Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
378/12.3TVPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: INJUNÇÃO
PROCEDIMENTO EUROPEU
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: REGULAMENTO (CE) Nº 1896/2006
Legislação Comunitária: REGULAMENTO (CE) Nº 1896/2006
Sumário: I – No âmbito do Regulamento (CE) nº 1896/2006, respeitante ao procedimento europeu de injunção, a dedução de oposição pelo Requerido à injunção visada pelo Requerente, nos termos do artigo 16º do Regulamento, põe fim ao procedimento de injunção.

II – Tal oposição transmuta o procedimento de injunção na acção prevista na lei processual do Estado-Membro, nas condições previstas no artigo 17º do Regulamento.

III – Valem na convolação do procedimento de injunção em procedimento civil comum, segundo a lex fori da injunção, as formas processuais internas que forem aplicáveis à situação concreta, em função dos dados que a caracterizam (valor da acção, natureza desta, etc.).

IV – Nesta acção transmutada, o requerimento de injunção vale como articulado inicial e a oposição como contestação, caso preencham estes os requisitos dessas peças previstas no nosso Direito adjectivo.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 1 de Março de 2012, nas Varas Cíveis do Porto, foi apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia[1] de fls. 5/14, no qual a sociedade espanhola U…, SA (Requerente dessa injunção, A. da acção sucedânea aqui em causa e Apelada neste recurso) demandou a sociedade portuguesa D…, Unipessoal, Lda. (Requerida, R. na presente acção e Apelante nesta instância).

Referiu-se a injunção – o que se indicou no formulário respectivo – a um valor total do crédito reclamado, sem juros, de €391.795,52, decorrendo este do fornecimento de mercadorias pela Requerente à Requerida, cujo pagamento não foi satisfeito, em parte muito substancial, por esta última (conforme relação de facturas de fls. 15/16 e cópias de fls. 17/107).

            1.1. Desencadeado a fls. 111 o pretendido procedimento de emissão de uma injunção europeia [doravante referiremos como Regulamento ou Regulamento 1896/2006 o acto comunitário que, na designação oficial, corresponde ao “Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento[2]], valendo a tal respeito o artigo 12º deste Regulamento[3].

1.1.1. Citada a Requerida (interessa a tal acto o artigo 13º do Regulamento 1896/2006) – e assim encetamos o relato das incidências fulcrais desta acção necessárias à compreensão do presente recurso – deduziu ela (a sociedade Requerida D…) oposição, fazendo-o cumulativamente através do requerimento articulado de fls. 127/129 e do preenchimento do Formulário F previsto no artigo 16º do Regulamento (fls. 131/132)[4]. No tal articulado de oposição de fls. 127/129 – o elemento do processamento da injunção que vem a interessar ao presente recurso – referiu a Requerida o seguinte:
“[…]

A presente Injunção carece de todo e qualquer fundamento válido, destinando-se a improceder.
Com efeito,
A Requerida nada deve à Requerente como esta deveria saber, pelo simples facto de que a obrigação de capital objecto da Injunção, não ser devida, por efeito da compensação.
Assim, a verdade é que, a Opoente considerou, conforme acordado, compensar o seu débito pelo crédito que se tinha a haver da Requerente.
Resultando aliás que a natureza desta operação não foi a primeira do género, pois que já anteriormente realizou-se exactamente a mesma operação no encontro de outros valores entre as partes.
Por isso, a Requerida, ora Opoente, não compreende de todo o sentido da presente Injunção.
Em virtude de, os Representantes Legais das partes, terem celebrado uma Escritura, em Madrid, na qual acordaram todos os termos da compensação efectuada, e que atrás já se invocou, isto é, quer a compensação deste valor quer de outros anteriores.
Escritura essa que a Requerida já se encontra a promover a sua tradução, por Tradutor Oficial competente, no sentido de a poder apresentar oportunamente, isto caso a Acção prossiga junto do Tribunal competente para o efeito.
Pelo que, certo é que o valor que a Requerente reclama encontra-se pois todo pago, regularizado, por efeito da compensação acordada na referida Escritura/Negócio, nada devendo a Requerida à Requerente.
Em face do exposto se dirá assim que a Requerida não é devedora do valor constante da presente Injunção, nem de qualquer outro.
10º
Consequentemente, sem razão de ser os juros peticionados.
[…]”.

