Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
23/13.0TBFIG-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
APREENSÃO
SALÁRIO
PENSÃO
PRESTAÇÃO
LIMITES
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DO FOZ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 36º, AL. G), 46º, NºS 1 E 2, DO CIRE; 824º, Nº 1, AL. A) E 2 DO CPC.
Sumário: I – De acordo com o artº 36º, al. g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na sentença que declarar a insolvência, o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 150º.

II - Os bens apreendidos formam a massa insolvente que, segundo o nº 1 do artº 46º do CIRE, se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as sua próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

III - Contudo, segundo o nº 2 da mesma disposição legal, os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.

IV - Os vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante são, de acordo com o artº 824º, nº 1, al. a) do Cód. Proc. Civil, bens parcialmente isentos de penhora, isto é, são impenhoráveis na proporção de 2/3 e, consequentemente, penhoráveis apenas na proporção máxima de 1/3.

V - A impenhorabilidade referida tem, nos termos do nº 2 do mencionado preceito legal, como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.

VI - A regra geral é, pois, a da penhorabilidade de até 1/3 dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante e, portanto, por força do artº 46º, nº 1, a não ser que razões ponderosas imponham conclusão diferente, a da sua apreensibilidade para a massa insolvente.

VII - Inexistem razões ponderosas capazes de afastar a regra geral, acima enunciada, da penhorabilidade de até 1/3 dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante e, portanto, por força do artº 46º, nº 1, do CIRE a da sua apreensibilidade para a massa insolvente.

VIII - Tendo em conta o disposto no artº 824º, nº 2 do Cód. Proc. Civil e o decidido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 177/2002 e 96/2004, o limite mínimo necessário para o sustento minimamente digno do devedor não deverá ser inferior ao valor correspondente a uma remuneração mínima garantida (€ 485,00).

IX - Em princípio, será entre esse limite mínimo e o limite máximo de três salários mínimos que, sopesando todos os elementos factuais relevantes apurados, o juiz deverá concretizar, em cada caso, o valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. RELATÓRIO

            Em 04/01/2013, M…, casada, assistente administrativa, residente na Rua …, apresentou-se à insolvência, simultaneamente requerendo a exoneração do passivo restante, no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, passando o processo assim instaurado a correr termos, com o nº 23/13.0TBFIG, pelo 3º Juízo daquele Tribunal.

            A insolvência foi declarada, com carácter pleno, por sentença datada de 30/01/2013.

            A administradora da insolvência nomeada apresentou relatório em que, além do mais, se não opôs à concessão da exoneração do passivo restante, “desde que a insolvente se prontifique a cumprir o estabelecido nos artºs 235º e ss. do CIRE e indique qual o rendimento disponível que se propõe entregar ao fiduciário (a nomear nos termos do artº 239 nº 2 do CIRE)”.

            Com o mencionado relatório foi junta a lista provisória de credores – de acordo com a qual o passivo da devedora ascende a € 217.761,93 – e o inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente – do qual consta apenas ½ de um prédio urbano com o valor patrimonial total de € 607,10.

Em 13/03/2013 realizou-se a assembleia de credores, no âmbito da qual foi, a requerimento do credor Banco A…, S.A., proferido despacho ordenando “que a Sr. Administradora da Insolvência proceda à apreensão do salário da devedora, no montante correspondente ao valor penhorado no âmbito do processo nº …, que corre termos no 2º Juízo deste Tribunal, à ordem destes autos”[1].

Inconformada, a devedora interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

...

Apenas o Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do julgado.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

            Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se em processo de insolvência de pessoa singular, em que foi requerida a exoneração do passivo restante, é ou não legalmente admissível a apreensão para a massa insolvente de parte (até 1/3) do salário da devedora e, sendo-o, se, in casu, havia fundamento para tal.

            2. FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. De facto

            A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais.

            2.2. De direito

            De acordo com o artº 36º, al. g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[2], na sentença que declarar a insolvência, o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 150º[3].

