Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
486/10.5GBAND.C 1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA- ANADIA -JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 143º E 145º CP
Sumário: 1.- Não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal.
2.- Pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão
Decisão Texto Integral: No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:
1) Condenou o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do C.Penal:
1.1) Na pena de 100 (cem) dias de multa, a € 6,00 (seis euros) diários, num total de € 600,00; correspondente a 66 dias de prisão subsidiária.
1.2) Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 07 (sete) meses.
2) Condenou o arguido A... pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), ambos do C.Penal, na pena de 03 (três) meses de prisão, a qual se substitui por 90 (noventa) dias de multa, a € 6,00 (seis euros) diários, num total de € 540,00.
3) O desconto será feito à razão de 01 dia de multa por cada dia ou fracção de privação da liberdade (art. 80.º, n.º 2, do C.Penal).

Desta sentença interpôs recurso o arguido, A..., sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:

I- Como decorre da audição da gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, onde está gravada a prova produzida em audiência de julgamento e da acta do dia 06-05-2011, constata-se que: A) Em relação à matéria da condução em estado de embriaguez;
- O arguido negou ter conduzido o seu veiculo em estado de embriaguez, isto porque quando foi abordado pelos agentes da GNR, aquele encontrava-se estacionado, e a dormir dentro da viatura, sem que antes tivesse conduzido, e foi quando o agente da GNR, lhe bateu ao vidro e lhe pediu a carta de condução, e lhe perguntou o que estava ali fazer, dizendo-lhe que era suspeito, e que tinha de "soprar", e que para isso tinha de os acompanhar ao posto. - isto com base no depoimento que prestou em audiência, - Conf. gravação em suporte digital com inicio ao minuto 9,49,50 do dia 06-05-:2011 e acta do mesmo dia,
Ademais, a instâncias do Senhor Juiz pergunta-se ao arguido (o que se reproduz parcialmente) :
Pergunta do Senhor Juiz: o que se pergunta é se o senhor conduziu o carro desde a praça do Município até ao posto da GNR?
- Resposta do Arguido:
- Sim sim, conduzi, porque foi ele que me mandou,
Pergunta do Senhor Juiz: Mas quem é que o mandou? - foi o senhor B....
Pergunta do Senhor Juiz: o militar da GNR é que o mandou conduzir até ao posto.
Resposta do Arguido:
- sim, sim, foi ele que me mandou ir à frente para ir para o posto para ir fazer o teste de álcool, como ele me perguntou se tinha bebido, e eu tinha dito que sim (…)
II - Sendo os próprios agentes da GNR C... e B..., aquando de suas declarações quem confirmam que o arguido se encontrava estacionado em frente à caixa Geral de depósitos, dentro da viatura a dormir com a cabeça encostada ao vidro. - Conf. gravação em suporte digital da testemunha C... com inicio ao minuto 10'18,10 cio dia 06-05-2011 e acta do mesmo dia, e ele B…, com inicio ao minuto 10:32,09 e acta do mesmo dia.
III - Sucede que os agentes da GNR o Senhor C... e o Senhor B..., referem ainda aquando do seu depoimento, gravado em suporte digital com inicio respectivamente aos minutos - 10: 18,10 elo dia 06-05-2011 e acta do mesmo dia, e de B..., com inicio ao minuto 10:32,09 e acta do mesmo dia - que quando o arguido em tom irónico exibiu os documentos, pegou nos mesmos entrou no carro e foi a conduzir até ao posto da GNR
IV - O que só por si arrasa por completo o vertido pelo senhor juiz a quo, na sua douta sentença, quando refere que" o Tribunal baseou a sua convicção na análise critica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras de experiência comum .. ."
V - Efectivamente, a experiência comum diz-nos que o arguido tendo tido a noção de que tinha ingerido bebidas alcoólicas, e que por isso estava mal disposto dentro da viatura estacionada. para a qual tinha vindo a pé, e após a exibição dos seus documentes e referido aos agentes da GNR que tinha bebido, tivesse pegado no carro e d rígido precisamente até ao posto da GNR, sem que aqueles agentes o tivessem impedido, ou advertido.
VI - Outrossim, diz-nos a experiência comum que o arguido, não teria entrado na viatura de livre vontade para se dirigir ao posto da GNR, sem que, os agentes da GNR o tivessem ordenado face à ironia manifestada pelo arguido aqueles, conforme escorre das declarações do arguido que não foram valoradas em detrimento dos senhores agentes da GNR, a nosso ver erradamente.
