Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
791/16.7PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 03/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1.º, N.º 1, ALÍNEA F), 358.º, 359.º E 379.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - O artigo 358.º do Código de Processo Penal consagra uma comunicação que incumbe ao tribunal fazer, que transmite um juízo necessariamente provisório, que, depois de sujeito ao contraditório prescrito no preceito, terá ou não projecção na decisão da matéria de facto fixada na sentença ou acórdão que vier a ser proferido.

II - Dada a sua natureza provisória, a comunicação em causa não afecta, em si mesma, os direitos do arguido, razão pela qual a lei não estabelece qualquer sanção para a sua omissão em momento anterior ao da prolação da sentença.

III - O tribunal está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação ou pela pronúncia, que deve manter-se inalterado até ao trânsito em julgado da condenação, como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem de defender-se dos factos acusados e não de outros e que apenas por esses factos poderá ser condenado, mas tal não impede que o tribunal, na sua actividade cognoscitiva e decisória, atenda a factos que não foram objecto da acusação, sejam quais forem as circunstâncias.

IV - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação, o tribunal pode deles conhecer desde que ocorrida nos casos e condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.

V - Em cada caso há que determinar se ocorre uma alteração de factos, ocorrendo há que verificar, depois, se ela é substancial ou não substancial e, perante essa definição, desencadear os mecanismos legais previstos para assegurar o exercício dos direitos de defesa.

VI - A alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo, ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, determinando a reformulação do objecto do processo, operada pelo acordo dos sujeitos processuais com vista à rápida resolução do litígio, tudo sem intervenção do julgador e, portanto, sem trair o princípio do acusatório.

VII - A alteração de factos que desencadeia a necessidade de comunicação a que alude o artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo tem que ser relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.

VIII - Não existe alteração dos factos integradora do artigo 358.º quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, quando na sentença são descritos os mesmos factos da acusação ou da pronúncia com uma formulação distinta, ou quando se explicitam, pormenorizam ou concretizam factos, já narrados sinteticamente na acusação ou na pronúncia, que não sejam relevantes para a tipificação ou para a verificação de qualquer agravante qualificativa.

Decisão Texto Integral:
Relatora: Cristina Pego Branco
1.º Adjunta: Alexandra Guiné
2.º Adjunta: Ana Carolina Cardoso

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I. Relatório

1. … foram submetidos a julgamento os arguidos AA … e BB … pela prática, cada um, em autoria material, de um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1, do CP.

2. Realizado o julgamento, no decurso do qual foi comunicada ao arguido AA uma alteração da qualificação jurídica dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, foi proferida sentença na qual foi decidido, para além do mais (transcrição):

«A. Absolver AA da prática, no dia 29.07.2016, de um crime de extorsão p.p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, mas, por convolação deste,

B. Condenar AA pela prática, no dia 29.07.2016. em autoria material, na forma consumada, de um crime de coacção agravada p.p. pelos arts. 154.º n.º1 e 155.º n.º1, alínea a), por referência ao art. 131.º. todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

C. Suspender a execução da pena de prisão fixada pelo período de 2 (dois) anos.

D. Condenar AA nas custas criminais, fixando a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta).

***

E. Absolver BB da prática, no dia 29.07.2016, de um crime de extorsão p.p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal.

F. Sem custas processuais. (…)»

3. Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido AA o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«1 - Em primeiro lugar, importa referir que a imposição ao arguido, que se encontra concentrado na defesa contra uma acusação da prática do crime de extorsão, de um ónus processual de imediatamente ter de reagir contra o erro de qualificação cometido pelo tribunal sobre a natureza da nova imputação dos factos e respectiva subsunção jurídica que lhe é feita no decurso do julgamento, da qual decorre que passa a responder pelo crime de coação agravada, dificilmente se concilia com o reconhecimento de que o direito de defesa não pode deixar de demandar a disponibilidade de um tempo razoável de reflexão que permita exercê-lo de modo efectivo e eficaz, surgindo como um cerceamento manifestamente desproporcionado.

3 - Em segundo lugar, não se vê razão suficiente para colocar o arguido, sem a sua concordância, em posição substancialmente diferente quanto à oportunidade do exercício do seu direito de defesa da que dispõe quando é notificado da acusação ou da pronúncia “originárias”, como decorre do entendimento do mesmo ser obrigado a reagir imediatamente contra o despacho de alteração do thema do processo prolatado pelo tribunal no decurso do julgamento, quando este importe uma alteração substancial da acusação ou da pronúncia.

4 - Por outro lado, a comunicação feita pelo tribunal não poderá deixar de ser vista pelo prisma do princípio de processo penal de fair trial, ou seja, um processo leal, apanágio do processo penal de um Estado de direito (formulação acolhida do Acórdão n.º 394/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., II, págs. 1087 e segs.).

5 - Assim sendo, não é de exigir que o arguido deva olhar, imediatamente, com desconfiança para a qualificação da alteração temática do processo, dado que a mesma é feita por um tribunal que deve agir com imparcialidade e independência e que está obrigado a respeitar o seu estatuto processual.

6 - Nesta linha de pensamento, não só não é de impor ao arguido qualquer ónus de tomada imediata de posição quanto à correcção da qualificação da alteração feita, como se impõe concluir que, na medida em que implica um “encurtamento inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável das possibilidades de defesa”, haverá que considerar-se constitucionalmente ilegítimo o entendimento normativo seguido pelo tribunal a quo.

7 - Ademais, não poderá sem quaisquer reservas valorar-se como correspondendo ao seu acordo com a alteração substancial dos factos a circunstância de o arguido nada ter oposto imediatamente à comunicação.

8 - É que, mesmo a sustentar-se … a possibilidade de formação de um acordo tácito, em caso de silêncio do arguido, não será de inferir esse sentido fora do quadro dos pressupostos constitutivos dos motivos determinantes da vontade: ora ao arguido foi comunicado que a alteração temática do processo tinha a natureza de não substancial, em contrário da natureza que lhe atribuiu a sentença recorrida.

10 – Destarte, a comunicação ao arguido de que a alteração temática do processo tem a natureza de alteração não substancial quando, em boa verdade, ela tem a natureza de substancial corresponde a dar-lhe conhecimento de um estatuto substantivo diferente relativo à sua posição processual de arguido em uma tal situação, estatuto esse que comporta, mesmo à face do direito infraconstitucional, uma diminuição dos seus direitos de defesa e, consequentemente, não pode deixar de considerar-se como violado o n.º 1 do art.º 32º da CRP.

4. O recurso foi admitido, por despacho de 01-06-2022 (Ref. Citius 100480491).

5. O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, na qual conclui … não se não se encontra em violação com qualquer norma ou preceito legal ou constitucional, inclusive, o disposto no n.º 1, do artigo, 32º., da Constituição da República Portuguesa, em contrário do alegado pelo recorrente.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

… a única questão colocada pelo recorrente prende-se com a sua condenação pela prática de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 131.º, todos do CP, considerando que se verifica uma alteração substancial dos factos da acusação, em violação dos seus direitos de defesa e que deve ser revogada a decisão recorrida no que concerne à sua condenação pelo referido ilícito.

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2. Da decisão recorrida

Previamente à apreciação das questões suscitadas, vejamos qual a fundamentação que consta da sentença recorrida.

«A - Factos Provados

1. Em meados do ano de 2016, o arguido AA começou a reclamar junto do ofendido CC, o pagamento da quantia de 15.000 euros (quinze mil euros), alegando que este lhos devia, por causa de um negócio de importação de veículos usados, que correu mal.

2. O arguido AA telefonou diversas vezes para o ofendido, reclamando o pagamento daquela quantia, e dizendo ao ofendido, que se não se encontrasse com ele para lhe pagar, "iria sofrer represálias".

3. O ofendido negou-lhe a entrega do montante que aquele exigia.

4. Como o arguido lhe dizia que se não lhe pagasse, a sua vida e a vida dos seus familiares estava em perigo, o ofendido, com receio do que o arguido pudesse fazer, em 29.07.2016, entregou ao arguido o cheque nº...16,, no valor de 4.000 euros, da conta bancária nº...01, sedeada no Banco BIC, titulada pela sociedade "L..., Lda.", da qual era legal representante.