            A apreensão é feita mediante arrolamento, ou por entrega directa através de balanço, de harmonia com as regras previstas no artº 150º, nº 4, entre elas a da al. e), nos termos da qual quer no arrolamento, quer na entrega por balanço, é lavrado pelo administrador da insolvência, ou por seu auxiliar, o auto no qual se descrevam os bens, em verbas numeradas, como em inventário, se declare, sempre que conveniente, o valor fixado por louvado, se destaque a entrega ao administrador da insolvência ou a depositário especial e se faça menção de todas as ocorrências relevantes com interesse para o processo.

            Os bens apreendidos formam a massa insolvente que, segundo o nº 1 do artº 46º, se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as sua próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo[4]. Contudo, segundo o nº 2 da mesma disposição legal, os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta.

            Os vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante são, de acordo com o artº 824º, nº 1, al. a) do Cód. Proc. Civil, bens parcialmente isentos de penhora, isto é, são impenhoráveis na proporção de 2/3 e, consequentemente, penhoráveis apenas na proporção máxima de 1/3.

            A impenhorabilidade referida tem, nos termos do nº 2 do mencionado preceito legal, como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.

            A dita (im)penhorabilidade revela ainda alguma flexibilidade, em face das circunstâncias do caso concreto, como dos vários números do mencionado artº 824º ressalta.

            A regra geral é, pois, a da penhorabilidade de até 1/3 dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante e, portanto, por força do artº 46º, nº 1, a não ser que razões ponderosas imponham conclusão diferente, a da sua apreensibilidade para a massa insolvente[5].

Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 15/11/2011, proferido no processo nº 17858/11.0T2SNT-A.L1-7, quatro são os principais argumentos que têm sido aduzidos a favor do entendimento de que nenhuma parte dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante é susceptível de apreensão para a massa insolvente: (1) o art.º 84.º do CIRE; (2) a exoneração do passivo restante (art.º 235.º e sgts); (3) o eternizar dos processos de insolvência, que resultaria da apreensão de salários para a massa; e (4) a defesa dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito ao recebimento de um salário e da tutela geral de personalidade.

Refutando, um por um, tais argumentos, prossegue aquele aresto:

“Quanto ao primeiro.

Dispõe o art.º 84.º, n.º 1 do CIRE que: “Se o devedor carecer absolutamente de meios de subsistência e os não puder angariar pelo seu trabalho, pode o administrador da insolvência, com o acordo da comissão de credores, ou da assembleia de credores, se aquela não existir, arbitrar-lhe um subsídio à custa dos rendimentos da massa insolvente, a título de alimentos”.

O comando principal deste preceito é constituído pela possibilidade de o insolvente receber alimentos dos rendimentos da massa, se deles carecer, trabalhe ou não.

Tal pode acontecer verificados que sejam dois pressupostos relativos à sua situação pessoal, sendo um a carência absoluta de meios de subsistência e outro a impossibilidade de os angariar pelo seu trabalho.

Se o insolvente não tem nem pode vir a ter rendimentos do trabalho que lhe permitam prover à sua subsistência, pode pedir alimentos à custa dos rendimentos da massa.

Tal acontecerá, prevalentemente, naqueles acasos agora mais raros, em que o insolvente vivia de outros rendimentos, que não os rendimentos do trabalho.

Mas, mesmo quando o insolvente vivia dos rendimentos do seu trabalho, esgotadas as possibilidades de prover à sua subsistência através desses rendimentos, nos termos estabelecidos no art.º 824.º do C. Civil, que acima referimos, ele poderá solicitar que lhe sejam concedidos alimentos dos rendimentos da massa insolvente.

Ou seja, o estabelecido em tal preceito em nada contende com o regime legal de penhorabilidade parcial estabelecido no art.º 824.º do C. P. Civil.

Não vislumbramos, pois, como ancorar no texto deste preceito qualquer propósito do legislador em excluir os salários do insolvente da apreensão para a massa (insolvente).

Quanto ao segundo argumento, qual seja, o que vê no instituto da exoneração do passivo restante (art.º 235.º e sgts) o propósito do legislador em estabelecer a não apreensão para a massa do direito de crédito relativo a salários.

