Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3834/18.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ENERGIA ELÉCTRICA
CONTRATO DE FORNECIMENTO
PROCEDIMENTO FRAUDULENTO
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PROVA
RECURSO DE FACTO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 23/96 DE 26/7, DL Nº 328/90 DE 22/10, ARTS.344 Nº2, 498 Nº3 CC
Sumário: I - A convicção do juiz a quo, máxime quando alicerçada essencialmente em prova pessoal, apenas pode ser censurada se se concluir com segurança que está inquinada e ferida de erro na apreciação do acervo probatório produzido ou padecer de contradição lógica insanável.

II – O prazo de 6 meses de caducidade e de prescrição previsto no art. 10º n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 23/96 de 26/07 não se aplica aos direitos e ações derivados de apropriação indevida de eletricidade nos termos do DL328/90 de 22.10.

III - A aplicação do prazo do nº3 do artº 498º do CC não exige uma condenação com prova dos elementos – objetivo e subjetivo – do crime, bastando que os factos provados relativos ao agente possam subsumir-se na previsão de um tipo legal criminal.

IV - A vistoria ao contador a que alude o artº 2º DL 328/90 de 22.10 não tem de ser realizada, necessária e inelutavelmente, perante a presença do consumidor, e se o não é, ou se não lhe é entregue cópia da mesma, estas irregularidades não acarretam, por via de regra, nulidade que impeça a prova, em processo cível, da viciação do contador.

V - A inversão do ónus da prova prevista no artº 344º nº2 do CC exige que o interessado convença de uma atuação culposa - ie., ético juridicamente censurável -, da outra parte.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

EDP (…), S.A.  instaurou contra C (…) Lda  ação  declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu:

A condenação da ré a entregar-lhe € 17.749,46, acrescido de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou:

Abastece energia elétrica ao local de consumo identificado em 9º da petição inicial e que nesse âmbito realizou, no dia 16/12/2014, uma vistoria ao equipamento de contagem (contador) instalado no local de consumo da ré, altura em que os seus técnicos verificaram uma ligação ilícita/ligação direta em tais instalações na sequência do que a medição foi falseada, apropriando-se a ré da energia elétrica em seu proveito e em prejuízo da autora.

 A ré contestou.

Invocou a caducidade do direito da autora e a prescrição, previstos no art. 10º na Lei n.º 23/96, de 26/07 e que disse ter ocorrido 6 meses após a data da vistoria, verificando-se a caducidade deste direito em 15/06/2015.

 Mais invocou o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art. 482º do Código Civil, dizendo para tanto que a autora sempre soube que apenas poderia agir contra a ré com base no enriquecimento sem causa.

Arguiu ainda o prazo de prescrição da responsabilidade de 3 anos, previsto no art. 498º do Código Civil.

É inaplicável o n.º 3 do art. 498º do indicado Código, pois que a autora terá de demonstrar os crimes de furto/dano, incluindo as suas autorias, o que aquela não fez, invocando apenas a presunção prevista no art. 1º n.º 2 do DL n.º 328/90, de 22/10 e, concluindo, disse que não se comprovando tais crimes não é aplicável o prazo prescricional previsto no art. 498º n.º 3, sendo, ao invés, aplicável prazo previsto no seu n.º 1 (3 anos).

Impugnou a adulteração do contador e a sua reparação, argumentando para tanto a nulidade do procedimento de fiscalização, dizendo ainda que a autora não junta prova que demonstre o estado inicial do contador não sendo possível saber se o equipamento se encontrava com os selos corretamente aplicados aquando do inicio do fornecimento da energia elétrica pelo que o eventual desaperto se poderá ter ficado a dever a alterações climatéricas/ trepidação do local onde se encontra o equipamento.

 Aquando da vistoria os funcionários da autora não comunicaram à ré que já se encontravam no local para efetuar a inspeção, apenas da mesma tendo tomado conhecimento após a sua conclusão, o que viola o art. 2º n.º 3 do DL n.º 328/90, de 22/10. Não foi informada de que poderia exercer o direito de requerer a vistoria à Direção Geral de Energia, que funcionaria como contra-prova da suposta adulteração. Em face deste procedimento deverá funcionar a previsão do art. 344º n.º 2 do Código Civil, dado que a autora inviabilizou que a ré pudesse fazer prova do contrário do por si alegado. Subsidiariamente, para o caso de se comprovar a adulteração do contador nos termos do art. 1º n.º 2 do DL n.º 328/90, invocou o afastamento da presunção de culpa negando a sua culpa no procedimento que levou à adulteração porquanto: - o aparelho se encontra instalado fora do estabelecimento, o que permite o seu acesso a qualquer pessoa; - o cliente apenas é fiel depositário dos equipamentos de medição desde que terceiros não tenham acesso livre ao equipamento; - a subcontratação de empresas que efetuam as instalações e por vezes funcionários sem qualificações gera instalações com vícios vários; - a ré, em Junho de 2013, adquiriu um aparelho para diminuição de consumos de 10% a 15%; - a ré, no mesmo período, substituiu também os equipamentos elétricos e colocou borrachas que impedem o desperdício de energia nos eletrodomésticos, substituindo todas as lâmpadas por lâmpadas LED, mais tendo implementado uma série de medidas de poupança de eletricidade. A diminuição dos consumos verificada deveu-se aos equipamentos e medidas adotadas .

Conclui dizendo que mudou de comercializador em 02/10/2013, para a I (…) razão pela qual acreditou que a diminuição dos valores se mostrava justificada.

Não sendo responsável pelo procedimento fraudulento apenas terá o distribuidor, aqui autora, direito a ser ressarcido pelo valor do consumo irregularmente efetuado, cabendo-lhe (à autora) provar o consumo irregular e apenas respondendo o cliente pelo consumo irregular, caso não se verifique a prescrição.

Compete à autora fazer prova do período durante o qual o procedimento fraudulento teve lugar, não podendo para tanto basear-se apenas num critério e omitindo que o seus funcionários acederam ao equipamento em causa, por diversas vezes, durante o período em que o eventual procedimento fraudulento operou, atendendo à obrigatoriedade de verificação trimestral dos equipamentos.

A ter havido procedimento fraudulento o mesmo apenas poderá ter ocorrido a partir da data da última deslocação dos técnicos da autora, que ocorreu em 21/11/2014, e o dia 16/12/2014.

Pediu a improcedência da ação.

A autora respondeu dizendo  que se aplica o prazo do n.º 3 do art. 498º do Código Civil.

E que não são aplicáveis os prazos de prescrição e caducidade previstos na Lei n.º 12/2008, de 26/02, que tem por objetivo evitar o avolumar de dívidas dos utentes por inércia do prestador de serviço e no pressuposto da regular execução do contrato, isto é, da inexistência de interferências fraudulentas suscetíveis de reduzir os valores faturados e consequente fuga ao pagamento dos valores reais.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidida:

«…o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e em consequência condena-se a ré a entregar à autora a quantia de € 17.749,46, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal e desde a citação e até integral pagamento.»

3.

Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. A Recorrente vem, nos termos dos art.ºs 627.º, 629.º, 631.º, 638.º, 644.ºn.º 1, a), 645.º n.º1, a) e 647.º n.º1 do C.P.C, apresentar recurso de apelação da matéria de facto e da matéria de direito, com efeito devolutivo, a subir nos próprios autos, por não se conformar com a sentença proferida pelo tribunal a quo.

 2. Quanto à matéria de facto: No entender da Recorrente deveria ser dada como não provada a factualidade vertida nos pontos 10., 11., 12., 13, 14., 15., 16., 17. e 19., 20. (estes nos termos em que o foram) da matéria de facto provada.

3. E como provado, adicionando-se à matéria de facto dada como provada: o facto de a Recorrida, tal como confissão expressa no art.º 8 da petição que se aceitou sem possibilidade de retratação: “A Autora efetua habituais rondas de leitura e procede periodicamente, através de técnicos habilitados a vistoriar contadores, à fiscalização das instalações de consumo ligadas à rede pública, tendo em vista despistar a existência de irregularidades, designadamente adulteração dos equipamentos de contagem”, que deverá ser acrescer à matéria de facto provada como ponto 31.

 4. E como provada a factualidade vertida nos pontos d) (alterando-se “Os funcionários….” para “O funcionário…”, e), g), h), i) e f) 1ª parte (“A empresa subcontratada pela autora para fazer a instalação do aparelho e os seus (da autora) funcionários não têm as qualificações necessárias à realização dos trabalhos”) da matéria de facto não provada.

