrava presente na transação e que o advogado que se arrogou seu procurador não tinha juntado aos autos ou sequer exibido a respetiva procuração, havendo falta de mandato e que, tendo a procuração sido junta posteriormente, não tendo aquele ratificado o processado, nunca a transação teria qualquer efeito relativamente ao mesmo, sendo a sentença que a homologou inválida (nulidade absoluta);

r) De tal acórdão interpuseram recurso de revista o aqui autor J (…) e a sociedade P (…);

s) Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2018, que transitou em julgado em 25/06/2018, a revista foi negada, tendo-se consignado no sumário do acórdão, da autoria do seu relator (Cons. Abrantes Geraldes): «1. Em transação outorgada no âmbito de um processo judicial podem intervir não apenas as partes nessa ação, como ainda terceiros; o seu teor pode incidir não apenas sobre o objeto dessa ação, como abarcar também outros litígios. 2. Para que um advogado presente na audiência final, no âmbito da qual foi outorgada a transação, pudesse intervir em representação de outra pessoa era necessário que esta lhe concedesse poderes especiais para o efeito. 3. É pelo teor da procuração que se aferem os limites da intervenção do procurador, tanto na vertente subjetiva (quem é que por essa via se fez representar), como objetiva (quais os limites dos poderes que lhe foram atribuídos pelo mandante). 4. Uma procuração em que um terceiro identificado "declara que constitui bastante procurador da sua representada" um advogado que estava presente na audiência final, concedendo-lhe "os mais amplos poderes forenses, incluindo os de receber custas de parte e ainda os poderes especiais para desistir, confessar ou acordar nos termos e condições que melhor entendei" é insuficiente para legitimar as declarações que foram assumidas nessa transação pelo mesmo advogado, em representação pessoal do subscritor da procuração. 5. Essa insuficiência é manifesta em termos subjetivos, na medida em que a procuração foi emitida não em nome próprio, mas em nome de uma "representada" (alegadamente uma sociedade de que o mandante era administrador) que nem sequer foi identificada, mas também em termos objetivos, já que o seu texto não permitia descortinar os limites da representação, situação agravada pelo facto de o subscritor da procuração nem sequer ser parte direta na ação em causa. 6. É nula a sentença que, nas aludidas circunstâncias, homologou a transação que, além do mais, se traduziu na assunção por parte do mencionado advogado, em representação do subscritor da referida procuração, da corresponsabilidade pelo pagamento do valor de participações sociais em duas sociedades que o outro outorgante da transação declarou vender ao mandante e a mais duas pessoas que se solidarizaram pelo pagamento do preço respetivo».

 

III - Do Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Caducidade do recurso de revisão.

- Admissibilidade da revisão.

- Em caso afirmativo, termos a seguir.

2. Defendem as apelantes que o recurso de revisão foi apresentado fora do prazo legal de 60 dias, pois desde que o recorrente teve conhecimento do facto que serve de base à revisão - a decisão proferida nos autos em 16.2.2017 (com a aclaração e complemento de 15.5.2017) - decorreu o aludido prazo, como decorre do art. 697º, nº 2, c), do NCPC.

Não se acompanha este raciocínio jurídico. Efectivamente o facto em que o requerente do recurso de revisão se baseia para pedir a mesma foi explicitado no requerimento inicial, foi a invalidade da transacção, homologada por sentença, celebrada no âmbito do Proc.2749/16.7T8AVR (que correu termos no Juiz 3 do Juízo Central Cível de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro), e que serviu de suporte à transacção celebrada nos presentes autos, invalidade aquela que foi declarada pelo STJ, em acórdão datado de 7.6.2018 e transitado em julgado em 25.6.2018. O que resulta dos factos provados q) a s).

Ora, o presente recurso de revisão entrou em juízo em 20.7.2018, bem dentro do referido prazo legal de 60 dias, pelo que não ocorreu a caducidade do mesmo.

Não procede esta parte do recurso.

3. Na decisão apelada escreveu-se que: 

“O autor fundamenta o recurso de revisão na previsão do artigo 696º/1-d) do Código de Processo Civil, onde se dispõe que «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou».

(…)

Importa, assim, analisar se a sentença homologatória da transação proferida nos autos principais e confirmada pelo Tribunal da Relação, pode ser objeto de “revisão”, nomeadamente pelo facto de a transação enfermar de nulidade.

A este respeito, o artigo 291º do Código de Processo Civil preceitua: «1 – A confissão, a desistência e a transação podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359º do Código Civil. 2 – O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação. 3 – Quando a nulidade provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito».