            1.1.2. Originou esta incidência o despacho de fls. 134, ainda proferido pelo Tribunal da injunção – que marcou o fim do processamento respeitante à injunção de pagamento europeia[5] –, determinando este a remessa do processo ao Tribunal de Santa Comba Dão para os ulteriores termos (artigo 17º do Regulamento1896/2006). Este Tribunal proferiu o seguinte despacho (o de fls. 140/142, de 04/06/2012, com a referência citius 1577422[6], aqui transcrito nos trechos que apresentam relevância para o recurso):
“[…]
Conforme decorre do disposto no artigo 17.º do Regulamento, deduzida a oposição os autos prosseguiram nos tribunais competentes do ‘Estado-Membro de origem’, Portugal.
Dispõe o n.º 1 do citado normativo: «se for apresentada declaração de oposição no prazo previsto no n.º 2 do artigo 16.º, a acção prossegue nos tribunais do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo.».
Atento o disposto nos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro e 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro de 2012, os presentes autos não deveriam seguir sob a forma de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, mas antes sob a forma de processo comum, mais concretamente, acção de processo comum seguindo os termos do processo ordinário, pelo que se determina que se corrija a distribuição e autuação em conformidade, efectuando as diligências necessárias.

*
Passando os autos a correr sob a forma de processo ordinário, e em face da matéria de excepção pela ora ré invocada em sede de oposição (transmutada em contestação), haverá que notificar a autora de tal contestação, além do mais, para que esta, querendo e no prazo legalmente fixado, apresente réplica, atenta a matéria de excepção invocada; sucede porém que, em sede de oposição/contestação, a ré sustenta que, ‘caso a acção prossiga junto do Tribunal competente’ iria juntar aos autos tradução da escritura pública que sustenta ter sido pelas partes celebrada compreendendo a compensação que invoca a título de excepção.
Em face do exposto, antes de mais, deverá a ré juntar aos autos, no prazo de 10 dias, a tradução de escritura invocada em sede de oposição/contestação, dado que, na ausência de tal documento, não estão os autos em condições de prosseguir, com notificação da contestação deduzida.
[…]”.

            A fls. 148/284 (com os requerimentos de fls. 148/150 e 209) procedeu a R. à junção dessa escritura, a que invocara no articulado de oposição, sendo que à única incidência invocada na oposição – ou seja, à extinção dos créditos da A. por via da excepção peremptória de compensação – respondeu a A. a fls. 287/308, através de réplica nos termos do artigo 502º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), pedindo adicionalmente a condenação da R. como litigante de má fé[7].

            1.2. Nesta sequência foi proferido o despacho saneador-sentença de fls. 425/442constitui esta, fundamentalmente[8], a decisão objecto do presente recurso – julgando a acção procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de €391.795,52[9].

            1.3. Inconformada reagiu a R. apelando a esta instância, formulando a rematar as alegações as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – transcrevemo-las no item 1.3. supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[10]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            Posto isto, vendo as conclusões, destas emergem dois fundamentos do recurso, apresentando, aliás, distintas referenciações processuais. Primeiramente, a dimensão da impugnação que aqui identificamos como primeiro fundamento (a), prende-se com a forma pela qual se operou, face à oposição da R. à injunção, o que poderíamos qualificar como a transmutação ou convolação do processamento injuntivo em processamento comum, com o aproveitamento da oposição da Requerida/R. de fls. 127/129 como articulado de contestação – aliás, como o articulado de contestação respeitante à acção transmutada. Este elemento do recurso apresenta como referência o despacho de fls. 140/142 e é particularizado nas conclusões 1 a 18 da motivação da apelação.

Como segundo fundamento do recurso (b) aparece-nos a questão da compensação do crédito da A., aqui pretendida pela R. através da sua particular interpretação da escritura junta a fls. 151/197, sendo que neste elemento – que constitui o aspecto central da apelação – a referência processual é o saneador-sentença de fls. 425/442 e valem a esse respeito as conclusões 19 a 34 da motivação.

            2.1. Os factos considerados na instância precedente (os factos fixados no saneador-sentença ora recorrido) foram os seguintes:
“[…]

            A isto – a este rol – acresce o somatório de incidências processuais relatadas ao longo do item 1., sendo elas relevantes em particular para a apreciação do primeiro fundamento do recurso. Vale isto por dizer que essas incidências são aqui pressupostas enquanto factos processuais.

            2.2. (a) Como antes dissemos, está em causa neste primeiro fundamento o despacho de fls. 140/142 (imprecisamente identificado na motivação, cfr. a nota 7, supra) o qual procedeu, digamo-lo assim, à transmutação do procedimento europeu de injunção, frustrado no seu objectivo e que terminou por oposição da Requerida, no procedimento sucedâneo “de acordo com as normas do processo civil comum”, como resulta do artigo 17º, nº 1 do Regulamento 1896/2006, previsto na lei processual do Estado-Membro onde foi instaurada a injunção[11].