 5. E deverá dar-se ainda como provado o ponto b) dos factos não provados, nos seguintes termos: “b) A Ré (e não a Autora, como nos parece que, por lapso, consta da sentença), teve conhecimento dos factos descritos no autos elaborado pelo funcionário da Autora quando foi citada para a presente ação judicial.”Se o douto tribunal a quo se quis referir à Autora, então este facto deve manter-se como não provado, pois esta teve conhecimento antes e nada fez, atenta a obrigatoriedade de fiscalização que lhe cabia e até tendo em conta os indícios de alteração de consumo, que in caso, não eram, segundo a Recorrida, tão insignificantes! Senão vejamos,

6. No que diz respeito à realização da vistoria, cfr, depoimento de (…) eletricista que efetuou a vistoria do quadro, depoimento do representante legal da Recorrente (…) e da testemunha (…), o técnico deslocou-se para fazer uma alteração de ciclo de consumo, não para realizar uma vistoria, não obstante a Recorrida confessar estar obrigada a vistorias periódicas no art.º 8.º da p.i, o que não faz e considera-se um abuso de direito e da posição dominante que detém perante os consumidores.

7. Chegado ao local, o técnico da Recorrida não informou o representante legal da Recorrente antes de iniciar a vistoria, nem solicitou a presença do cliente ou alguém em sua representação, não obstante poder fazê-lo, acabando por realizar a vistoria e preencher o auto sozinho.

 8. A única prova da adulteração e de como esta foi realizada, resulta do auto preenchido pelo técnico da Recorrida, bem como do depoimento deste, que ao não solicitar a presença da recorrente aquando da vistoria impediu esta de também ela verificar como estava o contador e a existir anomalia, em que é que a mesma consistia, em violação do art.º 2.º, n.º3 do DL328/90, de 22 de Outubro. Note-se que é facto provado em 18. que se desconhecia o estado inicial do contador, pelo que ab initio, se desconhece se este estaria com os selos bem colocados e as tampas fechadas.

 9. Por outro lado, quer do depoimento do gerente da Recorrente e da testemunha (…), quer do depoimento do técnico da Recorrida que realizou a inspeção, quer do depoimento da testemunha (…) quer pelas regras da lógica e experiência comum, deverá ser dado como provado que não foi entregue cópia do auto ao gerente da Recorrente, não lhe tendo sido comunicado que existia uma adulteração do contador, nem tão pouco os direito de que gozava perante tal facto.

10. Nem tendo sido feita prova de que no caso concreto foi deixada cópia no contador, o que vai contra as regras da lógica e da experiência comum (estamos em Dezembro, com chuva, vento, etc, o contador situa-se num muro virado para a via pública e ao acesso de quem passa na rua, e o funcionário da Recorrida foi ao interior do estabelecimento após a vistoria, pelo que o lógico seria deixar lá o auto, o que não se provou).

11. De todo o modo, considera a Recorrente ter afastado a presunção que sobre si recaía, no DL 328/90, de 22 de Outubro.

12. O legal representante da Recorrente, no seu depoimento, negou perentoriamente ter adulterado ou ter mandado alguém adulterar o contador em seu benefício, disse só ter tido conhecimento da adulteração do contador quando foi citado para a presente ação, não ter conhecimentos em eletricidade, nem ter interesse em mudar de operador se soubesse da adulteração. O que foi ainda confirmado pela testemunha Ana Paula Pereira no seu depoimento.

 13. Note-se que o contador está instalado no exterior do estabelecimento e acessível a qualquer pessoa, para além de que, em Junho de 2013, a Recorrente adquiriu um equipamento – INSTALADO EXATAMENTE NO PERÍODO EM QUE A AUTORA ALEGA O INICIO FRAUDULENTO - denominado “Controlador de corrente elétrica”, para diminuição dos consumos de 10 a 15%, cfr. doc. de fls. 62 e 63, após o anúncio e a garantia de uma diminuição de consumos, de modo que o comercializador do aparelho convenceu o gerente da Recorrente de que o aparelho iria diminuir os consumos de eletricidade do estabelecimento. Inclusive consta do contrato celebrado entre aquele e a Recorrente que o mesmo recolheria o equipamento caso a poupança no consumo mensal de eletricidade não se verificasse.

 14. Tal equipamento, sabe-se agora, não fazia diminuir o consumo, mas apenas estabilizava a corrente elétrica, sendo portanto uma fraude, conforme confessou o seu comercializador, (…) no seu depoimento e as testemunhas (…) e o gerente da Recorrente. Ou seja, para a diminuição do consumo quem instalava o equipamento não podia apenas fazer a instalação do mesmo, tinha pois de fazer os consumos diminuírem de outra forma, que se suspeita ter sido através da adulteração do contador, a dar-se esta como provada.

15. Este comercializador/vendedor tinha efetivamente interesse na diminuição dos consumos de energia da Recorrente, pois não só vendia o equipamento, obtinha publicidade para o mesmo e não tinha de devolver o valor pago pelo mesmo, quem aplicou o equipamento tinha conhecimentos em eletricidade e livre acesso ao contador, pelo que, ao contrário do dito na sentença de que se recorre, não era só à Recorrente que a adulteração do contador beneficiava.

16. Note-se que o comercializador ou alguém a seu mando não tinham nada a temer ao adulterar o contador, pois sempre seria imputado ao consumidor, como se vê pela sentença de que se recorre.

17. Quando à diminuição nos consumos, a Recorrente confiou que a mesma se devia ao aparelho adquirido, às medidas entretanto tomadas para diminuição do consumo e à mudança de comercializador com preços mais baixos, cfr. factos provados em 24 a 28. 61. Caso a Recorrente soubesse da adulteração, quando o legal representante da Recorrente recebeu a mensagem a informar que uma equipa da Recorrida ia deslocar-se ao contador para alterar o ciclo de consumos de semanal para diário, a Recorrente teria cancelado a mudança de operador e consequentemente era cancelada a intervenção dos funcionários da Recorrida no contador, cfr refere o legal representante da Recorrente e a testemunha (…).

18. Quanto à aplicação do direito ao caso concreto, entende a Recorrente que não andou bem o tribunal a quo, porquanto, existiu, salvo melhor entendimento, um erro na determinação da norma aplicável, como passamos a expor.

19. A falta de incumprimento dos deveres a que estava adstrita a Recorrida na realização da vistoria e elaboração do auto, implica a nulidade da vistoria e do auto, por violação dos arts. 2.º, n.º 3, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de Outubro, pelo que inexiste o direito reclamado pela Recorrida.

20. O não cumprimento dos deveres de atuação aquando da vistoria levou a que a Recorrida, com o seu comportamento omissivo, inviabilizasse a Recorrente de fazer prova em contrário, o que leva à nulidade da vistoria e do auto. Ora, a nulidade do procedimento e do auto, origina a inexistência de adulteração e consequentemente do direito da Recorrida em ser ressarcida pelos consumos que daí resultaram.

21. Ainda que não se decida pela nulidade, há aplicação do art.º 344.º, n.º 2, invertendo-se o ónus da prova e afastando-se a presunção do art.º DL 328/90, de 22 de Outubro, cabendo à Recorrida a prova de que a adulteração foi realizada pela Recorrente, o que aquela não fez.

 22. Assim, e nos termos do art.º 3.º, n.º 2 do DL 328/90, de 22 de Outubro, o direito da Recorrida só poderá ser exigido a título de enriquecimento sem causa, no termos do art.º 3.º, n.º 2 do DL 328/90, de 22 de Outubro, “Quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável, o distribuidor tem apenas direito a ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor”, direito que prescreve em 3 anos cfr. art.º 482.º do Código Civil, após o conhecimento do direito e da pessoa do responsável, o que ocorreu aquando da vistoria e portanto aquando da entrada da ação em juízo já o direito da Recorrida tinha prescrito

23. Sem prescindir, considerando-se haver lugar a responsabilidade extracontratual por facto ilícito, deveria o tribunal a quo aplicar o prazo prescricional previsto no art.º 498.º n.º 1 do CC, 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, portanto a 16/12/2014, pelo que, aquando da entrada da ação já o direito da Recorrida havia prescrito, conforme expressamente se invocou e invoca.

