Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2106/11.1TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ANULAÇÃO DO JULGAMENTO
AMPLIAÇAO DA MATÉRIA DE FACTO
MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 10/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 423 Nº2 E 3, 511, 662 Nº2 C) CPC
Sumário: Tendo sido anulada a sentença e ordenada a ampliação da matéria de facto, com repetição do julgamento nessa parte – artigo 662.º, n.º 2. al. c), do CPC –, é permitido às partes indicarem novas testemunhas no caso dessa matéria aditada não constar dos articulados, sem prejuízo da norma do artigo 511.º do CPC que estabelece um limite máximo ao rol de testemunhas, sendo também admissível a junção de documentos, nos termos dos n.º 2 e 3 do artigo 423.º do CPC.
Decisão Texto Integral: *

Sumário:

Tendo sido anulada a sentença e ordenada a ampliação da matéria de facto, com repetição do julgamento nessa parte – artigo 662.º, n.º 2. al. c), do CPC –, é permitido às partes indicarem novas testemunhas no caso dessa matéria aditada não constar dos articulados, sem prejuízo da norma do artigo 511.º do CPC que estabelece um limite máximo ao rol de testemunhas, sendo também admissível a junção de documentos, nos termos dos n.º 2 e 3 do artigo 423.º do CPC.


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Recorrente …………………..J (…) e L (…)

Recorridos……………………..R (…) e P (…)

Melhor identificados nos autos.


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto pelos Autores e respeita ao seguinte despacho:

«Compulsados os autos verifica-se que, na sequência do despacho de 21.11.2019, cada uma das partes apresentou dois requerimentos, sendo o primeiro a pronuncia relativamente ao despacho proferido e os subsequentes, a tomada de posição quanto aos requerimentos apresentados pelas partes contrarias.

Admitindo-se que os RR se poderiam vir pronunciar quanto aos documentos cuja junção foi requerida pelos AA, no cumprimento do contraditório – sendo que tal só deveria ser possível após despacho para o efeito, - o certo é que o ultimo requerimento apresentado pelos AA já não diz respeito ao cumprimento de qualquer contraditório. Para além de não resultar de qualquer notificação, não assiste aos AA qualquer direito a se pronunciarem quanto à pronuncia anterior dos RR.

Assim, por ausência de fundamento legal para o efeito, determina-se o desentranhamento dos autos do ultimo requerimento apresentado pelos AA.


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Por douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, foi decidido: “anular a decisão da 1.ª Instância e determinar a repetição do julgamento e a inspecção judicial, devendo aquele abarcar a factualidade atinente à acima enunciada ampliação relativa à servidão em causa, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.”

Havendo modificação da matéria de facto deve proceder-se nos termos enunciados no n.º 3 do art.º 662.º do CPC.

Assim:

 “a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;

b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.”

Ora, o douto tribunal determinou a repetição do julgamento, o que implica, necessariamente que sejam novamente produzidos os meios de prova anteriormente produzidos, e, designadamente a inspeção judicial. Não está em causa a qualquer repetição parcial com aditamento de matéria de facto a justificar novo julgamento com produção de prova nova relativamente e eles.

Assim, não é legalmente admissível a alteração do requerimento probatório apresentado nos autos pelo AA, tanto mais que extravasa o teor do despacho que determinou a sua notificação. Ademais, admitir-se tal alteração permitia a realização de um novo julgamento permitindo ás partes virem indicar nova prova em conformidade com os seus interesses, o que se quer de todo evitar.

Pelo exposto não admito a alteração do requerimento probatório apresentado pelos AA.

Notifique e após desentranhe dos autos os documentos apresentados e devolva».

b)  As conclusões do recurso interposto por parte dos Autores são as seguintes:

«1. O douto despacho de 2020-03-09 recusou a alteração do rol de testemunhas e a junção de documentos requeridos pelos autores, quando os deveria ter admitido.

2. Este requerimento probatório seguiu-se à ampliação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação e é necessário para os autores levarem ao processo meios de prova úteis para provar factos abrangidos nessa ampliação da matéria de facto.

3. Além disso, haverá neste processo lugar a repetição de julgamento, e por um juiz diferente daquele que conduziu o primeiro julgamento, pelo que o princípio da plenitude da assistência do juiz e a ratio das normas do CPC que regulam a alteração de requerimentos de prova determinam, como aliás é há muito pacífico na jurisprudência, que deve poder ser acrescentada nova prova, por esta não constituir obstáculo ao andamento da audiência.

4. No douto despacho sob recurso, o Tribunal a quo fundamentou a sua posição com o seu entendimento do art. 662.º do CPC, concluindo que é de evitar as «partes virem indicar nova prova em conformidade com os seus interesses», norma que no entanto não estabelece nenhum comando que permita concluir que não é admissível a junção de nova prova numa situação com estas características e, portanto, é insusceptível de por si só determinar se pode ou não ser feito novo requerimento probatório.

5. Ao não notificar as partes para juntarem prova face aos novos factos e vindo, ao invés disso, indeferir o requerimento probatório dos autores, o Tribunal a quo violou o direito à prova (ínsito no art. 20.º, n.º 1 da Constituição) e os artigos 598.º, n.º 2 e 423.º, n.º 3, in fine do CPC, normas que, essas sim, tinham aplicação na presente situação.

6. Outra questão: o despacho recorrido ordenou também o desentranhamento do requerimento dos autores no qual estes exerciam o seu ónus (descrito no art. 445.º, n.º 2 do CPC) de requerer prova para convencer da genuinidade de documento.

7. Este requerimento visava responder à posição dos réus sobre a junção de um documento, pois estes vieram impugnar um dito documento manuscrito, por desconhecerem «se a letra e assinatura do dito documento foram feitas pelo pai da Autora mulher e Réu marido» e também suscitando a desconformidade entre a pública-forma apresentada pelos autores e o documento representado nessa pública-forma.

8. O despacho recorrido, sem se apoiar em qualquer norma, considerou que os autores estavam a “responder a uma resposta”, mas na verdade estavam sim a exercer o seu contraditório no âmbito de um incidente.

9. O douto despacho recorrido violou, por estas razões, os artigos 445.º, n.º 2 e 3.º, n.º 3 do CPC, normas que deveriam ter aqui sido aplicadas.

Indicação das peças do processo de que pretendem certidão para instruir o recurso (art. 646.º, n.º 1 do CPC): (...).

Nestes termos, e nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se a mesma por nova decisão que admita o requerimento de prova (alteração do rol e alteração de documentos) dos autores e o requerimento dos autores em que requerem prova face à posição dos réus quanto ao documento apresentado. Assim se fazendo JUSTIÇA.

c) Contra-alegaram os Réus no sentido de ser mantido o despacho porquanto no caso não estamos perante a realização de um novo Julgamento, mas sim da repetição do julgamento realizado, com produção da prova anteriormente já produzida nos autos, como resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 3, al. b) do CPC.

Tal impedimento justifica-se, dizem, porque neste segundo julgamento sendo conhecido já o teor do depoimento das testemunhas inquiridas no julgamento já realizado, bem como o teor da sentença, as partes poderiam vir indicar nova prova em conformidade com os seus interesses e de molde a obter agora decisão mais favorável.

Acresce que não há no caso em apreço introdução de matéria nova, pretendendo-se apenas a «descrição sobre os pontos concretos do traçado do caminho da serventia no percurso do prédio do Réu, incluindo pois, os precisos locais, onde, nesse prédio, se inicia e finda, e, por outro lado, o local onde, no prédio da Autora, se acede a esse caminho» (Cfr. página 54 do Acórdão).

Tal ampliação versa, sobre matéria de facto já alegada e discutida nos autos.

Quanto aos documentos referem que o despacho deve manter-se, porquanto a «Declaração» já foi junta anteriormente e rejeitada e os restantes não respeitam à matéria cujo aditamento foi ordenado.

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o presente recurso coloca estas questões:

1 – A primeira consiste em saber se a questão se saber se tendo sido anulada a sentença e ordenada a ampliação da matéria de facto, com repetição do julgamento nesta parte, é permitido às partes indicar novas testemunhas e documentos.

2 – A segunda respeita à rejeição dos documentos juntos pelos Autores após a notificação do tribunal para efeitos de designação de nova audiência de julgamento, estando em causa 13 documentos, sendo o último deles a «Declaração» manuscrita que juntaram com as alegações de recurso, documentos que o tribunal não admitiu e mandou desentranhar.

3 – A terceira respeita à não admissão do contraditório por parte dos Autores ao incidente de impugnação que os Réus moveram ao último documento junto identificado já como «Declaração».

III. Fundamentação

a) Matéria a considerar

A matéria a considerar é a que consta do relatório que antecede.

b) Apreciação das questões objeto do recurso

Vejamos então se anulada a sentença e ordenada a repetição do julgamento para ampliação da matéria de facto, é permitido às partes indicar novas testemunhas relativamente aos factos dessa ampliação.

1 - A solução será a que se conformar com o direito da parte indicar prova e esse direito está logicamente dependente da existência de matéria factual sobre a qual não tenha ainda sido exercido esse direito.

Por conseguinte, se há matéria nova a indagar, mas não expressamente alegada, compreendida, claro está, na causa de pedir (factos instrumentais e complementares), sobre a qual as testemunhas inquiridas naturalmente não se pronunciaram, é de admitir a indicação de novas testemunhas, porquanto as partes não estavam a contar com tais factos.

Não há perigo da parte se servir daquilo que já sabe que foi antes dito pelas testemunhas já inquiridas porque estamos perante factos novos.

Se se trata de ouvir as testemunhas a matéria alegada nos articulados, não será de alterar o rol porque as partes já indicaram as testemunhas contando que seriam ouvidas a essa matéria.

2 - A questão em apreço no âmbito do anterior Código de Processo Civil mereceu soluções opostas nos tribunais superiores.

 No sentido de não ser permitida a indicação de novas testemunhas pronunciou-se, p. ex., o acórdão da Relação de Coimbra de 3-4-90 (C.J. XV-II-59), ponderando-se que «Quando as partes são notificadas nos termos do artigo 512.º do CPC para indicarem provas, são-no em relação aos factos que alegaram e careçam de ser provados, quer eles tenham sido incluídos no questionário, quer não tenham sido» (Cfr. também acórdão do Tribunal da relação de Lisboa de 5-5-81 (B.M.J. 312-303) e acórdão da Relação de Coimbra de 4-3-86 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XI-2-52).

Argumentou-se neste acórdão que no caso não ocorria lacuna legal, na medida em que a lei quando entendia que devia ser apresentada prova, prova nova, dizia-o expressamente, como ocorria, por exemplo, no caso dos articulados supervenientes (hoje artigo 588.º) ou no incidente de falsidade (cfr. atual artigo 445.º).

Acrescia, argumentava-se então, que a norma do artigo 512.º do CPC, relativa à apresentação do rol de testemunhas, não podia ser cumprida segunda vez, porquanto o rol de testemunhas não podia ser adicionado com mais testemunhas (posteriormente a este acórdão a lei de processo foi alterada e veio a admitir a alteração e adição de testemunhas, tal como dispõe hoje o artigo 598.º, n.º 2 do CPC).

No sentido de poderem ser ouvidas testemunhas novas, a novos quesitos, pronunciou-se o acórdão do S.T.J. de 19-1-82 (BMJ 313-301) tendo-se argumentado que podiam ser apresentadas testemunhas novas porquanto a norma que proibia o adicionamento do rol (artigo 619.º, n.º 2 do CPC de 1961) apenas respeitava aos factos que então se encontravam fixados no questionário, organizado consoante o disposto no artigo 511, n.º 1, do mesmo código, e não a outros factos que aí não constavam.

Este entendimento foi seguido no acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 20-6-91 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI-III-157), argumentando-se que as partes apresentaram o rol de testemunhas tendo em consideração os factos que constavam do questionário, pelo que vindo a ser aditados outros factos, o princípio do contraditório, que também vigora em relação à prova dos factos, determina que as partes possam indicar novas testemunhas a esses novos factos.

A este entendimento contrapunha-se (cfr. o referido acórdão Relação de Coimbra de 4-3-86) que os factos novos só podiam ser factos já alegados pelas partes nos articulados (como resultava dos artigos 650.º, n.º 2. al. f) e 664.º do CPC então em vigor), pelo que as partes quando eram notificadas para juntar o rol de testemunhas eram notificadas para apresentarem testemunhas em relação a todos os factos, quer os incluídos no questionário, quer os não incluídos, pois as partes sabem que há sempre a hipótese de factos excluídos do questionário poderem vir a ser aditados em audiência, pelo que não se justifica que se abra de novo a possibilidade de apresentarem novas provas.

3. Esta divergência veio a ser ultrapassada legislativamente através de nova redação introduzida pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, no artigo 650.º do CPC, que passou a conter, no seu n.º 3, a seguinte norma:
«Se for ampliada a base instrutória, nos termos da alínea f) do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, não sendo possível a indicação imediata, no prazo de dez dias».
4. O «questionário» fixava, embora de modo não definitivo, a matéria factual controvertida que iria ser submetida a prova, pelo que as partes de seguida indicavam as testemunhas a inquirir tendo em conta os factos do «questionário», pelo que se justificava que pudessem indicar novas testemunhas quando em fase de audiência de julgamento se aditassem factos ao «questionário».
Hoje as normas de processo não são idênticas às atrás mencionadas devido ao facto de ter desaparecido a peça processual «questionário», mas os princípios aplicáveis continuam a ser os mesmos.
O novo modo de organizar a sequência de atos processuais ao eliminar o «questionário» implicou que as partes ao apresentarem o rol de testemunhas, nos termos previstos no artigo 552.º, n.º 2 (com a petição inicial) e 572.º, al. d) (com a contestação), com possibilidades de alteração do rol até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (n.º 2 do artigo 598.º do CPC), as indiquem a todos os factos articulados.
Neste modo de organização dos atos processuais podem ocorrer duas situações em consequência da anulação da sentença e repetição do julgamento ordenado pelo tribunal da Relação:
(I) Num caso, a Relação anula a sentença e determina que e proceda ao julgamento dos factos que já constavam dos articulados, os quais, porém, não foram objeto de julgamento, ou seja, tais factos foram alegados, mas não constam dos factos «provados» nem dos factos «não provados» fixados na sentença.
Neste caso, não há justificação para a parte gozar do direito de indicar novas testemunhas porque a parte quando indicou as testemunhas, indicou-as tendo em consideração que esses factos iriam ser objeto de prova.
(I) Noutro caso, a Relação anula a sentença e ordena o pronunciamento do tribunal sobre factos que não constam dos articulados, mas são considerados necessários para a boa decisão da causa.
Este caso pode ocorrer porquanto se encontra expressamente previsto no n.º 2 do artigo 5.º do CPC, que «Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; …».
Neste caso, já se justifica que a parte possa indicar novas testemunhas porque a parte quando indicou as testemunhas que indicou não lhe era exigível que tivesse tido em consideração factos que não estavam alegados.
Nesta hipótese, a justificação para a indicação de novas testemunhas deriva do princípio do contraditório.
O n.º 3 do artigo 3.º do CPC dispõe que «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Como referiu Manuel de Andrade, «O processo reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), muito embora se admita que as deficiências e transvios ou abusos de actividade dos pleiteantes sejam supridos ou corrigidos pela iniciativa e autoridade do juiz. Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultado de umas e outras» - Noções Elementares de Processo Civil (Nova edição revista e actualizada). Coimbra Editora, 1979, pág. 379.
O princípio do contraditório atravessa, pois, todos os atos, desde a alegação dos factos, à prova dos factos e à subsunção dos factos ao direito.
Uma última nota tem a ver com as normas do artigo 511.º do CPC, onde se estabelece um limite ao número de testemunhas que é possível inquirir, ou seja, 10 testemunhas para a ação, outras tantas para a reconvenção e igual número para a contestação, sem prejuízo, diz o n.º 4, do juiz, por decisão irrecorrível, admitir a inquirição de testemunhas para além deste limite, atendendo à natureza e extensão dos temas da prova.
Por conseguinte, a eventual admissibilidade de indicação de novas testemunhas tem de respeitar este limite, ou seja, se já foram indicadas 10 testemunhas, já não é possível indicar mais.
5. Passando agora para a análise do caso concreto.

Verifica-se que o tribunal da Relação anulou a decisão da 1.ª Instância e determinar a repetição do julgamento, mas confinada naturalmente à factualidade que se entendeu estra em falta ou seja, como se refere no acórdão.
Os novos factos a apurar são estes:

«…descrição sobre os pontos concretos do traçado do caminho da serventia no percurso do prédio do Réu, incluindo, pois, os precisos locais, onde nesse prédio, se inicia e finda, e, por outro lado, o local onde, no prédio da Autora, se acede a esse caminho» (cfr. pág. 54 do acórdão).

Esta matéria não consta dos articulados.

Como se sustentou acima em termos abstratos, neste caso pode a parte indicar testemunhas para serem ouvidas a estes factos, sem prejuízo do limite estabelecido no mencionado artigo 511.º do CPC.

O mesmo vale para os documentos. Acrescendo que os mesmos podem ser apresentados até 20 dias da data em que se realize a audiência final, acrescendo, neste caso, o pagamento de multa, sanção inaplicável neste caso, que se afigura já resultar da parte final do n.º 2 do artigo 423.º do C.P.C., onde se dispõe que a parte não está sujeita a multa de mostrar que não pôde juntar até então o documento.

Procede, por conseguinte, o recurso nesta parte.

2 – A segunda questão respeita à rejeição dos documentos juntos pelos Autores após a notificação do tribunal para efeitos de designação de nova audiência de julgamento, estando em causa 13 documentos, sendo o último deles a «Declaração» manuscrita que juntaram com as alegações de recurso, documentos que o tribunal não admitiu e mandou desentranhar.

Cumpre desde já referir que se ignora o teor dos primeiros doze documentos porquanto não se encontram no processo eletrónico. O décimo terceiro é a «Declaração» manuscrita junta com as alegações.

(I) Começando por esta «Declaração».

Deve manter-se a sua rejeição pelas razões indicadas pelos Réus, os quais vieram alertar para o facto de tal documento já ter sido junto aos autos pelos Autores e rejeitado.

Verifica-se, com efeito, que em 2 de outubro de 2015 os Autores juntaram tal «Declaração» aos autos e depois de observado o respetivo contraditório foi proferido o seguinte despacho:

«O documento apresentado nos autos pelos AA., tendo em consideração as circunstâncias de elaboração do mesmo que foram por eles alegadas no requerimento em que fazem a sua junção aos presentes autos e a fls. 431 a 432, não constitui meio de prova relevante para a questão a decidir pelo que, ainda que fosse apresentado em tempo antes do encerramento da audiência de julgamento, em nada influiria na decisão da causa.

De facto, tendo a doação do imóvel em causa sido formalizada por escritura pública, o tribunal só podia atender à vontade dos doadores na exata medida em que tivessem exarado tal vontade nesse documento da doação.

Na verdade, impondo a lei a interpretação da declaração negocial no sentido do que seria entendido pelo declaratário normal, colocado naquela situação, o tribunal terá de seguir na interpretação do documento esse sentido geral que lhe seria dado por um declaratário normal se colocado naquela situação.

É, portanto, irrelevante em termos probatórios, não sendo prova admissível, a prova do sentido de declaração com base num documento, ainda que elaborado pelo doador, elaborado muitos anos depois da outorga da doação e consignado em documento informal.

Saliente-se que é o art.º 236º, n.º 1 do C. Civ. que determina o sentido da interpretação da declaração negocial de acordo com a vontade do real declaratário colocado naquelas circunstâncias,.

Por outro lado, é o art.º 221º, n.º 1 do C. Civ. que determina que as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial ou contemporâneas dele são nulas, salvo se a exigência de forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração.

Ora, neste caso, as declarações em causa, por se reportarem à especificação do objeto da doação, que é um bem imóvel, é ostensivo que tais especificações tinham de constar do respetivo documento autêntico de doação.

Logo, e salvo melhor entendimento, tais especificações do doador, feitas em documento informal elaborado vários anos após a formalização da doação, não tem qualquer valor probatório.

Por todo o exposto, ao abrigo do previsto nos art.os 236º, n.º1 e 221º, n.º 1 do C. Civ., por não configurar meio de prova admissível para o fim a que os AA. o destinam, não se admite o documento que foi apresentado nos autos pelos AA. a fls. 422».

Verifica-se, por conseguinte, que há caso julgado formal quanto à admissibilidade da apresentação do documento em causa, porquanto tal despacho era suscetível de recurso imediato, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, do CPC, e não foi interposto recurso.

Por conseguinte, quanto a este documento, o despacho recorrido, embora com base em fundamento diverso, deve manter-se.

(II) Quanto aos outros doze documentos.

Como se referiu, tais documentos não constam dos autos.

O tribunal entendeu que não havia fundamento para alterar os requerimentos probatórios já apresentados e, por isso, não admitiu os documentos, assim como não admitiu as testemunhas.

Afigura-se que o recurso deve ser provido nesta parte.

Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 423.º do CPC, «Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado».

Esta regra, aplica-se sem exceções, ou seja, aplica-se quer haja quer não haja anulação da audiência e repetição do julgamento.

O limite temporal está fixado nos 20 dias anteriores ao dia da audiência, sem prejuízo ainda dos casos excecionais previstos no n.º 3 do mencionado artigo.

Por conseguinte, cumpre revogar o despacho, não para admitir documentos sem mais, porquanto apenas se aprecia agora a legalidade da sua junção em termos de fase processual, mas para ser apreciada a sua junção nos termos gerais.

Com efeito, poderá existir fundamento para a condenação da parte em multa pela junção tardia, mas não há neste momento elementos para apreciar essa questão.

 (III) A terceira questão respeita à não admissão do contraditório por parte dos Autores ao incidente de impugnação que os Réus moveram ao último documento junto identificado já como «Declaração».

Improcede esta pretensão recursiva porquanto tendo sido rejeitada a junção da mencionada «Declaração», rejeição que aqui também de mantém, como acabou de se decidir, então o exercício do contraditório a que aludem os Autores deixou de ter objeto, ou seja, tal questão ficou prejudicada na sua apreciação devido ao facto de não se admitir a junção da referida «Declaração».

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e:

1 - Revoga-se o despacho recorrido na parte relativa ao aditamento do rol de testemunhas, o qual deverá ser substituído por outro que admita o aditamento do rol tendo em vista a ampliação da matéria de facto, sem prejuízo do limite legal imposto ao rol; revoga-se ainda o despacho recorrido na parte em que não admitiu os primeiros doze documentos com o fundamento aí invocado, devendo ser proferido despacho a apreciar a junção desses documentos.

2 – Mantém-se o despacho na parte restante.

3 – Custas pelos Autores na proporção de 2/3 e pelos Réus na proporção de 1/3.


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Coimbra, 20 de outubro de 2020

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo