Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
646/11.1TXCBR-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
REMANESCENTE
TEMPO
PRISÃO
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TEP DE COIMBRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 61.º E 64 DO CP
Sumário: I - Os marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena de prisão ainda não cumprida, resultante da revogação da liberdade condicional, e não por referência à inicial pena de prisão da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada.

II - Como resulta das actas da Comissão de Revisão do Código Penal a propósito da redação do art. 64.º, n.º 2 do Projeto, que veio dar lugar ao art.64.º, n.º 3, do Código Penal na Revisão de 1995, o Prof. Figueiredo Dias, que presidiu à Comissão de Revisão do Código Penal de 1982, afirmou que o n.º 2 nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      

       Relatório

            Por despacho proferido a 25/10/2016, a Ex.ma Juíza do TEP de Coimbra decidiu não homologar o cômputo da pena de prisão relativa ao recluso A... formulado pelo Ministério Público na sua promoção datada de 11/10/2016.

           Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. O remanescente de tempo de pena a cumprir em consequência da revogação da liberdade condicional não é uma nova pena mas a pena antiga que agora terá de continuar a ser cumprida, sem prejuízo das apreciações de liberdade condicional a que tiver direito e nos marcos temporais previstos no artigo 61° do código penal que ainda não tenham ocorrido, sempre com referência a essa pena inicial que cumpre continuar a executar.

2. Se a pena ora a executar é apenas aquela pena em cuja execução inicial o condenado beneficiou de liberdade condicional que veio a ser revogada, há que repristinar essa pena e retomar as eventuais apreciações de liberdade condicional a partir da revogação, determinando os marcos temporais ainda não apreciados.

3. Ultrapassados esses marcos mas havendo prisão a executar por mais de um ano, há sempre renovação da instância ao abrigo do artigo 180°, n° 1, do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade - renovação de instância a contar da data do reinício na prisão em consequência da revogação da liberdade condicional.

4. Fazer de outra maneira, ou seja, reapreciar marcos temporais já apreciados e ultrapassados seria premiar um condenado que, libertado condicionalmente, incumpriu as obrigações impostas, viu revogada a liberdade condicional por causa disso e, ainda assim, vai beneficiar de duplicação dos convencionais marcos temporais - uma subdivisão de marcos temporais de pena manifestamente não permitida por lei - a que os demais reclusos que cumprem ininterruptamente as penas não têm direito.

5. Portanto, se o recluso foi preso em 29/09/2016 para cumprimento do remanescente de 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão, se foi libertado condicionalmente aos 2/3 da pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, se não há lugar a 5/6, por os não admitir a pena concreta, e se o termo da pena vai ocorrer 10/07/2018, só poderá ver a liberdade condicional apreciada em sede de renovação anual de instância, nos termos previstos no citado artigo 180° do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade.

6. Decidiu mal a senhora juíza ao não homologar o cômputo do tempo de remanescente de pena que o Ministério Público fez, violando o disposto nos artigos 61°, 63° e 64° do código penal e 180°, n° 1, do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade.

7. O despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que homologue aquele cômputo.

            A Ex.ma Juíza do TEP sustentou o seu despacho nos seguintes termos:

«A norma agora invocada pelo Ministério Público – o art.180º nº 1 do CEP – a qual, na sua perspectiva, sustentaria a continuação da reclusão por um ano e, consequentemente, a inadmissibilidade da apreciação da liberdade condicional em momento anterior, no nosso modesto entendimento, é apenas aplicável quando a liberdade condicional não é concedida, e por essa razão, a prisão haja de prosseguir por mais do que um ano.

Não é essa a situação dos presentes autos, já que ao condenado foi concedida a liberdade condicional e posteriormente a mesma veio a ser revogada por incumprimento de condições, daí ocorrendo a reclusão em que se encontra no momento.