24. Pelo que mal esteve o tribunal a quo quando considerou que, ainda que se aplicasse tal prazo, os três anos iniciariam quando a Recorrida teve conhecimento da extensão integral dos danos, o que vai expressamente contra o previsto na lei.

 25. E, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, não tem aplicação o n.º 3 do art.º 498.º do C.C., porquanto não ficou provado o elemento subjetivo correspondente ao crime de furto e dano, a culpa/dolo ou negligência da Recorrente, não podendo aqui valer a presunção prevista no art.º 1.º, n.º 2 do DL n.º 328/90, de 22 de Outubro.

26. Para beneficiar do prazo de prescrição mais logo previsto no processo penal, não pode a Recorrida valer-se da presunção pois aqui as presunções de culpa estão afastadas pelo art.º 32, n.º2 da CRP, ao invés, existe sim uma presunção de inocência.

27. Assim, sempre o direito da Recorrida estaria prescrito aquando da entrada da ação, o que expressamente se invocou e invoca para os devidos e legais efeitos.

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.» – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado urge atentar, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

Finalmente importa ter presente o plasmado no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

É que:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Nesta senda, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

Da consideração concatenada do elemento histórico/teleológico que constitui o preâmbulo de um diploma legal, resulta, numa exegese respeitadora da letra e do espírito da lei, desde logo uma ilação fulcral, a saber: a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o Tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão; e muito menos, permite uma insurgência plena e total, ou quase, contra  os factos dimanantes de tal decisão.

Certo é que:

 «…a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia…O recurso de apelação em matéria de facto não é, em rigor, um meio para um novo julgamento mas um “recurso de reponderação” ou “recurso de reexame” do julgamento realizado na instância antecedente»  - Ac. do STJ de 30.05.2019, p. 156/16.0T8BCL.G1.S1 in dgsi.pt.

Efetivamente:

«O sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza e estrutura da própria decisão de facto.

   Assim, em primeira linha, importa ter presente que, no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.» - Ac. do STJ de  17.03.2016, p. 124/12.1TBMTJ.L1.S1.

Na verdade:

«…a lei, cooptando o recorrente para a colaboração com o tribunal e para a autorresponsabilização, visa agilizar a intervenção da Relação na reapreciação (que é pontual, no sentido de circunscrita a certos factos e a certas provas) da matéria de facto…» - Ac. do STJ de 18.06.2019, p. 152/18.3T8GRD.C1.S1.

Assim:

«A impugnação da matéria de facto não se destina a que a Relação reaprecie global e genericamente a prova apreciada em 1.ª Instância, não sendo admissível, como se extrai do preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15-02, um ataque genérico à decisão da matéria de facto e impondo-se, ao invés, ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à definição do objecto do recurso e à sua fundamentação...» Ac. do STJ de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1.

Pois que:

«o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância”» - Ac. do STJ de  19.12.2018, p. 2364/11.1TBVCD.P2.S2.

(sublinhado nosso)

Para além dos fundamentos aludidos nos mencionados arestos, alicerçados, como se vê, em razões de racionalidade/racionalização, transparência, auto responsabilidade e celeridade (esta naturalmente compaginada  por perspetivação de um justo equilíbrio com a realização da justiça), acrescentaremos um outro de índole mais subjetiva: um «ataque» à globalidade da decisão de facto representa uma insurgência quanto à competência técnica e funcional do julgador  da 1ª instância e/ou, quiçá, tão ou mais grave, contra a sua honestidade intelectual e probidade.

O que, há que dizê-lo, não é admissível, pois que, aquele julgador, no pleno exercício das suas funções, e por causa delas, ao menos se presume possuidor de tais requisitos, objetivo e subjetivo.

5.1.4.

O caso vertente.

Pretende a recorrente a não prova dos pontos 10., 11., 12., 13, 14., 15., 16., 17. e 19., 20. da matéria de facto provada.

Pugna ainda para que se adicione  à matéria de facto dada como provada o facto do art.º 8 da petição que  aceitou, a saber: “A Autora efetua habituais rondas de leitura e procede periodicamente, através de técnicos habilitados a vistoriar contadores, à fiscalização das instalações de consumo ligadas à rede pública, tendo em vista despistar a existência de irregularidades, designadamente adulteração dos equipamentos de contagem”.

E devendo-se dar como provados as factos constantes nas seguintes alíneas  dados como não provados: b) A Ré (e não a Autora, como nos parece que, por lapso, consta da sentença), teve conhecimento dos factos descritos no autos elaborado pelo funcionário da Autora quando foi citada para a presente ação judicial., d) (alterando-se “Os funcionários….” para “O funcionário…”, e), g), h), i) e f) 1ª parte (“A empresa subcontratada pela autora para fazer a instalação do aparelho e os seus (da autora) funcionários não têm as qualificações necessárias à realização dos trabalhos”).

Estas alíneas têm o seguinte teor.

b) A autora (ré) teve conhecimento dos factos descritos em 10. e 11. no dia da realização da vistoria indicada em 9., isto é, no dia 16 de Dezembro de 2014.

d) Os funcionários da autora que efectuaram a vistoria indicada em 9. não comunicaram à ré, ou a um seu funcionário, que se encontravam no local e a realizar a inspecção.

e) A autora não facultou à ré qualquer auto de inspecção ou vistoria, desconhecendo esta o seu conteúdo.

f) A empresa subcontratada pela autora para fazer a instalação do aparelho e os seus (da autora) funcionários não têm as qualificações necessárias à realização dos trabalhos, gerando instalações com vícios vários.

 g) A ré conferia mensalmente não os consumos mas o valor das facturas e de relance.

h) A ré considerou que a diminuição do valor das facturas se mostrava justificada face ao descrito em 23. a 28.

 i) A ré, quando aceitou a proposta mencionada em 29., sabia que poderia ser alvo de vistoria por parte da autora, apenas tendo aceite tal proposta por estar segura que não havia qualquer erro com o equipamento, incluindo que o mesmo se mostrava adulterado, não aceitando tal se tivesse conhecimento da adulteração.

A julgadora fundamentou as respostas dadas nos seguintes, resumidos, termos:

«…considerou este Tribunal os depoimentos das testemunhas (…) e as declarações prestadas pelo legal representante da ré, (…), valorados de forma conjugada com a totalidade da documentação junta nos autos, concretamente a fls. 14 a 21, 52 a 93 e tudo de forma crítica, lógica e de acordo com as regras da lógica e experiência comum. …S (…), responsável da área de contagens, referiu que a vistoria foi efectuada após ter sido solicitada a alteração do ciclo de semanal para diário e que a equipa que se deslocou ao local verificou que o selo do campo estava violado e os 2 chants abertos, a significar que a energia nessas 2 fases não era contabilizada, apenas o sendo na fase 1. Relatou também que os funcionários que efectuam as leituras dos contadores só registam leituras, mais nada, só olham para o visor, não detectam se há ou não anomalias em termos técnicos. Só leem e mandam para a empresa, quanto mais lerem mais ganham.

...não restaram para nós quaisquer dúvidas quanto à existência de tais factos, na data da realização da vistoria, assim como sobre o período temporal durante o qual tais actos se verificaram e prolongaram no tempo.

…conforme decorreu claramente do depoimento das testemunhas A (…), eletricista que disse ter efectuado a vistoria do quadro – tendo descrito, de forma concisa e credível, a forma da tampa da caixa que não se encontrava selada e que após ter aberto essa tampa verificou que 2 das 3 fases não estavam ligadas, explicando ainda que a viciação não foi verificada anteriormente, aquando da realização de leituras ao contador, porque, como disse, para ler é só espreitar. Descreveu que a tampa já não tinha selo e que no visor só apresentava 1 fase, tendo o contador 3, o que necessariamente significava anomalia, na sequência do que, como disse, abriu a tampa de bornes verificando que o seu selo também estava mexido. Densificando relatou que deu para ver que 2 bornes, as 2 chapas estavam para baixo, não há contacto, os chants é que contabilizam a ligação. Há energia mas o consumo não é lido. Afirmou ainda ter tirado fotografias ao equipamento, que confirmou corresponderem às visíveis a fls. 16, cujo conteúdo explicou, concretamente explicando as posições dos chants/chapas visíveis e os seus significados. Mais afirmou, sem qualquer hesitação, que elaborou o relatório de vistoria, constante de fls. 15 e cujo conteúdo corroborou.