            A tradução prática desta transmutação ou convolação do procedimento de injunção europeu no procedimento comum previsto na lex fori – no que esteja previsto na lei do Estado onde se visava obter a injunção europeia –, ocorreu aqui através do despacho de fls. 140/142 o qual, determinando uma correcção da distribuição para a acção comum aplicável àquele valor (€391.795,52), para o processo ordinário de declaração[12], assumiu como petição inicial o requerimento injuntivo e, correspondentemente, como contestação o articulado de oposição. É certo que, como decorre do artigo 7º, nº 2 do DL 32/2003 (v. a transcrição na nota 15), o juiz do processo poderia – poderia, sublinha-se – ter determinado à A. e à R. o aperfeiçoamento das respectivas peças processuais, caso as entendesse insuficientes em função da observância do modelo padronizado correspondente à injunção. Todavia, isso não sucedeu neste caso, tratava-se de uma possibilidade aberta ao juiz, e, vendo o teor do requerimento de injunção e a defesa da R. consubstanciada no requerimento de fls. 127/129, parecem-nos ambas as peças processuais perfeitamente claras e aproveitáveis, sem necessidade de mais desenvolvimentos, no sentido em que ambas expõem claramente a pretensão da A. (no caso do requerimento de injunção e da documentação a ele anexa) e a defesa que a R. entendeu apresentar relativamente a essa pretensão (neste caso a oposição correspondente ao requerimento articulado de fls. 127/129[13]). A acção sucedânea da injunção estava, pois, suficientemente caracterizada, como acção declarativa com processo ordinário, quanto à pretensão da A. e à defesa da R. relativamente a tal pretensão, sendo que, dentro da lógica de aproveitamento na ulterior acção convolada das peças processuais produzidas na injunção, foi adequado assumir como petição inicial o requerimento de injunção e como contestação a oposição da Requerida.

            Importa ter presente que a referência à aplicação do processo civil comum no artigo 17º, nº 1 do Regulamento 1896/2006, nos casos de dedução de oposição à injunção, deve ser interpretativamente compaginada com o teor do Considerando (24) do Regulamento: “[u]ma declaração de oposição apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a passagem automática da acção para uma forma de processo civil comum, a não ser que o requerente tenha solicitado expressamente o termo do processo nessa eventualidade. Para efeitos do presente regulamento, o conceito de processo civil comum não deve necessariamente ser interpretado na acepção do direito interno”. Assim, com este sentido, valem na convolação do procedimento de injunção em procedimento civil comum, segundo a lex fori da injunção, as formas processuais internas que forem aplicáveis à situação concreta, em função dos dados que a caracterizam (valor da acção, natureza desta, etc.). Ora, dizendo a injunção respeito, como aqui inquestionavelmente sucede, a obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais de valor que excede a alçada da Relação, aplica-se a este caso o processo comum na forma ordinária (trecho inicial do artigo 462º do CPC, ex vi do artigo 7º, nº 2 do DL 32/2003), da mesma forma que se aplicaria, tratasse-se de valor inferior à alçada da Relação, desta feita em função do artigo 7º, nº 4 do DL 32/2003 (v. nota 15), a acção declarativa especial decorrente dos artigos 16º e 17º do Regime anexo ao DL 269/98[14].

Aqui aplica-se, portanto – e muito correctamente o Tribunal de primeira instância aplicou –, o processo ordinário de declaração, aproveitando-se para este, por ser o regime processual estabelecido na nossa lei, os articulados emergentes da injunção (o requerimento de injunção como petição inicial e o requerimento articulado de oposição como contestação)[15], assumindo-se como única defesa da Requerida a invocação da excepção peremptória de compensação (artigo 493º, nº 3 do CPC), com o consequente desencadear, referida a esta excepção, da réplica da R. (artigo 502º, nº 1 do CPC), como se determinou no despacho de fls. 140/142. Ora, centrando-nos na correcção de se ter assumido a oposição da R. à injunção como contestação, vale o que nesse sentido se disse como caracterização da posição desta face à injunção – e outra forma não vemos de encarar tal posição – no cingir da exposição das razões de facto e de direito pelas quais se opõe à pretensão da A. (artigo 489º, nº 1 do CPC) à incidência decorrente de existir – da R. entender que existiu – uma extinção do crédito reclamado pela A., por alegadamente se ter operado uma compensação de créditos entre a R. e a A., em função do conteúdo de uma escritura de compra e venda de 10,77% das acções representativas do capital da aqui A., “U…, S.A.”, escritura na qual figura como compradora das acções a sociedade espanhola “I…, S.A.” e como vendedora das mesmas a sociedade “R…, S.L.” (esta era a única accionista da aqui R.). De facto, se a R. se defende – como aqui só se defendeu – excepcionando a compensação do crédito reclamado pela A., aceita ela (e aceita-o expressamente em diversas passagens dessa contestação) que o crédito da A. existe (existiu), pois só se extingue o que existiu[16], como é da natureza das excepções peremptórias que actuam sobre o direito invocado, pressupondo a sua existência, neste caso extinguindo-o (artigo 493º, nº 3 do CPC), por ser esse o sentido da compensação, enquanto forma de extinção de uma obrigação diversa do cumprimento, prevista nos artigos 847º e ss. do Código Civil (CC).