Por outro lado, importa ainda mencionar que o entendimento agora preconizado pelo Ministério Público não é pelo mesmo sufragado nas situações em que, para além do remanescente decorrente da revogação da liberdade condicional, existem novas penas de prisão a cumprir, porquanto nessas situações, os marcos temporais computados pelo Ministério Público são encontrados através da soma do remanescente com as novas penas, sem que se suscite qualquer impedimento à apreciação da liberdade condicional por via de anteriores marcos temporais transcorridos e relativos à liberdade condicional revogada. Não se antevêem quaisquer razões para que subsistam dois entendimentos diversos, tanto mais que, havendo outras penas para além da que decorre da revogação da liberdade condicional, muitas vezes sendo por via das mesmas que a liberdade condicional foi revogada, o condenado, nessas circunstâncias, é antes alvo de um tratamento mais favorável.

Pelas razões descritas na decisão sob recurso, e naquelas que acima sumariamente adianto, mantenho, nos seus precisos termos, o despacho recorrido.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recluso nada disse.

       Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Não homologo ao cômputo da pena de prisão que antecede, formulado pelo Ministério Público junto deste TEP, pelas seguintes razões.

Por força da revogação da liberdade condicional concedida aos 2/3 da pena de 5 anos e 4 meses de prisão, tem o condenado a cumprir, tal como computado pelo MºPº, o remanescente de 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão.

Tal como dispõe o art.185º nº 8 do CEP “em caso de revogação, o Ministério Público junto do tribunal de execução de penas efectua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do nº 3 do artigo 64º do Código Penal sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado”.

Dispõe o nº 3 do art.64º do CP que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º”.

Do exposto resulta, assim, que é através da aplicação dos critérios a que alude o art.61º do CP que se encontrarão os marcos temporais no caso de revogação da liberdade condicional, marcos temporais esses que são computados por referência “à pena de prisão que vier a ser cumprida” (cfr. nº 3 do cit. art.64º).

De resto, este é o entendimento defendido por Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 550) que, sobre tal, assim se pronuncia: “esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar”.

Dito por outras palavras: os novos marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena resultante da revogação da liberdade condicional e não por referência à inicial pena de prisão da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada.

Cabe aqui clarificar que não se desconhecem outros entendimentos que, no que tange o cômputo do remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, são defendidos por alguma jurisprudência. Entendimentos esses decorrentes do quanto dispõe o nº 4 do art.63º do CP, que exclui, no caso de cumprimento sucessivo de várias penas e de remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, a aplicabilidade do regime dos 5/6 a que alude o nº 4 dessa norma, por força do inciso “se dela [da liberdade condicional] não tiver antes aproveitado”.

Só que esse nem sequer é o caso dos autos, já que inexiste qualquer outra pena de prisão a cumprir para além da que resulta da revogação da anterior liberdade condicional.

Nesta medida, entendemos que não existe norma legal ao abrigo da qual se possa defender o entendimento agora preconizado pelo Ministério Público, segundo o qual, a primeira apreciação da liberdade condicional no que tange o remanescente decorrente da sua revogação – no caso, 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão - só poderá ter lugar decorrido um ano do início de nova reclusão, em sede de renovação anual da instância, por a liberdade condicional ter anteriormente sido concedida aos 2/3 da pena.

Havendo que aplicar, por imposição legal (a prevista no acima citado nº 3 do art.64º do CP), o disposto no art. 61º, haverá que encontrar dentro do remanescente 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão o ½ e os 2/3 dessa pena, a fim de, em tais marcos temporais, se proceder à apreciação da liberdade condicional ao condenado.

Uma vez que não se procede à homologação do cômputo formulado pelo Ministério Público, importa formular cômputo que o substitua.

Nestes termos, por aplicação do disposto no art.61º “ex vi” do disposto no art.64º nº 3, ambos do CP, atendendo a que o condenado A... foi detido no passado dia 29/9/2016, e tem a cumprir 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão, o cômputo a considerar é o seguinte:

- ½  da pena remanescente - 18/8/2017;

- 2/3 da pena remanescente - 6/12/2017;

- termo da pena remanescente - 10/7/2018.».