A questão que se suscita é a de saber se a transação celebrada entre as partes, que juntaram aos presentes autos e foi homologada por este tribunal, por decisão que transitou em julgado, é nula.

Não está em causa a nulidade da decisão judicial proferida com base na transação, ou seja, da sentença homologatória da transação (ainda que confirmada pelo Tribunal da Relação), mas antes a “nulidade da transação” formalizada entre as partes.

Colocada a questão nestes termos, independentemente do posicionamento processual das recorridas, que configura um “venire contra factum proprium”, dúvidas não restam que a transação formalizada entre as partes foi declarada nula no processo onde a mesma foi formalizada, por decisão transitada em julgado.

O facto de este tribunal ter analisado novamente a transação e emitido novo juízo valorativo sobre a mesma não infirma tal raciocínio. A transação formalizada entre as partes foi declarada nula no processo onde a mesma foi formalizada. Nos presentes autos, independentemente do juízo valorativo efetuado, a transação é a mesma e, consequentemente, acatando as decisões judiciais proferidas e, em particular, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, deve considerar-se nula.

Acrescente-se que tal decisão, proferida entre as mesmas partes (e muito se estranha a posição processual das rés, em particular na parte em que se encontram representadas pelo referido J (…), que tudo fez para que a transação fosse declarada nula e agora, nos presentes autos, parece sustentar o entendimento de que para os presentes autos já vale), faz caso julgado material entre as partes e, ainda que não o fizesse, sempre teria autoridade de caso julgado para os presentes autos.

Assim, provada a nulidade da transação, outra alternativa não resta que julgar procedente o recurso de revisão e, em consequência, nos termos do artigo 701º/1-c) do Código de Processo Civil, revogar a decisão recorrida (que homologou a transação efetuada) e determinar o prosseguimento dos autos, com a continuação da audiência de julgamento, aproveitando-se os atos processuais já praticados.”.

Há que chancelar o exposto, mas com adicional argumentação jurídica. Expliquemos, então.

Como ensina L. Freitas (em CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 6. ao art. 498º do anterior CPC, pág. 354), a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado: pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.

É o que se verifica, no nosso caso, pois, a decisão proferida pelo STJ (e também pela Relação do Porto, no mesmo sentido), a primeira decisão, funciona como pressuposto necessário e indiscutível da decisão a proferir nos autos, a segunda decisão. Ou seja, foi pelo STJ ter declarado nula a transacção efectuada na identificada acção que correu no Trib. de Aveiro, transacção que envolveu as mesmas partes dos autos (acção principal, conforme factos provados a) e b), cláusula 6.  e presente recurso de revisão), que o requerente do recurso de revisão, ora apelado, intentou o mesmo, com fundamento no decidido pelo STJ (e também pela Rel. Porto). Como o acórdão do STJ transitou em julgado, é indiscutível neste presente recurso de revisão o decidido pelo STJ, que envolveu as mesmas partes, isto é, que a transacção celebrada naquela acção em Aveiro era nula.

De sorte, que o passo jurídico seguinte a dar é saber qual o efeito dessa nulidade, qual a consequência a extrair para o presente recurso de revisão.

Importa, pois, recordar em que o STJ e previamente a Relação assentaram, do ponto de vista da respectiva fundamentação jurídica, para decidirem como decidiram.

A Rel. Porto – vide facto provado q) – exarou, na respectiva motivação de direito (a fls. 10 do acórdão), que “A ineficácia da transacção relativamente ao  (.), que surge como obrigado logo nas cláusulas iniciais e nucleares (1ª a 3ª) implica necessariamente a invalidade das restantes delas dependentes.”. E (a fls. 11 v.) que “Nesse caso é indiscutível que o contrato de transacção relativamente ao que nela figura como outorgante e não o subscreveu é absolutamente ineficaz. Temos, pois, de concluir que o contrato de transacção como está exarado na ata de audiência relativamente ao J (…) não produz qualquer efeito e consequentemente a sentença que a homologou é inválida. Como ensina Mota Pinto, em Teoria Geral do direito Civil, pág. 466, a “ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que um negócio não produz, por impedimento do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir (…). A invalidade é uma espécie do género ineficácia.”. Assim, tal como a nulidade, que está incluída na ineficácia absoluta, pode ser invocada a todo o tempo pelo ora recorrente e outros interessados directos em qualquer processo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do CC). É, pois, de concluir que a transacção não devia ter sido homologada.”.        