Foi correcto, pois, como resulta de toda a anterior exposição, que o Tribunal a quo tenha assumido o requerimento de oposição da R. (sob a forma de articulado) à injunção europeia de pagamento (a de fls. 127/129) como a contestação da subsequente acção ordinária, transmutada desse procedimento de injunção (tal como assumiu o requerimento de injunção como articulado inicial[17]), e, em função disso, tenha restringido o subsequente julgamento da acção à questão da compensação. Esta prefigurava-se, assim, findos os articulados, como a única questão suscitada pela R. em sua defesa e assumia o estatuto de questão exclusivamente de direito, não dependente de outra prova que extravasasse da documental já junta ao processo, questão esta atinente à interpretação do texto da escritura invocada pela R. (rectius, de uma cláusula desta em particular) como contendo uma compensação convencional aqui actuante e, em função desta excepção peremptória, a extinção dos créditos pretendidos realizar pela A., agora através da acção sucedânea da injunção.

É com este sentido que as críticas da Apelante ao despacho de fls. 140/142 (e ao elemento preambular do Saneador-Sentença a fls. 425, referido este ao requerimento da R. de fls. 406/413) carecem de qualquer fundamento, sendo que em ambos os casos se tratou de assumir, primeiramente, a tramitação legal prevista no Direito adjectivo português para a acção convolada decorrente da oposição à injunção e, subsequentemente, na base de tal pressuposto, de disciplinar o processo em função da tramitação prevista para uma acção declarativa ordinária, na qual a R. se defendeu por excepção (que induziu um articulado de réplica da A.) e na qual só se admitiu pronunciamento adicional da R. para exercício do contraditório quanto a um pedido (efectuado na réplica) de condenação desta R. como litigante de má fé.

2.2.1. (a) Seja como for, não deixaremos de observar que o entendimento da R./Apelante quanto à necessidade de fazer voltar a acção, agora, ao princípio (como diz na conclusão 15 do recurso, sendo que o “princípio” corresponderia a conferir-lhe o direito a uma nova contestação da pretensão da A. envolvida na injunção, porventura, negando agora o que antes aceitou), tal entendimento, dizíamos, passa por atribuir ao despacho de fls. 140/142 a indução de uma nulidade (a omissão de uma formalidade que a lei prescreveria: mandar repetir a contestação) que a Apelante (notificada que foi desse despacho[18]) nunca invocou atempadamente (v. artigos 201º e 205º, nº 1 do CPC) e que, por isso mesmo, não pode agora introduzir, só no recurso, depois de ter ficado desagradada com o sentido da decisão, invocando a despropósito o nº 3 do artigo 691º do CPC, esquecendo que este pressupõe que a decisão pretendida atacar adicionalmente se não tenha estabilizado no processo, como sucede com as nulidades não invocadas, e que possa ainda constituir objecto de recurso.

Todavia, repete-se, nenhuma nulidade foi cometida, tendo o Tribunal a quo tramitado adequadamente a acção sucedânea da injunção.

Improcede, pois, este primeiro fundamento da apelação.

2.3. (b) Interessa-nos agora o segundo fundamento do recurso, respeitando ele à alegada extinção por compensação dos créditos peticionados pela A.

Importa recordar aqui alguns dados de facto integrados no elenco considerado na primeira instância. Primeiramente, tenha-se presente o óbvio: serem partes na presente acção a sociedade espanhola U…, SA, como A., e a sociedade portuguesa D…, Unipessoal, Lda., como R. Por sua vez, na escritura em que a R. alicerça a compensação que invoca, foram outorgantes as sociedades espanholas I…, SA (designada na escritura como Compradora) e R…, SL (esta designada como Vendedora), significando isto que as aqui A. e R. não intervieram como outorgantes nessa escritura, não sendo nenhuma delas, em rigor, partes no negócio aí consubstanciado, embora alguns aspectos deste negócio se refiram a elas, às partes nesta acção. Com efeito, corresponde essa escritura, desde logo, a uma compra e venda de acções da A. U…, referindo-se a 3.630 acções, correspondendo elas a 10,77% do capital da ora A., adquiridas nesse negócio pela I… à R... Por outro lado – e este aspecto é estratégico na argumentação da ora Apelante –, a sociedade R…, que na escritura funciona como Vendedora das acções da A. U…, é a única accionista da D… ora R., sendo que uma parte do preço da venda das acções (da venda de acções à I… pela R…) foi pago através da cessão à R… de dois direitos de crédito (respectivamente €714.684,30 e €85.351,10) detidos pela I… sobre a R. D...

Esses direitos de crédito, originariamente respeitantes à relação comercial entre a R. D… e a A. U…, respectivamente devedora e credora, haviam sido cedidos pelas escrituras de cessão constantes de fls. 173/176 e 179/181 (foram estas juntas pela R.). Nessas escrituras foi cedente desses créditos a credora originária, a U… (credora da R. D…), e cessionária (quem recebeu os créditos, assumindo a posição de credora deles) a I... A exacta identificação dos créditos cedidos resulta das duas listagens constantes de fls. 177 e 178 [designadas, respectivamente, “Anexo 4” (€714.684,30) e “Anexo IV” (€85.351,10)], sendo que destas listagens resulta – numa simples comparação das referências das facturas, das datas destas, das datas de vencimento e respectivos montantes individualizados[19] –, destas listagens resulta, dizíamos, não estarem em causa, nas duas cedências de créditos da I… à R…, quaisquer dos créditos daquela sobre a D… (ora R.) que, posteriormente, tenham sido reclamados na injunção europeia que deu origem à presente acção declarativa com processo ordinário e à presente apelação. Aliás, para clarificação da situação, dissipando a confusão que a argumentação da Apelante é susceptível de gerar, importa ter presente que todos os créditos cedidos pela I… à R…, são anteriores aos que a A., posteriormente, veio aqui (aqui na injunção e aqui na acção sucedânea desta) invocar como não satisfeitos, trataram-se todos esses de créditos vencidos até 15/03/2010, estando em causa nesta acção créditos titulados por facturas emitidas de 14/04/2010 em diante.

Assim, nesta espécie de efeito de “circulação” de direitos de crédito entre sujeitos diversos como meio de pagamento, decorrente da escritura de venda das acções da A. U…, estiveram em causa – portanto, extinguiram-se – créditos distintos dos aqui pretendidos realizar – sempre créditos anteriores – não existindo a possibilidade destes últimos (os aqui em causa) estarem extintos por um efeito de compensação decorrente dessa escritura: a compensação aí em causa entre o preço das acções e determinados créditos, não se referiu aos específicos créditos aqui em causa, subsistindo estes, que o mesmo é dizer, não estando estes extintos por compensação que essa escritura tenha estabelecido.

A este respeito importará caracterizar os termos em que a compensação – o efeito de extinção de obrigações por compensação – pode operar.

Como antes dissemos, a compensação constitui uma forma de extinção de obrigações diversa do cumprimento, estando prevista nos artigos 847º e seguintes do CC. Exclui esta previsão, concretamente no artigo 851º do CC[20], a compensação entre créditos não recíprocos (créditos em que a posição de credor num não corresponda à posição de devedor no outro)[21]. Todavia, este requisito vale para a chamada compensação legal (que é a directamente prevista nos ditos artigos 847º a 856º) e não para a chamada compensação convencional, decorrente de negócio jurídico que a preveja[22]. Com efeito, configura-se em tais casos – nos casos de negócio jurídico prevendo a compensação – um acordo quanto ao efeito de compensação entre os titulares dos créditos envolvidos, acordo este que, não estando expressamente previsto no nosso Código Civil[23], é admissível, conforme reconhece una vocce a Doutrina, com base no princípio geral da autonomia privada previsto no artigo 405º do CC[24].

Seria esse o caso aqui configurado através da escritura invocada e junta pela R. D…, segundo o entendimento desta. Todavia – e isso destrói o argumento da compensação da R./Apelante –, além dos créditos envolvidos no efeito de compensação não serem os aqui em causa, como se vê comparando as listas respectivas e os factos provados, como antes referimos, não decorre do texto da escritura, concretamente da respectiva cláusula “Quinta” (v. fls. 158 e item F dos factos) convocada pela R., que a R… (a Vendedora das acções da U… aqui A.), em caso de apresentação à insolvência por parte da I…, Compradora dessas acções, se poderiam compensar pagamentos ainda pendentes (não vencidos ou não pagos), relativos a esse contrato, com quaisquer créditos da A. sobre a R., susceptíveis de englobar os aqui em causa. Sempre faltaria neste caso, aliás, o assentimento da A. – que não é parte na mencionada escritura e é uma pessoa jurídica distinta das envolvidas nessa mesma escritura – à utilização dos seus créditos em causa nesta acção num efeito de compensação estabelecido entre terceiros do qual decorreria a extinção de créditos da A.[25].

Valem estas considerações, enfim, como confirmação do entendimento expresso no Saneador-Sentença apelado, quanto à exclusão de que o crédito aqui reclamado pela A. se tivesse extinto por compensação, previamente à instauração da injunção transmutada em acção ordinária.

Há, pois, que confirmar a decisão apelada, decorrente da improcedência do recurso em qualquer dos seus fundamentos.