J (…), …Relatou, com relevo, que em data anterior à da vistoria recebeu um SMS a informar a data e hora em que o equipamento seria vistoriado e que nessa data e hora se encontrava no estabelecimento, mas apenas tendo tomado conhecimento da presença dos técnicos após a vistoria estar concluída, como disse, mais tendo adiantado que nessa data lhe foi prontamente transmitido …relatou que não lhe foi entregue cópia do auto…

A (…) …referiu, com firmeza e certeza, ou entreguei cópia ou deixei-a no contador. A gente deixa sempre. …ficámos certos que (…) facultou de facto uma cópia do auto, deixando-a no contador, realidade que se coaduna com as versões apresentadas com ambos e que se mostra consentânea com as regras da lógica e experiência comum, tanto mais que, como disse (…) e se mostra consentâneo com a hora em que a vistoria foi efectuada, aquando da mesma ainda se encontravam pessoas dentro do estabelecimento da ré, o que porventura terá funcionado como obstáculo à não entrega pessoal do auto...

Relativamente à autoria dos factos, estabelece o n.º 2 do art. 1º do DL n.º 328/90, de 22/10, uma presunção de imputabilidade do procedimento fraudulento ao consumidor em causa (“Qualquer procedimento fraudulento detetado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia elétrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respetivo consumidor”). ..

Pretendeu a ré imputar a quebra de consumos a uma série de situações. Concretamente a: i. alterações climatéricas, trepidações; ii. contador instalado no exterior do estabelecimento, permitindo o seu acesso a qualquer pessoa que o pretendesse manipular; iii. funcionários que instalam o equipamento não têm qualificações, gerando vícios de vária índole; iv. a aquisição de um aparelho denominado “controlador de corrente eléctrica”; v. mudança de comercializador, para a I (…), que praticava preços mais baixos; vi. aquisição de vários equipamentos tendentes à diminuição de consumos, mudança das lâmpadas por lâmpadas LED. A concreta natureza dos actos fraudulentos dados como provados – deselagem e viragem dos chants – demonstram desde logo que os mesmos resultaram de intervenção directa/ humana, não se coadunando com razões de índole ambiental ou acidental. E demonstram ainda terem sido praticados por alguém que percebe daqueles quadros …o que relevámos para efeitos do elemento subjectivo e plasmado em 17. dos factos provados. Para prova de que esses actos tiveram causa humana/directa relevámos, além do mais, o depoimento de S (…) responsável da área de contagens, que de forma desinteressada relatou, com relevo neste particular, que não é possível os parafusos se libertarem naturalmente com a trepidação de obras, não é possível, de todo, tendo já anteriormente referido tem de ter havido intervenção directa, humana, não é por causa de uma avaria não é possível. M (…), coordenador das equipas de contagem, o mesmo referiu, além do mais, que a manipulação do equipamento tem de ter intervenção humana. O equipamento fica selado, tem de haver manipulação de selos, bornes desselados.

…(mesmo), tendo em consideração que o contador se encontra no exterior, acessível a terceiros,  (não) se mostra crível que um qualquer terceiro tivesse praticado os actos dados como provados em 10. e 11., …porquanto assim o impõem as regras da lógica e experiência comum. …o contador …serve exclusivamente a ré, registando tão somente os consumos efectuados por esta. ..não se vislumbra qualquer interesse para que um qualquer terceiro fosse movido a praticar tais actos, dos quais exclusivamente saiu beneficiada a ré… …Sendo inegável que a ré adquiriu o aparelho em causa, conforme atesta o contrato de fls. 63, a garantia de fls. 62 e bem ainda as declarações de R (…), que se afirmou como o dono da empresa que comercializou o aparelho indicado, a verdade é que não se demonstrou – pressuposto para a tese da ré poder vingar – que tivesse sido anunciado e garantido à ré que o aparelho em causa garantia descidas de consumos de energia, como defendeu a ré, essencialmente por esses aparelhos não existirem ou, pelo menos, não serem comercializados livre e legalmente. Vejam-se as paradigmáticas palavras de M (…) e que sintetizam esta matéria: sou electricista há 31 anos na EDP, eu estudo e acompanho. Não conheço nenhum equipamento para diminuir consumos. …Se houvesse equipamentos desses todos teríamos. Não é possível, tecnicamente não é viável. A única forma de diminuir consumos ou é desligar o disjuntor ou manipular!

R (…), …explicou …que a sua função é que a energia distribuída o seja mais uniformemente, o equipamento armazena picos e quando há uma descarga enorme vai evitar picos e traduz-se numa diminuição de energia, dependendo a percentagem dos equipamentos. Esclarece posteriormente que este equipamento só equilibra as fases, não há picos, …, o produto tem a função de equilibrar as fases. Se há equilíbrio logo gasta menos. Colocada a questão respondeu se o consumo diário é 250 Kw, na melhor das hipóteses só daria menos 25 kw/diários, é o máximo de poupança. …Mais, da prova produzida testemunhal produzida resultou que a aplicação deste aparelho foi efectuada no interior do estabelecimento, junto ao quadro principal e já não nas imediações do contador, pelo que nem sequer se demonstra que, por razões de proximidade ou outras, o instalador deste aparelho tivesse tido a necessidade de mexer no contador, efectuando os actos fraudulentos. Quanto ao mencionado em iii. (falta de qualificação dos funcionários) aponta-se nenhuma prova ter sido produzida nesse sentido…Quanto ao aparelho controlador de corrente referido, também não se vislumbra crível que o comercializador ou instalador tivesse manipulado o contador, tanto mais que o aparelho em causa foi instalado junto ao quadro principal, que se situa no interior do estabelecimento, não havendo prova de qualquer contacto ou proximidade entre o instalador/comercializador do aparelho e o contador, sito no exterior... Relativamente à mudança para a I (…) cumpre apenas notar que a mais valia que daí poderia resultar para a ré seria apenas a nível de facturação, em termos comercial, mas já não a nível de consumos. Isto é, sendo o comercializador a I (…) ou outro os consumos mantém-se….

Quanto às demais medidas implementadas pela ré e tendentes à diminuição dos consumos considerámos as declarações do legal representante da ré e bem ainda o depoimento de A (…) que afirmou que a empresa é dos seus sogros e que trabalha lá desde 2013, testemunha que evidenciou inequívoco conhecimento das politicas desenvolvidas pela ré, incluindo sobre a implementação das medidas tendentes à diminuição dos consumos e que disse terem passado pela substituição de todas as lâmpadas por lâmpadas LED e aquisição de electrodomésticos com melhor eficiência energética e substituição de borrachas, medidas estas que se mostram corroboradas pelas facturas constantes de fls. 66 a 79,…. No entanto, frisa-se, não se verifica no quadro de consumos de fls. 17 e 18 quebras de consumo anteriores à data de 18/04/2013,  …(e) aumento do consumo de eletricidade logo após a reparação da viciação…similares aos que eram praticados antes de 18/04/2013, o que impõe se afirme que os consumos que ocorreram no período em análise se deveram não às politicas implementadas pela ré …mas sim às irregularidades detectadas aquando da vistoria. Veja-se que da leitura do mapa de consumos resulta que antes de 18/04/2013 o consumo médio diário era de cerca de 250 kw, diminuindo para uma média de 70 kw diários entre 18/04/2013 e 16/12/2014, e aumentando novamente, após 16/12/2014, para uma média de consumo diário de 250 Kw.

É certo que A (…)referiu que o aumento dos consumos de energia eléctrica após a data da fiscalização se deveu à circunstância da ré ter entretanto adquirido mais equipamentos, com o consequente aumento de consumos. Não colhe, todavia, esta aventada justificação dado que os consumos aumentaram exponencialmente e em quantidade não compaginável com as características de eficiência energética dos electrodomésticos que a ré apregoa ter adquirido …e, por outro, na medida em que a aquisição de electrodomésticos em momento posterior a 16/12/2014 não se mostra comprovada por qualquer documentação – facturas ou outros documentos.

Por fim, não se afirme que a ré, quando aceitou a proposta dada como provada em 29. sabia que poderia ser alvo de vistoria, porquanto não ficou demonstrado que a alteração de comercializador impõe a realização de vistoria. Repete-se que a vistoria dos autos foi justificada por um pedido de alteração do ciclo, de semanal para diário, como afirmou, entre outros, (…). Sobre este aspecto explicou (…) que o comercializador é que solicita ou não a vistoria, depende. De vez em quando também fazemos campanhas de vistorias aleatórias aos clientes. Não há ordens para fiscalizações periódicas aos equipamentos, dentro do meu conhecimento.