5. O arguido, por si ou por intermédio de outrém, foz apor o nome da arguida BB em "à ordem de" e apresentou-o a pagamento no balcão da C.G.D., em 01.08.2016, depositando-o na conta nº...00, titulada pela arguida BB, sedeada naquele banco.

6. Em 03.08.2016, a arguida BB, dirigiu-se ao balcão da C.G.D. e levantou a quantia de 3.497,49 euros, daquela sua conta bancária, e entregou o dinheiro ao arguido AA.

7. No dia 07.10.2016, o arguido AA, dirigiu-se às instalações da sociedade "L..., Lda.", situadas na Rua ..., em ..., ..., pretendendo que o ofendido lhe entregasse os 11.000 euros, que, em seu entendimento, ainda tinha por receber.

8. Ali chegado, o arguido, movido de grande exaltação, interpelou o ofendido, e disse-lhe que "se não lhe desse o dinheiro, iria pagar bem caro, que as coisas não iriam ficar assim, que se tinha metido com o demónio".

9. O arguido AA e o ofendido envolveram-se numa violenta discussão, que foi interrompida por DD, que se encontrava no local, e conseguiu conduzir o arguido AA para a rua.

10. No decurso da discussão, o arguido AA, enfurecido, disse ao ofendido "que o matava, que sabia onde era a casa dele, e que conhecia as filhas dele!".

11. O arguido AA saiu dali e dirigiu-se, de imediato, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-QL-.. (de marca ... e modelo ..., para junto da residência do ofendido, situada na Rua ..., ..., ....

12. Ali chegado, o arguido AA foi abordado por EE, sobrinho do ofendido, que ali se encontrava, e a quem o arguido disse, em tom irado, "que tinha estado no escritório do seu tio, e que tinha estado preso por causa do seu tio, e que ele iria pagar por isso, e que o seu tio tinha acabado de fazer a sua cova, onde se iria enterrar. Que o seu tio não sabia com quem se tinha metido!".

13. Com medo que o arguido AA viesse a fazer mal à sua família, o ofendido, que estava convencido de que o arguido AA tinha armas de fogo na sua posse, pediu ajuda à G.N.R., cujos Militares de patrulha, se deslocaram ao local.

14. O arguido AA, telefonou, por diversas vezes, para o ofendido, dizendo "Tu gostas muito da tua família, não gostas? Não sabes com quem é que te meteste, meteste-te com o demónio!", "Vou-te estragar a vida, não te vais ficar a rir".

15. O arguido AA actuou com o único propósito de levar o ofendido a entregar-lhe dinheiro, fazendo-o acreditar que se não lhe entregasse as quantias de dinheiro que pretendia, iria atentar contra a sua integridade física e da sua família.

16. O arguido AA conseguiu receber o dinheiro titulado pelo cheque que o ofendido lhe entregou, do qual se apossou e foz seu, causando ao ofendido o correspondente prejuízo patrimonial.

17. O ofendido entregou o aludido cheque, ao arguido AA, receando que se não o fizesse, este poderia fazer-lhe mal, a si e à sua família, ademais que o arguido sabia onde residiam.

18. O ofendido era contactado, quase diariamente, pelo arguido, e os telefonemas que recebeu fizeram-no sentir medo e receio pelo seu bem-estar e saúde, causando-lhe grande inquietação relativamente ao bem-estar da sua família.

19. O arguido AA quis levar a cabo as descritas condutas, com o propósito de obter dinheiro do ofendido, o que fez e conseguiu.

20. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

Mais se provou:

21. Desde a prática dos factos acima descritos, o arguido AA não voltou a interpelar ou contactar o ofendido CC.

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22. O arguido AA foi condenado:

i. por acórdão proferido a 14.03.2008, transitado a 14.04.2008, pela prática, a 15.08.2007, de dois crimes de roubo, um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 266/07.... do [extinto] ... Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo);

ii. por sentença proferida a 14.09.2011, transitada a 30.04.2012, pela prática, a 22.03.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão substituída por 45 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 74/11.... do [ extinto] 2.º Juízo Criminal de Leiria);

iii. por sentença proferida a 24.04.2013, transitada a 24.04.2013, pela prática, a 15.06.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão suspensa, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 184/12.... do [extinto] 3.º Juízo Criminal de Leiria);

iv. por sentença proferida a 23.03.2015, transitada a 04.05.2015, pela prática, a 23.08.2013, de dois crimes de ofensa à integridade física simples e de dois crimes de ameaça agravada, na pena única de 185 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 256/13.... do Juízo Local Criminal de Leiria, Juiz 3);

v. por sentença proferida a 17.12.2018, transitada a 06.02.2019, pela prática, a 11.03.2016, de um crime de burla qualificada, na pena de 250 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento (processo 622/16.... do Juízo Local Criminal de Viseu, Juiz 2).

23. O arguido exerce actividade profissional por conta de outrem pelo menos desde Março de 2020, tendo auferido, no mês de Outubro de 2021, o vencimento mensal declarado no valor de 1.350,00€.

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B - Factos Não Provados

Não se provou, nomeadamente:

a. Nas circunstancias descritas em 3), o ofendido não tinha qualquer dívida para com o arguido.

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3. Da análise dos fundamentos do recurso

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A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal prende-se com a circunstância de, após lhe ter sido comunicada, no decurso da audiência de julgamento, uma alteração da qualificação jurídica dos factos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, ter sido condenado pela prática de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 131.º, todos do CP, em lugar do crime de extorsão, p. e p., pelo art. 223.º, n.º 1, do CP, que lhe vinha imputado na acusação.

Na sua motivação, o recorrente começa por afirmar que o “despacho” proferido em audiência viola o preceituado nos arts. 1.º, n.º 1, al. f), 358.º e 359.º, todos do CPP, porquanto a alteração comunicada configura uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, já que traduz a imputação de um crime diverso daquele que lhe vinha imputado, e que, ao consignar no despacho que se tratava de um caso de alteração não substancial dos factos e ter procedido em conformidade com o disposto no art. 358.º do CPP o Tribunal recorrido violou ainda o princípio do contraditório e as garantias de defesa do processo criminal (art. 32.º, n.º 1, da CRP).

Afirma que, em consequência, tal despacho é nulo, devendo tal vício ser declarado e ordenada a sua substituição por outro que cumpra os ditames do art. 359.º do CPP, e ainda que, declarada que seja a nulidade da sentença, «deve o Tribunal manter a absolvição do arguido pela prática do crime de extorsão, mandar extrair certidão de todo o processado, ordenar o arquivamento do processo e remeter essa certidão ao Ministério Público (vide artigo 359º, n.º 1, do Código Penal).»

Já no petitório formulado a final, em contradição com o pedido de declaração de nulidade da sentença, pretende que, na procedência do recurso, seja a mesma revogada na parte em que o condena pela prática do crime de coacção agravada.

Atentemos, em primeiro lugar, na discordância manifestada pelo recorrente relativamente ao “despacho” lavrado em acta.

O art. 358.º do CPP estabelece que:

«1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»

Trata-se, como é bom de ver, de uma comunicação que ao Tribunal incumbe efectuar e não de um despacho – acto decisório previsto no art. 97.º do CPP.

Essa comunicação transmite um juízo necessariamente provisório que, depois de sujeito ao contraditório, por força do formalismo prescrito no mesmo preceito, terá ou não projecção na decisão da matéria de facto fixada na sentença ou acórdão que vier a ser proferido.

Dada a sua natureza provisória, a comunicação em causa não afecta, em si mesma, os direitos do arguido, pelo que bem se compreende que a lei não estabeleça qualquer sanção para a sua omissão (quer no caso do art. 358.º quer no do art. 359.º) em momento anterior ao da prolação da sentença.

Antes da decisão final, ao arguido apenas assiste o direito - que no presente caso entendeu não exercer – de se defender dos “novos factos” ou da “nova qualificação jurídica”.

