Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3466/11.0TALRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
MANDADOS DE DETENÇÃO
CUMPRIMENTO
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 10/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 17.º, 97.º, N.º 2, 138.º, N.º 4, ALS. T) E X), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL), E ART. 337.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: Pertence ao tribunal da condenação, não ao TEP, a emissão de mandados de detenção visando o cumprimento, pelo condenado, de pena de prisão, imposta por sentença transitada em julgado.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido em 2-5-2017, no qual se solicitou ao Tribunal de Execução de Penas de Coimbra que procedesse à emissão de mandados de detenção do arguido A... a fim de cumprir a pena de 5 anos de prisão em que foi condenado.


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As razões da discordância encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso onde refere que:

- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto despacho de 22-05-2017, no qual o Juízo Central Criminal da Comarca de Leiria solicitou ao Tribunal de Execução das Penas de Coimbra para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido A... a fim de cumprir a pena de prisão em que foi condenado, tendo o referido Tribunal se declarado incompetente.

- Do cotejo das dispões legais conjugadas dos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs. 2 e 4, todos do Código de Processo Penal e 138º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, resulta que:
a) Se “as decisões penais condenatórias transitada em julgado têm força executiva;
b) Se a “execução da pena corre nos próprios Autos perante o Tribunal de 1ª Instância em que processo”;
c) Se a alteração legislativa efectuada ao disposto no artigo 477º, nºs. 2 e 4, do Código de Processo Penal manteve intocáveis as competências do Ministério Público junto do Tribunal da condenação para proceder ao cômputo da pena, o qual deverá ser objecto de homologação pelo Juiz;
d) Se compete ao Tribunal de Execução das Penas, para além do mais, “acompanhar a execução das penas”,

- Impõe-se concluir que tudo pressupõe que o condenado se encontre em efectivo cumprimento de pena, pois sem a detenção e subsequente sujeição a reclusão do condenado, mostrar-se-á impossível proceder ao cômputo da pena em que este foi condenado, nos termos do disposto no artigo 477º, nºs. 2 e 4, do Código de Processo Penal.

- Ao decidir como doutamente se decidiu no douto despacho a quo nele foi violado o disposto nos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs. 2 e 4, todos do Código de Processo Penal e o disposto no artigo 138º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, razão pela qual deverá ser revogado e mandado substituir por outro no qual se ordene a emissão de mandados de captura do arguido a fim de o mesmo dar início ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.


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O arguido não respondeu ao recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:

Considerando o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, determino:

a) Se remetam boletins ao CRC;

b) Se proceda à liquidação do julgado;

c) Se oficie ao TEP, solicitando a emissão de mandados de detenção contra o arguido A... , para cumprimento da pena efectiva em que foi condenado – cf. art. 138º, n.º 4, al. t), do CEP (Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro);

(…).


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APRECIANDO

Como resulta das conclusões da motivação de recurso, a questão a apreciar consiste em saber se, a emissão dos mandados de detenção do arguido, para dar início ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, é da competência do tribunal da condenação ou do Tribunal de Execução de Penas.


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A questão suscitada ainda não obteve consenso, pese embora a Proposta de Lei n.º 252/X [que esteve na origem da Lei n.º 115/2009, de 12 Out., diploma que aprovou o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL)] tenha procurado esclarecer a delimitação de competências entre o tribunal da condenação e o TEP.

Entendemos, no entanto, que o esclarecimento pretendido não foi suficientemente claro, posto que as divergências continuam, quer nos tribunais de condenação e nos Tribunais de Execução de Penas, quer nos Tribunais da Relação.

Vejamos o que ficou consignado no ponto 15 da Exposição de Motivos da referida Proposta de Lei n.º 252/X:

“15. No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema. ”

Afigura-se-nos que o segmento “ambíguo” é o que refere que “Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade.” pois, daqui parece resultar que os actos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença são da competência do TEP.