Resulta, pois, dos meios de prova produzidos, que a ré não logrou ilidir a presunção que sobre si impendia, nos termos legais referidos – antes pelo contrário, se confirmou a conduta ilícita levada a efeito por si ou alguém a seu mando, no seu interesse.

Analisemos agora o período fraudulento. Dos depoimentos de (…)das leituras reais, apenas olham para os visores, não tendo acesso a todo o contador, razão pela qual não se podem aperceber de eventuais anomalias aquando das leituras.

…Soçobra, pois, o entendimento de que os leitores teriam de se aperceber de anomalias…

…entre 19 de Abril de 2013 a 16 de Dezembro de 2014…(do)mapa de consumos de fls. 17 e 18, …resulta ter ocorrido uma abrupta diminuição de consumos a partir de 19 de Abril de 2013, o que assim se manteve até à data da inspecção (16/12/2014), consumos esses que aumentaram a níveis similares aos existentes em datas anteriores a 19/04/2013 logo após a reparação das anomalias. Este quadro reflecte os consumos registados pelo que as suas oscilações abruptas, incluindo o aumento de consumos após a fiscalização de 2014, aliado à circunstância das anomalias detectadas terem sido imediatamente solucionadas no próprio dia da inspecção, o que apenas pode significar que os consumos tão mais reduzidos que se vinham verificando no intervalo apontado se mostram intrinsecamente relacionados com os actos fraudulentos dados como provados, não sendo apenas uma mera coincidência a sua existência. De outro prisma: se porventura as causas que geraram as diminuições de consumos no período apontado tivessem sido os comportamentos que a ré adoptou tendo em vista tal – que infra apontaremos – o normal seria, pois, que mesmo após a regularização das anomalias não se verificasse um aumento tão abrupto dos consumos…Reportando-se a esta matéria S (…) esclareceu de forma convincente que após ter analisado o processo verificou que há uma data a partir da qual há uma quebra abrupta dos consumos e após 16 de Dezembro de 2014 os consumos voltam ao normal. D (…), funcionário da autora, referiu que recebeu o auto de vistoria dos autos e que após o analisarem verificaram a história de consumos do cliente para ver se há veracidade tendo apurado que a partir de 18/04/2013 os consumos baixaram drasticamente, explicando que para assim concluírem analisaram o período anterior à data agora indicada, concretamente o ano de 2011, bem assim o posterior e até 2016, análise que confirmou o verificado e relatado no auto. Explicou de seguida os procedimentos observados para apurarem a quantidade de consumos não facturados, dizendo que apuraram um consumo médio, sem anomalia, comparando depois com os consumos no período da anomalia, optando pelo valor mais baixo e que correspondeu a uma estimativa com base no consumo real/histórico anterior e com relevo e histórico posterior à regularização da anomalia, afirmando que os consumos posteriores à regularização são idênticos aos existentes antes da quebra de consumo. Quanto ao valor explicou que operaram uma média do consumo, apurando um valor pelas 3 categorias, após aplicaram uma média ao período, deduzindo de seguida o efectivamente pago e facturando apenas as diferenças, e sem que estejam a ser cobrados IVA, taxas, etc.

…não ter incidido qualquer meio de prova sobre os factos declarados como não provados …»

Já a recorrente pugna pela alteração em função da interpretação díspare que efetiva dos meios probatórios produzidos nos termos supra mencionados nas suas conclusões.

Foi apreciada a prova.

Liminarmente cumpre dizer que a recorrente não cumpre adequadamente os requisitos formais impostos pelo artº 640º citado.

Pois que em sede conclusiva – local adequado, ou o mais adequado, para o efeito  -  nem indica as específicas  passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que se fundamenta, assim criando trabalho acrescido ao tribunal ad quem para as descortinar no corpo alegatório.

 Nem,  ao menos no sítio próprio, que são as conclusões, reporta,  com o rigor exigido, um concreto meio probatório ou um concreto  acervo probatório, ao facto, ou núcleo factual homogéneo, a que tal meio se reporta; antes optando por operar uma relacionação algo genérica e abstrata entre a prova e os factos impugnados

No entanto e condescendendo nesta menos curial explanação e perscrutada a prova e as alegações da insurgente, sempre se dirá o seguinte.

Desde logo porque o facto 8 da petição foi aceite e, em abstrato, poderá ser considerado suscetível de ter algum interesse para a decisão da causa segundo as várias soluções hipotizadas, urge dá-lo como provado e  considerá-lo.

Igualmente a referencia, no início da al. b) dos factos não provados à autora, é lapso material, pois que se queria dizer ré. Haverá, apenas, que corrigir o lapsus calami – artº 249º do CC – se for dado como provado.

Quanto ao mais, que é o cerne.

Relativamente aos óbices apontados ao modo como a vistoria ao contador foi realizada, eles não procedem ou são irrelevantes.

Não se compreende a relevância, para a tese da recorrente o alegado na conclusão 6.

O facto de a vistoria não ter sido realizada para verificar intervenções maliciosas no contador não significa que, visto este por qualquer motivo que seja, o técnico da EDP, se detetar anomalias no mesmo, não as verifique e  as relate.

Nem tal constitui, obviamente, qualquer abuso de direito como invocado pela recorrente.

O facto de o técnico, porventura, não ter avisado o representante da recorrente quando chegou ao local também não tem virtualidade bastante para anular ou desvalorizar a vistoria.

Precisamente porque ela não foi feita no pressuposto de ter havido desvio da corrente, mas, ao que parece, por virtude da mudança de comercializador e/ou alteração do ciclo de semanal para diário.

Ora, o artº 2º do DL 328/90 de 22.10 rege precisamente para quando «haja indícios ou se suspeite da prática de qualquer procedimento fraudulento» (nº1)

Ademais prescreve tal preceito que «O auto de vistoria será lavrado, sempre que possível, em presença do consumidor ou de quem no local o represente…».

A recorrente não provou que tal possibilidade existisse.

O alegado na conclusão 8 demonstra a ligeireza e o desplante da recorrente.

Pois que, sem qualquer fundamento objetivo válido, põe, ou parece por, em causa a honestidade do técnico da recorrida que fez a vistoria,  já que, no seu entender, tendo a vistoria sido realizada por  este técnico sem a sua presença ou de outrem, ela não é demonstrativa de nada.

Mas é exatamente o contrário.

A tais técnicos – até porque, em princípio, e versus  o que sucede com a recorrente, não têm nada a perder ou a ganhar com a denúncia de intervenções maliciosas no sistema - deve ser, ao menos presuntivamente, concedida competência, idoneidade e  fidedignidade.

 E competindo, a quem assim não entenda ou considere,  ilidir tal presunção ou provar o contrário.

O que a recorrente, mais uma vez, não conseguiu efetivar.

A recorrente joga com hipóteses meramente abstratas e académicas – para não dizer peregrinas, espatafúrdias  e até temerárias -  e demonstrativas de que deita mão de todos os argumentos e dispara em todas as direções para infirmar factos concretos que são lógicos e se inserem nas regras da experiência e do senso comum.

Indo ao  cúmulo de colocar em aberto a hipótese de o contador ter sido instalado pela empresa já com a anomalia ora detetada.

Mas se assim fosse, então sempre teria tido consumos reduzidos, o que não se verificou, pois que eles apenas aconteceram no período de cerca de 20 meses em que o contador esteve viciado.

Quanto ao ponto  conclusivo 9 o técnico que fez a vistoria foi assertivo no sentido que, pelo menos, deixou cópia da vistoria no contador. Pois que a vistoria é sempre entregue ao visado, ou, ao menos, é deixada no contador (ou, diremos nós, noutro sítio onde possa acedê-la, como, vg. uma caixa de correio).

O que importa é que ao  inspecionado  seja dada a possibilidade idónea de conhecimento da vistoria por qualquer modo adequado.

Aqui assim foi. Nada nos permite concluir o contrário, considerando o supra aludido quanto à valoração do depoimento da testemunha A (…) que efetivou a vistoria, e, bem assim, porque tal atuação é a normalmente seguida pela autora e nada inculca que no caso o não tenha sido.

Os depoimentos do representante da ré e da testemunha A (…), sua nora e a trabalhar na empresa, porque a deporem em causa própria e/ou numa posição que, direta ou indiretamente, imediata ou mediatamente, têm, ou podem ter, interesse no desfecho favorável da causa  para a autora – e sem que com isto se queira por em crise a sua idoneidade -  valem o que valem, ou seja, muito pouco.