Só uma vez proferida a decisão final, na qual o Tribunal fixa definitivamente a matéria de facto, poderá verificar-se se o arguido foi efectivamente condenado por esses “novos factos” ou essa “nova qualificação jurídica” e se ocorreu a violação do preceituado nos arts. 358.º e 359.º, que a lei processual penal considera constituir nulidade da sentença (cf. art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP).

Em suma, anteriormente a esse momento, não existe um acto decisório mas apenas uma comunicação, necessariamente provisória, que, em si, não afecta qualquer direito de defesa (sendo, por isso, irrecorríve[1]l), pelo que não tem qualquer cabimento legal a pretensão de declaração de nulidade de tal “despacho”.

O que, no presente caso, não prejudica a apreciação da questão colocada pelo recorrente, que vem igualmente reportada à decisão final (embora sem fazer referência à norma legal ao abrigo da qual peticiona a declaração de nulidade da sentença, que é, evidentemente, o art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP), sendo certo que, a ocorrer a mencionada nulidade da sentença, a mesma sempre seria de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal.

Vejamos então se, relativamente à sentença recorrida, assiste razão ao recorrente.

Dada a estrutura acusatória – integrada pelo princípio da investigação judicial – do nosso processo penal, o Tribunal está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação (ou pela pronúncia, tendo havido instrução).

«O objecto do processo é a acusação, enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo de subsunção jurídico-penal. Esse é o quid que se tem de manter idêntico até à decisão final (a eadem res), não obstante as mutações que venha a sofrer.»[2]

Trata-se do princípio da vinculação temática, segundo o qual a regra é a de que esse «pedaço da vida real portador de uma unidade de sentido» deve manter-se inalterado até ao trânsito em julgado da condenação, como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem de defender-se dos factos acusados e não de outros e que apenas por esses factos poderá ser condenado.

Daí que a lei processual penal fulmine com nulidade a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação (ou na pronúncia), fora dos casos e condições previstos nos arts. 358.º e 359.º do CPP (art. 379.º, n.º 1, al. b), do CP).

Contudo, o aludido princípio da vinculação temática não pode ser entendido e aplicado com uma rigidez tal que o Tribunal fique impedido na sua actividade cognoscitiva e decisória de atender a factos que não foram objecto da acusação, sejam quais forem as circunstâncias.

Na verdade, em certas circunstâncias, e no que à fase de julgamento respeita, o legislador possibilita o conhecimento de novos factos e a condenação do arguido por eles.

Como ensina Germano Marques da Silva[3], «por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo».

Assim, se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação (ou na pronúncia, se a houver), o Tribunal pode deles conhecer desde que, oficiosamente ou a requerimento, comunique tal alteração ao arguido e lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, salvo se a alteração em causa tiver derivado de factos alegados pela defesa (art. 358.º, n.ºs 1 e 2 do CPP).

Se a alteração dos factos descritos na acusação (ou na pronúncia) for substancial – de acordo com o definido no art. 1.º, al. f), do CPP – já o Tribunal só poderá deles conhecer se, feita a sua comunicação, o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos e a alteração não determinar a incompetência do Tribunal, devendo ainda ser concedido ao arguido, caso este o requeira, prazo para a defesa não superior a dez dias (art. 359.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPP).

Nesse caso, refere Frederico Isasca[4], dá-se uma reformulação do objecto do processo, operada pelo acordo dos sujeitos processuais com vista à rápida resolução do litígio, tudo sem a menor intervenção do julgador e, portanto, sem trair o princípio do acusatório.

Na ausência desse acordo, a alteração substancial dos factos não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância, só valendo como denúncia para procedimento por novos factos se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo, no sentido de implicarem «“uma variação dos que constituem o objecto daquele processo em concreto” (TERESA BELEZA, 1999:88, e, já antes, GIL MOREIRA DOS SANTOS, 1992:614), ou, dito de outro modo, devem ainda incluir-se no âmbito do mesmo “facto histórico”»[5].

Em relação aos factos não autonomizáveis, não há qualquer procedimento, uma vez que o legislador, com a alteração ao n.º 1 do art. 359.º introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, optou claramente pelo afastamento da suspensão ou extinção da instância.

Esta orientação foi julgada conforme à CRP pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 226/08[6], no qual se lê, para além do mais, que « (…) o problema da alteração, em fase de julgamento, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia é um ponto de convergência e tensão entre os princípios do acusatório e do contraditório, por um lado, e os princípios da legalidade da acção penal, da verdade material e da celeridade processual, por outro. Mediante o novo regime, o legislador optou por conferir mais intensa realização ao princípio do acusatório, com possível sacrifício da verdade material e da legalidade.»

«“Alteração substancial dos factos” significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa. É este o sentido da definição constante do art. 1.º, n.º 1, al. f), do CPP para «alteração substancial dos factos», que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».

A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

“Alteração não substancial” constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal. A alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.»[7]

Segundo Leones Dantas[8], «hoje o processo é entendido como um todo, desde a notícia do crime que lhe marca o início até à execução da decisão que venha a ser proferida (…) e visto o processo como um todo, a questão do objecto não é pois uma questão de instrução ou do julgamento, mas uma questão de todas as fases do processo (…).

Uma das implicações do princípio da acusação é a vinculação temática do tribunal à conformação do caso submetido à sua apreciação pela entidade que a solicita.

Assim, o tribunal terá de se mover na apreciação do caso nos parâmetros que são definidos por uma entidade que lhe é estranha.

Este princípio pretende acautelar o arguido de novas imputações surgidas no âmbito da actividade do tribunal, o que lhe retiraria a possibilidade de estruturar a sua defesa em relação às mesmas.

Contudo, embora o processo penal tenha uma estrutura basicamente acusatória, ele não é um processo acusatório puro.

Daí que o legislador não tenha deixado o juiz na completa dependência dos sujeitos processuais relativamente às diligências tendentes ao esclarecimento dos factos sobre os quais irá formular a sua decisão.

(…) Ao processo penal estão subjacentes preocupações de justiça que impõe uma mais completa indagação da verdade permitindo que a versão dos factos construída no processo e a realidade se aproximem.

No fundo mais uma demonstração de concordância prática, através da qual se articulam proposições aparentemente em litígio, mas cuja concordância se impõe para a realização dos objectivos mais vastos do processo.

Conseguiu-se desta forma harmonizar os interesses da defesa do arguido e que inspiram a estrutura acusatória do processo, com a investigação da verdade material essencial a uma ideia de justiça.

Desta articulação resultam assim a fixação do objecto do processo – definindo ao tribunal um tema de investigação –, e a fixação das condições em que a conformação dos factos resultantes daquele tema pode ser alterada.

Assim, enquanto no inquérito o M.P. investiga livremente em quadro aberto, na busca de todos os elementos do acontecimento investigado susceptíveis de uma valoração jurídico-penal, na instrução e no julgamento o tribunal depara-se já com uma modelação do acontecimento resultante das peças processuais que definem o objecto do processo.

Apesar de enquadrado nesta modelação, o tribunal desencadeia diligências que podem trazer para o processo outros aspectos do acontecimento alheios àquela modelação e que podem alterar até a configuração da mesma.

O que a questão da alteração do objecto do processo vai esclarecer é precisamente definir as condições em que estes novos elementos podem ser submetidos à actividade cognitiva do tribunal e fundamentar a decisão.

Esta questão da alteração é abordada no processo penal a partir do conceito de alteração substancial dos factos (…)».

Tudo acaba, pois, por se reconduzir à definição do que seja alteração substancial dos factos, e, tendo presente o que acima já se deixou dito, mais concretamente àquilo que deve entender-se por crime diverso, sendo que o processo penal é uma realidade dinâmica (incluindo no que tange com o seu objecto), naturalmente dentro dos limites legalmente impostos.

O mesmo autor diz-nos ainda que «crime diverso deve pois ser entendido como facto processual diverso.

Por facto processual deve entender-se o acontecimento da vida valorado à luz de todas as normas jurídico-penais que no caso concorram e que justificam a aplicação ao seu autor de uma reacção criminal (…).