O instituto da exoneração do passivo restante é uma das inovações introduzidas entre nós pelo CIRE, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que nos dá conta da existência de figura semelhante nos ordenamentos jurídicos norte americano e alemão e que é orientado para a reabilitação económica do devedor.

Como refere o preâmbulo do Dec.lei n.º 53/2004, que também esclarece que este regime é independente de outros procedimentos destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares: “O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”.

Trata-se, afinal, do reconhecimento pelo legislador de uma diferença abissal entre a insolvência de um cidadão que, apesar dela, continuará a sê-lo e insolvência de uma pessoa coletiva, que poderá determinar a sua extinção.

O regime legal da exoneração do passivo restante mais não é que um mecanismo que permite ao cidadão, declarado insolvente, continuar integrado na vida económica legal, depois de, para o efeito, ter dado provas concretas do seu propósito e esforço nesse sentido.

E, assim, deve ser requerido pelo interessado (art.º 236.º do CIRE), o qual deve preencher determinados pressupostos para a ele aceder (art.º 238.º) e, uma vez admitido, determina a observância de um regime próprio, durante cinco anos (art.º 239.º) findos os quais, se tiver cumprido as obrigações impostas, pode ser exonerado do passivo que, afinal, não conseguiu saldar, apesar dos seus bons esforços (art.ºs 244.º e 245.º).

O despacho inicial, que admite o pedido de exoneração do passivo, determina a cedência do rendimento disponível do insolvente ao fiduciário, nomeado pelo tribunal (n.º 2, do art.º 239.º), integrando o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, na parte que ora nos interessa, do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (art.º 239.º, n.º 3, al. b), i)).

Deste regime legal afigura-se-me podermos extrair, desde logo, três princípios com relevância para a questão que ora nos ocupa (qual seja, a de saber se a exoneração do passivo afasta a apreensão de salários para a massa), a saber:

- O rendimento disponível é integrado por todos os bens que advenham a qualquer título ao devedor;

- Não integra esse rendimento disponível o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar;

- O que é razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar é definido por decisão do juiz, sobre requerimento do insolvente.

Ao invés, não vislumbramos neste regime legal qualquer fundamento para excluir os rendimentos do trabalho, maxime salários, do rendimento disponível, nem para atribuir ao insolvente a autodefinição do que seja razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno e do seu agregado familiar.

De resto, a salvaguarda do sustento minimamente digno do insolvente e do seu agregado insere-se na mesma linha do preceituado pelo art.º 824.º do C. P. Civil e pelo art.º 84.º do CIRE, que acima referimos e que estão em sintonia com o regime legal de exoneração do passivo, tanto mais que a sua apreciação pelo tribunal, a requerimento do insolvente interessado, pode ocorrer no mesmo ato, ou em ato próximo (art.ºs 239.º, n.º 1 e 156.º, n.º 1) bastando, para o efeito, que o pedido do insolvente seja feito no requerimento de apresentação à insolvência.

Quanto ao terceiro argumento, qual seja, o da eternização dos processos de insolvência, que resultaria da apreensão de salários para a massa.

Já vimos que tal eternização não ocorre quando seja requerida a exoneração do passivo restante, instituto dirigido à reintegração económica no “sistema” das pessoas individuais insolventes.

Mas também não ocorrerá quando não haja recurso a tal regime legal, por força do estabelecido nos art.ºs 230.º e sgts do CIRE, que regulam exaustivamente o encerramento do processo de insolvência.

Por último, o argumento segundo o qual a impossibilidade legal da apreensão do crédito relativo a salários adviria dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito ao recebimento de um salário e da tutela geral de personalidade.

Não restarão dúvidas de que a salvaguarda do que se considere razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar se propõe, por si própria, a defesa da personalidade física e moral do insolvente e de cada um dos elementos do seu agregado familiar (art.º 70.º, n.º 1, do C. Civil) do mesmo modo que o direito ao recebimento de salário é um direito do trabalhador com assento constitucional (art.ºs 58.º, n.º 1 e 59.º, n.º1, al. a), n.º 2, al. a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa) sendo que, um e outro, se reconduzem ao princípio mais vasto, porque princípio fundamental da República Portuguesa (art.º 1.º da C. R. Portuguesa), da dignidade da pessoa humana que, em concreto, procurarão assegurar.