 E, assim, apenas podendo ser relevados e valorados – ao menos decisivamente – se alcandorados em razão de ciência inatacável, e/ou corroborados por outros meios de prova. O que não se verifica.

A questão da  total desconsideração dos motivos invocados pela recorrente para justificar a diminuição dos consumos está, profusa, discriminada e mui sagazmente justificada na douta fundamentação da decisão da matéria de facto, havendo que corroborá-la e chancelá-la; e à mesma  nada ou muito pouco sendo necessário acrescentar.

Um facto determinante no sentido da bondade e veracidade do provado e não provado,  salta à vista: é que  mesmo com soluções de otimização de consumo e  aquisição de aparelhos elétricos menos gastadores, nos períodos ante e pós adulteração do contador, os consumos dispararam; e  só diminuindo acentuadamente durante o período da viciação.

Destarte, é meridianamente evidente que a acentuada baixa de consumo no período em que a adulteração se verificou, se deveu exatamente a esta atuação maliciosa.

A recorrente andou 20 meses a pagar de energia elétrica significativa/acentuadamente menos do que pagava antes. Mas não se deu ao trabalho de averiguar a causa de tal benesse.

É caso para dizer que se ela assim for tão descuidada com outros aspetos do seu negócio que não sejam tão benéficos, a empresa não irá longe.

A recorrente vai ao ponto de culpar da adulteração o vendedor do equipamento otimizador – conclusões 14 a 16 -  o que, convenhamos, é obra.

Mas as consequências de tal imputação, são, perante a prova produzida e os factos que foram e vão ser dados como provados, aqui irrelevantes. Ficarão no âmbito e âmago do relacionamento entre a insurgente e o dito vendedor.

Certo é, reitera-se, que a prova invocada pela recorrente e a interpretação que dela opera, não tem a mínima virtualidade para infirmar a curial e adequada e discriminada análise  exegética efetivada pela julgadora, no sentido de sugerir,  e, muito menos, para impor, como exige a lei, a censura da convicção da Srª Juíza.

Sendo este, inclusive, um caso  que raia a litigância de má fé; e, só com alguma condescendência, se não despoletando nesta instância recursiva procedimento atinente com vista à sua condenação a tal título.

5.1.5.

Por conseguinte, os factos provados e não provados são os determinados na 1ª instância, corrigidos apenas  com o aditamento do facto 8 da pi., a saber:

1. A autora, EDP Distribuição, exerce em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão no concelho de Condeixa-a-Nova.

2. A autora, na qualidade de operador da rede de distribuição, é a entidade responsável pelo fornecimento e instalação dos equipamentos de medição de energia instalados nos locais de consumo.

3. A autora é ainda responsável pela leitura das grandezas registadas e medidas nos referidos equipamentos de contagem.

4. Os referidos equipamentos de medição procedem à contagem e registo dos consumos de energia eléctrica, para efeitos, além do mais, da faturação dos consumos a efectuar pelos comercializadores dos respectivos clientes.

5. Tais equipamentos são fornecidos e instalados pela autora, que é também a sua proprietária.

6. Os clientes são os fiéis depositários dos equipamentos a que terceiros não tenham livre acesso.

7. Os equipamentos de contagem aplicados nos diversos locais de consumo fazem parte integrante da rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão de serviço público, pelo que são considerados de utilidade pública.

8. Autora e ré celebraram um contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado na sequência do qual a primeira abastece o local de consumo (LC 3119312), sito em (…) Viseu, em regime de baixa tensão normal (BTN), a uma potência contratada de 34,5 KvA.

9. No dia 16 de Dezembro de 2014, pelas 14h40m, a autora realizou uma vistoria ao equipamento de contagem (vulgo contador), instalado no local de consumo pertença da ré.

10. Nas referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar os técnicos ao serviço da autora verificaram que o contador se encontrava com a tampa superior e a tampa de bornes com os selos violados e os shunts das fases 1 e 2 abertos.

11. Na sequência de tal ligação directa parte da energia eléctrica consumida em tal instalação deixou de ser registada no contador, assim se alterando, para menos, a medição de consumos, com a consequente apropriação, por parte da ré, da energia eléctrica não registada, que consumia em seu proveito e à revelia da autora.

12. Ao agir conforme descrito em 9. e 10. a ré fê-lo voluntária e conscientemente, comportamento que a beneficiou em exclusivo – apropriando-se de energia eléctrica, que efectivamente consumiu e que não foi faturada – enquanto a utilizadora da instalação.

13. Detectado que foi o indicado em 9./10. – vulgo ligação directa – os técnicos da autora procederam, nessa mesma data, à correcção da anomalia, repondo os selos e fechando os shunts.

 14. O valor de energia que a ré, face aos factos descritos em 9. e 10., consumiu na referida instalação e não registada no contador no período compreendido entre 19 de Abril de 2013 a 16 de dezembro de 2014 ascende a € 17.749,46, € 17.679,86 a título de energia não registada e o remanescente a título de encargos administrativos (a primeira data a partir da qual se constatou ter ocorrido quebra do consumo de energia).

15. O montante de energia elétrica que a ré consumiu na referida instalação e não registada no contador, indicado em 14., teve por base o cálculo de consumos por estimativa, com base no histórico de leituras e consumos anteriores e posteriores, concretamente desde 2011 e até Junho de 2016, bem como o tarifário aplicável, as características da instalação de utilização e o seu regime de funcionamento.

 16. A autora enviou à ré uma carta no dia 8 de Agosto de 2017, a autora enviou uma carta à ré possibilitando a resolução extrajudicial do litígio através do pagamento do valor dos prejuízos causados no prazo máximo de dez dias, sob pena de decorrido esse prazo dar continuidade imediata ao processo.

17. Ao agir conforme descrito supra a ré fê-lo com o intuito de se apoderar de energia eléctrica, contra a vontade da legítima proprietária deste bem, bem sabendo que tal conduta era proibida por lei.

18. Desconhece-se o estado inicial do contador aquando do inicio do fornecimento, por parte da autora à ré, de energia eléctrica.

19. A vistoria referida em 9. foi realizada apenas por funcionários da autora, sem a presença de outrem.

20. A ré tomou conhecimento da realização da vistoria após a sua conclusão, altura em que os funcionários da autora lhe comunicaram o detectado e referido em 10. e 11., mais lhe tendo comunicado que já tinham resolvido tal anomalia.

 21. A autora não informou a ré que, como contra-prova do resultado da inspecção efectuada, poderia requerer à Direcção Geral de Energia a vistoria da instalação eléctrica.

22. O aparelho de medição de energia eléctrica existente no local de consumo (LC) referido em 8. encontra-se instalado fora do estabelecimento, o qual é acessível a terceiros.

23. A ré adquiriu, no dia 24 de Junho de 2013, um aparelho denominado “Controlador da corrente eléctrica”, que aplicou no local de consumo supra indicado, conforme documento de fls. 63, cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

24. A ré, por volta de igual período temporal, substituiu também equipamentos eléctricos.

 25. E colocou noutros borrachas que impediam o desperdício de energia nos electrodomésticos existentes.

26. E substituiu as lâmpadas aí existentes por lâmpadas LED.

27. Em 02/10/2013 a ré mudou de comercializador, cessando o contrato com a EDP Comercial, e iniciando nessa data com a I (…), comercializador que praticava, ao nível de facturação, preços mais baixos que a EDP Comercial.

28. Desde então as facturas que eram bimestrais passaram a mensais.

29. À ré foi apresentada a proposta de um outro comercializador para juntar o gás natural e electricidade, proposta que aceitou.

 30. A autora, através da deslocação dos seus funcionários ao equipamento de medição acima indicado, efectuou leituras reais de medição dos consumos nos dias 12/07/2013, 02/10/2013, 16/10/2013, 23/01/2014, 22/04/2014, 25/07/2014 e 21/11/2014.

31. “A Autora efetua habituais rondas de leitura e procede periodicamente, através de técnicos habilitados a vistoriar contadores, à fiscalização das instalações de consumo ligadas à rede pública, tendo em vista despistar a existência de irregularidades, designadamente adulteração dos equipamentos de contagem”.

5.2.

Segunda questão.

A Srª Juíza decidiu a causa, de jure, nos seguintes, sinóticos, termos:

a) Da Prescrição/Caducidade: Invoca a ré a caducidade e prescrição do direito pretendido exercer pela autora, com fundamento no disposto no art. 10º n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 23/96, de 26/07 que estabelece um prazo de 6 meses para a propositura da acção e prescrição de 6 meses para o prestador de serviços públicos essenciais, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos e bem ainda o prazo de 6 meses para a propositura da acção.

Contudo tal norma, salvo o devido respeito, não é aplicável ao caso dos autos. E assim acontece porque o valor que se pretende ver cobrado nestes autos refere-se ao período de contagem irregular de energia e tem a natureza de ressarcimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 3º do citado DL 328/90, de 22/10, obrigação de ressarcir esta que se destina a remover ou reparar um dano ou prejuízo sofrido por outrem, nada tendo a ver com o normal pagamento do “preço do serviço prestado” a que expressamente se refere a previsão legal do n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96, de 26/07, que pressupõe a regular/normal execução do contrato e se destina a evitar o avolumar de dívidas dos utentes por inércia do prestador de serviço, não sendo, pois, aplicável o prazo prescricional previsto neste normativo mas antes o que se prevê no art. 498º do Código Civil – neste sentido vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27/03/2017, proc. 1011/13.1T2OBR.P, …e do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/05/2017, proc. n.º 462/15.1T8VIS. C1.

Sustenta a ré que o inicio deste prazo remonta à data em que a autora tomou conhecimento da adulteração do contador, o que sucedeu em 16 de Dezembro de 2014…

…sendo embora inquestionável que a autora tomou conhecimento da suposta adulteração em 16/12/2014, data da vistoria, a verdade é que não foi nessa data que a autora tomou conhecimento da extensão integral dos danos, conhecimento integral dos danos que apenas teve após ter efectuado os cálculos que se mostram reflectidos no quadro de fls. 17/18 e que culminam no montante peticionado, cálculos esses que observaram, além do período anterior o período posterior à vistoria, incluindo o período relativo a meados do ano de 2016, concretamente até Junho de 2016 (fls. 18), o que obsta a que se entenda que a data relevante para efeitos de inicio de contagem do prazo de prescrição é a data da vistoria mas sim a data em que a autora tomou conhecimento da extensão dos danos.

E caso assim se não entendesse a verdade é que a autora sempre beneficiaria do prazo mais largo (5 anos) de prescrição previsto para o ilícito criminal correspondente, nos termos invocados pela autora e face às disposições conjugadas do art. 498º n.º 3 do Código Civil e 118º, 203º e 204º do Código Penal.

b) Em síntese, podemos afirmar que entre autora e ré foram estabelecidas relações comerciais, no desenvolvimento das quais aquela prestou serviços a esta, contra o pagamento do respetivo preço. O contrato celebrado é um contrato de fornecimento de energia elétrica, conforme aceite pelas partes.

Estabelece o art. 1º n.º 1 do DL n.º 328/90, de 22/10, que “constitui violação do contrato de fornecimento de energia elétrica qualquer procedimento fraudulento suscetível de falsear a medição da energia elétrica consumida ou da potência tomada, designadamente a captação de energia a montante do equipamento de medida, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida ou de controlo de potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra de selos ou por violação dos fechos ou fechaduras”.

Atendendo …circunstâncias de tempo, modo e lugar dadas como provadas em 9., …com a consequente apropriação, por parte da ré, da energia eléctrica não registada, que consumia em seu proveito e à revelia da autora – 10. e 11. dos factos provados – não sobrevêm dúvidas que esses actos integram a viciação fraudulenta do equipamento de medição da energia elétrica consumida. Demonstrada que ficou a viciação fraudulenta do equipamento de medição da energia elétrica consumida também não restaram quaisquer dúvidas quanto à autoria desses factos, adiantando-se desde já que a ré não logrou ilidir a presunção estatuída no n.º 2 do citado artigo …Isto porque apesar de se ter demonstrado que a ré promoveu as medidas dadas como provadas em 23. a 29. não ficou já demonstrado que a causa da diminuição dos consumos de energia eléctrica tenham sido a implementação dessas medidas,…

…encontrando-se de facto o equipamento no exterior, livremente acessível a terceiros, não ficou demonstrado que tenham sido estes terceiros a executar os actos dados provados em 10. e 11., concretamente os vendedores do aparelho indicado. E também não ficou provado, como já se disse, que a sua origem tivesse sido trepidação do exterior e ou questões climatéricas, …

E que dizer também quanto ao facto da autora não ter informado a ré que poderia exercer contra-prova, requerendo nova vistoria à Direcção Geral de Energia, conforme resulta do facto n.º 21.? Essencialmente que se trata de matéria referente às formalidades a observar na inspecção a efectuar à instalação eléctrica, as quais se mostram previstas no art. 2º do referido diploma legal…estas exigências foram, no essencial, respeitadas…conforme se colhe do ponto 9. Dessa inspecção foi elaborado o respetivo auto, que consta de fls. 15 dos autos. E ainda que a ré tenha invocado que os funcionários da autora não lhe entregaram cópia desse auto, cujo conteúdo desconheciam, a verdade é que tal não ficou demonstrado, …e recordando-se que, como flui da motivação da decisão da matéria de facto, esse auto foi de facto facultado à ré, dado que a autora deixou ficar cópia do mesmo no local do consumo. É certo que tal vistoria/inspecção foi efectuada apenas por funcionários da autora e sem que estivesse presente qualquer representante da ré ou um terceiro … este comportamento não se mostra censurável, porquanto a realização da vistoria não exige a presença do cliente ou seu representante, sendo embora aconselhável a sua presença, o que se conclui pela menção, no n.º 3 do inciso indicado, das palavras sempre que possível, o que inculca a não obrigatoriedade da presença destes. Isto é, pesar de aconselhável não é obrigatória…A circunstância da autora não ter informado a ré de que poderia requerer a realização de nova vistoria também não assume qualquer relevo, não consubstanciando tal qualquer irregularidade, dado que apenas se exigiria a prestação dessa informação se porventura a autora tivesse optado por interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada, o que não fez.

Com efeito, da leitura conjugada dos arts. 4º n.º 1 e 3º n.º 1 resulta, sem qualquer hesitação, que a obrigatoriedade de informar os direitos para contra-prova apenas surge nas hipóteses em que o distribuidor opta por interromper o fornecimento…

Assim, encontramo-nos perante uma situação de existência de violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor, gozando o distribuidor dos direitos previstos no art. 3º do identificado diploma legal, e que correspondem: a) a interrupção do fornecimento de energia elétrica (o que a autora não fez), e b) o ressarcimento do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude, bem como os juros estabelecidos para as dívidas ativas do distribuidor.

 Os critérios para a determinação do valor do consumo irregularmente feito estão previstos no art. 6º do mesmo diploma, resultando dos autos que foi com base nos mesmos que a autora procedeu ao cálculo da quantia a que tem direito – conforme acima referido. ..nos termos do art. 8º do mesmo diploma…a ré não requereu a arbitragem e, por outro, os dados por si invocados para que se concluísse pelo exagero das quantias cobradas não se mostram fundamentados, porque não demonstrados. ..Ademais, mostra-se assente, em 15., que o montante de energia elétrica que a ré consumiu na referida instalação e não registada no contador, indicado em 14., teve por base o cálculo de consumos por estimativa, com base no histórico de leituras e consumos, bem como o tarifário aplicável, as características da instalação de utilização e o seu regime de funcionamento, procedimento que nos permite afirmar que o cálculo foi efectuado em consonância com a previsão do n.º 1 do art. 6º do diploma legal acima indicado. Assim, e conforme flui do ponto 14., o valor de energia que a ré, face aos factos descritos em 9. e 10., consumiu na referida instalação e não registada no contador no período compreendido entre 19 de Abril de 2013 a 16 de dezembro de 2014 ascende a € 17.679,86 Procederá, assim, a presente ação, sendo devido juros de mora peticionados, nos termos do disposto no art. 6º do DL n.º 328/90 e do Regulamento n.º 468/2012, de 12/11, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.»

Este discurso apresenta-se, em tese, curial, na sua essencialidade relevante,  exceto num ponto: o início da contagem do prazo de prescrição do nº1 do artº 498º do CC; e, considerando os factos provados no caso concreto,  alcança-se como adequado.

 Quanto ao reparo.