2.4. Sumário elaborado pelo relator:
I – No âmbito do Regulamento (CE) nº 1896/2006, respeitante ao procedimento europeu de injunção, a dedução de oposição pelo Requerido à injunção visada pelo Requerente, nos termos do artigo 16º do Regulamento, põe fim ao procedimento de injunção;
II – Tal oposição transmuta o procedimento de injunção na acção prevista na lei processual do Estado-Membro, nas condições previstas no artigo 17º do Regulamento;
III – Valem na convolação do procedimento de injunção em procedimento civil comum, segundo a lex fori da injunção, as formas processuais internas que forem aplicáveis à situação concreta, em função dos dados que a caracterizam (valor da acção, natureza desta, etc.);
IV – Nesta acção transmutada, o requerimento de injunção vale como articulado inicial e a oposição como contestação, caso preencham estes os requisitos dessas peças previstas no nosso Direito adjectivo.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida.

            Custas a cargo da Apelante.

Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca

[1] Trata-se – o Tribunal da Comarca do Porto (as respectivas Varas Cíveis) – do Tribunal português designado competente para emissão de injunções de pagamento europeias, nos termos do artigo 29º, nº 1, alínea a) do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006 (v., quanto a essa designação, a seguinte localização, que permite igualmente o acesso ao texto do Regulamento:

http://ec.europa.eu/justice_home/judicialatlascivil/html/pdf/vers_consolide_pt_1896.pdf).
A indicada data de apresentação do requerimento de injunção, que corresponde à data da interposição da acção sucedânea (não a da transmutação decorrente da oposição, simples vicissitude do processado), marca a aplicação à presente instância de recurso do regime decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, desta feita por estarem em causa, obviamente, decisões recorridas anteriores a 1 de Setembro de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º).


[2] O texto consolidado está disponível no seguinte endereço:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32006R1896:PT:NOT.
[3] Dispõe este o seguinte:


Artigo 12º

Emissão de uma injunção de pagamento europeia


1. Se estiverem preenchidos os requisitos referidos no artigo 8º, o tribunal emite uma injunção de pagamento europeia no prazo mais curto possível e, regra geral, no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento, utilizando para o efeito o formulário normalizado E, constante do Anexo V.

O prazo de 30 dias não inclui o tempo utilizado pelo requerente para completar, rectificar ou alterar o requerimento.

2. A injunção de pagamento europeia é emitida juntamente com uma cópia do formulário de requerimento. Não inclui as informações prestadas pelo requerente nos apêndices 1 e 2 do formulário A.

3. Na injunção de pagamento europeia, o requerido é avisado de que pode optar entre:

a) Pagar ao requerente o montante indicado na injunção;

ou

b) Deduzir oposição à injunção de pagamento mediante a apresentação de uma declaração de oposição, que deve ser enviada ao tribunal de origem no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da injunção.

4. Na injunção de pagamento europeia, o requerido é informado de que:

a) A injunção foi emitida exclusivamente com base nas informações prestadas pelo requerente e não verificadas pelo tribunal;

b) A injunção de pagamento adquirirá força executiva, a menos que seja apresentada uma declaração de oposição junto do tribunal ao abrigo do artigo 16º;

c) Se for apresentada declaração de oposição, a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo.

5. O tribunal assegura a citação ou notificação da injunção de pagamento europeia ao requerido nos termos do direito interno, em moldes que obedeçam às normas mínimas estabelecidas nos artigos 13º, 14º e 15º.
[4] Aqui se transcreve esse artigo 16º no trecho que apresenta interesse:

Artigo 16º
Dedução de oposição à injunção de pagamento europeia

1. O requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando o formulário normalizado F, constante do Anexo VI, que lhe é entregue juntamente com a injunção de pagamento europeia.

2. A declaração de oposição deve ser enviada no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação do requerido.

3. O requerido deve indicar na declaração de oposição que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação.

4. A declaração de oposição deve ser apresentada em suporte papel ou por quaisquer outros meios de comunicação, inclusive electrónicos, aceites pelo Estado-Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.

[5] “A Requerida apresentou oposição à injunção de pagamento (fls. 115).

A Requerente nada fez constar no campo “Apêndice 2” do requerimento inicial (fls. 12), pelo que deve considerar-se que não se opõe ao prosseguimento dos autos como processo comum: art. 17º nº 1 do Regulamento (CE) nº 1896/2006, de 12.12.2006.

Consequentemente, determino a remessa dos autos à distribuição, ao Tribunal de Santa Comba Dão, para prosseguir como processo comum.

Notifique em conformidade com o nº 3 do referido preceito legal.