O que não está demonstrado é que a dignidade da pessoa humana, que não é uma norma de aplicabilidade direta (art.º 18.º, n.º 1, da C. R. P), no caso concreto que nos ocupa, só pudesse ser defendida com a proibição de apreensão de qualquer quantia relativa ao salário do insolvente.

O contrário resulta do já exposto relativamente às previsões dos art.ºs 824.º do C. P. Civil e 84.º e 239.º, do CIRE, cada uma das quais permite assegurar a defesa da integridade física e moral do insolvente e de cada um dos elementos do seu agregado familiar e, consequentemente, contribuir para a realização do princípio constitucional, fundamental, da dignidade da pessoa humana.

Por tudo o que acabámos de expor podemos, desde já concluir que em parte alguma, em especial no CIRE, o legislador determinou a não apreensão para a massa insolvente do crédito de salário do insolvente ou fixou valores cuja consecução determinasse essa inapreensibilidade.”

            Concorda-se com todo o raciocínio feito na parte transcrita do aresto referido e conclui-se, com ele, que inexistem razões ponderosas capazes de afastar a regra geral, acima enunciada, da penhorabilidade de até 1/3 dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante e, portanto, por força do artº 46º, nº 1, a da sua apreensibilidade para a massa insolvente.

A mencionada regra geral não é de aplicação automática, como dos artºs 824º do Cód. Proc. Civil e 84º e 239º do CIRE claramente decorre, competindo ao juiz determinar em cada caso, com base num critério de equidade, o montante que ficará sujeito à apreensão, tendo em conta o que se revelar indispensável à subsistência do insolvente, assim se conciliando a satisfação dos interesses dos credores com as necessidades básicas do devedor[6].

Tendo em conta o disposto no artº 824º, nº 2 do Cód. Proc. Civil e o decidido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 177/2002 e 96/2004, o limite mínimo necessário para o sustento minimamente digno do devedor não deverá ser inferior ao valor correspondente a uma remuneração mínima garantida (€ 485,00)[7].

Em princípio, será entre esse limite mínimo e o limite máximo de três salários mínimos que, sopesando todos os elementos factuais relevantes apurados, o juiz deverá concretizar, em cada caso, o valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar[8].

Entre os elementos factuais relevantes há que destacar a composição do agregado familiar do devedor, sabido como é que quanto maior for o agregado maior será a quantia necessária para o seu sustento[9].

E convém não esquecer que a apresentação à insolvência, com eventual exoneração do passivo restante, não pode ser vista como a possibilidade de o insolvente se libertar, quase automaticamente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações para com os seus credores[10]. É, por isso, razoável que o devedor (e o respectivo agregado) não mantenha o trem de vida que tinha anteriormente – e que o levou à insolvência – podendo baixá-lo substancialmente, ainda que salvaguardando sempre uma existência condigna.

            Resulta dos autos, designadamente da alegação da recorrente, que o seu vencimento mensal ilíquido ascende a € 1.572,00 e que a parte cuja apreensão para a massa insolvente foi ordenada – e que se encontrava já penhorada no âmbito do processo nº …, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz – monta a € 524,00, ou seja, corresponde precisamente a 1/3. Ainda de acordo com as contas da recorrente, feitas as deduções legais e subtraída a parte penhorada/apreendida, restar-lhe-ia, em média, a quantia mensal de € 647,02, francamente insuficiente, a seu ver, para suportar as despesas básicas, suas e do seu agregado familiar, as quais ascendem mensalmente a € 1.300,00.

             Há que lembrar, por um lado, que a situação económica da recorrente não se deteriorou com a ordem de apreensão, já que esta se limitou a transferir para a insolvência a quantia penhorada e, portanto, que vinha já sendo mensalmente descontada para a execução respectiva. Por outro, que a importância mensal que resta à recorrente ultrapassa, em mais de € 150,00, o salário mínimo nacional. Ainda por outro, que algumas das despesas mensais indicadas, nomeadamente, a renda de casa (€ 650,00) e os valores médios de electricidade (€ 82,74), água (€ 100,64) e gás (€ 75,92), são susceptíveis de alguma contracção. E, finalmente, que aos demais membros do agregado familiar, especialmente ao cônjuge e ao filho maior, compete diligenciar por encontrar forma de suportarem as despesas decorrentes da satisfação das suas necessidades, contribuindo ainda, na medida possível, para as despesas comuns.