O conceito de alteração substancial vai assim dizer-nos quais as mudanças que aquele acontecimento pode sofrer na sua configuração sem que ponham em crise os valores essenciais do processo, nomeadamente os que se prendem com a sua estrutura e com a unidade e indivisibilidade do respectivo objecto.

Na linha do pensamento de Souto Moura diremos que o facto processual ainda será o mesmo quando o acontecimento histórico que enquadra ainda seja visto pelo comum das pessoas como sendo o mesmo.

Torna-se pois necessário que o facto inicialmente considerado e o facto resultante da alteração ainda sejam vistos no âmbito social como sendo o mesmo acontecimento (…)».

Do exposto resulta um primeiro critério a que é possível atender – verificar se o facto histórico inicialmente considerado e o facto resultante da alteração são vistos no âmbito social como sendo o mesmo acontecimento.

Conforme melhor se expôs no Acórdão do STJ de 18-07-2008[9]:

«Quando a al. f) do art. 1.º do CPP nos diz que alteração substancial dos factos é aquela que «tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites das sanções aplicáveis», e deixando de lado esta última hipótese, pensada para situações em que os factos novos representam agravantes qualificativas especiais, somos confrontados com a necessidade de estabelecer um sentido para o conceito de “crime diverso”. Só assim poderemos constatar se houve ou não alteração substancial dos factos, o mesmo é dizer, se ocorreu ou não, por essa via, uma modificação intolerável do objecto do processo.

Duas notas são de adiantar, a tal propósito:

- por um lado, o conceito de “crime diverso” terá que ter uma natureza processual e não substantiva, porque ao serviço do apuramento da alteração substancial dos factos, o mesmo é dizer, se ocorreu ou não, que por sua vez presta homenagem ao princípio acusatório, e, no fundo, serve os interesses da defesa; de tal modo que não se poderá confundir com a ideia de tipo legal de crime diverso (poderemos estar perante “crime diverso” mantendo-se o tipo legal, e poderemos não estar perante “crime diverso” pese embora a mudança de tipo);

- por outro lado, importará recorrer, na determinação do conceito, tanto a um critério normativo, jurídico-penal, como a um critério simplesmente sociológico, que se centre sobre o facto histórico ocorrido.

Haverá que apurar, como ponto de partida, com recurso a um critério normativo, se o significado jurídico-penal da primeira representação hipotética do acontecimento, confrontada com representações ulteriores, não configura a lesão de outra categoria de bem jurídico, ou seja, se não surgirá entre ambas uma relação de concurso aparente, com o que, em princípio se não estará perante um “crime diverso”.

Só que, sempre importará averiguar se o acontecimento histórico, de acordo com uma tal segunda representação do ocorrido, se distingue radicalmente da primeira versão do mesmo. No sentido de que o evento histórico será radicalmente diferente quando, numa abordagem pré-jurídica da factualidade, possamos dizer que partimos de um facto para chegar a outro que nada tem a ver com o primeiro.

Por último, será ainda com recurso a critérios não normativos, que se terá que concluir pela não diversidade do crime, nas situações em que os factos novos impliquem lesão de bens jurídicos diferentes, e portanto um concurso efectivo de crimes, designadamente ideal, mas os factos antes adquiridos para o processo formem com os novos uma “unidade natural” forte. Um pedaço de vida com a mesma imagem social, ou seja, valorado socialmente em termos muito semelhantes.»

Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-05-2007[10], citando Robalo Cordeiro, se aponta no mesmo caminho, referindo-se «o conceito de crime diverso é-nos dado por um critério misto normativo-social, que parte da identidade ou coincidência fundamental dos bens jurídicos – logo, dos tipos legais de crime – sem perder de vista as realidades da vida, mantendo-se por isso igualmente atento à valoração social dos factos. Assim, encontrar-nos-emos perante o mesmo crime quando os factos provados em julgamento, no seu relacionamento com os acusados, dão lugar a uma situação de concurso aparente ou de continuação criminosa, formando, com eles uma unidade em sentido jurídico-normativo (sem deixar de admitir-se que o crime possa ter-se por “diverso” quando os novos factos imprimirem ao conjunto um tónus social marcadamente distinto); e bem assim nos casos em que se mantém firme a incriminação, embora com alteração dos factos que lhe servem de apoio; alteração, entenda-se, não essencial, por forma que continuam passíveis do mesmo juízo de valoração social.»

Não sendo este critério o único a considerar, o mesmo assume uma preponderância fundamental na análise a fazer casuisticamente.

Mas avancemos mais na procura da especificação do critério teórico do que deva ser considerado um crime diverso.

Para Marques Ferreira, estaremos perante um crime idêntico «sempre que os factos conhecidos depois de fixado o objecto do processo em sentido técnico não impliquem um novo ou diferente agente criminoso nem respeitem a bens jurídicos concretamente diferentes dos referidos na acusação ou na pronúncia e, simultaneamente, tais factos se relacionem como unidade criminosa normativa [artigo 30.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (CP)] (…).

Na tentativa de aplicar praticamente as ideias antes expostas passamos a analisar alguns exemplos de «factos novos» e respectivas propostas de solução:

(…) Os factos novos provocam alterações meramente circunstanciais do objecto do processo em sentido técnico.

Os casos mais vulgares são relativos aos factos novos que consubstanciam circunstâncias agravantes ou atenuantes de carácter geral ou modificativas especiais ou comuns. As alterações, no entanto, podem ocorrer numa infinita série de meras circunstâncias, irrelevantes sob o ponto de vista da dosimetria penal e de importância meramente contextual, tais como: tempo, lugar, temperatura, textura, cor, velocidade, etc. (…)».[11]

Para Germano Marques da Silva «o crime será o mesmo, ou melhor, não será materialmente diverso, desde que o bem jurídico tutelado seja essencialmente o mesmo. E será essencialmente o mesmo quando os seus elementos constitutivos essenciais não divergirem. “Se os novos factos puderem ainda integrar a hipótese de facto histórico descrito na acusação, podem alterar-se as modalidades de acção, pode o evento material não ser inteiramente coincidente com o modo descrito, podem alterar-se as circunstâncias e as formas de culpabilidade que o crime não será materialmente diverso, desde que a razão do juízo de ilicitude permaneça a mesma. O crime não será materialmente diverso quando apenas variarem as formas de execução do crime ou as modalidades de autoria ou comparticipação, desde que os actos acusados e apurados possam ainda reconduzir-se ao mesmo facto histórico».[12]

Por seu turno, em anotação ao art. 1.º do CPP, afirmam os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto[13]:

«(…) cremos poder afirmar que se imputa ao arguido um crime diverso quando:

- Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;

- Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;

- Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.

O critério normativo – é disso que se trata – encontrado só fica completo quando se fizer a previsão das situações em que o arguido não teve oportunidade de se defender dos novos factos, com relevância jurídico-penal, e em que, por força dessa modificação ou aditamento de novos factos, resulte o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ao arguido (neste sentido, Ac. RP de 23-05-2007).

Assim, e concluindo, haverá alteração substancial dos factos nos casos em que a investigação feita em sede de instrução ou audiência de discussão e julgamento resulta numa alteração da base factual da acusação. Tratando-se de uma alteração e não de inovação, o limite do poder investigatório do tribunal é fixado pela identidade do objecto do processo fixado na acusação.