 *


            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do  Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- Tendo sido concedida a liberdade condicional a recluso aquando do cumprimento dos 2/3 da pena de 5 anos e 4 meses de prisão em que havia sido condenado, e tendo essa liberdade condicional sido posteriornmente revogada por incumprimento, poderá ser novamente apreciada a liberdade condicional à ½ e aos 2/3 do remanescente da pena que lhe falta cumprir.    


-

            Passemos ao conhecimento da questão, começando por clarificar as posições do recorrente e da Ex.ma Juiza do TEP

            O Ministério Público defende que o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 61.º, 63.º e 64.º do Código Penal e 180.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e, por isso, deve ser revogado e substituído por outro que homologue o seguinte cômputo da pena, por si efetuado:

« O recluso foi preso em 29/09/2016 para cumprimento do remanescente de 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão. Foi libertado condicionalmente aos 2/3 da pena única de 5 anos e 4 meses de prisão. Não há, assim, lugar a 5/6 nem a quaisquer outros marcos temporais, sem prejuízo da renovação anual de instância. O termo da pena acontecerá a 10/07/2018.»

Alega para o efeito e em sintese, que o remanescente de tempo de pena a cumprir em consequência da revogação da liberdade condicional não é uma nova pena, mas a pena antiga que agora terá de continuar a ser cumprida, sem prejuízo das apreciações de liberdade condicional a que tiver direito e nos marcos temporais previstos no artigo 61° do código penal que ainda não tenham ocorrido, sempre com referência a essa pena inicial que cumpre continuar a executar.

Se a pena ora a executar é apenas aquela pena em cuja execução inicial o condenado beneficiou de liberdade condicional que veio a ser revogada, há que repristinar essa pena e retomar as eventuais apreciações de liberdade condicional a partir da revogação, determinando os marcos temporais ainda não apreciados.

Ultrapassados esses marcos, mas havendo prisão a executar por mais de um ano, há sempre renovação da instância ao abrigo do art.180.º, n.º 1, do CEPMPL.

Reapreciar marcos temporais já apreciados e ultrapassados seria premiar um condenado que, libertado condicionalmente, incumpriu as obrigações impostas, viu revogada a liberdade condicional por causa disso e, ainda assim, vai beneficiar de duplicação dos convencionais marcos temporais - uma subdivisão de marcos temporais de pena manifestamente não permitida por lei - a que os demais reclusos que cumprem ininterruptamente as penas não têm direito.

Portanto, se o recluso foi preso em 29/09/2016 para cumprimento do remanescente de 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão, se foi libertado condicionalmente aos 2/3 da pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, se não há lugar a 5/6, por os não admitir a pena concreta, e se o termo da pena vai ocorrer 10/07/2018, só poderá ver a liberdade condicional apreciada em sede de renovação anual de instância, nos termos previstos no citado art.180.º do CEPMPL.

Por seu lado, defende a Ex.ma Juiza do TEP, em síntese, que tendo de se aplicar por força do n.º 3 do art.64º. do Código Penal, o disposto no art.61.º, do mesmo Código, haverá que encontrar dentro do remanescente de 1 ano, 9 meses e 11 dias de prisão, a ½ e os 2/3 dessa pena, a fim de, em tais marcos temporais, se proceder à apreciação da liberdade condicional ao condenado.

De resto, esse é o entendimento defendido por Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 550).

 O art.180.º, nº 1, do CEP, é apenas aplicável quando a liberdade condicional não é concedida, e por essa razão, a prisão haja de prosseguir por mais do que um ano, e não é essa a situação dos presentes autos, já que ao condenado foi concedida a liberdade condicional e posteriormente a mesma veio a ser revogada por incumprimento de condições, daí ocorrendo a reclusão em que se encontra no momento.

O entendimento do Ministério Público não é pelo mesmo sufragado nas situações em que, para além do remanescente decorrente da revogação da liberdade condicional, existem novas penas de prisão a cumprir, porquanto nessas situações, os marcos temporais computados pelo Ministério Público são encontrados através da soma do remanescente com as novas penas, sem que se suscite qualquer impedimento à apreciação da liberdade condicional por via de anteriores marcos temporais transcorridos e relativos à liberdade condicional revogada.