            Não se encontra, pois, fundamento para isentar da apreensão a parte (1/3) do salário da recorrente cuja apreensão foi ordenada, nem para reduzir o respectivo montante.

            Soçobram, assim, todas as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da decisão sob recurso.

            3. DECISÃO

            Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, manter a decisão recorrida.

            Sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza, as custas são a cargo da recorrente.

                                                                      

Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo


[1] Foi ainda determinado que a insolvente, “por referência aos credores ora reconhecidos”, esclarecesse as datas de constituição e as datas de incumprimento de cada um dos créditos e que, obtida tal informação, os autos fossem conclusos para prolação de despacho liminar sobre a requerida exoneração do passivo restante.
[2] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelos Decretos-Lei nºs 200/2004, de 18/08, 76-A/2006, de 29/03, 282/2007, de 07/08, 116/2008, de 04/07 e 185/2009, de 12/08. São dele as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.

[3] O nº 1 do artº 150º dispõe que: “O poder de apreensão resulta da declaração de insolvência, devendo o administrador da insolvência diligenciar, sem prejuízo do disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 839º do Código de Processo Civil, no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que deles fique depositário, regendo-se o depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados.”

[4] A inclusão na massa insolvente de bens ou direitos adquiridos posteriormente à declaração de insolvência é reforçada pelo nº 2 do artº 81º, segundo o qual ao devedor fica interdita a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros susceptíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo.
[5] Entre outros, decidiram no sentido da insusceptibilidade de apreensão para a massa insolvente de qualquer parte dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, os acórdãos desta Relação de 24/10/2006 (Proc. 1017/03.9TBGRD-F.C1) e de 06/03/2007 (Proc. 1017/03.9TBGRD-G.C1); os acórdãos da Relação de Lisboa de 16/11/2010 (Proc. 1030/10.0TJLSB-C.L1-7) e de 17/04/2012 (Proc. 5329/11.0TCRLR-C.L1-7); e o acórdão da Relação do Porto de 23/03/2009 (Proc. 2384/06.8TJVNF-D.P1). Em sentido contrário, isto é, da susceptibilidade de apreensão para a massa insolvente da parte penhorável dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, decidiram, entre outros, o acórdão do STJ de 15/03/2007 (Proc. 07B436); os acórdãos da Relação de Lisboa de 29/07/2010 (Proc. 682/09.8TBLNH-D.L1-7) e de 15/11/2011 (Proc. 17858/11.0T2SNT-A.L1-7 e proc. 17860/11.2T2SNT-A.L1-7); e o acórdão da Rel. de Guimarães de 14/09/2006 (Proc. 1421/06-1). Todos os arestos mencionados podem ser consultados em www.dgsi.pt.
[6] Ac. Rel. Lisboa de 29/07/2010, referido.
[7] Ac. da Rel. Porto de 15/09/2011, Proc. 692/11.5TBVCD-C.P1 e de 24/01/2012, Proc. 1122/11.8TBGDM-B.C1, in www.dgsi.pt.
[8] Ac. Rel. Porto de 02/02/2010, Proc. 1180/09.5TJPRT.P1 e de 17/04/2012, Proc. 959/11.2TBESP-E.P1; Ac. Rel. Lisboa de 22/09/2011, Proc. 2924/11.0TBCSC-B.L1-8 e de 09/11/2011, Proc. 1311/11.5TBPDL-B.L1-1, todos em www.dgsi.pt.
[9] Embora se não trate de uma progressão geométrica em que a razão corresponda ao valor do sustento de cada elemento do agregado.
[10] Ac. Rel. Porto de 10/05/2011, Proc. 1292/10.2TJPRT-D.P1, in www.dgsi.pt.