Tendo por base tudo o que se expendeu, e sintetizando, haverá alteração substancial dos factos nas seguintes situações (elencadas por António Quirino Duarte Soares) (…):

- Conhecimento, em audiência, de novos factos que impliquem incriminação diversa da indicada na acusação, quer de maior, quer de menor gravidade [tratando-se de normas em concurso aparente, a hipótese é outra, pois, nesse caso, não se pode falar de crime diverso (por exemplo, convolação do crime de furto para o de receptação)];

- Conhecimento, em audiência, de elementos que constituem circunstâncias qualificativas do crime e lhe agravam o limite máximo da sanção (por exemplo, convolação de homicídio simples para o qualificado, por se ter averiguado a premeditação, não descrita na acusação);

- Conhecimento, em audiência, de factos novos que, juntos aos da acusação, integrem o tipo legal mais abrangente dentro das relações de consunção (por exemplo, convolação de furto para roubo, ou das ofensas corporais para o homicídio);

- Conhecimento, em audiência, de novas condutas criminosas integradas com as da acusação num crime continuado, e a que, isoladamente consideradas, corresponda pena de limite máximo maior do que corresponderia às da acusação;

- Conhecimento, em audiência, de novas condutas unificáveis criminalmente às relatadas na acusação pela mesma resolução criminosa, mas que contribuam para elevar o limite máximo das sanções aplicáveis (por exemplo, objecto não indicado na acusação, também furtado no mesmo local, dia e hora, e que, ao contrário dos demais, tem valor consideravelmente elevado obrigando a convolar do furto simples para o furto qualificado);

- Subida de grau no elemento ético-psicológico do crime (negligência para dolo) em que a moldura penal se agrave nos seus limites máximos;

- Alteração da forma de participação do agente (art. 26.º e ss. do CP) que implique modificação do limite máximo da pena ou das penas aplicáveis (por exemplo, da cumplicidade para qualquer das formas de autoria).

Por sua vez, haverá alteração não substancial dos factos nos seguintes casos:

- Alteração nos elementos espaço-temporais (dia, hora, local) e no objecto do crime (desde que, neste caso, a mudança de valor não implique a passagem de crime simples para o qualificado, caso em que se tratará de alteração substancial);

- Conhecimento, em audiência, de novas condutas integradas, com as acusadas, na mesma unidade de resolução e, portanto, no mesmo crime (desde que a “nova” conduta não qualifique o crime, alterando-lhe o limite máximo da sanção)

- Conhecimento, em audiência, de novas condutas criminosas integradas num crime continuado com as da acusação (desde que a moldura penal que lhes cabe, como condutas isoladas, não seja mais grave do que a que caberia à mais grave das já constantes da acusação);

- Subida de grau no elemento ético-psicológico doloso ou negligente do crime (dolo eventual para o necessário, ou deste para o directo ou negligência inconsciente para a consciente);

- Alteração na forma de participação do agente (art. 26.º e ss. do CP) que implique modificação do limite máximo da pena ou penas aplicáveis (modificação da forma de autoria, ou desta para a cumplicidade)».[14]

Como se pode constatar, mais uma vez é seguido um critério em que expressamente se entende a alteração nos elementos espaço-temporais, tais como dia, hora ou local da prática do crime como constituindo alterações não substanciais de factos.

Temos para nós que essa será, efectivamente a regra, excepto quando essas circunstâncias possam contender com elementos constitutivos do tipo de crime, designadamente implicando uma alteração com relevo para o preenchimento do tipo legal de crime em apreço ou desvirtuando a realidade histórica que vem imputada aos arguidos.

Em cada caso haverá que determinar se ocorre uma alteração de factos e se, ocorrendo alteração – que a lei permite, nos referidos moldes – é substancial ou não substancial, desencadeando, perante essa definição, os mecanismos legais previstos para assegurar o exercício dos direitos de defesa.

Para ocorrer uma alteração dos factos é necessário que aos factos constantes da acusação ou da pronúncia outros se acrescentem ou substituam, ou, pelo contrário, se excluam alguns deles.

No caso vertente, o que se verifica é que na acusação deduzida, em que era imputado ao ora recorrente um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1, 3, do CP, se referia, na parte que ora importa (sublinhado nosso):

«Em meados do ano de 2016, o arguido AA começou a reclamar junto do ofendido CC, o pagamento da quantia de 15.000 euros (quinze mil euros), alegando que este lhos devia, por causa de um negócio de importação de veículos usados, que correu mal.

O arguido AA telefonou diversas vezes para o ofendido, reclamando o pagamento daquela quantia, e dizendo ao ofendido, que se não se encontrasse com ele para lhe pagar, “iria sofrer represálias”.

O ofendido não tinha qualquer divida para com o arguido, pelo que lhe negou a entrega do montante que aquele exigia.

Como o arguido lhe dizia que se não lhe pagasse, a sua vida e a vida dos seus familiares estava em perigo, o ofendido, com receio do que o arguido pudesse fazer, em 29.07.2016, entregou ao arguido o cheque nº...16,, no valor de 4.000 euros, da conta bancária nº...01, sedeada no Banco BIC, titulada pela sociedade “L..., Lda.”, da qual era legal representante.

(…)

No dia 07.10.2016, o arguido AA, dirigiu-se às instalações da sociedade “L..., Lda.”, situadas na Rua ..., em ..., ..., pretendendo que o ofendido lhe entregasse os 11.000 euros, que em seu entendimento, ainda tinha por receber.

Ali chegado, o arguido, movido de grande exaltação, interpelou o ofendido, e disse-lhe que “se não lhe desse o dinheiro, iria pagar bem caro, que as coisas não iriam ficar assim, que se tinha metido com o demónio”.

O arguido AA e o ofendido envolveram-se numa violenta discussão, que foi interrompida por DD, que se encontrava no local, e conseguiu conduzir o arguido AA para a rua.

No decurso da discussão, o arguido AA, enfurecido, disse ao ofendido “que o matava, que sabia onde era a casa dele, e que conhecia as filhas dele!”.

O arguido AA saiu dali e dirigiu-se, de imediato, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-QL-.. (de marca ... e modelo ..., para junto da residência do ofendido, situada na Rua ..., ..., ....

Ali chegado, o arguido AA foi abordado por EE, sobrinho do ofendido, que ali se encontrava, e a quem o arguido disse, em tom irado, “que tinha estado no escritório do seu tio, e que tinha estado preso por causa do seu tio, e que ele iria pagar por isso, e que o seu tio tinha acabado de fazer a sua cova, onde se iria enterrar. Que o seu tio não sabia com quem se tinha metido!”.

Com medo que o arguido AA viesse a fazer mal à sua família, o ofendido, que estava convencido de que o arguido AA tinha armas de fogo na sua posse, pediu ajuda à G.N.R., cujos Militares de patrulha, se deslocaram ao local.

O arguido AA, telefonou, por diversas vezes, para o ofendido, dizendo “Tu gostas muito da tua família, não gostas? Não sabes com quem é que te meteste, meteste-te com o demónio!”, “Vou-te estragar a vida, não te vais ficar a rir”.

(…)

O arguido AA actuou com o único propósito de levar o ofendido a entregar-lhe dinheiro, fazendo-a acreditar que se não lhe entregasse as quantias de dinheiro que pretendia, iriam atentar contra a sua integridade física e da sua família.

Os arguidos conseguiram receber o dinheiro titulado pelo cheque que o ofendido entregou ao arguido AA, do qual se apossaram e fizeram seu, causando ao ofendido o correspondente prejuízo patrimonial.

O ofendido entregou o aludido cheque, ao arguido AA, receando que se não o fizesse, este poderia fazer-lhe mal, a si e à sua família, ademais que o arguido sabia onde residiam.

O ofendido era contactado, quase diariamente, pelo arguido, e os telefonemas que recebeu fizeram-no sentir medo e receio pelo seu bem-estar e saúde, causando-lhe grande inquietação relativamente ao bem-estar da sua família.

Os arguidos quiseram levar a cabo as descritas condutas, com o propósito de extorquir dinheiro do ofendido, o que fizeram e conseguiram.

Agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.»

E na sentença ora recorrida foi dado como provado que (sublinhado nosso):

«1. Em meados do ano de 2016, o arguido AA começou a reclamar junto do ofendido CC, o pagamento da quantia de 15.000 euros (quinze mil euros), alegando que este lhos devia, por causa de um negócio de importação de veículos usados, que correu mal.

2. O arguido AA telefonou diversas vezes para o ofendido, reclamando o pagamento daquela quantia, e dizendo ao ofendido, que se não se encontrasse com ele para lhe pagar, "iria sofrer represálias".

