Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
352/11.7GBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
CONDUÇÃO SOB EFEITO DE ESTUPEFACIENTES
INTERESSE PROTEGIDO
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 292º CP
Sumário: 1.- O interesse protegido no crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas previsto no artº 292º CP é a segurança da circulação rodoviária, das pessoas, da sua vida, da sua integridade física e dos seus bens;

2.- Conduzindo o arguido veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, comete apenas um crime.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I. Relatório:

No Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, foi submetido a julgamento, em processo Sumário, o arguido

A..., solteira, técnica administrativa, nascida a 04.05.1976, filha de B... e de C..., natural de ..., residente na ..., Oliveira do Bairro,

Pelos factos constantes da acusação de fls. 23-25, que aqui se dá por integralmente reproduzida, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 e 2 e 69º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.


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2. Por sentença de 23 de Maio de 2012, o tribunal decidiu:

“1. Condenar a arguida A...pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 560 (quinhentos e sessenta euros) e, subsidiariamente, 53 (cinquenta e três) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento;

2. Condenar a arguida A...pelo crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 2 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 560 (quinhentos e sessenta euros) e, subsidiariamente, 53 (cinquenta e três) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento;

3. Condenar a arguida A...na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 840 (oitocentos e quarenta euros) e, subsidiariamente, 80 (oitenta) dias de prisão, caso não efectue tal pagamento;

4. Condenar a arguida A...nas penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, previstas pelo artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses e 4 (quatro) meses, devendo cumprir sucessivamente tais penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor;

5. Condenar a arguida A...nas custas do processo, com taxa de justiça, que se fixa em 2 UC’s, e demais encargos do processo.”


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3. Inconformada, recorreu a arguida, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“I _ Ao contrário do que dispõe o n.º 1 do art.º 292° do CP para a condução de veículo em estado de embriaguez, o crime de condução sob o efeito de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo n.º 2 daquela norma, não constitui um crime de perigo abstrato.

Para a verificação do ilícito em causa, aquele n.º 2 impõe que o agente do crime não esteja em condições de conduzir com segurança.

Ou seja e como vem entendendo a jurisprudência, não basta a mera presença de substâncias psicotrópicas no corpo do condutor, sendo necessário que essa presença influencie e o torne incapaz de conduzir com segurança.

II _ De acordo com os depoimentos prestados em audiência de julgamento pela recorrente e pelo militar da GNR que tomou conta da ocorrência, não resulta qualquer elemento que conduza à conclusão de que a recorrente, aquando da produção do acidente (despiste automóvel), sabia que o consumo e/ou presença de substâncias estupefacientes no seu sangue a impediam de conduzir com segurança.

III _ Tal conclusão começa por resultar das passagens da gravação de áudio reportadas aos 02,27 e 04,50 minutos, respectivamente respeitantes aos depoimentos da recorrente e do agente policial, cujos teores estão reproduzidos na al. A) da motivação de recurso e que aqui se dão por reproduzidos,

IV _ Por outro lado, a prova documental junta de fls. 5 a 9 dos autos, mormente o relatório pericial elaborado pelo IML (fls. 5), apenas reporta a presença no sangue da recorrente de 31 ng/ml da substância 11-nor-9-carboxi-v(delta)9-tetrahidrocanabiol (THC-COOH), acrescentando-se nas observações que "O metabolismo da marijuana cuja presença foi confirmada ... é um componente inactivo, podendo persistir no organismo durante vários dias."

V - Nada ali consta - como não consta de qualquer outro elemento probatório trazido aos autos - sobre o estado da recorrente relativamente aos itens (anexo VII) a que alude o art.º 25° da portaria 902-B/2007, de 13/8, mormente, sobre o seu nível de consciência, comportamento motor, coordenação de movimentos ou reflexos.

VI _ À falta de qualquer depoimento prestado nesse sentido, só esse relatório permitiria ao Tribunal a quo concluir se a recorrente estava ou não em condições de conduzir com segurança.

VII _ Assim sendo, não estando demonstrado nos autos qualquer nexo de causalidade entre o consumo de estupefacientes e o acidente de viação ocorrido, deveria a recorrente ter sido absolvida da prática do crime p. e p. pelo art.º 292°, n.º 2 do CP.

VIII _ Conforme se extrai dos depoimentos prestados e do doc. 9 junto aos autos, a recorrente foi submetida a recolha de amostra de sangue no Hospital de Aveiro, para onde havia sido transportada de ambulância

IX _ Resulta do depoimento da testemunha, militar da GNR, que a recorrente foi transportada ao hospital sem que tenha sido submetida a exame de pesquisa de álcool expirado.

X _ Todavia, quer da prova testemunhal produzida, quer da prova documental junta de fls. 5 a 9 dos autos, extrai-se que a recorrente não só não se pronunciou previamente sobre a recolha de sangue para quantificação da taxa de álcool, como não foi informada do seu resultado.

Neste particular, os pontos 2 e 3 dos factos dados como provados pelo douto Tribunal a quo limitam-se a registar a taxa de álcool no sangue da recorrente e a quantidade de metabolito de marijuana, sem qualquer referência a outros elementos, mormente, se era ou não possível proceder a exame de pesquisa no álcool no ar expirado.

XI _ Como se não bastasse, a redação dos art.ºs 156.º, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE, resultou das alterações introduzidas pelos DL 44/2005, de 23/02 e 265-A/2001, de 28/9, sendo que estes diplomas não foram antecedidos de autorização legislativa.

Autorização que lhe era imposta pelo art.º 165°, n.º 1, b) e c), da CRP, na medida em que a nova redação daqueles preceitos do CE representa um agravamento da responsabilidade criminal dos condutores. Daí a sua inconstitucionalidade.

XII _ Do doc. 9 junto aos autos, que corporiza o anexo I que alude o art.º 9º, a) da Port.ª 902-B/2007, apenas consta ter sido feita à recorrente uma recolha de amostra de sangue, sendo que tal documento apenas se mostra assinado pelo médico que procedeu à recolha.

XIII _ No entanto, aquele art.º 9° impõe a obrigação de entregar o duplicado do impresso de recolha e análise do sangue ao examinado ou, caso não seja possível, ao agente de autoridade que requisitou o exame para que, posteriormente, o entregue ao examinado ou a quem legalmente o represente.

XIV _ Na verdade e por envolverem eventual responsabilidade criminal, os procedimentos adequados à recolha de sangue têm de ser dados a conhecer ao condutor, que deve ser esclarecido do diagnóstico, alcance e eventuais consequências dessa recolha.

XV _ Não tendo a recorrente sido previamente informada das finalidades da colheita de sangue, nem tendo sido, a posteriori, informada dos seus resultados, tal colheita padece de vício que conduz à sua invalidade.

Sem prescindir e em sede meramente subsidiária:

XVI _ Pela prática do crime p. e p. pelo n.º 1 do art.º 292º do CP, foi a recorrente condenada na pena de 80 dias de multa, numa moldura penal que se situa entre os 10 e os 100 dias.

Ora, como resulta do ponto 1 dos factos apurados, a recorrente sofreu um despiste da sua viatura, sem quaisquer reflexos para com terceiros.

É primária e confessou parcialmente os factos, o que deve ser entendido em consonância com as declarações prestadas em sede de julgamento. E encontra - se bem inserida social, familiar e profissionalmente.