Todavia, há um intervalo entre o trânsito em julgado da sentença e o início da execução da pena de prisão.

Determinando o artigo 138º do CEPMPL que compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução, tal só poderá significar que a competência do TEP se verifica após o início do cumprimento da prisão (a partir do momento em que o condenado entra no EP) - cfr. Ac. RP de 7-5-2014, proc. 119/01.0TAVLC-A.P1 in www.dgsi.pt.

Sustenta o recorrente que o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs. 2 e 4, todos do CPP e o disposto no artigo 138º, nº 2, do CEPMPL.

Estabelecem tais normas:

Artigo 467.º  “Decisões com força executiva”

1 - As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.

Artigo 470.º  “Tribunal competente para a execução”

1 - A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Artigo 477.º  “Comunicação da sentença a diversas entidades”

2 - O Ministério Público indica as datas calculadas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º e no n.º 1 do artigo 90.º do Código Penal.

4 - O cômputo previsto nos n.os 2 e 3 é homologado pelo juiz e comunicado ao condenado e ao seu advogado.

Artigo 138.º do CEPMPL “Competência material”

2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;

Ora, como já mencionado, estando em causa uma pena privativa da liberdade, compete ao Tribunal de Execução de Penas acompanhar e fiscalizar a sua execução e decidir sobre a sua modificação, substituição e extinção.

Todavia, após o trânsito em julgado da decisão, estando o condenado em liberdade, compete ao tribunal da condenação ordenar a sua detenção e homologar o cômputo da pena que o Ministério Público apresentar.

Situação diversa, seria o caso de o condenado já ter iniciado o cumprimento da pena e se ter ausentado ilicitamente do EP, ou de lhe ter sido concedida a liberdade condicional, a qual veio a ser revogada, casos em que, nos termos da al. t) do n.º 4 do artigo 138º do CEPMPL, a competência material para emitir os mandados de captura e de detenção caberia ao Tribunal de Execução de Penas.

Acompanhamos, assim, a decisão de 29-3-2017 desta RC, proc. 92/15.8PTLRA-A.C1 in www.dgsi.pt: «O artigo 138.º, n.º 2, do CEPMLP, delimita a competência do TEP, situando-a impressivamente nos domínios do acompanhamento e fiscalização da pena de prisão, e bem assim da modificação, substituição e extinção, da mesma, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do CPP, norma esta que, perante a entrada em vigor de lei mais favorável, faculta ao condenado a reabertura da audiência de modo a possibilitar a aplicação do novo regime substantivo penal.

Mas as normas já citadas, e outras inclusas no CEPMPL ou na lei adjectiva penal, não definem expressamente o tribunal a quem compete, no concreto caso, a emissão dos mandados de detenção.

Afigura-se-me, contudo, que, por determinismo sistemático e racional, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, previstos nos artigos 17.º, als. a) e b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CMPMPL, são decorrência funcional dos actos cuja prática - cfr. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2 e 4 – está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir.

(…)

Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projectam a teleologia das normas consideradas no sentido de a emissão de mandados de detenção contra condenado em pena de prisão, por sentença com trânsito em julgado, pertencer ao Tribunal da condenação.»

Como sublinha o Exmº PGA no seu Parecer “na interpretação da lei, exige-se, no essencial, um critério de racionalidade, mesmo na gestão de meios, nos termos do art. 9º, n.º 3 do Ccv; o que a atribuição de competência ao TEP para a execução dos mandados de detenção, com a devolução dos mesmos ao tribunal da condenação para liquidação e homologação das penas (pois, é este que tem competência para tal), claramente, não comporta”.

Procede, pois, o recurso interposto pelo Ministério Público.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a emissão de mandados de detenção do arguido A... para cumprimento da pena de 5 anos de prisão em que foi condenado.

Sem tributação.


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Coimbra, 18 de Outubro de 2017

(Elisa Sales – relatora)

(Maria Pilar de Oliveira – adjunta)