3. O ofendido negou-lhe a entrega do montante que aquele exigia.

4. Como o arguido lhe dizia que se não lhe pagasse, a sua vida e a vida dos seus familiares estava em perigo, o ofendido, com receio do que o arguido pudesse fazer, em 29.07.2016, entregou ao arguido o cheque nº...16,, no valor de 4.000 euros, da conta bancária nº...01, sedeada no Banco BIC, titulada pela sociedade "L..., Lda.", da qual era legal representante.

(…)

7. No dia 07.10.2016, o arguido AA, dirigiu-se às instalações da sociedade "L..., Lda.", situadas na Rua ..., em ..., ..., pretendendo que o ofendido lhe entregasse os 11.000 euros, que, em seu entendimento, ainda tinha por receber.

8. Ali chegado, o arguido, movido de grande exaltação, interpelou o ofendido, e disse-lhe que "se não lhe desse o dinheiro, iria pagar bem caro, que as coisas não iriam ficar assim, que se tinha metido com o demónio".

9. O arguido AA e o ofendido envolveram-se numa violenta discussão, que foi interrompida por DD, que se encontrava no local, e conseguiu conduzir o arguido AA para a rua.

10. No decurso da discussão, o arguido AA, enfurecido, disse ao ofendido "que o matava, que sabia onde era a casa dele, e que conhecia as filhas dele!".

11. O arguido AA saiu dali e dirigiu-se, de imediato, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-QL-.. (de marca ... e modelo ..., para junto da residência do ofendido, situada na Rua ..., ..., ....

12. Ali chegado, o arguido AA foi abordado por EE, sobrinho do ofendido, que ali se encontrava, e a quem o arguido disse, em tom irado, "que tinha estado no escritório do seu tio, e que tinha estado preso por causa do seu tio, e que ele iria pagar por isso, e que o seu tio tinha acabado de fazer a sua cova, onde se iria enterrar. Que o seu tio não sabia com quem se tinha metido!".

13. Com medo que o arguido AA viesse a fazer mal à sua família, o ofendido, que estava convencido de que o arguido AA tinha armas de fogo na sua posse, pediu ajuda à G.N.R., cujos Militares de patrulha, se deslocaram ao local.

14. O arguido AA, telefonou, por diversas vezes, para o ofendido, dizendo "Tu gostas muito da tua família, não gostas? Não sabes com quem é que te meteste, meteste-te com o demónio!", "Vou-te estragar a vida, não te vais ficar a rir".

15. O arguido AA actuou com o único propósito de levar o ofendido a entregar-lhe dinheiro, fazendo-o acreditar que se não lhe entregasse as quantias de dinheiro que pretendia, iria atentar contra a sua integridade física e da sua família.

16. O arguido AA conseguiu receber o dinheiro titulado pelo cheque que o ofendido lhe entregou, do qual se apossou e foz seu, causando ao ofendido o correspondente prejuízo patrimonial.

17. O ofendido entregou o aludido cheque, ao arguido AA, receando que se não o fizesse, este poderia fazer-lhe mal, a si e à sua família, ademais que o arguido sabia onde residiam.

18. O ofendido era contactado, quase diariamente, pelo arguido, e os telefonemas que recebeu fizeram-no sentir medo e receio pelo seu bem-estar e saúde, causando-lhe grande inquietação relativamente ao bem-estar da sua família.

19. O arguido AA quis levar a cabo as descritas condutas, com o propósito de obter dinheiro do ofendido, o que fez e conseguiu.

20. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.»

Como bem se vê, todos os factos dados como provados na sentença condenatória figuravam já na acusação, encontrando-se a única “alteração”[15] no agora ponto 3 da matéria de facto dada como provada relativamente ao que contava do 3.º parágrafo da acusação, pois que daquele foi excluído o segmento «O ofendido não tinha qualquer divida para com o arguido», que não resultou provado (cf. ponto a. dos factos dados como não provados).

Ou seja, em face da definição de alteração substancial dos factos contida no art. 1.º, al. f), do CPP, a que já fizemos referência, e à luz das considerações doutrinárias e jurisprudenciais acima expendidas, dúvidas não se colocam de que a “alteração” operada não configura uma alteração substancial dos factos.

A “alteração” em causa nos autos nem sequer constituiu uma verdadeira “alteração não substancial dos factos”, a impor o cumprimento do disposto no art. 358.º, n.º 1, do CPP.

Como é sabido, não é toda e qualquer alteração de factos que assume o relevo processual suficiente para desencadear a necessidade de comunicação a que alude o art. 358.º, n.º 1, do CPP: a lei fala em alteração com relevo para a decisão da causa.

Vinício A. P. Ribeiro, em anotação ao art. 1.º do CPP[16], esclarece que «A jurisprudência dos Tribunais superiores tem sido constante no entendimento de que, não há alteração, substancial ou não, para os efeitos dos arts. 358.º e 359.º do CPP, quando os factos considerados provados representam um minus relativamente aos da acusação e nenhuns novos são introduzidos – cfr. Ac. STJ, de 3.4.1991, CJ, tomo II, pág. 17; Ac. STJ, de 5.7.2001, proc. n.º 4000/00-3.ª, SASTJ n.º 53, 62; Ac. STJ, de 7.11.2002, proc. n.º 3158/02-5.ª, SASTJ n.º 65, 67; Ac. STJ, de 12.11.2003, proc. n.º 1216/03-3.ª; SASTJ, n.º 75,93.» (Extracto do Ac. RP de 14 de Junho de 2006, Proc. 0612048, Rel. Borges Martins).(…)

Nesta conformidade podemos assentar que a comunicação prevista no citado art. 358.º, apenas tem lugar quando se tratar de uma alteração não substancial relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.

Mas quando é que isso sucede?

Para o efeito tem-se considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos – Ac. TC n.º 330/97 [DR, II Série 1997/Julho/03]».

Também não há alteração alguma de factos quando na sentença são descritos os mesmos factos da acusação ou da pronúncia, mas com uma formulação distinta, ou quando se explicitam, pormenorizam ou concretizam factos (já narrados sinteticamente na acusação ou na pronúncia) que não sejam relevantes para a tipificação ou para a verificação de qualquer agravante qualificativa.

No caso que nos ocupa, e relativamente ao ora recorrente, apenas foi introduzida uma pequena alteração na redacção da matéria de facto narrada na acusação, consistente numa redução factual que não acarretou qualquer prejuízo para a estratégia da defesa, redundando, pelo contrário, em seu benefício.

Em conclusão, a “alteração” operada não configura qualquer alteração substancial dos factos, nem tem relevo para justificar que fosse tratada sequer como alteração não substancial dos factos e desencadear, em conformidade, a comunicação a que se reporta o art. 358.º, n.º 1, do CPP.

Sendo manifesto que os factos considerados provados já constavam – todos eles – da acusação deduzida pelo MP, estamos perante uma mera alteração da qualificação jurídica.[17]

Na verdade, em sede de enquadramento jurídico-penal o Tribunal explica (transcrição):

«Da responsabilidade Penal do arguido AA:

O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de um crime de extorsão, p.p. pelo artigo 223.º n.º 1 do Código Penal.

De acordo com o disposto no art. 223.º n.º1 do Cód. Penal, quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a umna disposição patrimonial que acarrete para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão até 5 anos.

A incriminação em referência visa garantir a liberdade de disposição patrimonial. Objectivo directo da extorsão é a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de um prejuízo do extorquido. (…) Portanto, a extorsão é, em primeiro lugar, um crime contra o bem jurídico património. Acresce, porém, a tutela do bem jurídico liberdade de decisão e de acção, (...) [Américo Taipa de Carvalho, em Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, pag. 343].

Objecto do crime de extorsão é, assim, o acto de disposição patrimonial, sendo que, haver extorsão, é necessário que a disposição patrimonial constitua um enriquecimento ilegítimo (para o agente ou para terceiro) e um prejuízo (para a vítima ou para terceiro).

Descendo ao caso concreto (…)[18], não ficou demonstrado que a disposição patrimonial efectuada pelo ofendido correspondente a um enriquecimento ilegítimo do arguido e, consequentemente, um prejuízo para o ofendido.