Vejamos.

O art.54.º, n.º 3 do Projeto de Código Penal de 1963 consignava que « No caso de revogação da liberdade condicional será executada a pena de prisão ainda não cumprida, podendo contudo o tribunal, se o considerar justificado, reduzir o tempo de prisão a cumprir».

Nesta redação, não se previa a possibilidade da concessão de nova liberdade condicional em caso de revogação da liberdade condicional, mas apenas a possibilidade de redução do tempo de prisão a cumprir.[4]

Tal situação veio a alterar-se com o Código Penal de 1982.

Assim, o art.63.º, n.º2, na sua primitiva redação, passou a consignar o seguinte:

« 2 - A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida, nos termos gerais, nova liberdade condicional.».

A propósito desta primitiva redação do Código Penal de 1982 o Prof. Figueiredo Dias, na obra citada no despacho recorrido, escreveu o seguinte:

“ Segundo o disposto no art.63.º-2, a revogação determina a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, podendo relativamente a esta parte, ser concedida de novo liberdade condicional, nos termos gerais. Esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efetuar”.

Esta matéria foi entretanto alterada com a revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15 de março, passando o art.64.º do Código Penal, a estabelecer na parte que aqui importa, o seguinte:

« 2. A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.

    3. Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º .».

A substituição da referência “termos gerais” constante do art.63.º, n.º2, do Código Penal, na primitiva redação, pela referência “termos do art.61.º ”, constante do art.64.º, n.º3 do Código Penal, ao mesmo tempo que se pugnou pela alteração do então art.483.º do Código de Processo Penal, que veio a ser levada a cabo pelo DL n.º 317/95 de 28 de novembro,  visará  clarificar os tempos de apreciação da liberdade condicional após a revogação da liberdade condicional, fixando-os nos marcos temporais estabelecidos no art.61.º do Código Penal.

Parece ser este o sentido que se retira das Atas da Comissão Revisora do Código Penal de 1982, quando aí se consigna que o Prof. Figueiredo Dias frisou que “ houve uma tentativa de ressocialização que falhou por razões relevantes (por exemplo, a prática de um crime); não faz sentido, posteriormente, levantar periodicamente a questão da liberdade condicional, para além do previsto nos termos gerais ( artigo 61.º)” e que “ A Comissão assentou na necessidade de proceder à alteração do art.483.º do Código de Processo Penal).”.[5]          

O art. 61.º do Código Penal, para que remete o n.º3 do art.64.º, enuncia os pressupostos e duração da liberdade condicional, estabelecendo o seguinte:

« 1 - A aplicação da liberdade condicional depend\e sempre do consentimento do condenado.

   2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

        a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

         b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.».

Enquanto nestes n.ºs 2 e 3 se regulam as chamadas modalidades facultativas da liberdade condicional, no n.º4 regula-se a chamada liberdade condicional obrigatória, na medida em que o condenado a pena de prisão superior a seis anos é imediatamente colocado em liberdade condicional logo que tiver cumprido cinco sextos da pena independentemente da evolução da sua personalidade e de razões de prevenção geral.

Considerando que o condenado pode estar sujeito à execução sucessiva de várias penas o art.63.º do Código Penal veio estabelecer  o momento em que, nesse caso, o condenado deve ser colocado em liberdade condicional. Porém, o seu n.º 3 clarifica que  se a execução de uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará no computo para calcular o momento em que o o condenado é colocado em liberdade condicional, devendo ser cumprida autonomamente.

Aqui chegados importa decidir se a “pena de prisão ainda não cumprida” (n.º1 do art.64.º do C.P.), também chamada de pena remanescente, relativamente à qual “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º”, (n.º 2 do art.64.º do C.P.), deve ser ainda vista como a pena inicial ou já como uma outra pena, uma pena autónoma. 
Uma parte da jurisprudência, embora essencialmente a propósito do art.63.º, n.º 4 do Código Penal, vem-se inclinando no sentido de relevar, na renovação da instância, todos os momentos da liberdade condicional anteriores à revogação dessa liberdade.

O art.64.º, n.º 2 do Código Penal ao dispôr que a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, origina um retrocesso ao início do cumprimento da pena para efeitos de nova concessão de liberdade condicional.
Isto é, se a liberdade condicional foi concedida a meio da pena – e antes desse momento não poderá ser concedida – então, após a revogação da liberdade condicional, na renovação da instância, o condenado só poderá beneficiar da liberdade condicional aos 2/3 e aos 5/6 da pena em que foi condenado, esta já como liberdade condicional obrigatória. Neste sentido, entre outros, apontam os acórdãos da Relação de Coimbra, de 7 de abril de 2010 (proc. n.º 694/96.0TXPRT-C.C1, rel. Esteves Marques) e de 15 de dezembro de 2010 (proc. n.º 444/0EVR-B.C1 rel Jorge Jacob, que contem um lapso no ponto 4 do sumário), e da Relação do Porto, de 22 de fevereiro de 2006 (proc. n.º 064011, rel. Isabel Pais Martins) e de 12 de setembro de 2007 (proc. n.º 0744619) – in www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, outra parte da jurisprudência defende que da revogação da liberdade condicional resulta, para efeitos de concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º do Código Penal, uma pena que deve ser tratada juridicamente como autónoma. É a posição que parece resultar, designadamente, do acórdão da Relação de Évora, de 15 de dezembro de 2016 (proc. n.º 4057/10.8TXLSB-I.E1, REL. Carlos Berguete Coelho) e do acórdão do STJ de 1 de outubro de 2015 (proc. n.º 114/15.2YFLSB.S1).

Na doutrina, o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, entende - no seguimento da transcrição do segmento da lição do Prof. Figueiredo Dias referido na douta decisão recorrida -, que para a concessão de uma nova liberdade condicional nos momentos em que ela é possível, deverá ter-se em conta apenas o período de tempo que resta cumprir e, portanto, o meio, dois terços ou cinco sextos da pena faz-se consoante aquela parcela analisada de forma autónoma. É o que resulta do exemplo que dá, de alguém que tendo sido condenado a 16 anos de prisão vê revogada a liberdade condicional quando lhe faltam cumprir 6 anos de prisão, caso em que poderá beneficiar da liberdade condicional facultativa aos 3 anos (à metade da pena) ou aos 4 anos ( aos dois terços da pena).[6]
E qual é afinal o pensamento do Prof. Figueiredo Dias, que presidiu à Comissão de Revisão do Código Penal de 1982?
A propósito da redação do art.64.º, n.º2 do Projeto - « Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º .» - que veio dar lugar ao art.64.º, n.º 3 do Código Penal na Revisão de 1995, consta da ata n.º16 dessa Comissão de Revisão do Código Penal, que o Ex.mo P.G.A Dr. Lopes Rocha “ frisou a existência de algumas dúvidas que, no seu entender , deveriam obter resposta adequada. Face ao n.º 2 , qual é a pena que se deve considerar, a inicial ou a parte restante? Um agente condenado a 6 anos de prisão vê revogada a liberdade condicional quando lhe falta cumprir 2 anos de prisão. É esta última pena que se encontra prevista no n.º2 ? (...)”.
A esta pergunta respondeu o Prof. Figueiredo Dias do modo seguinte: “ o n.º2 nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto.”.
Esta posição doutrinária cremos que é a mais consentânea com o sentido e conteúdo do art.64.º do Código Penal, designadamente com a remissão do seu n.º 3 para os termos do art.61.º do mesmo Código, pois deste modo o condenado que viu a liberdade condicional revogada “pode” ver apreciada a sua concessão à metade e aos dois terços “da pena de prisão ainda não cumprida” – aos cinco sextos já é obrigatória a sua concessão.
A posição jurisprudencial que parte do cumprimento da pena inicial para renovação da liberdade condicional a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º apenas se “pode” cingir aos dois terços da pena inicial, pois quando foi concedida a liberdade condicional objeto de revogação já tinha decorrido seguramente a metade da pena. Se quando foi concedida a liberdade condicional objeto de revogação já tinham decorrido os dois terços da pena, o condenado não beneficiará da liberdade condicional facultativa.