XVII _ Ponderando o dolo direto, a consciência e o grau da ilicitude, em concatenação com as circunstâncias favoráveis atrás descritas, a pena eventualmente a aplicar à recorrente deveria situar-se próximo do meio da pena de multa, ou seja, nos 50 dias de multa.

Tais princípios são também de aplicar à condenação autónoma pela prática do crime p. e p. no n.º 2 do citado art.º 292°.

_ Ao decidir em contrário violou o douto Tribunal recorrendo o disposto nos art.ºs 40º,44º,n.º1, 50º, 52º,54º, 70º, 71º e 292º, n.ºs 1 e 2, todos do CP, 156º, n.º 2 e 153º, n.º 8, ambos do CE, 9°, 23° e 25°, estes da Port.ª 902- B/2007, de 23/8 e, finalmente, 165°, n.º 1, b) e c), estes da CRP.

Termos em que este Venerando Tribunal deverá absolver a recorrente dos crimes de que vem acusada.

Com o que lhe será feita JUSTIÇA!”


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4. Nos termos do artº 413 do C.P.P., veio o M.P. responder, a fls. 109/131, defendendo que deverá improceder o recurso, onde formula as (transcritas) conclusões:

“1 _ Não assiste razão à recorrente ao alegar que da prova produzida não resultam factos ou elementos que permitam concluir pela verificação do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art. 292°, n.º 2 do CP.

2 _ Defende a recorrente que, ao contrário do que é estipulado pelo art. 292°, n.º1 do CP, condução de veículo em estado de embriaguez, o crime de condução sob o efeito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constitui um crime de perigo abstracto, uma vez que, para a sua verificação, é necessário demonstrar-se que o agente não estava em condições de conduzir com segurança, conforme decorre do nº 2 do referido normativo legal, não bastando, por si só, a presença de substâncias psicotrópicas no corpo do condutor, devendo aferir-se se, em concreto, a presença de tais substâncias influenciaram e tomaram incapaz o agente de exercer a condução em segurança.

3 _ Estipula o art. 292°, n.º 2 do CP que incorre na pena prevista no n.º 1 do mesmo normativo legal "quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análoga perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica".

4 _ Atento o teor de tal normativo, entendemos que não assiste razão à recorrente, afigurando-se-nos que o art. 292° do CP corresponde aos denominados crimes de perigo comum, os quais visam punir as condutas que coloquem determinados bens jurídicos que necessitam de ser tutelados juridicamente, face à dinâmica evolutiva da sociedade actual, nomeadamente no que concerne aos avanços tecnológicos, susceptíveis de fazerem perigar o bem estar e segurança da comunidade em geral.

5 _ Ora, no presente caso, estamos perante um crime contra a segurança das comunicações rodoviárias.

6 _ O n.º 2 do art. 292° do CP, introduzido pela Lei n.º 77/2001, criou uma cláusula geral penal quando refere "não estando em condições de o fazer com segurança", bem como uma cláusula específica quando estipula "por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análoga perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica".

7 _ Quando é referido que "não estando em condições de o fazer com segurança", o preenchimento de tal requisito ou "cláusula geral penal" terá que ser uma consequência da conduta do arguido, que terá que ser ponderada e aferida globalmente, através de determinadas circunstâncias, como sendo as regras da lógica e do senso comum, bem como as regras da experiência e, bem assim, do comum conhecimento dos efeitos do produto estupefaciente ou substância psicotrópica sobre o organismo humano, sendo consabido que o seu consumo diminui significativamente determinadas funções e aptidões humanas, nomeadamente as necessárias para o exercício da actividade da condução.

8 _ Sendo as características de tais substâncias sobejamente conhecidas pela comunidade em geral, o agente que exerce a condução sob o efeito do consumo de estupefaciente ou substância psicotrópica, sabe que tal consumo lhe diminuirá tais aptidões, e que, por via disso, poderá potenciar a criação de resultados anómalos e danosos, nomeadamente a ocorrência de acidentes de viação, colocando em causa a segurança da circulação rodoviária e, reflexamente, outros bens jurídicos tutelados juridicamente como sendo a vida, integridade física e outros.

9 _ Para se concluir pela verificação da falta de condições de segurança para a condução decorrentes do consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não se exige, no nosso modesto entendimento, um qualquer elemento científico ou pericial que, em concreto, confirme que o agente, naquela determinada ocasião, não se encontrava na posse da totalidade das suas aptidões ou capacidades para o exercício da condução.

 10 _ No presente caso, defende a recorrente que os depoimentos prestados em audiência de julgamento, quer pela própria, quer pelo militar da GNR que tomou conta da ocorrência, bem como os demais elementos probatórios existentes nos autos, nomeadamente o relatório pericial elaborado pelo IML, constante de fls. 5, não são suficientes para concluir se a arguida, aquando da produção do acidente, se encontrava ou não em condições de conduzir com segurança.

11 _ Pelo que não deveria o Tribunal a quo dar como provado o ponto 5 da decisão recorrida, onde se refere "Mais sabia a arguida que havia consumido produto estupefaciente, produto esse que sabia que a impediam de conduzir com a devida segurança, atenção e previdência, diminuindo a capacidade de reacção e reflexo e, não obstante, decidiu conduzir o veículo automóvel na forma descrita".

12 _ Entende a recorrente que, para se concluir pela falta de segurança para conduzir na sequência do consumo de estupefaciente, inexistindo qualquer depoimento prestado nesse sentido, somente o relatório constante do art. 25° a que alude a Portaria 902-B/2007, de 13/08, mormente, sobre o seu nível de consciência, comportamento motor, coordenação de movimentos ou reflexos, poderia confirmar e demonstrar a falta de condições para conduzir com segurança.

 13 _ Mais defende que o relatório pericial de fls. 5, elaborado pelo IML, nada diz a esse respeito, limitando-se a mencionar a quantidade da substância detectada no sangue da arguida, nomeadamente sobre os itens a que alude o acima aludido art. 25°, pelo que não se logrou demonstrar qualquer nexo de causalidade entre o consumo de estupefacientes e o acidente de viação.

14 _ Afigura-se-nos que a posição defendida pela recorrente não está correcta, não lhe assistindo razão à recorrente. Na verdade, o relatório pericial elaborado pelo IML, junto a fls. 5, contém as informações legalmente exigidas e previstas nos anexos II e VI da referida Portaria, não sendo exigível que do mesmo conste qualquer outra informação, tal como pretende a recorrente, para se proceder à avaliação do estado de influenciado por substâncias psicotrópicas.

15 _ De realçar que o referido art.º 25° daquela Portaria não é aplicável no caso dos presentes autos, uma vez que o exame médico ali previsto (bem como o relatório de exame a que se refere o anexo VII) somente poderá ser realizado quando esteja em causa a circunstância referida no art. 13°, n.º 1 do Regulamento Para Fiscalização da Condução Sob Influência do Álcool ou de Substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17/05, ou seja, "quando após repetidas tentativas de colheitas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente para a realização do teste, deve este ser submetido a exame médico para avaliação do estado do estado de influenciação por substâncias psicotrópicas.

16 _ De salientar que o art. 12°, n. ° 1 do referido Regulamento estipula que o exame de confirmação é sempre realizado numa amostra de sangue, após exame de rastreio com resultado positivo da presença de substâncias psicotrópicas. Pelo que, o exame médico previsto no referido art. 25°, onde o examinando é observado por médico que irá proceder à avaliação do seu estado, é de natureza excepcional, isto é, apenas se poderá realizar quando se verifique o circunstancialismo vertido no art. 3°, n.º 1 do referido Regulamento.

 17 _ Assim, tendo sido efectuada recolha de sangue à arguida, nos termos dos arts. 157, n.º 6 e n.º 2 do art. 156° Código da Estrada (CE), não se verificando a circunstância do n.º 3 do referido art. 156°, não poderia a arguida ser submetida ao exame médico para diagnosticar o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas.

18 _ Sendo que a colheita que foi efectuada no estabelecimento hospitalar e posteriormente remetida ao IML para detecção de estupefacientes de substâncias psicotrópicas (bem como de álcool), obedeceu ao legalmente previsto no caso de acidentes de viação, nada existindo de anómalo no relatório pericial elaborado.

19 _ Pelo que, considerando-se que o crime em referência é um crime de perigo comum e abstracto, entendemos que basta a verificação da presença de estupefaciente no sangue, sendo que a acima denominada "cláusula geral", "não estando em condições de o fazer com segurança", será complementada ou preenchida com a análise das circunstâncias globais do caso, já supra referidas, onde entram forçosamente as regras da experiência comum e do conhecimento geral acerca dos efeitos nefastos de tais produtos ou substâncias, não sendo exigível demonstrar, de forma" cirúrgica" que o evento danoso, foi devido à falta de esta ou daquela função específica decorrente do consumo daquele tipo de produto ou substância, sob pena de cairmos na comummente denominada "prova diabólica".

20 _ Se assim fosse não seria compreensível a inserção sistemática efectuada pelo legislador no que respeita ao crime em referência.

21 _ Assim sendo, no que concerne aos factos dados como provados no Ponto 5, temos para nós que o Tribunal não incorreu em qualquer vício susceptível de colocar em causa a validade da sentença recorrida, tendo a M.mª Juiz a quo, na motivação da decisão de facto, de forma sucinta, mas clara e elucidativa, justificado e demonstrado o raciocínio que levou a dar como provada a matéria de facto em questão, e que levou à formação da sua convicção, baseada na análise crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente nas declarações prestadas pela arguida, no depoimento prestado pela testemunha B..., militar da GNR, para além das outras duas testemunhas ouvidas em audiência.

 22 _ Mais resulta da motivação que a sua convicção foi, ainda, alicerçada no auto de notícia de fls. 4, da participação de acidente de viação de fls. 6 a 8, no relatório pericial elaborado pelo IML de fls. 5, bem como de fls. 9 e 10.

23 _ Considerando-se que o crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art. 292°, n.º 2 do CP configura um crime de perigo comum e abstracto, não pressupondo, pois, tal como referido na sentença recorrida, a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos, sendo que a perigosidade da acção tem como resultado da conduta a possibilidade de um perigo de lesão de um bem jurídico, neste caso, a segurança da circulação rodoviária.

24 _ Seguimos de perto a posição vertida na sentença recorrida, no que se refere ao tipo de crime em questão, e tal como supra já referido, ao contrário da posição defendida pela recorrente de que terá que se demonstrar que a presença ou consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas influenciou e tornou incapaz, em concreto, o agente de conduzir com segurança.

25 _ Como é consabido, decorrente do conhecimento científico, bem como das regras da experiência, a substância detectada no sangue da arguida, metabolito de marijuana, é considerada como idónea a perturbar e influenciar as capacidades e aptidões humanas, nomeadamente as sensoriais, sendo, pois, potenciadora da criação de perigo e falta de segurança, nomeadamente na actividade de conduzir, pelo que, face ao supra exposto, entendemos que os pressupostos do crime em referência se encontram preenchidos, não existindo qualquer censura a fazer no que respeito à matéria dada como provada na sentença recorrida, bem como ao enquadramento jurídico efectuado.

26 _ Conforme resulta dos autos, a recorrente sofreu acidente de viação, nomeadamente despiste, o que, aliás, consta da acusação e dos factos dados como provados. Em virtude de estarmos na presença de acidente de viação, no que respeita aos testes para detecção de álcool no sangue, teremos que atender ao estipulado no art. 156º do CE, nomeadamente no seu n.º 2, e não no art. 153°, n.º 8 que apenas diz respeito aos procedimentos normais de fiscalização rodoviária. No que concerne à detecção de substâncias psicotrópicas, igualmente se deverá atender ao estipulado no art. 157°, n.º 6 que remete para o n.º 2,3 e 4 do referido art. 156°.

 27 _ Ora, como regra, mesmo quando ocorra acidente de viação, os condutores devem ser submetidos a exame de pesquisa de álcool de ar expirado, nos termos do n.º 1 do art° 156°, n.º 1 e 153° do CE. No entanto, estipula o n.º 2 do art. 156 que "quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool".

28 _ Nas suas conclusões, alega a recorrente que os Pontos 2 e 3 dos factos dados como provados limitam-se a registar a taxa de álcool no sangue e a quantidade de metabolito de marijuana, sem qualquer outra referência a outros elementos, mormente se era ou não possível proceder a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

29 _ Ora, entendemos que qualquer outra referência para além do que consta nos Pontos 2 e 3 não era necessária, uma vez os mesmos dão como provados os factos trazidos aos autos através de meios legais de recolha da prova. Com efeito, resulta dos autos que a arguida não estava em condições físicas para realizar o teste de detecção de álcool por ar expirado.

30 _ Isso mesmo resulta das próprias declarações prestada em sede de audiência de julgamento pela arguida, transcritas na motivação do recurso pela mesma interposto, tendo referido não se lembrar do acidente, apenas se recordando de alguma coisa após ter acordado no hospital. O facto da arguida referir que apenas acordou no hospital indica que a mesma estaria em estado de inconsciência, pelo menos adormecida, logo, impossibilitada de realizar o referido teste de álcool através de ar expirado.

 31 _ Das declarações prestadas pela testemunha B... em audiência de julgamento, militar da GNR que tomou conta da ocorrência, igualmente transcritas pela recorrente na sua motivação, resulta que o mesmo, quando chegou ao local do acidente, a arguida já estava a ser transportada para a ambulância, estando com bastante sangue e aparentando ter dores. Mais resulta do auto de notícia de fls. 4 que do acidente resultou um ferido grave, pelo que foi necessária a intervenção e assistência dos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Bairro, bem como de uma equipa médica numa viatura VMER, a qual avaliou o ferido como sendo grave.

32 _ Mais é referido não ter sido efectuado o teste de despistagem de álcool no local do acidente, face ao estado de saúde da arguida, tendo sido solicitado à GNR de Aveiro que providenciasse pela recolha de sangue no Hospital de Aveiro, estabelecimento de saúde para onde foi transportada a arguida.

 33 _ Assim, atentos os elementos supra referidos, resulta evidente que a recorrente, aquando da ocorrência do acidente, não estava em condições físicas para efectuar o teste de despistagem de álcool no sangue através de ar expirado, tendo inclusivamente sido transportada para o hospital a fim de receber tratamento médico, altura quem que lhe foi efectuada recolha de sangue para detecção de álcool ou de substâncias psicotrópicas, em consonância com o estipulado nos arts. 156º, n.º 2 e 157°, n.º 6, ambos do CP.