VII - Encontrando-se o arguido a dormir dentro da viatura, o que os Senhores Agentes da GNR confirmaram nas suas declarações, estes actuaram como um "agente provocador", face à ironia e má disposição do arguido, ordenando-lhe que dirige-se" até ao posto da GNR de Anadia.
VIII - Ou seja, uma vez que o arguido não estava a cometer nenhum crime, os senhores agentes da autoridade. ao ordenar que o arguido se dirigisse ao posto para efectuar o teste de alcoolemia - tese que acolhemos em detrimento da aventada pelos senhores da GNR, suportada pelas declarações do arguido e com base nas regras de experiência comum - actuaram como verdadeiros agentes provocadores, convencendo o arguido a cometer o crime pelo qual foi condenado.
IX - O que sai reforçado, com as próprias declarações do agente B... prestadas em audiência de julgamento - Conf. gravação em suporte digital da testemunha B...ao minuto 10.32,07, do dia 06-05-2011 e acta do mesmo dia - cujo teor se reproduz parcialmente:". , ele entrou na viatura, pós a viatura a funcionar e nós afastámo-nos.”
X – Assim, os senhores da GNR, que deixaram conduzir o arguido sabendo que este apresentava um hálito etílico, que aparentemente estava alcoolizado, sem sequer tentarem impedir ou advertir que o arguido de que se tivesse ingerido bebidas alcoólicas não podia conduzir - actuando como verdadeiros agentes provocadores.
XI - "O Agente provocador convence outrem ao crime, determina a vontade o acto ilícito". - neste sentido conferir Ac do Tribunal de Justiça Processo n.º 00P2752; n.º convencional JSTJ00041068 acessível em www.dgsi.pt. - Pelo que, não deveria ter sido considerada provada a matéria factual constante da douta sentença recorrida que acima se impugnou, relativa ao crime de condução sob o estado de embriaguez.
XII - B) Em relação ao crime de ofensa à integridade física qualificada: - o arguido negou ter deliberadamente empurrado, ou desferido um empurrão ao militar da GNR C.... - Conf. gravação em suporte digital com inicio ao minuto 9:49.50 do dia 06-05-2011 e acta do mesmo dia.
XIII- Aliás o próprio agente da GNR, C..., ofendido, refere que o arguido estava transtornado, que o empurrou, mas que não estava à espera, e que por via disse se desequilibrou e desceu dois degraus, não tendo sofrido qualquer sequela física.
XIV - Ademais, os agentes da GNR, quer o agente que sofreu o empurrão Senhor C... quer o seu colega Senhor B..., afirmaram que não houve qualquer lesão ou sequela, e muito menos qualquer dor. - conf. depoimentos, gravados em suporte digital com inicio respectivamente aos minutos - 10:18.10 do 06-05-2011 e acta do mesmo dia, e de B..., com inicio ao minuto 10·32.09 e acta do mesmo dia.
XV· E como tal o que ficou provado em sede de audiência de Julgamento e considerado assente na sentença foi apenas e tão só que houve um empurrão ao Senhor GNR C..., que este se terá desequilibrado e descido dois de uma escada.
XVI - Pelo que, ao ter o Exmº senhor Juiz a quo ter dado como provado apenas a matéria que aqui se impugna, jamais poderiam o arguido ter sido condenado pelo crime de Ofensa à Integridade Física, (sem qualquer dor ou lesão por parte do ofendido), por não se encontrarem preenchidos os requisitos do tipo legal de crime, impondo-se decisão diferente, devendo o arguido ter sido absolvido.
XVII - Não foi, pois, produzida qualquer prova credível e de acordo com a experiência comum, em audiência de julgamento que o arguido tenha praticado do crime de condução sob o estado de embriaguez de forma voluntária, - e muito menos o crime Ofensa à integridade física qualificada. Existiu, isso sim, por parte do meritíssimo juiz um notório erro na apreciação prova produzida em audiência de julgamento.
XVIII - (Quanto ao Crime de Ofensa à integridade Física Qualificada):
Não podemos deixar de discordar da decisão que condenou o arguido no crime de O.I. F. Qualificada, pois da apreciação da audição da prova e dos factos que resultaram assentes na douta sentença, conduzem-nos de forma inequívoca á conclusão de que o arguido não praticou o crime de ofensa à integridade física quanto mais não fosse por não se encontrarem preenchidos os elementos típicos daquele preceito penal (artigo 143,° n.º1 do C.P.) Vejamos então porque opinamos neste sentido:
XIX - Escuda-se o meritíssimo juiz a quo, para dar como provado o crime de ofensa à integridade física qualificada, no facto de o arguido ( . .) desferiu um empurrão com ambas as mãos no peito (. . .) como consequência dessa conduta, o militar desequilibrou-se e desceu, desamparado, dois degraus de uma escada.
XX - Comete o crime de ofensa à integridade física nos termos do artigo 143.° do C.P. - "Quem ofender o corpo ou a saúde outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos cu com pena de multa."
XXI - Pelo que, não tendo existido qualquer lesão no corpo ou saúde do ofendido, que apenas referiu que lhe caíram dois botões da camisa, jamais o arguido poderia ter sido condenado por este crime, não se encontrando preenchidos os requisitos do tipo legal de crime.
XXII - Cientes de que o bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana, que "in casu” nenhuma sequela ou dor sofreu, o que aliás escorre dos depoimentos quer do ofendido quer da testemunha seu colega agente da GNR, que até afirmou que esteve com ele no dia seguinte e aquele nem sequer se queixou, basta ouvi-los.
XXIII - A este propósito já andou bem o Tribunal da Relação de Lisboa: ­Por ofensa no corpo deve entender-se toda a perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas; todo o mau trato através do qual a vitima é prejudicada no seu bem estar físico de forma não insignificante. - vide Ac. RL de 19 de Junho de 2001,- CJ XXVI, tomo 3, 150);
XXIV - Face ao que se deixou dito, tendo apenas resultado em provado que o arguido desferiu um empurrão e que em consequência disso o ofendido apenas se desequilibrou e desceu dois degraus de uma escada, sem qualquer consequência física, ou s6:luer dor, com relevância penal, não se poderia ter subsumido aquele ilícito peral à conduta do arguido.
XXV - Pelo que ao condenar-se o arguido pelo crime de ofensas à integridade física qualificada no caso em apreço viola frontalmente o artigo 145.° nº 1 ai) a) e n.º 2, por referência ao 132, n.º 2 al) a) ambos do C.P.
XXVI - Com efeito, se tivesse sido efectuada uma correcta interpretação dos depoimentos acima referidos, teria forma incontornável de ser absolvido o arguido do crime de ofensa à integridade física qualificada.
XXVII - Razão pela qual se impunha decisão diferente, absolvendo-se o arguido.
XXVIII - Ao não se decidir assim, e face à ausência de prova produzida, foi violada de forma grave os direitos de acesso à justiça e tutela jurisdicional efectiva e garantias de defesa do arguido vertidos nas normas dos artigos 1.°, 2.°, 13°, 16,°, 20.º e 202.° e seguintes da Constituição da Republica Portuguesa, e ainda os artigos 7°, 10° e 11 ° nº1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XXIX - (Quanto de Condução de veiculo em estado de Embriaguez): não foi, produzida qualquer prova credível (e impugnada em II) que de acordo com a experiência comum, em audiência de julgamento que o arguido tenha praticado do crime de condução sob o estado de embriaguez. Existindo, isso sim, por parte do meritíssimo juiz um notório erro na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
XXX - O que só por si arrasa por completo o vertido pelo senhor juiz a quo, na sua douta sentença, quando refere que “o Tribunal baseou a sua convicção na análise critica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras de experiência comum. . ."
XXXI - O princípio da livre apreciação prova que vigora no ordenamento
jurídico português, embora com excepções (denominada prova legal), não significa, desde logo, que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e a arbitrário decidindo como entender sem sustentação fáctica, e portanto sem fundamentação, como acontece com a sentença sub judice
XXXII - Relevando ainda erradamente o excelentíssimo juiz a quo na sua motivação, em violação frontal ao princípio in dubio pro reu, as considerações dos elementos da GNR únicas testemunhas e fiscalizadores no caso em apreço, um deles ofendido, o que desde logo afasta a credibilidade e a isenção dos seus depoimentos.
XXXIII - Outrossim, diz-nos a experiência comum que o arguido, não teria entrado na viatura de livre vontade para se dirigir ao posto da GNR sem que, os agentes da GNR o tivessem ordenado.
XXXIV - O arguido com receio de cometer um crime de desobediência acedeu, e conduziu o veicule até às instalações da GNR, onde foi submetido ao exame de despistagem de álcool.
XXXV - Encontrando-se o arguido a dormir dentro da viatura, o que os Senhores Agentes da GNR confirmaram nas suas declarações, tendo estes actuado como um "agente provocador", face à ironia e má disposição do arguido, ordenando-lhe que dirige-se ,ré ao posto da GNR de Anadia.
XXXVI - O que sai reforçado, com as próprias declarações do agente B... prestadas em audiência de julgamento - Conf gravação em suporte digital da testemunha B...ao minuto 10 07, do dia 06-05-2011 e acta do mesmo dia - cujo teor se reproduz parcialmente: " , ele entrou na viatura, pôs a viatura a funcionar e nós afastámo-nos."
XXXVII - Assim, os senhores da GNR, que cientes que tinha ingerido bebidas alcoólicas, apresentando um hálito etílico, nem sequer tentarem impedir ou advertir o arguido de que não podia conduzir, (e pelo caminho que percorreram até ao posto da GNR, ainda foram autuando o arguido das diversas contra­ordenações que iam presenciando, condução perigosa, etc), "O Agente provocador convence outrem ao crime, determina a vontade o acto ilícito". - neste sentido conferir Ac, do Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 00P2752 n.º convencional JSTJ00041068 acessível em www.dgsi.pt.
XXXVIII - O arguido não estava consciente ou em condições de discernir
com clareza - pois encontrava-se indisposto dentro da viatura, conforme declararam os Senhores agentes - se iria cometer ou não um ilícito.
XXXIX - Ademais, os senhores agentes da GNR nada fizeram para advertir ou impedir o arguido, diminuído nas suas capacidades físicas, para que este conduzisse até ao posto, actuando aqueles como verdadeiros agentes provocadores,
XL - Com efeito, se tivesse sido efectuada uma correcta interpretação dos depoimentos acima referidos, teria de forma incontornável de ser absolvido o arguido do crime de condução sobre o estado de embriaguez.
XLI - E mesmo que assim não se entendesse, deveria ter sido relevado o facto de o arguido estar embriagado e diminuído nas suas capacidades, sem consciência da ilicitude, que quanto mais não fosse sempre seria uma atenuante, quer do quantitativo da pena quer sanção acessória que lhe foi aplicada, perto do limite máximo (7 meses).
XLI - A condenar-se o arguido no crime de acima referido, forçosamente deveria ter-se tido em consideração as atenuantes supra expostas, sendo que as mesmas deveriam ter sido relevantes na aplicação da pena e da sanção acessória, o que se requer.
XLIII - Ainda que mio competisse ao arguido provar a sua inocência, na nossa modesta opinião, analisados os elementos probatórios que temos vindo a descrever não poderia ter sido julgada provada a matéria factual que aqui foi objecto de impugnação,
XLIV - E se ainda assim essa prova não fosse plenamente ilustrativa do não cometimento do crime de condução em estado de embriaguez - e é de forma evidente - sempre a mesma serviria para revelar de forma clara que a actuação do arguido não se subsume à pena que lhe foi aplicada, assim como aos 7 meses de inibição de condução que lhe foram aplicados a título de sanção acessória, manifestamente excessivos, impondo-se decisão diferente.
XLV - Ou pelo menos o contrabalanço de tais elementos probatórios que são contraditório sempre teria em razão do principio constitucional in dubio pro reo de pender em benefício do arguido e nunca em prole da acusação,
XLVI - Razão pela qual, se entende que a douta sentença, pelo menos violou o princípio constitucional in dubio pro reo.
XLVII - Além de que houve um erro notório na apreciação da prova e uma contradição insanável na fundamentação no acórdão recorrido.
XLVIII - Sendo também evidente que não deveria ter sido julgada provada a matéria de facto que é objecto de impugnação neste recurso, e afinal deveria ter sido o arguido absolvido, ou se assim não se entender deveria a pena e a sanção acessória, pelo crime de inibição de condução serem reduzidos, para perto dos limites mínimos.
XLIX - Ao não se decidir ir assim, e face à ausência de prova produzida, foi violada de forma grave os direitos de acesso à justiça e tutela jurisdicional efectiva e garantias de defesa do arguido vertidos nas normas dos artigos 1°, 2,°, 13°, 16,°, 20,° e 2020 e seguintes da Constituição da Republica Portuguesa, e ainda os artigos 7,°, 10,° e 11,° n,º1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termos em que, e nos mais de direito que V. Exas mui doutamente suprirão,
Deve dar-se provimento ao presente recurso e, como consequência:
A) Deve ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido A..., na prática de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 07 meses, substituindo-se a mesma por outra que o absolva ln totum, ou se assim não se entender, que as mesmas penas sejam reduzidas para os seus montantes mínimos legalmente previstos.
B) Deve ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, e o condenou na pena de 3 meses de prisão substituída por noventa dias de multa à taxa diária de 6 euros num montante total de 540,00 Euros, substituindo-­se a mesma por outra que o absolva in totum.
Assim se fará
Justiça

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova foi documentada,

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão:

1. No dia 09 de Setembro de 2010, cerca das 23h50m, o arguido conduziu um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula 04-99-FG, desde a Praça do Município, em Anadia, até ao Posto da G.N.R. de Anadia, onde entrou, circulando, designadamente, pela Rua Engenheiro Tavares da Silva, em Anadia, com uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de 1,70g/l.
2. Uma vez no interior do Posto da G.N.R. de Anadia, e ao ser interpelado pelo militar da G.N.R. C…, que se encontrava devidamente uniformizado e trazia consigo o aparelho de pesquisa de álcool no ar expirado, para que efectuasse o teste de alcoolemia, o arguido desferiu-lhe um empurrão com ambas as mãos na zona do peito.
3. Como consequência dessa conduta do arguido, o ofendido C... desequilibrou-se e desceu, desamparado, dois degraus de uma escada.
4. Logo após ter empurrado o militar C... da forma descrita, o arguido ainda tentou abandonar as instalações do Posto da G.N.R. de Anadia, no que foi impedido por aquele e por mais outros dois militares da G.N.R.
5. O arguido conhecia as características do referido veículo e do local onde conduzia, sabendo, também, que tinha uma T.A.S. sangue igual ou superior a 1,2g/l e, não obstante, decidiu conduzir o veículo nessas circunstâncias.
6. Sabia que o ofendido C... era militar da G.N.R. e se encontrava no exercício das suas funções.
7. Agiu com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e a saúde desse ofendido.
8. Sabia, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
9. O arguido é casado; vive com a mulher e dois filhos dependentes; habitam em casa arrendada por € 240,00 mensais; a mulher trabalha como empregada de limpeza, auferindo cerca de € 140,00 mensais; e o arguido trabalha como operador de máquinas, auferindo cerca de € 770,00 mensais.
10. O arguido é socialmente considerado como calmo e habitualmente bem-humorado.
11. Do registo criminal do arguido consta a seguinte condenação:
Processo
Factos
Decisão
Trânsito
Crimes
Penas
Estado
427/05.1GBAND
Sumaríssimo
Anadia-J.I.C.
15-07-2005
29-03-2006
29-03-2006
C.V.E.Embriaguez
(292.º/1, 69.º/1 CP)
Multa-90 dias+
P.A.P.C.-4 meses
Multa paga
a 03-11-2006
P.A.P.C.-finda

II – MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
O Tribunal baseou a sua convicção na análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente:
Quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez:
Os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas: C... e B...; Guardas da G.N.R.; que sabem dos factos porque foram eles que procederam à acção de fiscalização ao arguido; em conjugação com os documentos junto aos autos, nomeadamente os documentos de fls.3 a 8 quanto ao resultado do exame para detecção do estado de influenciado pelo álcool a que o arguido foi submetido e quanto à concreta T.A.S. de que era portador.
Quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada:
O depoimento sério e credível do ofendido C...; corroborado pelo depoimento isento e credível da testemunha B...; os quais relataram o desenrolar dos factos ocorridos no interior do Posto da G.N.R. de Anadia.
*
O arguido prestou declarações apresentando uma versão dos factos segundo a qual sobre si não recaía qualquer responsabilidade. Versão que não teve apoio em qualquer outro meio de prova, é contrária às regras da experiência comum, e resultou desmentida pelos depoimentos das testemunhas.
Deste modo, as declarações do arguido foram valoradas positivamente apenas quanto às suas condições pessoais.
*
O depoimento da testemunha ... quanto ao carácter e à personalidade do arguido.
*
Foi ainda valorado o C.R.C. quanto a condenações criminais registadas.
*

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados;
- Se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de ofensa à integridade física qualificada;
- Se a pena aplicada é excessiva;


Questão Prévia
As conclusões apresentadas pelo recorrente sofrem de algumas deficiências.
Dispõe o art 412 nº 1 do CPP que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Ora, o recorrente volta a alegar de facto e de direito como o fez na motivação apresentada. O recorrente, sem qualquer ordem repete, novamente, o que em sede de motivação já tinha dito.
Ora, as conclusões têm que ser precisas, claras e concisas, porque são apenas as questões ali colocadas que vão ser objecto de decisão.
As conclusões do recurso têm que ser um resumo dos fundamentos por que se pede o seu provimento e tem como finalidade que elas se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo Tribunal de recurso.
Dispõe o art 417 nº 3 do CPP que se a motivação não contiver conclusões ou estas não forem conforme ao exigido por lei o relator convida o recorrente a a apresentar novas conclusões sob pena de o recurso ser rejeitado.
Já a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem decidido que em caso de omissão das conclusões ou de deficientes conclusões deverá ser feito convite aos recorrentes para a correcção das motivações que apresentem deficiência e no que respeita às conclusões não se justificando, a imediata, rejeição do recurso.
Ora, no caso “sub judice”, a motivação apresenta deficiências em matéria de conclusões mas, da leitura das mesmas retira-se, sem dúvidas, qual o objecto do recurso sendo manifestamente, inútil um convite à correcção.
Assim, tem-se como sanada, tal deficiência

Sustenta a recorrente que foram incorrectamente julgados os factos dados como provados e no que respeita ao crime de condução sob o estado de embriaguez. Para tal, baseia-se em partes das declarações do arguido e em partes dos depoimentos das testemunhas C... e B....
Portanto, o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto pretende que o Tribunal faça tábua rasa às declarações prestadas pelo arguido e pelas referidas testemunhas no seu conjunto. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
« Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e como já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.

Sustenta o recorrente que se encontrava estacionado e a dormir quando foi abordado pelos agentes da GNR. E que foi um agente da GNR que bateu no vidro e lhe solicitou a carta de condução e lhe perguntou o que estava ali a fazer e que tinha que “soprar” e que para isso tinha de os acompanhar ao posto. Portanto, só conduziu porque a GNR ordenou que conduzisse o veículo até ao posto.

Contudo, depois de se ouvir o depoimento das testemunhas acima referidas, concluímos que bem andou o tribunal ao condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

O arguido apenas referiu partes do depoimento das testemunhas esquecendo-se do que as mesmas declararam ao Mº Pº.

Assim:
A testemunha C...a instância do Mº Pº referiu: MºPº - Diga de forma objectiva o que se passou?
-Test. …o arguido saiu do carro e não nos quis facultar a carta … foi ao carro buscar os demais documentos e estava em cima do capot a ver os documentos, de repente, sem estarmos à espera, o arguido diz: eu sou cá da terra e não tenho que vos mostrar nada, vou ao posto e vou-vos lixar, depois abre a porta, arranca e mete-se a acelerar, numa condução perigosa até ao posto.
MP- Não foram os senhores que lhe disseram para ele ir ao posto?
Test- não, não, ele foi por sua iniciativa própria.
MP- Não foram os senhores que o mandaram sair?
Test- Não, não, ele foi por sua iniciativa, nós estávamos a fiscalizar e ele seguiu virado ao posto.
Testemunha B...:
MP- O que se passou?
Test:- ... foi fiscalizado, ele disse que ia fazer queixa de nós ao posto.
MP- Ele colaborou com a fiscalização
Test.- Não, ele foi mal educado, reagiu mal, disse que não dava a carta porque era dele, a nossa preocupação ( na abordagem) era saber se o arguido estava bem, ele nunca foi cooperante, decidiu arrancar com o veículo virado ao posto, ele depois no posto argumentou que esteve a ser perseguido.
MP- . Foram os senhores que o mandaram ir ao posto?
Test- Não, tenho al certeza, nós tivemos de nos afastar do carro, ele antes disse, você está a gozar comigo, eu vou lá em cima ao posto, entrou na viatura e arrancou de livre e espontânea vontade, fez uma condução perigosa e levantamos dois autos de contra-ordenação.
MP- Perderam-no de vista no trajecto para o posto?
Test- Não, não.

Como refere, o Prof. Enriço Altavilla, “o interrogatório, como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, Vol II, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 3ª edição, pg 12.

Por outro lado é de notar que as declarações do arguido e das testemunhas, ao contrário da interpretação subjectiva feita pelo recorrente na motivação do recurso, não é inverosímil, nem foge às regras da experiência comum atendendo a todo o circunstancialismo envolvente.

Nada impede pois que o Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade ao depoimento das testemunhas.
É evidente que os agentes da GNR não funcionaram como agentes provocadores como pretende recorrente. Eles agiam no âmbito das suas funções e procuravam fiscalizar o arguido.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juizes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

Também não tem razão o recorrente quando refere que não se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de ofensa à integridade física qualificada.
Resulta dos factos provados que:
“Uma vez no interior do Posto da G.N.R. de Anadia, e ao ser interpelado pelo militar da G.N.R. C…, que se encontrava devidamente uniformizado e trazia consigo o aparelho de pesquisa de álcool no ar expirado, para que efectuasse o teste de alcoolemia, o arguido desferiu-lhe um empurrão com ambas as mãos na zona do peito”.
“Como consequência dessa conduta do arguido, o ofendido C... desequilibrou-se e desceu, desamparado, dois degraus de uma escada”.
“Sabia que o ofendido C... era militar da G.N.R. e se encontrava no exercício das suas funções”.
“Agiu com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e a saúde desse ofendido”.
“Sabia, igualmente, que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal”.
Dos factos apurados não há dúvidas de que se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de ofensa à integridade física. O facto de não haver lesões não significa que o crime não se consumou. O arguido ao empurrar o ofendido, provocou-lhe com toda a certeza dor, mau estar e no caso vertente, desequilíbrio. Portanto, foi o ofendido prejudicado no seu bem estar físico de uma forma significante e não o contrário, como pretende o recorrente.

Sustenta, ainda, o recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação.
O recorrente incorre no erro usual de tratar os vícios do art. 410 nº 2 do CPP, como verdadeiros vícios do julgamento, o que não está certo. Os vício do art. 410 nº 2 do CPP, não podem ser tratados como vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão.
“Errada apreciação das provas não é o mesmo que erro notório na apreciação da prova, sendo que este vício só releva se identificável no texto da decisão recorrida, art. 410 nº 2 do CPP. A errada apreciação da prova é algo de muito diverso, configura erro no julgamento, o que não é detectável no texto da decisão recorrida e só pode ser averiguado se ocorrer, impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412 nº 3 e respectivas alíneas. (ac da RP cit).
Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art. 410 nº 2, nomeadamente, o do erro na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação, está patente na decisão recorrida.
Na verdade, só se pode falar de erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum” (Ac do STJ de 15/4/1998 no BMJ nº 472, pag 407) ou, ainda, “Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária á que chegou o tribunal” (Ac STJ de 15/4/1998 no BMJ nº 476 pg 82).
Portanto, erro notório na apreciação da prova “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol III, pg 341).
Assim sendo, lendo os factos provados e a fundamentação temos de concluir que não houve erro na apreciação da prova, tal como já referimos. Não se pode confundir como faz a recorrente, “erro notório” “com uma diferente convicção probatória relativamente aos elementos analisados em audiência. Como se refere no Recurso nº 854/2000 desta Relação “o vício de erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”.
Por outro lado, só há contradição insanável da fundamentação quando:
- se afirma e se nega ao mesmo tempo uma coisa ou uma emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas.
- sobre o mesmo facto ou sobre a mesma questão, constam, do texto da decisão posições antagónicas e inconciliáveis (Proc. 306/96 de 22/5/96);
- haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem versarem a mesma realidade (proc. 48731 de 25/9/96);
- tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto (Proc. 440/96 de 3/10/96).
Ora, não se verifica qualquer contradição e muito menos insanável e só neste caso é que estaríamos perante um vício da sentença (art 410 nº 2 al b) do Código Processo Penal).
Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art 410 nº 2, do CPP, está patente na decisão recorrida.

Sustenta o recorrente que atendendo aos depoimentos das testemunhas, contraditórios, paira a dúvida sobre a imparcialidade e isenção da prova testemunhal. Assim, a única certeza que o julgador deve ter é a da existência e da obrigatoriedade da aplicação do princípio constitucionalmente assegurado da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”.
A presunção da inocência é identificada com o princípio “in dubio pro reo”, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac STJ de 2/5/996 in CJ, ASTJ, Ano VI, 1º, pg, 177).
No caso “sub judice”, não há lugar a aplicação de tal princípio. Na verdade, as provas existentes nos autos são deveras convincentes e não criaram ao tribunal recorrido qualquer dúvida que levasse o mesmo a socorrer-se do referido princípio, de molde a proferir um juízo decisório favorável ao arguido.

Sustenta o recorrente que as penas aplicadas devem ser reduzidas.
No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arte 40, 70 e 71 do Código Penal.
Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso vertente, o tribunal ponderou as exigências de prevenção geral e especial, as consequências do crime, ao passado criminal do arguido, aliado a toda a actuação do arguido.
Atendendo ao grau de ilicitude dos factos, o dolo directo e intenso bem andou o tribunal optando pela penas acima referidas que não nos merecem qualquer censura por estas se mostrarem adequadas, proporcionais e equilibradas.

O recorrente requer a redução do período de inibição que lhe foi aplicado.
A graduação da medida concreta da pena acessória é efectuada em função dos mesmos factores que determinam a graduação da pena principal, ou seja, nos termos do disposto no art. 71 do Código Penal com a excepção de que finalidade a atingir é mais limitada, dado que a sanção em causa tem apenas em vista prevenir a perigosidade do agente.
“Assim sendo, a determinação da medida da pena acessória (período de tempo de inibição de condução) deve ser concretizada tendo em vista apenas uma das finalidades subjacentes às penas em geral (art. 40 nº 1 do Código Penal) qual seja a de protecção dos bens jurídicos e já não também a da reintegração do agente na sociedade” (Ac Rel Coimbra, recurso nº 187/97).
No caso vertente o comportamento do recorrente é merecedor de um juízo de censura já que este se dispôs a conduzir um veículo automóvel sabendo que o fazia com um grau de alcoolemia superior ao previsto no art 292 do Código Penal, indiferente ao perigo que daí advinha para si e para todos os outros utentes da via.
As necessidades de prevenção quer geral, quer especial, não são de descurar pois, como é de conhecimento público, grande parte dos acidentes do nosso país deve-se, sobretudo, à condução de veículos em estado de embriaguez. Por outro lado, a TAS de que o recorrente era portador – 1,70 g/l – está acima do mínimo criminalmente punível.
Sopesando todas as circunstâncias nenhum reparo existe no que respeita à pena acessória. Aliás, será de perguntar se se aplicasse ao arguido a pena acessória mínima, ou seja, 3 meses quanto seria de aplicar a quem conduzisse com uma TAS de 1,2 g/l e sem passado criminal por crime idêntico ao dos autos?

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)



Coimbra,


Alice Santos


Belmiro Andrade