É o que aconteceria no presente caso, seguindo-se a posição que retrocede ao início do cumprimento da pena para efeitos de nova concessão de liberdade condicional, pois o recluso A... foi condenado numa pena de 5 anos e 4 meses de prisão e foi-lhe sido concedida a liberdade condicional aquando do cumprimento dos 2/3 da pena em que havia sido condenado. A posterior revogação dessa liberdade condicional por incumprimento, obstaria a nova concessão à metade da pena e aos 2/3 da pena a cumprir.  E uma vez que a pena em que o arguido A... foi condenado não é superior a 6 anos de prisão não poderia a instância ser renovada aos 5/6 da mesma, no âmbito da chamada liberdade condicional obrigatória a que alude o art.61.º, n.º4 do Código Penal.  
Pelas razões que se deixam expostas entendemos que esta não é e melhor posição.
Também a invocação, por parte do recorrente, do disposto no art.180.º, da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, se nos afigura problemática, como bem anota a Ex.ma Juíza do TEP.

Findos os momentos de concessão da liberdade condicional facultativa previstos no art.61.º nºs 2 e 3 do Código Penal, sem que esta tenha sido concedida, a lei prevê a possibilidade de renovação anual da instância naquele art.180.º, que sob a epigrafe « Renovação da instância», estabelece no seu n.º 1:

« Sem prejuízo do disposto no artigo 61.º do Código Penal, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano, a instância renova-se de 12 em 12 meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão.».

Sem prejuízo do disposto no artigo 61.º do Código Penal, significa que até serem atingidos dois terços de cumprimento da pena de prisão, a reapreciação far-se-á à luz dos critérios de concessão da liberdade condicional a metade da pena (art.61.º, n.º 2); e que cumpridos dois terços da pena, a reapreciação terá lugar de acordo com o critério estabelecido para a libertação condicional a dois terços da pena (art.61.º, n.º3) - exceto se se tratar de pena de prisão superior a 6 anos, caso em que valerá somente até serem perfeitos cinco sextos da mesma.[7] 
Seguindo a posição do Ministério Público, tendo sido concedida e depois revogada a liberdade condicional, não sendo já legalmente permitida a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61.º do Código Penal, nem consequentemente a sua recusa , não é fácil concluir que ela lhe foi recusada nos termos e para efeitos de renovação da instância a que alude o art.180.º, n.º1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Em suma, tal como se defende no douto despacho recorrida, entendemos que os marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena de prisão ainda não cumprida, resultante da revogação da liberdade condicional, e não por referência à inicial pena de prisão da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada.

Consideramos, por todo o exposto, que não merece censura a não homologação do cômputo formulado pelo Ministério Público, nem o subsequente cômputo que o substituiu no douto despacho recorrido, por aplicação do disposto no art.61.º, “ex vi” do disposto no art.64.º nº 3, ambos do Código Penal.

Não tendo a decisão recorrida violado as normas legais apontadas pelo recorrente resta julgar improcedente a questão e negar provimento ao recurso.

        Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e manter o douto despacho recorrido.

             Sem tributação.


*

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                      

Coimbra, 16 de fevereiro de 2017

                                                                             

(Orlando Gonçalves – relator)

                                                                             

(Inácio Monteiro – adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] “Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal”, edição do MJ, 1965, II Vol. pág.s 25 a 29.
[5]  “Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, edição do MJ, 1993, pág. 157.
[6] Cf. “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, edição 2010, pág. 255, anotações 7 e 8.
[7] Prof. Maria João Antunes, in “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições Direito Penal III, Coimbra 2010-2011, pág. 63.