Temos então de concluir que a actuação do arguido, nos moldes que resultaram provados, não preenche os elementos objectivos do crime de extorsão que lhe vem imputado.

No entanto, conforme escreve Américo Taipa de Carvalho (ob. cit., pag. 345), Não basta, para haver extorsão, a lesão da liberdade de disposição patrimonial. Se apenas for lesada esta liberdade, haverá crime de coacção, mas não crime de extorsão.

*

Neste sentido, dispõe o art. 154.º n.º 1 do Código Penal que comete o crime de coacção todo aquele que, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade.

Por seu turno, quando tais factos forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias - cf o disposto no art. 155.º n.º1, alínea a) do mesmo diploma legal, sendo que o crime contra a vida (crime de homicídio) previsto no art. 131.º do mesmo Código é punível com pena de prisão de 8 a 16 anos.

O bem jurídico protegido pela norma incriminadora consiste, neste ilícito penal, na liberdade de acção e de decisão, entre as quais a se integra a liberdade das ofendidas de decidirem se entrega ou não o dinheiro ao arguido, ainda que este lhe pertença[19], sendo elementos objectivos do tipo:

a) - O emprego de violência. Por violência deve entender-se não só o emprego da força física como também a pressão moral ou intimidação (Maia Gonçalves, in Código Penal Português - Anotado e Comentado e Legislação Complementar, 9.º edição, 1996, Coimbra, Almedina, pág. 608). Ou seja, encontram-se abrangidas tanto as situações de coacção física - vis absoluta - como também as de mera coacção moral - vis compulsiva - e, ainda, aquelas que anulam a própria capacidade psicológico-mental de decisão (Américo Taipa de Carvalho, ob. cit., pág.353).

Sendo a violência, como é, o meio de cometimento do crime, tanto se pode dirigir contra a pessoa coagida como contra pessoa que, por virtude da sua especial relação com o coagido, suporte o efeito da violência, de modo a ficar privada da sua livre determinação, podendo, ainda, a violência ser atuada sobre coisas, desde que sentida e que actue imediatamente sobre pessoas, provocando nestas um eleito de constrangimento (Maia Gonçalves, ob. e loc. cit. ).

b) - Ou a ameaça com um mal importante. O mal que se quis abrangido pela norma incriminadora, cujo preenchimento foi deixado, em larga medida, para a tarefa do intérprete, há de ser importante, por tal modo se entendendo o mal de acentuado relevo, que a comunidade repele e censura pelo dano relevante que causa ou pode causar (Maia Gonçalves, ob. e loc. cit.). A "ameaça" consiste, pois, no anúncio de um mal futuro cuja ocorrência dependa da vontade do agente, tendo tal "mal", para o tipo legal dos autos, de ser "importante", entendendo-se como tal aquele que seja adequado a constranger o visado segundo um critério objectivo-individual, apelando-se assim ao juízo do homem comum, mas tendo-se em conta aquelas que são as circunstâncias concretas em que a ameaça é proferida, nomeadamente as subcapacidades do visado (Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 358).

c) O constrangimento de outrem, por via de qualquer das actuações referidas em a) e b), à prática de acção, a suportar acção ou a suportar omissão. Constranger é coagir, obrigar, pressionar, afretando a liberdade pessoal cio coagido. Não se exige, porém, para o preenchimento do tipo, que a força física ou a intimidação sejam irresistíveis; basta que tenham a potencialidade causal para compelir a pessoa contra quem se empregam à prática do ato ou à omissão ou a suportar a actividade (Maia Gonçalves, ob. e loc. cit.).

É um crime de resultado, em que uma certa cooperação da vítima, em resultado de violência ou chantagem por parte do agente, é necessária para a sua consumação, que se dá com o início da execução da conduta coagida.

Do ponto de vista do tipo subjectivo, o crime em referência reveste natureza dolosa, isto é, exige o conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo, com conhecimento da ilicitude da sua conduta.

Isto posto e vertendo ao caso dos autos, resulta da factualidade provada que o arguido, visando a entrega, pelo ofendido, de determinada quantia monetária, ameaçou a sua vida e a vida dos seus familiares, dizendo-lhe, insistentemente, que estas estavam "em perigo".

A actuação dirigida pelo arguido ao ofendido [descrita sob o facto provado 4)], para o normal cidadão, revela o significado de mal grave para a integridade física e para a vida do próprio ofendido e dos seus familiares, sendo o mesmo um mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade do agente, in casu, do arguido.

Desta forma, agindo o arguido com o propósito de fazer constranger o ofendido a entregar-lhe determinada quantia monetária através de ameaça, de modo a causar-lhe receio e constranger a sua liberdade de determinação, querendo tal resultado, que representou (dolo directo - cf o art. 14.º n.º1 do Cód. Penal), sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, dúvidas não restam de que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de coacção agravada.

Inexistem quaisquer causas de justificação onde exclusão da culpa.

Temos, pois, que sendo o crime de coação um crime de resultado nos termos sobreditos, a respectiva consumação ocorreu no momento da disposição patrimonial pratica pelo ofendido em consequência da actuação ilícita, a qual, in casu, se verificou com a entrega do cheque ao arguido, no dia 29.07.2016 [sendo certo que, quanto aos factos subsequentes a tal disposição que vêm descritos na acusação, o Ministério Público não extraiu qualquer consequência penal, razão pela qual apenas serão valorados em sede de medida concreta da pena].

Assim, mais não há que concluir ter-se constituído o arguido autor de um crime de coacção agravada, na forma consumada, p.p. pelos arts. 154.º n.º1 e 155.º n.º1, alínea a), por referência ao art. 131.º, todos do Código Penal.»

Em síntese, e como bem assinala o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, «o crime de extorsão pode, precisamente, ser visto como um tipo qualificado (ou agravado) do crime de coacção, contendo os elementos típicos deste último crime, acrescidos duma específica intenção do agente e da provocação dum prejuízo patrimonial (estando assim tais crimes numa relação de especialidade entre si).

Logo, sendo tal relação entre os referidos tipos penais absolutamente óbvia para qualquer jurista, poderia e deveria a possibilidade da convolação operada pelo Tribunal recorrido ter sido prevista pela defesa do arguido assim que lhe foi imputada a prática de um crime de extorsão (até por a eventual convolação para a prática dum crime de coacção o poder, em princípio, beneficiar), não fazendo por isso qualquer sentido a alegação de que estaríamos perante uma decisão surpresa.»

Diremos até que, em bom rigor, em face dessa alteração de qualificação jurídica, nem sequer se impunha ao Tribunal recorrido o cumprimento do disposto no art. 358.º, n.º 1, ex vi o seu n.º 3, do CPP.

A este propósito, lê-se no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2008[20]:

«(…) Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o legislador entendeu dever tomar posição perante as diversas posições doutrinais e jurisprudenciais assumidas, tendo consagrado, por via de aditamento de um número ao artigo 358º, o 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alteração derive de alegação feita pela defesa – n.º 2 do artigo 358º.

E com a publicação da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, através de aditamento de um número ao artigo 424º (n.º 3), alargou a possibilidade de a alteração da qualificação jurídica poder ser feita no tribunal de recurso (bem como de a alteração poder incidir sobre os factos descritos na decisão em recurso, desde que não substancial), alteração que, obviamente, no caso de ser desconhecida do arguido, terá de lhe ser comunicada para o mesmo, querendo, sobre ela se pronunciar[21].

Certo é que este alargamento já era jurisprudencialmente admitido, consabido que este Supremo Tribunal através do acórdão n.º 4/95 fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que o tribunal superior pode em recurso alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.

Com tudo isto, porém, não resulta pacífico o entendimento sobre a obrigatoriedade de comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e concessão ao mesmo de prazo para a defesa.

Com efeito, para além da ressalva contida no n.º 2 do artigo 358º, segundo a qual a alteração não carece de ser comunicada ao arguido, o que bem se percebe, visto que a mesma é resultado de alegação por si produzida, vem-se entendendo que outros casos ocorrem em que é inútil prevenir o arguido da alteração da qualificação jurídica, razão pela qual se considera não dever ter lugar a comunicação.