Segundo o ensinamento de Mota Pinto (citada obra, mesma pág. e pág. 467) a ineficácia em sentido amplo abarca a invalidade (esta compreende, pelo menos, a nulidade e anulabilidade) e a ineficácia em sentido estrito. Esta última pode ser absoluta, quando actua erga omnes, podendo ser invocada por qualquer interessado, e pode ser relativa, se se verifica só em relação a certas pessoas, só por elas podendo ser invocada. E também pode ser total ou parcial, assentando a distinção na circunstância de o vício impedir a produção de quaisquer efeitos ou só afectar parte dos efeitos negociais. Em sentido semelhante pode ver-se, também, C. Ferreira de Almeida (em Contratos V, Invalidade, 2018, págs. 22/23).  

Assim, do transcrito trecho, decorre que a relação considerou que a mencionada transacção, efectuada no identificado processo judicial de Aveiro, padecia de uma ineficácia stricto sensu, absoluta e total.

Por sua vez, o STJ – vide facto provado s) -, considerou que a sentença que homologou a dita transacção era nula, embora não se tenha pronunciado ex professo sobre o vício jurídico de que padecia a aludida transacção.

Seja ineficácia stricto sensu, absoluta e total ou seja nulidade, o passo jurídico seguinte a dar, como acima apontámos, é saber qual o efeito desses vícios jurídicos, qual a consequência a extrair para o presente recurso de revisão, pois a transacção celebrada nos autos principais, e também homologada e que agora se pretende rever, emergiu daquela transacção celebrada no indicado processo judicial de Aveiro.

Tenha-se em atenção que a cláusula 6. da transacção celebrada em Aveiro estava dependente das cláusulas essenciais e nucleares 1. a 3. (como reconheceu a Rel. Porto no seu acórdão) que constituíram o contrato de transacção celebrado entre as partes. E que a posterior transacção celebrada nos autos principais correspondia à execução parcial daquela transacção de Aveiro.

Professa C. Ferreira de Almeida (ob. cit. págs. 260/262) a propósito da invalidade ou ineficácia por conexão, que a invalidade de um contrato provoca, por vezes, a invalidade ou a ineficácia de outro contrato, com ou sem partes coincidentes.

Este efeito negativo, indirecto ou reflexo, verifica-se em situações de relação sequencial ou de relação funcional entre contratos. Sendo que a ineficácia sequencial ocorre em todos os casos em que a um contrato transmissivo inválido se segue um outro contrato com o mesmo objecto, que por efeito da invalidade do primeiro contrato é inidóneo para a retransmissão desse direito.

Se a comunicabilidade de efeitos não resultar da lei, a invalidade ou a ineficácia por conexão exige uma apreciação do caso, fazendo intervir, separada ou conjuntamente, institutos como a aplicação analógica da lei, a interpretação e a integração dos contratos, a condição, o erro sobre a base do negócio, a inobservância do fim do negócio e até a redução do contrato (quando se conclua afinal pela unidade negocial). O teste fundamental é o da autonomia. Se o contrato sequente ou coligado não for jurídica ou socialmente autónomo em relação ao contrato inválido, é elevada a probabilidade de concluir pela invalidade ou ineficácia por conexão.

Transferindo esta lição para o caso dos autos chega-se sempre à mesma solução.

Se vislumbramos a transacção efectuada nos autos principais como execução do contrato de transacção efectivado em Aveiro, a conclusão a tirar é que aquela transacção é um contrato sequencial ao contrato da transacção de Aveiro, e como tal ineficaz ou inválido, por conexão, exactamente como o primeiro. Se equacionarmos que aquela transacção, prevista na dita cláusula 6. do contrato de transacção celebrado em Aveiro, e por isso em relação de dependência funcional, igualmente extraímos a conclusão que declarada aquela transacção inválida ou ineficaz também, por conexão ou arrastamento, a transacção efectuada nos autos principais, é inválida ou ineficaz.

Podendo até dizer-se, sem grande ousadia, que a transacção efectuada no processo de Aveiro funcionou, em parte, como condição da realização da transacção a efectuar nos autos principais, e portanto que desaparecida do mundo jurídico, por invalidade ou ineficácia tal transacção, também a transacção efectuada nos autos principais, por arrastamento, ficava sem efeito, como é típico e decorre do regime legal da condição não verificada (art. 270º do CC).           

E acrescentar-se, ainda, que o contrato sequente ou em dependência funcional, o contrato de transacção dos autos em relação ao de Aveiro, não é jurídica ou socialmente autónomo, pelo que sendo este inválido ou ineficaz, é igualmente aquele por invalidade ou ineficácia, por conexão.

Havia, pois, que deferir a peticionada revisão de sentença como a 1ª instância decretou, não procedendo, por isso, esta parte do recurso.

4. As apelantes também pugnam que para o caso de ocorrer o provimento do recurso de revisão, com repristinação dos autos principais, deverá o julgamento reiniciar-se e não apenas retomar-se a audiência de julgamento no ponto em que ficou, como determinado na decisão apelada, porquanto, tendo em conta o tempo decorrido, isso violaria gravemente os princípios da continuidade da audiência e da imediação.

Ao invés, o apelado pugna pela manutenção do decidido, porquanto o prosseguimento dos autos principais com continuação da audiência de julgamento e aproveitamento dos actos processuais já praticados é a solução que melhor realiza na prática os princípios da continuidade da audiência e da imediação, garante que uma audiência de julgamento que se iniciou já, com tentativa de conciliação e com produção de prova, se mantém una, irrepetível e inviolável, realizando igualmente o princípio do aproveitamento dos actos processuais previsto no nº 1 do art. 195º e a proibição da prática de actos inúteis previsto no art. 130º, ambos do NCPC, garante a imediação na medida em que a prova produzida até ao momento está gravada, e porque permite a apreciação de toda a prova produzida e a produzir pelo mesmo Juiz, sem oportunidade para qualquer das partes de a reformar/corrigir e garante ainda a realização dos princípios do juiz natural e da plenitude da assistência do juiz, assim se cumprindo o disposto na c) do art. 701º do mesmo código.

Posição esta que merece a nossa inteira concordância, e que julgamos ser a única adequada, pois é a que respeita integralmente a lei, quando se dispõe no citado preceito que no caso da d) do art. 696º (e é este o nosso caso), julgado procedente o recurso de revisão, ordena-se que sigam os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da revisão não tenha prejudicado.

Como o presente recurso de revisão vai ser julgado procedente, devem aproveitar-se os actos processuais já praticados e assim retomar-se a audiência de julgamento no ponto em que ela ficou - vide factos provados a) e c), in fine -, antes da celebração da transacção efectuada nos presentes autos.

Não procede, pois, esta parte do recurso.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se o facto em que o requerente do recurso de revisão se baseia para pedir a mesma é a invalidade da transacção, homologada por sentença, celebrada no âmbito do de outro processo e que serviu de suporte à transacção celebrada nos presentes autos, invalidade aquela que foi declarada pelo STJ, em acórdão datado de 7.6.2018 e transitado em julgado em 25.6.2018, e o dito recurso de revisão entrou em juízo em 20.7.2018, dentro do prazo legal de 60 dias previsto no art. 697º, nº 2, c), do NCPC, não ocorreu a caducidade de tal recurso;

ii) A autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito;

iii) A decisão proferida pelo STJ, como primeira decisão, a declarar nula uma transacção efectuada numa acção que correu no Tribunal de Aveiro, transacção que envolveu as mesmas partes dos autos (acção principal e presente apenso de recurso de revisão), funciona como pressuposto necessário e indiscutível da decisão a proferir nos presentes autos de recurso de revisão, como segunda decisão, para declarar nula uma transacção efectuada na acção principal;

iv) Se naquela acção do Trib. Aveiro a transacção aí celebrada foi declarada nula ou ineficaz (stricto sensu) absoluta e totalmente, em relação a todas as partes envolvidas e cláusulas contempladas, sendo que numa delas se previa transacção a efectuar na referida acção principal, o que foi levado a cabo pelas mesmas partes, um daqueles vícios jurídicos (seja ele qual for) projecta-se, por conexão, para a transacção celebrada nesta acção principal, tornando-a, também nula ou ineficaz, e dando, por isso, lugar à revisão da sentença que homologou esta última transacção, nos termos do art. 696º, d), do NCPC;     

v) Julgado procedente recurso de revisão, com fundamento na d) do art. 696º do NCPC, devem aproveitar-se os actos processuais já praticados e assim retomar-se a audiência de julgamento no ponto em que ela ficou, antes da celebração da transacção efectuada nos autos, em cumprimento do estatuído no art. 701º, c), do mesmo código.

 

 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas pelas apelantes.

*                                                                                                                                                                      

     Coimbra, 18.12.2019

                                                                        

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço