Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/16.6PTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 09/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (SECÇÃO CRIMINAL DA INST. LOCAL DE COIMBRA - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 417.º, N.º 8, DO CPP
Sumário: A reclamação para a conferência, prevista no art. 417.º, n.º 8, do CPP, permite ao recorrente sujeitar, sem ónus de invocação de motivação diversa da apresentada no recurso, mas com salvaguarda de sugestões relativas a outras vias de abordagem das questões em debate, o despacho do relator à deliberação do colectivo.
Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.

1. No âmbito do processo especial sob a forma sumária n.º 10/16.6PTCBR da Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Local – Secção Criminal – J1, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 6 (seis) meses.

2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, restringindo o recurso à pena acessória, invocando, em síntese, que à pena de tal natureza seria aplicável o regime dos artigos 41.º a 60.º do C. Penal, o que conduziria a que pudesse ser suspensa na sua execução ou substituída por pena alternativa, designadamente por trabalho a favor da comunidade.

Para o caso de não ser esse o entendimento do tribunal, por via da atenuação especial (artigo 72.º do C. Penal), defendeu a sua redução para 4 (quatro) meses, a qual se revelaria adequada e proporcional.

3. Por decisão sumária de 15.06.2016 foi o recurso, assim interposto, rejeitado por manifesta improcedência.

4. Na sequência veio o recorrente reclamar para a conferência com o fundamento, por um lado de que o recurso não poderia ser julgado por decisão sumária (artigo 417.º, n.º 6 do CPP) e, por outro lado, por pretender que o mesmo fosse objeto de apreciação «com intervenção do órgão colegial».

5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação e consequentemente pela manutenção da decisão.

6. Colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II.

a.

Ficou a constar da decisão sumária [transcrição parcial]:

Não se conforma o recorrente com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses que lhe foi aplicada, a qual, em suma, pretende ver substituída por «medidas alternativas» (sic), designadamente por trabalho a favor da comunidade e quando não, por via de uma atenuação especial, fixada em 4 (quatro) meses, «medida» que se revelaria proporcional e adequada.

Não lhe assiste, porém, razão.

Assim é no que respeita à almejada pena de substituição (trabalho a favor da comunidade), a qual – tal como as demais – apenas se encontra prevista para as penas ditas principais, concretamente para a pena de prisão, conforme, aliás, decorre dos preceitos legais, a propósito, convocados pelo recorrente.

Por outro lado, ao invés do que sucede no domínio das contraordenações estradais, também a preconizada atenuação especial da pena acessória não encontra na lei penal sustentação.

Por fim, é de considera tratar-se de um domínio onde as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, impondo-se que o direito assuma dentro do limite da culpa, a sua inestimável função de prevenção geral de intimidação – [cf. acórdão do TRP de 29.11.2006, CJ, XXXI, pág. 213].

Acresce que, registando o arguido uma condenação por idêntico crime, são igualmente de ponderar as exigências de prevenção especial.

Diremos, pois, que não fossem as circunstâncias invocadas pelo recorrente, ponderadas, na justa medida, na sentença recorrida, sempre a pena acessória fixada, tendo presente os limites mínimo e máximo que legalmente lhe correspondem – 3 meses a 3 anos - pecaria por defeito – cf. artigo 69.º do C. Penal.

Certo, porém, que a invocada necessidade do exercício da condução na gestão da sua vida profissional, comum, à generalidade dos cidadãos, não pode ser erigida em fator determinante.

Por outro lado, convém não esquecer a natureza de perigo abstrato do crime em questão, não assumindo, assim, especial relevância a não verificação de qualquer sinistro. Tão pouco a invocada necessidade do exercício da condução na gestão da vida pessoal e profissional, comum à generalidade dos cidadãos, pode ser erigida em fator determinante.

Como ensina Figueiredo Dias, com a pena acessória de proibição de conduzir quis-se dotar o sistema de uma verdadeira pena acessória capaz de responder a razões político – criminais evidentes, assinalando-se-lhe e pedindo-se-lhe um efeito de prevenção geral negativa, de intimidação a funcionar dentro do limite da culpa, podendo, desta forma, contribuir para a emenda cívica do condutor imprudente – [cf. “Direito Processual Penal”, II, 165].

E como vem referido no acórdão do STJ de 29.05.2008, disponível em www.dgsi.pt/jstj, citando o Ilustre Professor, a propósito da medida da pena, pode sindicar-se a determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de atuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a sua desproporção da quantificação efetuada [destaque nosso], coordenadas que transpostas para o caso em apreço, constatada a adequada ponderação das diferentes circunstâncias concorrentes para a determinação da medida concreta da pena acessória – fixada, de acordo com as normas legais aplicáveis, pouco acima do respetivo limite mínimo, sem ultrapassar a culpa do agente, capaz de responder de forma satisfatória às exigências preventivas - não podem deixar de conduzir, por manifesta improcedência, à rejeição do recurso – artigo 420.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

 

b.

Relativamente à objeção colocada pelo reclamante/recorrente no sentido do artigo 416.º, n.º 7 do CPP não consentir, no caso, a decisão sumária é manifesto não lhe assistir razão, bastando para tanto atentar nas disposições conjugadas da alínea b), do n.º 6 do artigo 417.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 420.º, donde decorre a rejeição do recurso por manifesta improcedência – como sucedeu -, a ter lugar, precisamente, por decisão sumária.

No mais reconduz-se a reclamação à pretensão de que o recurso seja apreciado em conferência, sem que, contudo, venham aduzidos os fundamentos de discordância relativamente à argumentação expendida na decisão sumária.

A este propósito não tem sido unânime a posição dos tribunais superiores, havendo quem entenda que na reclamação para a conferência da decisão (sumária) do relator constitui ónus do recorrente apresentar os motivos da divergência.

Ressalvado o devido respeito, afigura-se-nos, porém, não constituir a melhor opção, já porque o n.º 8 do artigo 417.º não o impõe, já porque se nos afigura – pelo menos para os casos em que os fundamentos da decisão se prendem com o objeto do recurso, traduzido nas conclusões -, como referido no acórdão do STJ de 29.01.2015, proc. n.º 8/14.9YGLSB.S1, que “a «reclamação para a conferência» a que alude o art.º 417.º, n.º 8 CPP é apenas um pedido para que o obeso do recurso rejeitado mediante decisão sumária seja reapreciado pela conferência. Não se trata de uma nova fase recursória incidindo sobre a decisão singular pelo que o âmbito do recurso se mantém circunscrito às conclusões formuladas na motivação. São os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência sem embargo de o conteúdo da reclamação poder apontar ou sugerir outras vias de abordagem do problema em debate”.

Em sentido idêntico, agora no âmbito do processo civil, lê-se no acórdão do STJ de 22.022016, proc. n.º 490/11.6TBVNG.P1.S1, «A reclamação para a conferência prevista no art.º 652.º, n.º 3, opera um direito potestativo de natureza processual que permite à parte sujeitar o despacho do relator à deliberação do coletivo sem qualquer outra motivação (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3.ª ed., pág. 217, nota 319)».

Posto isto, retomando, agora, as conclusões de recurso oportunamente apresentadas e acima resumidas, não vê este tribunal qualquer motivo válido para alterar o sentido da decisão.

De facto, é manifesta a ausência de sustentação quer para a substituição da pena acessória por trabalho a favor da comunidade, quer para a respetiva atenuação especial, o que sempre constituiria, porquanto não previsto – tal como uma eventual opção por qualquer uma das penas penas alternativas - violação ao princípio da legalidade.

E idêntica resposta, em função das circunstâncias ponderadas – as que havia a ponderar – na determinação da pena acessória, em razão dos motivos aduzidos na decisão sumária – agora mantidos -, merece o quantum da pena (acessória) concretamente fixado em seis meses, o qual, não ultrapassando a culpa do agente se revela adequado e proporcional, capaz de responder às elevadas exigências de prevenção geral que no domínio das infrações estradais se fazem sentir, bem como, em função de anterior condenação sofrida por idêntico crime, às necessidades de prevenção especial.

Sempre se dirá que a alegada necessidade de exercer a condução para o desempenho da atividade profissional não assume relevância decisiva, porquanto mesmo que em causa estivesse o direito ao trabalho não constitui este um direito absoluto, podendo ser legalmente restringido, desde que se mostre justificado, proporcional e adequado à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais, circunstância que é suscetível de ocorrer por via de reações penais estabelecidas no ordenamento jurídico, como é o caso.

Efetivamente no crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a respetiva punição surge como um meio de tutelar outros bens ou interesses com consagração constitucional, tais como a segurança das pessoas, a sua vida e integridade física, face aos riscos acrescidos resultantes da circulação na via pública de veículos por parte de condutores que apresentem uma TAS superior à legalmente consentida.

É precisamente às pessoas que mais conduzem que se torna exigível um especial dever de não ingerirem bebidas alcoólicas antes de encetarem a condução; por outro lado, ainda que a privação da carta de condução fizesse perigar o emprego do arguido/recorrente, o certo é tratar-se de um risco previsível e, como tal, a exigir ponderação em momento prévio.

Em suma, é de manter a decisão sob reclamação.

III.

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em:

a. Indeferir a reclamação;

b. Julgar improcedente o recurso.

Condena-se o reclamante/recorrente em 1 (uma) UC de taxa de justiça.

Coimbra, 21 de Setembro de 2016

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)