 34 _ Não sendo legalmente exigível que a recorrente previamente se pronunciasse acerca de tal recolha, uma vez que não estamos perante uma acção normal de fiscalização de trânsito a que é aplicável o art. 153°, n.º 8 do CE, onde o examinando poderá recusar-se à sua realização, com as consequentes consequências criminais, designadamente incorrendo na prática do crime de desobediência.

35 - Alega, ainda, a recorrente, que não foi informada do resultado da recolha efectuada. Ora, tendo a amostra de sangue sido enviada para o IML com vista à realização de exame, nos termos dos normativos supra referidos, não existe obrigação legal de lhe dar conhecimento dos resultados. Na verdade, no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou e Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei 18/2007, de 17/05, resulta dos arts.º 6°, n.º3 e 4, 12°, n. 4 e 6, que o IML, no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção da amostra ou proceder ao exame de confirmação, envia o resultado obtido à entidade fiscalizadora que o requereu, em relatório de modelo aprovado em regulamentação.

36 - Quando os resultados forem positivos, a entidade fiscalizadora procede ao levantamento de auto de notícia, juntando o relatório do exame em questão. Assim, da leitura daquele Regulamento não resulta a obrigação de dar conhecimento dos resultados ao examinando, neste caso à arguida, o qual só terá conhecimento dos mesmos na sequência do levantamento do auto de notícia, por resultar positiva a presença do álcool ou de substâncias psicotrópicas.

37 - Em estrita obediência ao regime legal, foi exactamente isso o que aconteceu no presente caso. Na sequência da recolha de sangue efectuada à arguida, posteriormente enviado para o IML para a realização dos exames, foram detectadas as presenças de álcool e metabolito de marijuana, tendo sido os resultados enviados para a GNR de Oliveira do Bairro, entidade requisitante, a qual procedeu à elaboração do auto de notícia que deu origem aos presentes autos.

38 - Não poderá a arguida dizer que não teve conhecimento dos resultados, uma vez que, aquando da sua constituição e interrogatório como arguida nos presentes autos, os mesmos foram-lhe dados a conhecer, em obediência ao regime legal processual.

39 - Defende a recorrente que os arts. 156°, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE, estão feridos de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que as actuais redacções resultaram das alterações introduzidas pelos DL. 44/2005, de 23/02 e 265 -A/2001, de 28/09, sendo que estes diplomas não foram antecedidos de autorização legislativa, autorização que lhe era imposta pelo art. 165ª, n. ° 1, b) e c) da CRP, na medida em que a nova redacção daqueles normativos representa um agravamento da responsabilidade criminal dos condutores.

 40 _ No entanto, não lhe assiste razão, sendo que, por diversas vezes, o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela inexistência da referida inconstitucionalidade, nomeadamente, a título de exemplo, nos Acórdãos n.ºs 485/2010,397/2011,424/2011 e 159/2012.

41 _ Conforme a jurisprudência daquele Tribunal, pese embora os referidos diplomas 265-A/2001, de 28/08 e 44/2005, de 23/02, tivessem sido publicados sem prévia autorização legislativa, entretanto, entrou em vigor a Lei n.º 18/2007, de 17/05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, e veio consignar um regime jurídico consonante com a solução de direito que resultava já, segundo os critérios gerais da interpretação da lei, das referidas disposições dos arts. 156°, n.º 2 e 153°, n.º 8 do CE, não resultando, portanto, qualquer regime inovador, sendo que a intervenção parlamentar operou a novação da respectiva fonte, pelo que não existe a alegada inconstitucionalidade orgânica.

42 _ Alega a recorrente que do documento de fls.9, a que alude anexo I do art. 9º, a) da aludida Portaria, apenas consta ter sido feita urna recolha de amostra de sangue, estando tal documento apenas assinado pelo médico que procedeu à recolha, quando o referido normativo estipula que deverá ser entregue duplicado do impresso de recolha e análise do sangue ao examinado ou, caso não seja possível, ao agente de autoridade que requisitou o exame para que, posteriormente, o entregue ao examinado ou a quem legalmente o represente. Mais alega que, não tendo sido respeitados tais procedimentos, a recorrente não foi previamente informada das finalidades da colheita de sangue, nem posteriormente foi informada dos seus resultados, concluindo que tal colheita padece de vício que conduz à sua invalidade (cfr. conclusão XV).

43 - Pese embora o referido documento não esteja assinado pela recorrente, é de salientar que não resulta da matéria dada como provada que a mesma não tivesse sido informada das finalidades da colheita de sangue que lhe foi efectuada. Aliás, nunca a recorrente colocou tal questão, somente o tendo feito agora, pelo que nada existe nos autos que permita retirar tal ilação.

44 - Quanto à invalidade arguida, embora não especifique a recorrente em que vertente tal invalidade se verifica, tomamos de princípio de que se estará a referir à nulidade. Estipula o art. 118 do CPP que as nulidades estão sujeitas ao princípio da legalidade, ao dispor que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

 45 - Ora, inexiste qualquer norma que expressamente comine como nulidade a inobservância do disposto no art. 9° da Portaria 902-B/2007, não configurando do qualquer uma das nulidades insanáveis previstas no art. 119° do CPP, ou qualquer uma das nulidades dependentes de arguição previstas no art. 120° do mesmo diploma legal.

46 - Assim sendo, a inobservância dos aludidos procedimentos, só poderiam, quando muito, configurar uma irregularidade, nos termos do art. 118°, n.º 2 do CPP, sujeita ao regime previsto no art. 123° do CPP, o que, a assim entender-se, atenta a fase processual em que os autos se encontram, há muito se esgotou o prazo para a sua arguição, estando, assim, sanada.

47 - Sendo certo que também não estamos perante qualquer método proibido de prova, tal como defendido pela recorrente.

48 - Atenta a matéria de facto dada como provada, temos para nós que as penas concretamente aplicadas se demonstram adequadas, justas e proporcionais, obedecendo aos critérios legais para a sua aplicação.

49 - A sentença recorrida não violou quaisquer normas ou princípios legais, não padecendo de qualquer vício que a coloque em causa, estando correctamente elaborada e concernente com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como com os demais elementos probatórios juntos aos autos, pelo que não merece, da nossa parte, qualquer censura.

Termos em que, ao julgarem improcedente o recurso, mantendo a douta sentença recorrida, farão V. ªs Excelências a habitual JUSTIÇA.”

*
5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto, no seu douto parecer, quando da vista a que se refere o art. 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de dever ser improcedente o recurso (fls. 138/139).
*
6. Notificado, então, o arguido, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417º, n.º 2, do C. P. Penal, o mesmo nada disse
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

***

II. Fundamentação:

1. Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem.

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no artº 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

No caso sub judice, a questão posta à consideração deste tribunal ad quem pelo recorrente é a seguinte:

- Se deverá ser alterada ou mantida a condenação por dois crimes, ou só o de condução sob efeito do álcool.

- Da detecção de álcool no sangue.

- Da inconstitucionalidade dos arts. 156°, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE.

- Da medida da pena

 
Vejamos então.

2. Na sentença recorrida foram dados como provados e não provados, os seguintes factos (transcrição):

            “II - Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 03.04.2011, pelas 07h30, a arguida conduzia o veículo automóvel com matrícula ...XM, na Rua da Pedreira, em Oiã, Oliveira do Bairro, tendo sofrido despiste.

2. A arguida exercia a actividade de condução sendo portadora de uma taxa de álcool no sangue de 1,97 g/l.

3. Conduzia ainda sob o efeito de produto estupefaciente que havia consumido, tendo sido verificada a presença de metabolito de marijuana, THC-COOH: Ácido 11-nor-delta 9 - tetrahidrocanabinol, na quantidade de 31 ng/ml (nanogramas por mililitro).

4. Sabia a arguida que havia ingerido bebidas alcoólicas e que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, a referida taxa de álcool no sangue e, não obstante, decidiu conduzir na via pública nas referidas circunstâncias.

5. Mais sabia que havia consumido produto estupefaciente, produto esse que sabia que a impediam de conduzir com a devida segurança, atenção e previdência, diminuindo a capacidade de reacção e reflexo e, não obstante, decidiu conduzir o veículo automóvel na forma descrita.

6. Conhecia as características do veículo e da via por onde circulava.

7. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

8. A arguida tem como habilitações literárias o 10º ano de escolaridade; vive com companheiro e filhos, com 10 e 2 anos de idade; aufere mensalmente € 700; paga uma prestação mensal de cerca de € 500 de um empréstimo para aquisição de habitação própria; não tem outros encargos, além dos normais.

9. A arguida é primária face ao Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

10. A arguida confessou parcialmente os factos de que se encontrava acusada.

11. A arguida encontra-se bem inserida social, familiar e profissionalmente.

                                                            **

III – Factos não provados

Inexistem factos não provados.

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IV - Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, e nomeadamente:

Nas declarações parcialmente confessórias prestadas pela arguida, que referiu não se recordar do acidente; afirma recordar-se de ingerir vodka laranja; já em relação ao produto estupefaciente, recorda-se que fumou bastante, juntamente com amigos que se encontravam na discoteca, em Aveiro, mas não se recorda de fumar marijuana; ia sozinha no veículo automóvel, apenas tendo memória de se encontrar no Hospital em Aveiro, depois do acidente; depôs de forma coerente sobre as suas condições pessoais.

No depoimento da testemunha B..., militar da GNR, que se deslocou ao local, após o acidente; depôs de forma convincente e objectiva; conforme pode verificar no local, a arguida despistou-se sozinha, no veículo que conduzia; estava com bastante sangue e aparentava ter dores, estando a ser socorrida pela equipa do INEM.

No depoimento da testemunha C...., que depôs de forma convincente sobre a personalidade da arguida e modo de ser, tendo conhecimento pelo facto de a arguida trabalhar há 12/15 anos, no seu escritório de advocacia.

No depoimento da testemunha D.... , amiga da arguida, que depôs de forma convincente sobre a personalidade e modo de ser; referiu ainda que a arguida se encontrava medicada com anti-depressivos, pois o acidente coincidiu com a altura em que o seu companheiro havia emigrado.

Ajudou ainda a formar a convicção do Tribunal o Certificado de Registo Criminal de fls. 56, auto de notícia de fls. 4, participação de acidente de viação de fls. 6-8, relatório pericial elaborado pelo IML de fls. 5, e fls. 9-10.”

***

 
4. Do mérito do recurso.
4.1. Se deverá ser alterada ou mantida a condenação por dois crimes, ou só o de condução sob efeito do álcool.

 Conforme acima se referiu, a recorrente alega que da prova produzida não resultam factos ou elementos que permitam concluir pela verificação do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art. 292°, n.º 2 do CP. Defende a recorrente que, ao contrário do que é estipulado pelo art. 292°, n.º1 do CP, condução de veículo em estado de embriaguez, o crime de condução sob o efeito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constitui um crime de perigo abstracto, uma vez que, para a sua verificação, é necessário demonstrar-se que o agente não estava em condições de conduzir com segurança, conforme decorre do nº 2 do referido normativo legal, não bastando, por si só, a presença de substâncias psicotrópicas no corpo do condutor, devendo aferir-se se, em concreto, a presença de tais substâncias influenciaram e tomaram incapaz o agente de exercer a condução

Vejamos então.

Estipula o artº 292 do C.P., sob a epígrafe, Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, o seguinte:

“1.Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”

2 - Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica.”

A tese que a arguida defende é a de que para ocorrer o crime previsto no nº2 do citado artº é necessário que o agente do crime não esteja em condições de conduzir com segurança, não bastando a mera presença de substâncias psicotrópicas no corpo do condutor, sendo necessário que essa presença influencie e o torne incapaz de conduzir com segurança. Ora, uma vez que face á prova produzida tal não resultou provado, deve a recorrente ser absolvida da prática do crime previsto no nº2 do citado artº 292, defende aquela.

Resulta da matéria provada que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente e bem sabia que conduzia na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas (elemento intelectual do dolo) e que “tal conduta era criminalmente punida” (elemento emocional do dolo) a arguida, ainda assim, (sabendo que não podia conduzir na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas) sabendo que não podia conduzir sob o efeito do álcool exerceu a condução automóvel. O elemento emocional do crime de condução sob o efeito do álcool não exige que o agente saiba a exacta taxa, mas apenas que ao actuar da forma que actuou teve a consciência de que se encontra sob o efeito do álcool, admitindo pelo menos como possível (dolo eventual) que a quantidade de álcool que ingeriu o faz incorrer num o ilícito criminal.

Assim, face à factualidade provada tem de se concluir que a arguida praticou o crime de condução com uma taxa de álcool no sangue superior á permitida.

Em tal crime, os valores tutelados pela incriminação contida no artigo 292º do C.P., são a segurança da circulação rodoviária, das pessoas, da sua vida, da sua integridade física e até dos seus bens.

Por isso se diz que a condução em estado de embriaguez é um crime de perigo comum abstracto: “Trata-se de uma infracção de mera actividade em que o que se pune é simplesmente o facto de o agente se ter disposto a conduzir na via pública sob o efeito do álcool, existindo apenas uma presunção empírica, de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que na maioria dos casos em que essa conduta teve lugar demonstrou ser perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos penalmente tutelados”, cfr. Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II.

Assim, Silva Dias (DIAS, Augusto Silva, Delicta in se e Delicta mere prohibita, Uma Análise das Descontinuidades do Ilícito penal Moderno à luz da Reconstrução de uma Distinção Clássica, 2008, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 254, 255, nota 598, p. 499 e p. 798.), distingue entre crime de perigo presumido que não admite a prova em contrário e crime de perigo abstracto que admite prova em contrário.

Assim, este autor considera que o tipo legal de crime da previsão do n.º 1 do art. 292.º do Código Penal plasma um crime de perigo presumido que não admite prova em contrário e o crime do n.º 2 um crime de perigo abstracto que admite prova em contrário.

Ou seja, no âmbito da previsão do referido art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, único que para o caso releva, basta que o agente conduza um veículo com uma taça de alcoolemia igual ou superior a 1, 2 g/l para que o perigo se verifique.

Trata-se, assim, de um crime de perigo abstracto, que visa obviar à produção de resultados danosos, antecipando a tutela penal relativamente a uma conduta que potencia, de forma exponencial, a produção desses resultados danosos. Por outras palavras, é a própria acção em si que é considerada perigosa, uma vez que, atendendo aos efeitos perturbadores que a ingestão de bebidas alcoólicas provoca ao nível das reacções, a condução rodoviária sob a sua influência torna-se mais perigosa, porque susceptível de desencadear acidentes que poderão envolver terceiros.

Mas igual situação se verifica quando um condutor, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica. Ou seja, desde que se verifique a previsão do nº 2 do artº 292 do C.P., ocorre o crime aí previsto.

Assim, embora sejamos defensores da tese defendida pela arguida, a qual tem sido defendida por diversa jurisprudência, ou seja aquela que defende que “1.- São elementos integradores do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas (artº 292º nº 2 CP):

a) a condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada;

b) que o condutor se encontre sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica;

c) que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e

d) que o agente tenha actuado pelo menos com negligência.

2.- Daí que, para além do mais, não baste a presença de substância psicotrópica no corpo, sendo necessário que a mesma influencie e torne o condutor incapaz de conduzir com segurança, sendo este um facto a apurar e, por conseguinte, constar da matéria de facto da acusação.” (vide Ac. TRC, Processo: 1017/08.2TAAVR.C2, de 06-04-2011, Relator: JORGE DIAS e Ac. do TRP, Processo: 153/10.0GCVRL.P1, de 07-09-2011, Relator: COELHO VIEIRA in www.dgsi.pt), pensamos ser de analisar previamente outra questão.

Isto é importa apurar se face a uma situação em que o agente conduz sob o efeito do álcool no sangue e se encontrar também sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica, ocorre um ou dois crimes.

Adiantamos, desde já que somos de opinião que se verificará apenas a existência de um crime.

Na verdade, quer na previsão do nº1, quer na previsão do nº 2 do artº 292 do C.P., constatamos que o bem protegido é o mesmo; isto é este artº 292º, nas suas duas situações de existência de crime, pretende proteger são a segurança da circulação rodoviária, das pessoas, da sua vida, da sua integridade física e até dos seus bens.

 Sendo o bem protegido é o mesmo, não se pode dizer que o facto de um agente conduzir com álcool e sob o efeito de estupefacientes, pratica dois crimes. O que o artº 292º pretendeu foi defender o bem jurídico segurança rodoviária, das pessoas, suas vidas e bens, a qual pode ser afectada quando o agente circula sob o efeito do álcool ou sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo e que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução.

Ou seja o agente só comete um crime quando numa mesma ocasião preenche os vários modos de actuação ilícita, como é o caso de não estar em condições de conduzir por estar embriagado e ter consumido drogas que afectaram as condições de segurança da condução. Ou seja só poderemos dizer que existe concurso de crimes quando os factos se subsumem a crimes que protejam bens jurídicos distintos ou quando o bem jurídico protegido é o mesmo, as violações tenham tido lugar em momentos histórico distintos. (Neste sentido vidé Paulo Pinto de Albuquerque, Com. do Código Penal, UCL, 2008, pags. 136 e 740)

Face a tal temos de concluir, no caso dos autos, ainda que se considerasse verificada a exigência de que devido à influência dos estupefacientes consumidos pela arguida a mesma não estava em condições de fazer com segurança tal condução, mesmo assim, só ocorreria um crime – o de conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l.

Consequentemente julga-se procedente, nesta parte o recurso da arguida e vai a mesma absolvida da prática do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 2 do Código Penal, pelo qual havia sido condenada.

                                       ***

4.2. Da detecção do álcool no sangue e da inconstitucionalidade dos arts. 156°, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE.

Resta-nos agora apurar se dos factos dados como provados se pode concluir pela existência do artº 292º, nº 1 do C.P., como fez o tribunal, a quo.

Defende a recorrente que a mesma foi submetida a recolha de amostra no sangue no Hospital de Aveiro, para onde havia sido transportada de ambulância, sem que tenha sido submetida a exame de pesquisa de álcool expirado e sem que a mesma se tenha pronunciado sobre tal recolha nem foi informada do resultado da mesma.  Além do mais, defende ainda a recorrente, a redação dos art.ºs 156.º, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE, resultou das alterações introduzidas pelos DL 44/2005, de 23/02 e 265-A/2001, de 28/9, sendo que estes diplomas não foram antecedidos de autorização legislativa, pelo que invoca a sua inconstitucionalidade.

Vejamos.

O procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas está actualmente estabelecido no Código da Estrada aprovado pelo Decreto Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro e pelo Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, estabelecido na Lei nº 18/2007 de 17 de Maio.

Daqueles diplomas decorre que a fiscalização é obrigatório para, i) os condutores, ii) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito, iii) as pessoas que se propuserem iniciar a condução.

A obrigatoriedade para os cidadãos referidos se submeterem às provas estabelecidas na lei para a detecção de álcool implica que a recusa a tal sujeição seja punida com o crime de desobediência.

O art.º 156º do Código da Estrada ao regular a fiscalização da condução sob a influência de álcool prevê a realização de exames para a sua detecção, começando pelo uso dos alcoolímetros regularmente aprovados, passando à análise sanguínea e rematando com o exame médico.

Também no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei n.º 18/2007 de 17/5 se prevê que “A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo” (artº 1º/3).

Trata-se de prova pericial cuja utilização seriada a lei estabelece com minúcia, pelo que não é de utilização indiscriminada ou arbitrária.

Daí que a lei estabeleça que “se não for possível a realização de prova de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou se esta não for possível por razões médicas, em estabelecimento oficial de saúde” - (cf. artigos 153º nº 8 do CE).

Insere-se nestas situações o caso especifico dos exames efectuados a condutores ou peões que intervenham em acidentes de viação cujo estado de saúde não permita que sejam submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado (cf. 156º n.º 2 do CE).

Ou seja, o exame de pesquisa de álcool no sangue destina-se no caso à recolher duma prova rapidamente perecível e por isso de carácter urgente. Noutra perspectiva, a impedir que um condutor influenciado pelo álcool persista numa condução perigosa, além do mais, para a vida e a integridade física quer do condutor quer dos restantes utentes da estrada.

Assim, a sua imediata sujeição a exame pericial mostra-se adequada à salvaguarda desses bens fundamentais e ao fim da descoberta da verdade visada no processo penal.

Embora a regra seja a liberdade e a restrição a excepção, esta também está constitucionalmente consagrada em obediência ao princípio da proporcionalidade na limitação recíproca dos direitos de cada um.

Por este breve excurso se vê que a intrusão na liberdade e na integridade física é permitida dentro de certos limites, como no caso dos autos, pelo que não é correcto o arguido vir alegar o uso de prova proibida resultante dos exames serológicos efectuados nas conhecidas condições em que se obteve a colheita de sangue para o efeito.

Constituindo um método de obtenção das provas legalmente previsto para os casos de condutores intervenientes em acidentes de viação (como era o recorrente), como acima já explanámos, não menos verdade é que hipóteses existirão nas quais poderá tal procedimento redundar em uma indevida ofensa a direitos constitucionalmente reconhecidos ao mesmo.

Somos de opinião, porém, que bem andou a sentença do tribunal “a quo” ao concluir que o exame realizado o fora a coberto do preceituado nos artigos 153.º e 156.º e que se não verifica qualquer violação á CRP.

Até porque, também tinha o arguido, na altura, capacidade volitiva para tomar consciência do acto de recolha de sangue para efeitos de análise ao álcool e para recusar ou consentir no mesmo. Daí que tivesse alternativa de procedimento: ou se submetia à sua realização, ou, facultava então ao médico o recurso à previsão do n.º 3 do último inciso.

Acerca do consentimento ou não do arguido, permitimo-nos transcrever parte do Ac. deste TRC, de 14/7/2010, relatado pelo Desembargador Dr Mouraz Lopes, no processo nº 113/09.3GBCV.C1, onde acerca de tal problemática, se refere: “O arguido suscita a questão de não ter sido pedido o seu consentimento ou autorização para se sujeitar ao exame.

 O arguido em momento algum expressou qualquer vontade de recusa à realização do exame, nem existia previamente qualquer circunstância que permitisse concluir ser essa a sua vontade – recusar-se a submeter-se ao exame, com as consequências legais que isso implica.

O arguido não podia desconhecer o regime legal da proibição de condução sob o efeito de álcool nem o regime normativo (acima descrito) que leva à recolha de sangue, quando não é possível proceder à recolha pelo método de aspiração.

Em momento algum a lei impõe ou exige que se formule um pedido expresso de consentimento de quem tem que sujeitar-se ao exame de recolha de sangue para efeitos referidos. Até porque, como se viu, o exame de sangue é a via excepcional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível (veja-se o artigo 153º nº 8 e 156 nº 2).

A exclusão liminar da admissibilidade de exames coercivos está, assim, assegurada pela simples oposição – recusa – do titular do interessado em sujeitar-se ao exame.

Não se foi, nesta matéria, para a exigência de um consentimento expresso para a recolha de exames.

Apenas uma palavra quanto à questão do consentimento e da sua relevância no regime penal, estabelecido nos artigos 38º e 39º do CP.

No caso do consentimento presumido, estabelece o artigo 39º n.º 2 do CP que «há consentimento presumido quando a situação em que o agente actua permite razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado».

É doutrina pacífica que «o consentimento presumido assume sempre carácter subsidiário, no sentido de que só é legítima a sua invocação quando não for possível obter a manifestação expressa da vontade ou houver perigo sério na demora (cfr. a este propósito Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 490).

Se não existem motivos para pôr em dúvida séria a vontade real da pessoa que está em causa no sentido de não ser admissível a prática do acto médico então o acto é válido, por presumivelmente consentido.”

Ora no caso dos autos, a arguida nunca suscitou essa questão da vontade real da mesma em recusar ou não permitir o acto médico que possibilitou a concretização do exame, sendo certo que em sede de julgamento confessou parcialmente os factos, referiu não se recordar do acidente, apenas tendo memória de se encontrar no Hospital em Aveiro, depois do acidente; afirmou recordar-se de ingerir vodka laranja. Tudo isto conforme consta da sentença recorrida. 

Além disso, a arguida não estava em condições físicas para realizar o teste de detecção de álcool por ar expirado, pois a mesma foi deslocada para o Hospital em ambulância, tendo intervindo no local uma equipa e viatura do VMER, a qual avaliou o ferido como sendo grave.

         Por isso foi no Hospital que lhe foi efectuada recolha de sangue para detecção de álcool ou de substâncias psicotrópicas, em consonância com o estipulado nos arts. 156°, n.º 2 e 157°, n.º 6, ambos do CP, não sendo legalmente exigível que a recorrente previamente se pronunciasse acerca de tal recolha, uma vez que não estamos perante uma acção normal de fiscalização de trânsito a que é aplicável o art. 153°, n.º 8 do CE, onde o examinando poderá recusar-se à sua realização, com as consequentes consequências criminais, designadamente incorrendo na prática do crime de desobediência.

Ou seja, estando em causa um procedimento destinado a detectar a condução sob influência do álcool por parte de uma condutora interveniente em acidente de viação, através de colheita da amostra de sangue, não exige a lei o esclarecimento do fim a que se destina o referido exame nem que esta consinta na realização de tal exame. (Neste sentido, vidé Ac. do TRC, nº 136/10.0GBAND.C2, de 23-05-2012, Relator: BRÍZIDA MARTINS; Ac. nº 387/08.7GTLRA.C, de 20-12-201, Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS, in www.dgsi.pt)

         Alega, ainda, a recorrente, que não foi informada do resultado da recolha efectuada.

 Nem tinha de o ser pois não existe obrigação legal de lhe dar conhecimento dos resultados e a mesma só tinha de ter conhecimento daqueles resultados, na sequência do levantamento do auto de notícia, por resultar positiva a presença do álcool ou de substâncias psicotrópicas. Foi isso que sucedeu, tendo sido os resultados enviados para a GNR de Oliveira do Bairro, a qual procedeu à elaboração do auto de notícia que deu origem aos presentes autos e onde a arguida, aquando da sua constituição e interrogatório como arguida, foi informada de tal, em obediência ao regime legal processual vigente.

Alega ainda a recorrente que do documento de fls.9, a que alude o anexo I do art. 9°, a) da Portaria 902-B/2007, de 23/08, apenas consta ter sido feita uma recolha de amostra de sangue, estando tal documento apenas assinado pelo médico que procedeu à recolha, quando o referido normativo estipula que deverá ser entregue duplicado do impresso de recolha e análise do sangue ao examinado ou, caso não seja possível, ao agente de autoridade que requisitou o exame para que, posteriormente, o entregue ao examina ou a quem legalmente o represente. Mais alega que, não tendo sido respeitados tais procedimentos, a recorrente não foi previamente informada das finalidades da colheita de sangue, nem posteriormente foi informada dos seus resultados. Pelo que tal colheita padece de vício que conduz à sua invalidade (cfr. conclusão XV).

 Também aqui não tem razão, pois que as nulidades estão sujeitas ao princípio da legalidade, ao dispor que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e inexiste qualquer norma que expressamente comine como nulidade a inobservância do disposto no art. 9° da Portaria 902- B/2007, não configurando qualquer uma das nulidades insanáveis previstas no art. 119° do CPP, quer das nulidades dependentes de arguição previstas no art. 120° do mesmo diploma legal.

Assim sendo, a inobservância dos aludidos procedimentos, só poderiam, quando muito, configurar uma irregularidade, nos termos do art. 118°, n.º 2 do CPP, sujeita ao regime previsto no art. 123° do CPP. Ora, a assim entender-se, estando os autos na presente fase processual, há muito que já se esgotou o prazo para a sua arguição, estando, assim, sanada.

Consequentemente também aqui não tem razão a arguida e improcede o recurso quanto ás invocadas questões.

                                      ***

 Da inconstitucionalidade dos arts. 156°, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE.

            Alega ainda a recorrente que os arts. 156°, n.º 2 e 153°, n.º 8, ambos do CE, estão feridos de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que as actuais redacções resultaram das alterações introduzidas pelos DL. 44/2005, de 23/02 e 265-A/2001, de 28/09, sendo que estes diplomas não foram antecedidos de autorização legislativa, autorização que lhe era imposta pelo art. 165ª, n.º 1, b) e c) da CRP.

            Pensamos que esta questão não merece  muitas explicações, uma vez que hoje é dominante a jurisprudência que considera que não ocorre a alegada inconstitucionalidade.

         Com efeito, o Tribunal Constitucional na Decisão Sumária nº 132/2011, de 22/02/2011, decidiu que a norma prevista no artigo 156º, nº 2, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 44/05, de 23/02, interpretada no sentido de que, se não tiver sido possível a realização de exame referido no nº 1 do mencionado artigo, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, quando o condutor se mostra impossibilitado de prestar o seu consentimento ou manifestar a vontade de recusa, não padece de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 165º, alínea c), da Constituição da República Portuguesa.

         Referiremos ainda conforme a jurisprudência daquele Tribunal Constitucional, pese embora os referidos diplomas 265-A/2001, de 28/08 e 44/2005, de 23/02, tivessem sido publicados sem prévia autorização legislativa, entretanto, entrou em vigor a Lei n.º 18/2007, de 17/05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, e veio consignar um regime jurídico consonante com a solução de direito que resultava já, segundo os critérios gerais da interpretação da lei, das referidas disposições dos arts. 156º, n.º 2 e 153°, n.º 8 do CE, não resultando, portanto, qualquer regime inovador, sendo que a intervenção parlamentar operou a novação da respectiva fonte, pelo que não existe a alegada inconstitucionalidade orgânica. (no mesmo sentido vidé Acs do TRC. Nº332/10.0 GCPBL.C1, de 04-05-2011, Relator: BRÍZIDA MARTINS e Proc. Nº210/10.2GAVZL.C1, de 25-05-2011,Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS, in www.dgsi.pt)

  Assim sendo, declarando-se que não existe qualquer das inconstitucionalidades alegadas também nesta parte improcede o recurso da arguida.

                                       ***

4.3. Da medida da pena

Assim, tendo-se como assentes os factos que o foram, dúvidas não temos, nem o arguido/recorrente põe isso em causa, que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º do C. Penal, foi praticado pelo arguido.

Mais se encontra assente que o arguido circulava com uma TAS de 1,97 g/l.

Vejamos então, agora, se a pena aplicada foi ou não a justa.

O crime pelo qual o arguido foi condenado, tipificado no artigo 292º, n.º 1, do Código Penal é portador de alguma maleabilidade da moldura penal - prisão até 1 ano ou pena de multa de 10 a 120 dias - permitindo que o juiz gradue a pena consoante a culpa e a gravidade objectiva do acto ilícito.

Na decisão sob crítica, tendo em conta o disposto nos artigos 70º e 40º, n.º 1 do CP, optou-se pela pena de multa, por se considerar que se mostra adequada e suficiente para promover a recuperação social do arguido e para satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

Aí foi decidido aplicar à arguida, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz o montante total de € 560 (quinhentos e sessenta euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, previstas pelo artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses.

Vejamos então.

Tendo em conta os critérios da sua determinação, a pena deve ser aferida em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim e retomando os critérios para a determinação concreta da pena, temos, duas regras centrais: a primeira consiste em ter presente que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, é de que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e a necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
O art. 71º n.º 2 do Código Penal estabelece que na determinação concreta da medida da pena se devem atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados na execução do crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta licita.
É a este juízo de ponderação que o n.º 3 do art. 71º do Código Penal se refere quando dispõe, na sequência do n.º 1 do art. 205º da Constituição da República Portuguesa, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

Ora, na situação sub judice verifica-se que, atendendo sobretudo à taxa de alcoolemia evidenciada pelo arguido (1,97 TAS), a ilicitude, revelada na prática dos factos que consubstanciam o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, se situa em níveis elevados.
No que concerne a modalidade do dolo impõe-se concluir, face aos factos provados em 2) e 4), que o arguido actuou com dolo directo (cfr. art. 14º n.º 1 do Código Penal), pois sabia que não podia conduzir veículo automóvel com aquela TAS, sabendo ainda que tinha ingerido bebidas alcoólicas em excesso.
Ora, como se colhe do certificado de registo criminal junto aos autos, o arguido não apresenta passado criminal transcrito no mesmo, sendo por isso primário.
Em face da factualidade dada como provada, é para nós manifesto que a sentença recorrida valorou correctamente as circunstâncias concretas do caso em análise, ponderando, designadamente e em concreto, a TAS evidenciada pelo arguido.
Até porque, como se sabe, a condução sob o efeito do álcool é um dos principais factores da grande sinistralidade nas nossas vias de comunicação, muitas vezes com resultados extremamente funestos, nomeadamente tendo presente a grande quantidade de vítimas que potencia, colocando Portugal no topo dos países da sinistralidade rodoviária derivada do consumo em excesso de bebidas alcoólicas, o que urge modificar, são prementes as necessidades de prevenção geral.
Tendo-se ainda presente que o limite máximo da pena é definido pela culpa com que o agente actuou e a ilicitude do facto, acrescendo a este facto a circunstância do arguido se encontrar inserido profissionalmente, concluímos que a medida da pena escolhida pelo Tribunal a quo foi correcta e adequada à situação concreta, mantendo-se por isso a mesma em 70 dias de multa, a qual ainda fica significativamente abaixo do limite máximo (120 dias e não 100 como refere a recorrente) e deixando intocado o principio da culpa, obstáculo intransponível de quaisquer considerações preventivas, pelo que se mantém o seu quantum.

Aliás tem sido este, o entendimento maioritário deste Tribunal da Relação, conforme se pode alcançar, entre outros, dos Ac. por nós relatados, nos Processos nº 69/11.2GAFCR.C1, vindo do Tribunal de Figueira de Castelo Rodrigo, de 08/02/2012; nº 152/10.1GTCBR.C1, do 4º Juízo Criminal de Coimbra, de 4 de Maio de 2011; n.º 57/08.6PTVIS.C1, do Tribunal de Viseu - 1º Juízo, de 21 de Outubro de 2009 e Nº 170/10.0PATNV.C1, do Tribunal de Torres Novas - 1º Juízo, de 23/02/2011.

Consequentemente improcede, nesta parte o recurso.


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No caso dos autos foi fixada ao arguido a pena de inibição de conduzir, por seis meses, medida que in casu a recorrente não vem questionar pelo que a mesma se mantém.

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 Face a todo o exposto o Tribunal recorrido, contrariamente ao invocado, não violou o disposto nos art.ºs 40º, 44º, n.º1, 50º, 52º, 54º, 70º, 71º e 292º, n.º1 todos do CP, 156º, n.º 2 e 153º, n.º 8, ambos do CE, 9°, 23° e 25°, estes da Port.ª 902- B/2007, de 23/8 nem, 165°, n.º 1, b) e c), estes da CRP.

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Assim sendo julga-se parcialmente procedente o recurso, considerando-se que a arguida não cometeu o crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 2 do Código Penal, pelo que vai a mesma absolvida de tal.

                                                 ***

III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso do arguido, decidindo-se:

- Absolver a arguida da prática do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 2 do Código Penal e das respectivas penas que lhe haviam sido aplicadas.

- No mais mantém-se a sentença recorrida.

 Sem custas.

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Calvário Antunes (Relator)

Fernando Chaves