[…]”.
[6] A R./Apelante, posteriormente, na motivação deste recurso, identifica este despacho (referindo que o recurso o abrange, v. as conclusões 1, 5 e 9 transcritas infra no item 1.3. deste Acórdão) como “despacho com a referência 1579573, de 05/06/2012”, identificando-o pelo ofício de notificação do Tribunal.
[7] Ao que a R. respondeu a fls. 406/412.
[8] Fundamentalmente, porque da motivação do recurso intui-se que a R./Apelante pretende abranger no recurso – neste recurso – o despacho de fls. 140/142 que formalizou a transmutação do procedimento injuntivo em procedimento comum (v. nota 7, supra).
[9] Aqui se transcreve o correspondente pronunciamento decisório:
“[…]

- julga-se a presente acção ordinária de condenação proposta pela sociedade U…, S.A contra D…, LDA procedente por provada, condenando esta última a pagar à primeira o valor de €391.795,52 (trezentos e noventa e um mil setecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos) acrescido de juros de mora vencidos desde 4 de Maio de 2011 e vincendos até efectivo e integral pagamento;

- julga-se improcedente o incidente de litigância de má-fé suscitado pela sociedade Autora contra a sociedade R.
[…]” (transcrição de fls. 441).
[10] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[11] Determina este artigo 17º do Regulamento:

Artigo 17º
Efeitos da dedução de oposição

1. Se for apresentada declaração de oposição no prazo previsto no nº 2 do artigo 16º, a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo.

Se o requerente reclamar o seu crédito através do procedimento europeu de injunção de pagamento, nenhuma disposição do direito nacional prejudica a sua posição no processo civil comum subsequente.

2. A passagem da acção para a forma de processo civil comum, na acepção do nº 1, rege-se pela lei do Estado-Membro de origem.

3. É comunicado ao requerente se o requerido deduziu ou não oposição ou se houve passagem da acção para a forma de processo civil comum.
[12] O erro na distribuição resultava da circunstância da acção sucedânea decorrente da frustração da injunção, nos termos em que se operara a distribuição inicial, ter sido o processo especial decorrente do artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto), aplicável a obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, quando o valor aqui pretendido realizar através da injunção europeia (€391.795,52) determinava a aplicação do processo comum (não do processo especial) correspondente a esse valor, nos termos do artigo 7º, nº 2 do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro:

Artigo 7º
Procedimentos especiais
1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
[13] Note-se que a R. poderia ter-se limitado a utilizar o formulário normalizado F anexo ao Regulamento 1896/2006, previsto no respectivo artigo 16º, nº 1 (o formulário que também usou e juntou a fls. 131/132) do qual resultaria, tão-só, a não aceitação da injunção e, posteriormente, a sua notificação para contestar. Sucede que a R. entendeu fazer mais do que isso, cumulando com o emprego desse formulário, contendo a recusa pura e simples da injunção – “[d]eclaro opor-me à injunção de pagamento europeu emitida em 09/03/2012”  (fls. 132) –, a explicitação da razão que a levava a recusar essa mesma injunção: o entender que a dívida em causa se encontrava extinta em virtude de compensação decorrente de um documento que juntou aos autos.
Interessa ter presente aqui, quanto à forma como a dupla vertente da oposição da Requerida foi entendida pelo Tribunal a quo, o Considerando (23) do Regulamento 1896/2006 que determina que “[o] requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do presente regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente”.
[14] Contendo expressamente esta asserção, J. Castro Mendes, M. Teixeira de Sousa, Direito Processual Civil (obra em preparação), § 59º, IV, 6, 6.2.
Note-se que vale a ausência da declaração (expressa) do Requerente da injunção de pagamento europeia de que pretende pôr termo ao processo no caso de oposição do Requerido (v. artigo 17º, nº 1 do Regulamento), como dedução da pretensão em causa na injunção, subsequentemente, através da forma de procedimento comum, o que ao caso for aplicável, sendo certo que esta implícita conformação ulterior da acção se trata de uma prerrogativa do Requerente à qual o Requerido se não pode opor. Aliás, em todas as acções, dentro dos condicionalismos legais existentes, é o autor, não o réu, quem escolhe o modelo de adjectivação do seu direito.
[15] Neste sentido, v. Paula Costa e Silva, Processo de Execução, Vol. I, Títulos Executivos Europeus, Coimbra, 2006, p. 207: “[r]egra geral, perante a oposição do devedor, procede-se a uma conversão da injunção num dos procedimentos previstos no ordenamento interno do Estado-Membro do tribunal de origem (cfr. artigo 17º/1 [do Regulamento 1896/2006]). A vantagem deste sistema reside em serem aproveitados no novo processo os actos praticados no procedimento de injunção, que sejam susceptíveis de aproveitamento”.
[16] E a R., nessa defesa, nem sequer apresenta a invocação da compensação como alternativa hipoteticamente configurada: apresenta antes a compensação como o único fundamento que obsta à pretensão da A.
[17] E a Requerida soube pelo teor do requerimento de injunção que a frustração desta (a oposição por ela deduzida) induziria a ulterior tramitação como acção comum.
[18] Tal notificação consta do processo electrónico e corresponde à identificação que a Apelante dá desse despacho (v. nota 7, supra).
[19] Vale a este respeito, além da comparação de todas as facturas anexas à injunção (resumidas a fls. 15/16) o item A dos factos (que identifica essas facturas) feito corresponder – e vê-se que não há correspondências – com os itens G e H dos factos e as listagens de fls. 177 e 178. 
[20] Estabelece este:
Artigo 851º
Reciprocidade dos créditos
1 – A compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efectuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro.
2 – O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor.
[21] V. sobre o requisito da compensação (legal) indicado como reciprocidade dos créditos a compensar, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 3ª ed., Coimbra, 2005, pp. 10 92/193, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Direito das Obrigações, tomo IV, Coimbra, 2010, pp. 447/450 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª ed., Coimbra, 2008, pp. 1101/1102.
[22] Contendo esta asserção, v. o Acórdão desta Relação de 29/01/2013, proferido pelo ora relator no processo nº 147/11.8TBGVA.C1, que seguiremos de perto nesta exposição, estando disponível, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/961b4aaa5ff8c84780257b180038da0c.
Sumário:

I – O requisito da reciprocidade de créditos previsto, quanto à extinção de uma obrigação por compensação, no artigo 851º do CC, refere-se à chamada compensação legal, sendo esta a que opera por declaração unilateral, como forma específica de extinção de uma obrigação à qual se refere a regulamentação da compensação no Código Civil (artigos 847º a 856º);

II – Paralelamente a esta (à compensação legal), não obstante a ausência de uma previsão expressa na nossa lei substantiva, é possível que as partes num negócio estabeleçam, ao abrigo do princípio da autonomia privada, uma compensação convencional ou voluntária faltando aos créditos envolvidos, entre outros requisitos previstos para a compensação legal, o requisito da reciprocidade dos créditos, não afectando essa incidência a validade dessa compensação e do negócio no qual se insere.

[23] Contrariamente ao que sucede no Direito italiano, cujo Código Civil, estabelecendo a “compenzazione legale”, nos artigos requisito da reciprocidade nos respectivos artigo 1241º a 1251º (diz-se no artigo 1241º: “[q]uando due persone sono obbligate l'una verso l'altra, i due debiti si estinguono per le quantità corrispondenti […]”), admite a “compenzazione voluntaria” no artigo 1252º: “[p]er volontà delle parti può avere luogo compensazione anche se non ricorrono le condizioni previste dagli articoli precedenti […] [l]e parti possono anche stabilire preventivamente le condizioni di tale compensazione”.
[24] V. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, cit., pp.489/491:
“[…]
Na compensação convencional, as partes ficam livres para dispensar os requisitos da compensação legal ou para acrescentar novos requisitos que lei não preveja: se pode haver renúncia à compensação – artigo 853º, nº 2 – também poderá a fortiori, haver dificultação.
Entre os requisitos que poderão ser dispensados, encontramos:
- a reciprocidade: desde que, naturalmente, todas as entidades envolvidas dêem o seu assentimento; temos aqui um esquema que fortalece certos créditos, dotando-os de especiais garantias;
[…]” (p. 490).
V., igualmente, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit. pp. 199/201:
“[…]
Ao lado da compensação legal, tem vindo a ser admitida, com base no princípio da liberdade contratual, quer pela doutrina, quer pela própria lei, a denominada compensação convencional ou contratual. Consiste esta na compensação que, em lugar de ocorrer através de uma declaração unilateral, resulta de um acordo celebrado entre as partes (o denominado contrato de compensação). Sendo este celebrado ao abrigo da autonomia privada, naturalmente que as partes já não estarão sujeitas à maior parte das dos pressupostos e limites estabelecidos para a compensação legal. Efectivamente, parece que para esta compensação se exigirá apenas que ambas as partes disponham de créditos que pretendam extinguir através do contrato, não sendo necessário que se trate de créditos recíprocos […].
[…]” (pp. 199/200).
V., enfim, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., p. 1110:
“[D]entro do princípio da autonomia privada, pode estipular-se uma compensação independentemente de se verificarem os requisitos que antes se indicaram.
Esses requisitos, na verdade, tornam-se apenas necessários para que a compensação possa ser imposta por uma das partes à outra. Mas ao lado da compensação por declaração unilateral, deve admitir-se uma compensação convencional ou voluntária, baseada no acordo dos interessados e em que se prescinde de alguma ou algumas das exigências fixadas para a primeira.
[…]”.
[25] Remetemos aqui para a ideia da necessidade de expresso assentimento do terceiro envolvido na compensação convencional, sublinhada por António Menezes Cordeiro, na citação constante da antecedente nota 27.