Vejamos.

O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.

Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido – n.º 1 do artigo 32º[22]–, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado.[23]

Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido – artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República – o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou “menos agravado”, ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado.[24]

O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave do que o da acusação ou da pronúncia em consequência de redução da matéria de facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação.[25]

Tal acontece, ainda, face a alteração decorrente da requalificação da participação do agente de co-autoria para autoria,[26] bem como perante alteração resultante da requalificação da culpa do agente de dolo directo para dolo eventual.[27]»

No caso vertente, entende-se que as garantias de defesa do recorrente não foram postas em causa, já que nenhuns factos novos foram adicionados àqueles pelos quais vinha acusado, os que fundamentam a condenação constituem um minus em relação aos que figuravam na acusação e que a requalificação jurídica, que não comporta qualquer alteração essencial do sentido da ilicitude típica do seu comportamento, não o foi para figura criminal mais grave.

Não se justificando, in casu, que ao arguido fosse dada uma maior amplitude de defesa, não se impondo, sequer, que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 358.º, n.º 1, ex vi o seu n.º 3, do CPP, que, ainda assim, foi escrupulosamente observado,[28] não se verificava nenhum obstáculo legal ou processual a que fosse apreciada a sua responsabilidade criminal relativamente ao crime de coacção agravada.

E, em consequência, não padece a sentença recorrida de qualquer nulidade, designadamente da prevista no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, não tendo também ocorrido a violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP.

Importará ainda averiguar da existência, na decisão recorrida, dos vícios elencados nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, apesar de não invocados, posto que é oficioso o conhecimento de tal matéria.

Como é sabido, os mencionados vícios decisórios têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.

Ora, lida a decisão posta em crise, nela não divisamos qualquer desses vícios, sendo certo que o recorrente não coloca em causa, de forma directa, a factualidade considerada assente, tendo limitado o seu recurso à invocação de uma nulidade que, como vimos, não procede.

Não se verificando a existência de qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art 410.º do CPP, consideram-se definitivamente assentes os factos descritos na sentença recorrida, que integram a prática, pelo arguido/recorrente do ilícito pelo qual vem condenado.

Improcede, assim, o recurso do arguido, sendo de manter na íntegra a decisão recorrida.

*

III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).

Notifique.

*

(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pela terceira signatária, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)

*

Coimbra, 22 de Março de 2023





[1] Cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-09-2010, proferido no Proc. n.º 1511/04.PBSXL.L1.5, da Relação de Évora de 31-05-2011, proferido no Proc. n.º 26/09.9ZRLSB.E1, e da Relação do Porto de 20-05-2015, proferido no Proc. n.º 266/11.0TAVFR.P1, todos in www.dgsi.pt.

[2] Cf. Acórdão do STJ de 17-09-2009, Proc. n.º 169/07.3GCBNV.S1 - 5.ª, ibidem.
[3] Curso de Processo Penal, tomo III, Verbo, 2.ª edição, pág. 273
[4] Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 2.ª edição, pág. 200 e ss..
[5] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, UCE, Lisboa 2009, pág. 913.
[6] In www.tribunalconstitucional.pt.
[7] Cf. o Acórdão do STJ de 21-03-2007, Proc. n.º 24/07 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de
Acórdãos).
[8] In Revista do Ministério Público, Ano 16.º, Julho-Setembro 1995, n.º 63, págs. 89-107.
[9] Proferido no Proc. n.º 102/08 - 5.ª, in www.dgsi.pt.
[10] Proferido no Proc. n.º 605/07 - 1, ibidem.
[11] In Da alteração dos factos objecto do processo penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano I, Fasc. 2, Abril – Junho 1991, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 228-232.
[12] In Curso de Processo Penal, Vol. I, Editorial Verbo, 2000, pág. 382.
[13] Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, Coimbra Editora, 2009, págs. 24-25.
[14] Vejam-se, a propósito, na jurisprudência do STJ, os Acórdãos de 21-03-2007, Proc. n.º 24/07 - 3.ª, de 16-01-2008, Proc. n.º 4565/07 -3.ª, de 03-04-2008, Proc. n.º 4827/07 - 5.ª, de 17-09-2009, Proc. n.º 169/07.3GCBNV.S1 – 5.ª, todos in www.dgsi.pt.
[15] Para além da matéria factual relacionada com o envolvimento da arguida …, que constava da
acusação e foi excluída da matéria de facto provada (passando a figurar na matéria de facto não provada), e que agora não importa.
[16] Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 73.
[17] «Na al. f) do art. 1º do CPP classifica-se como alteração substancial dos factos, em contraste com a alteração não substancial, aquela que envolva imputação de crime diverso ou o agravamento da moldura penal. Ponto é, no entanto, que se verifique uma alteração de factos, pois quando os factos se mantêm intocados, e apenas se procede a uma qualificação jurídica diversa da que constava da acusação, essa alteração é equiparada pelo legislador à alteração não substancial dos factos – n.º 3 do art. 358º do CPP» – cf. Ac. do STJ de 13-02-2008, Proc. n.º 213/08 - 3.ª, in www.dgsi.pt.
[18] Dispensamo-nos de aqui transcrever um segmento da fundamentação que terá decorrido de manifesto
lapso, referindo-se a caso concreto diverso do dos presentes autos.
[19] Nesta frase volta a verificar-se o lapso já assinalado.
[20] De 25-06-2008, proferido no Proc. n.º 4449/07 - 3.ª, in DR I Série, n.º 146, de 30-07-2008, e www.dre.pt.
[21] É do seguinte teor o n.º 3 do artigo 424º:
«Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias».
O texto legal ao limitar o dever de comunicação/notificação à alteração “não conhecida do arguido” pretende subtrair do âmbito do dever de comunicação as situações em que a alteração já é do conhecimento do arguido por se haver verificado na sentença recorrida, ter derivado das conclusões de recurso ou das alegações orais do defensor, ter resultado das conclusões do recurso ou do visto do Ministério Público ou ter resultado das conclusões de recurso do assistente. Neste preciso sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, 1164/1165.

[22] É do seguinte teor o n.º 1 do artigo 32º da Constituição Política:
«O processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
[23] As disposições legais é que definem e estabelecem a natureza jurídica do facto, o tipo de culpa exigido
para o seu preenchimento e demais elementos constitutivos, as sanções aplicáveis e outros elementos essenciais para a correcta e adequada defesa do arguido. Tenha-se em vista que a própria tramitação processual depende da qualificação jurídica dos factos. É o que acontece com a forma do processo, a competência do tribunal e o modo de exercício e a extensão do direito ao recurso.
[24] A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado, de forma pacífica, neste preciso sentido – entre outros, os acórdãos de 02.07.17, 03.11.12, 04.03.10, 06.04.06, 06.05.10, 06.06.14 e 07.10.31, proferidos nos Recursos n.ºs 3158/02, 1216/03, 4024/03, 658/06, 1290/06, 1415/06 e 3271/07.

[25] Cf. o acórdão deste Supremo Tribunal de 91.04.03, publicado na CJ, XVI, II, 17 e o acórdão do Tribunal
Constitucional de 97.04.17, proferido no Processo n.º 254/95.
[26] Cf. o acórdão deste Supremo Tribunal de 05.11.09, publicado na CJ (STJ), XIII, III, 205.
[27] Cf. o acórdão n.º 72/05 do Tribunal Constitucional.
[28] Conforme se verifica da acta de audiência de julgamento de 02-12-2021 (Ref. Citius 98656665), foi dado
conhecimento ao recorrente, na pessoa da sua Ilustre mandatária, da alteração de qualificação jurídica que o Tribunal entendeu ocorrer, e a mesma teve oportunidade de sobre ela se pronunciar e exercer os respectivos direitos de defesa. Nessa ocasião, tendo-lhe sido a palavra, a Ilustre mandatária do recorrente declarou nada ter a requerer. Foi, assim, escrupulosamente cumprido o formalismo previsto na lei, nada havendo a censurar ao Tribunal nessa matéria.