Como dimana claramente da letra de tal preceito -  1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso - , o dies a quo da contagem  do prazo tem de ser considerado a partir da data do conhecimento do direito que lhe compete, mesmo que o lesado desconheça o responsável ou a extensão integral dos danos, e não, como expendido na sentença,  a partir da data  do conhecimento integral dos danos.

 A letra da lei é, aqui, inequívoca, e a interpretação frontalmente contrária à  mesma, assume-se, pois, como inadmissível – artº 9º nº2 do CC.

Quanto ao mais a sentença não merece censura.

Liminarmente há que dizer que o facto adicionalmente provado nesta instância se revela irrelevante, ou inócuo, para a tese da recorrente.

Apenas demonstra que durante o período em que vigorou a viciação – cerca de 20 meses – não foi feita nenhuma vistoria para aferir da adulteração do contador. E daí não podendo retirar-se qualquer conclusão quanto a este sempre ter estado adulterado ou ter sido viciado por qualquer motivo acidental ou por outrem que não a recorrente.

Ademais, e quanto à  invocada prescrição do direito da autora.

Estando, patentemente, provado a prática pela ré do crime de furto de eletricidade, aplica-se, pois, o disposto no nº3 do artº 498º do CC.

Praticando a ré, pelo  menos um furto simples, p. e p. no artº 203º do CP com prisão até três anos, sendo o prazo de prescrição de tal crime de cinco anos – artº 118º nº1 al.c) do CP, tendo a autora conhecimento do ilícito em Dezembro de 2014 e tendo a ação sido instaurada em Agosto de 2018, é evidente que o direito da autora não estava ainda prescrito.

A ré diz que não tem aplicação o n.º 3 do art.º 498.º do C.C., porquanto não ficou provado o elemento subjetivo correspondente ao crime de furto e dano, a culpa/dolo ou negligência da Recorrente.

Em primeiro lugar, e ao menos na economia dos factos provados e para o que ora releva, tal elemento ficou provado – vide facto do ponto 12.

Depois, e ao contrário do que parece transparecer desta asserção, aquela segmento normativo não exige uma condenação transitada em julgado com prova dos elementos – objetivo e subjetivo – do crime.

Basta,  como ressuma dos termos da lei, que o «o facto ilícito constitua crime», ou seja, que, em abstrato e indiciariamente, possa subsumir-se na previsão do tipo legal criminal.

Na verdade:

«…para efeitos n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, o facto cuja ilicitude criminal determina o alongamento do prazo de prescrição há-de ser (meramente) um facto imputável a tal condutora.» - Ac. RC de 08.05.2019, p. 4637/17.0T8LRA-B.C1 in dgsi.pt.

( entre parentesis e sublinhado nossos)

 Relativamente à nulidade da vistoria já se viu em sede de decisão da questão anterior que ela inexiste.

 Efetivamente, o artº 2º nº3 do DL 328/90 de 22.10  estatui:

«3 - O auto de vistoria será lavrado, sempre que possível, em presença do consumidor ou de quem no local o represente, designadamente um seu familiar ou empregado, e deverá ser instruído com os elementos de prova eventualmente recolhidos; deste auto será deixada cópia ao consumidor.»

Já se viu que a vistoria não teve na sua génese uma suspeita de adulteração do contador, mas resultou de uma ida ao local por outros motivos que não aquele.

Logo, mal se compreende que o auto tivesse de ser obrigatóriamente lavrado na presença do consumidor. Pois que se nem o funcionário da autora que foi ao local sabia o estado em que o contador estava!

Ademais, e como se mencionou, a ré, como lhe competia, não provou que tal presença era possível.

 Depois,  e porque se provou  que da vistoria lhe foi dado conhecimento  após a sua conclusão  - ponto 20 – se a ré entendia que nada tinha a ver com a adulteração poderia requerer, ela própria, uma vistoria ao contador, como o prevê o nº2 do artº 5º do cit. DL, a saber:

 2 - Sempre que o consumidor entenda não ter cometido qualquer fraude, poderá requerer à Direcção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação eléctrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas.

Mas a recorrente nada fez e só se insurgiu quando recebeu a conta para pagar e foi instaurada a ação.

A questão da não realização da vistoria com a presença da ré e, até, a eventual – não provada – falta de entrega da cópia da mesma à ré, não implicam qualquer nulidade procedimental, porque, como se viu, tais atuações não são imperativas, mas apenas têm lugar quando possível; e, ademais, nem a lei para eles comina tão fulminante sanção.

E assim o entendendo a jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, a saber:

«Resulta da factualidade apurada que não foi entregue ao Autor cópia do auto de vistoria, o que o nº 3 do artigo 2º estabelece para a vistoria feita somente pelo distribuidor.

Mesmo entendendo-se que, tratando-se de uma inspecção feita logo em conjunto com a DRCIE, seria exigível a entrega ao consumidor de uma cópia do respectivo auto, a verdade é que estaríamos perante uma irregularidade sem qualquer relevância, tanto mais que o Autor apenas invoca tal omissão para alegar - falsamente, diga-se - que não teve sequer conhecimento de qualquer procedimento fraudulento susceptível de falsear a medição de energia eléctrica por si consumida .» - Ac do STJ de 13.02.2013, p. 03A2745 in dgsi.pt.

(sublinhado nosso)

Enfim, tal nulidade, se existisse,  apenas poderia, eventualmente, produzir efeitos no âmbito do procedimento previsto no DL328/90.

Mas,  salvo no caso excecional em que o consumidor prove que tais omissões  se assumiram, de todo em todo, determinantes para ser cerceado do  seu direito defesa,  não afeta o cerne da questão como o da presente ação: houve, ou não, adulteração do contador por parte a ré?

Provou-se que sim, tendo a autora até cumprido probatoriamente mais do que lhe era exigível, pois que beneficiava da presunção nesse sentido estabelecida no artº 1º nº2 do mencionado diploma,  sendo que a recorrente não logrou ilidir tal presunção e, muito menos, provar o contrário do apurado.

A invocada aplicação do artº 344º nº2 do CC outrossim se mostra insubsistente.

Reza este segmento normativo:

«2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado...»

Como dimana do preceito e constitui jurisprudência pacífica:

«A figura da inversão do ónus de prova, pressupondo que a revelação de particularizado circunstancialismo factual se tornou impossível de fazer, por acção ou omissão da parte contrária, exige similarmente que esta contingência lhe possa ser atribuível a título de culpa sua;» - Ac. do STJ de 14.07.2016, p. 2100/13.8TJLSB.L1.S1

Ora inexistem factos provados que clamem a conclusão de que a autora  atuou de modo a impedir a ré de fazer prova do que quer que seja.

E, muito menos, que atuou culposamente nesse sentido, ou seja, através de uma ação ou omissão que possa ser censurável, e, assim, ser-lhe ético-juridicamente imputável com tal jaez.

Antes pelo contrário, provou-se que  o funcionário da autora deu conhecimento à ré da vistoria – facto 20 -, pelo que esta, perante o teor da anomalia detetada, poderia defender-se como entendesse, logo desde a tomada de tal conhecimento.

O que não fez, e apenas atuando serodiamente, quando foi confrontada com a exigência do pagamento, e com argumentos peregrinos e que vão contra a experiência da vida, as regras da lógica e o senso comum.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A convicção do juiz  a quo, máxime quando alicerçada essencialmente em prova pessoal, apenas pode ser censurada se se concluir com segurança que  está inquinada e ferida de erro na apreciação do acervo probatório produzido ou padecer de contradição lógica insanável.

II – O prazo de 6 meses de caducidade e de prescrição previsto no art. 10º n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 23/96 de 26/07 não se aplica aos  direitos e ações  derivados de apropriação indevida de eletricidade nos termos do DL328/90 de 22.10.  

III - A aplicação do prazo do nº3 do artº 498º do CC não exige uma condenação com prova dos elementos – objetivo e subjetivo – do crime, bastando que os factos provados relativos ao agente possam subsumir-se na previsão de um tipo legal criminal.

IV - A  vistoria ao contador a que alude o artº 2º DL 328/90 de 22.10   não tem de ser realizada, necessária e inelutavelmente, perante a presença do consumidor, e se o não é, ou se não lhe  é entregue cópia da mesma, estas irregularidades não acarretam, por via de regra, nulidade que impeça a prova, em processo cível, da viciação do contador.

V - A inversão do ónus da prova prevista no artº 344º nº2 do CC exige que o interessado convença de uma atuação culposa -  ie., ético juridicamente censurável -, da outra parte.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2020.11.03.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos