Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
781/10.3JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURIDICO
Data do Acordão: 06/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 77º E 78º CP
Sumário: 1.- O trânsito em julgado da primeira condenação constitui o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico;

2.- Só se podem cumular juridicamente penas relativas a infrações que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso;

3.- Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas.

Decisão Texto Integral: Após realização de audiência de julgamento nos termos dos artigos 471.º e 472.º do C.P.P., o Tribunal Colectivo do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, por acórdão de 16 de Fevereiro de 2012, decidiu condenar o arguido

 A..., actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento prisional de Viseu,

em cúmulo jurídico das penas aplicadas neste processo 781/10.3JACbr, e nos processos 26/10.6GCTnd e 479/09.5GCTnd, nas penas únicas de cinco anos e dois meses de prisão e de três anos de prisão, a cumprir sucessivamente.

Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I. Em audiência para realização de cúmulo jurídico, realizada em 16 de Fevereiro de 2012, decidiu o Tribunal Colectivo aplicar ao arguido na sequência do cúmulo jurídico das penas aplicadas neste processo, o 781/10.3JACbr, e nos processos 26/10.6GCTND e 419/09.5GCtnd. as penas únicas de cinco anos e dois meses de prisão e de três anos de prisão, a cumprir sucessivamente.

II. Salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com tal decisão dela recorrendo.

III. O presente recurso tem como objeto toda a matéria da sentença de cúmulo jurídico proferida nos presentes autos.

IV. Por sentença proferida em 12/02/2010 no âmbito do Processo n.º 26/10.6GCTND (do 2.º Juízo do Tribunal de Tondela), foi o recorrente condenando por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 22 de Janeiro de 2010, numa pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova. Tal sentença transitou em julgado em 17 de Março de 2010.

V. Por sentença proferia em 13 de Outubro de 2012, no âmbito do processo n.º 479/09.5GCTD, foi o arguido condenado por dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, praticados em 20 de Setembro de 2009, em duas penas de seis meses de prisão. Tal sentença transitou em julgado em 2 de Novembro de 2010.

VI. Nesta mesma sentença, o M.Juiz efetuou o cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas processo n.º 479/10.5GCTND e da pena em que foi condenado no âmbito do Processo Sumário n.º 26/10.6CCTND, na pena única de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 14 (catorze) meses, subordinando tal suspensão a regime de prova assente num plano individual de reinserção social, a elaborar pelos serviços de reinserção social.

VII. Sucede que ao abrigo do Processo 781/10.3GCBR (objeto do presente recurso) o arguido for detido para Primeiro Interrogatório Judicial em 21 de Setembro de 2012 e foi presente a Juiz no dia seguinte, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva.

VIII. Face a esta condição de preso preventivo, foi solicitado Relatório à DGRS (a fls. 196 e ss dos autos), no âmbito do processo n.º 479/10.5GCTND, tendo sido aberta audiência em 16 de Março de 2011, procedendo-se à audição do técnico da DGRS,  … , cujo depoimento se encontra documentado na Acta da Audiência, transcrevendo-se:

“Que o plano apresentado e constante de fls. 196 a 199, é viável na sua execução, enquanto o arguido se encontrar privado da liberdade, no Estabelecimento Prisional.

Esclarece que não obstante, neste momento, ainda não ser possível definir a situação da sua reclusão, o certo é que há viabilidade na integração do arguido em actividades profissionais regulares no interior do Estabelecimento Prisional, designadamente Transferência para o Estabelecimento Prisional do "Campo" - Viseu", onde existem inúmeras atividades, quer agrícolas, quer de construção civil.

Contudo, nesta fase, em que não se sabe se o arguido será ou não condenando, não é ainda possível equacionar a sua transferência nem a sua integração em actividades profissionais.

Esclarece ainda que, apesar da indefinição da situação de reclusão do arguido, a execução do plano é viável desde quanto o tratamento do arguido na UAC – Coimbra, tanto mais que o arguido já iniciou o tratamento desde momento anterior á detenção, tendo continuado mesmo após a sua detenção, tendo decorrido a 4.ª consulta em 3 de Março de 2011 e encontrando-se a aguardar o agendamento da 5.º consulta.

Mais refere que, como relator do plano de reinserção, o arguido tem tendência a ficar deprimido, pelo que, nesta parte, se mostra fundamental o acompanhamento, quer do médico quer da enfermeira que acompanha o arguido, no Estabelecimento Prisional, controlando, designadamente os efeitos da medicação prescrita pela UAC - Coimbra.”.

IX. Por sentença datada de 9 de Julho de 2011, proferida no âmbito dos autos ora objeto de recurso, foi o ora recorrente condenando por quatro crimes de incêndio, praticados, respectivamente em 9/09/2009, 21/09/2009, 23/09/2009 e 14/08/2010, numa pena de dois anos e quatro meses de prisão cada um, e por um crime tentado de incêndio, praticado 2 de Setembro de 2010, numa pena de um ano e quatro meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de cinco anos e sete meses de prisão efectiva.

Esta sentença transitou em julgado em 20 de Outubro de 2011.

X. Até ao trânsito em julgado da sentença dos autos objecto de recurso, o ora recorrente esteve em prisão preventiva: Seja, desde 21 de Setembro de 2010 a 20 de Outubro de 2011, o arguido esteve preso preventivamente.

XI. Em 16 de Fevereiro de 2012, foi aberta audiência para realização do cúmulo jurídico das penas, tendo o Tribunal Colectivo decidido aplicar ao ora recorrente, na sequência do cúmulo jurídico, das penas aplicadas no processo 781/10.3-JACBR e nos processos 26/10.6GCTND e 479/09.5GCTND, as penas únicas de cinco anos e dois meses de prisão e de três anos de prisão a cumprir sucessivamente.

A douta sentença encontra-se transcrita na integra na Parte B), no Ponto --- destas alegações de recurso.

XII. O regime da punição do concurso de crimes está fixado no  art.77.º, do Código Penal, que estipula o seguinte:

1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

XIII. Por sua vez, quanto ao conhecimento superveniente do concurso, dispõe o art.78.º do Código Penal

1- Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. 

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

XIV. A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso obedece às mesmas regras que se encontram estabelecidas para o cúmulo jurídico a realizar no momento da condenação por uma pluralidade de crimes e consiste na condenação final numa única pena, considerando-se em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

XV. É que a pena única final que reúna as penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes em concurso não pode ter resultado diferente em função do momento da realização das operações de cúmulo jurídico, posto que tal não constitui circunstância que possa e deva influir no doseamento da pena.” (Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 22-09-2011).

XVI. Salvo o devido respeito, a pena aplicada ao ora recorrente não é unitária e é até iníqua no na individualização da pena concreta, viola, desde logo, o disposto no n.º 1 do art. 71.º do Código Penal.

O Tribunal a quo entendeu aplicar “duas penas de cinco anos  e dois meses de prisão e de três anos de prisão, a cumprir sucessivamente.”

    - A este propósito, e em sentido diverso do defendido na decisão recorrida, diz o Acórdão do STJ de 19.12.2007. no processo 3400 /07 -3.ª, relator Raul Borges o seguinte:

    “Para efeitos de aplicação de uma pena única, o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes, é o do trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes anteriormente praticados. A primeira decisão transitada em julgado será assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-se em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo das condenações objecto de unificação. A partir desta barreira intransponível fica afastada a unificação, formando-se outras penas autónomas de execução sucessiva. Donde, se vem maioritariamente entendendo não se admitir os denominados cúmulos por arrastamento: as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado, não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação.”

No caso sub judice, a primeira sentença a transitar foi a proferida em 12 de Fevereiro de 2010 no âmbito do Processo n.º 26/10.6GCTnd, por factos ocorridos em 22 de Janeiro de 2010, tendo transitado em 17 de Março de 2010.

Após esta data - 17 de Março - o ora recorrente praticou dois crimes, um de incêndio florestal -  em 14 de Agosto de 2010 - e outro de crime tentado de incêndio - 2 de Setembro de 2010.

Tais crimes viriam a ser punidos no âmbito do processo n.º 781/10.3-JACbr (objecto do presente recurso), com uma pena de 2 anos e quatro meses de prisão um ano e quatro meses de prisão, respectivamente.

Ora, seguindo-se o douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, o cúmulo jurídico apenas poderia fazer-se relativamente às penas em que o ora recorrente foi condenando por crimes de condução em estado de embriagues, ao abrigo dos processos  n.º 26/10.6GCTND e 479/09.5GCTnd, pois foram praticados, respectivamente, nos dias 22 de Janeiro de 2010, 20 de Setembro de 2009 e 6 de Novembro de 2009, e os três crimes de incêndio praticados nos dias 9, 21 e 23 de Setembro de 2009, aos quais foi aplicada (a cada um) uma pena de dois anos e quatro meses de prisão, no âmbito do processo 781/10.3JACBR.

Assim, nos termos do artigo 77.º, n.º2, a pena do concurso teria um limite máximo de 7 anos e 8 meses de prisão e como limite mínimo 2 anos e 4 meses de prisão.

E já não os limites estabelecidos na sentença, entre os dois anos e quatro meses de prisão os oito anos de prisão.

E já relativamente aos factos praticados em momento posterior a 17 de Março de 2010, data do primeiro trânsito em julgado, já não seria possível o cúmulo e novamente por referência aos critérios estabelecido no art. 77/2 do CP a pena única terá como máximo 3 anos e 8 meses de prisão e como limite mínimo dois anos e quatro meses de prisão.

XVII – Pelo que se conclui que o Tribunal a quo violou o disposto no art.77.º, n.º 1, aquando da determinação das penas em relação de concurso, razão pela qual, errou na determinação da individualização da pena a aplicar, sendo a decisão nula, pela violação do citado normativo. XVIII. Determina ainda o art.77. n.º1 que determinação da medida da pena, serão tidos em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Ora, salvo devido respeito, o Tribunal a quo não valorou devidamente a personalidade do agente aquando da determinação da medida da pena.

A este respeito, entendeu o M. Juiz a quo “ Na individualização da pena a aplicar, ainda de acordo com o critério enunciado no citado n.º 1 do art. 77.º do código penal “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. No entanto, verifica-se, no sentido da aplicação da pena mais próxima dos seus limites máximos, uma reconhecida incapacidade para a necessária inversão do comportamento, sendo que o arguido não tem trabalho nem qualificações, e mostra-se excessivamente consumidor de álcool. Em sentido adverso, ou seja, pugnado peta aplicação de penas menos distantes dos seus limites mínimo, milita a circunstância de se tratar de um caso de dificuldades sociais e intelectuais, facto de influência não decisiva, porque o arguido não completa essas circunstâncias com a exigível capacidade de humildade e de disponibilidade para mensagem social e legal, conforme se verifica do facto de não ter parado com os consumos excessivos de álcool, e os crimes, a não ser aquando da sua prisão preventiva. (sublinhados nossos).

No entanto, e salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal  a quo quando, antes de proferir a sentença ora recorrida, não solicitou à DGRS os respectivos relatórios sociais pois que estando o arguido detido desde 21 de Setembro de 2010 (primeiramente em prisão preventiva, e após 20 de Outubro de 2011, em cumprimento de pena a que foi condenado nos presentes autos) muito haveria de ter mudado acerca da sua personalidade - nem teve em consideração os relatórios juntos ao Processo n.º 479/09.5GCTnd (já transcritos no Ponto 5 destas alegações de Recurso), pois que dos mesmos resultam que o ora recorrente é pedreiro e que já se encontra a fazer desintoxicação alcoólica no UAC- Coimbra.

Nem logrou o M. Juiz a quo fundamentar devidamente a razão pela qual optou pela determinação da medida da pena junto dos seus limites máximos.

XIX. Razões pelas quais violou a sentença recorrida o disposto nos art.77. n.º 1 do CP e 374/2 e 379.º do CPP, sendo por isso NULA.

XX. A sentença ora recorrida inclui no âmbito dos crimes sujeitos a concurso, as penas três crimes de condução em estado de embriagues, fixadas em 14 meses de pena de prisão sujeita a regime de prova, aplicada por cúmulo jurídico, no âmbito do processo n.º 479 /09.5GCTnd.

Sucedeu, como alegado nos Pontos 4, 5 e 7 destas alegações de recurso, que em 21 de Setembro o arguido foi detido preventivamente.

Na sequência de tal detenção, foi aberta a audiência, e ouvido o técnico da DGRS, o mesmo disse que havia viabilidade na execução do plano apresentado a fls. 196 a 199, enquanto o arguido s encontrar privado da liberdade, no Estabelecimento Prisional.

Tendo esclarecido também que o facto de o arguido estar em prisão preventiva impedia integração do arguido em atividades profissionais regulares no interior do Estabelecimento Prisional, designadamente transferência para o Estabelecimento Prisional do "Campo" – Viseu”, onde existem inúmeras atividades, quer agrícolas, quer de construção civil. Sendo que enquanto não se soubesse se o ora recorrente seria ou não condenado, não poderia fazer-se a transferência, nem podia iniciar-se a execução do Plano elaborado.

Sucede que os presentes autos 781/10.3JACbr- transitaram em julgado em 20 de Outubro de 2011, tendo o ora recorrente passado de preso preventivo a condenado.

Ora, aquando da realização da audiência do cúmulo, haviam já passado 4 meses desde a passagem a condenado. E nessa mesma audiência, não teve o tribunal a quo o cuidado de pedir informação ao Estabelecimento Prisional de Viseu para saber – ao menos - se o ora recorrente havia já iniciado o cumprimento de pena.

- Estabelece o art.78.º. n.º 1 do CP que “... .sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”. 

XXI. Assim, ao não tomar a precaução de saber o ora recorrente havia já iniciado o cumprimento da pena de multa, e não tendo, consequentemente feito o desconto da mesma, violou o art.78.º/ 1,2ª parte do CP e o Princípio da legalidade.

XXII. Estabelece o art. 80, n.º 1 que “A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier  a ser condenado, quando o facto por que for condenando tenha sido praticado anteriormente à decisão final no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”.

Ao abrigo dos presentes autos, o ora recorrente esteve detido em prisão preventiva, desde o dia 21 de Setembro de 2010 (data em que foi detido para apresentação a Juiz para primeiro interrogatório judicial, onde veio a ser cominada a medida de coação), até ao dia 20 de Outubro de 2011 (data do trânsito em julgado dos presentes autos),num total de 1 ano e 29 dias.

XXIII. A sentença ora recorrida, além das enfermidades anteriormente alegadas, padece ainda de uma violação grosseira deste art. 80.º, n.º 1 do CP.

Devia o M. Juiz a quo, à pena estabelecida ter descontado o tempo da prisão preventiva - 1 ano e 29 dias. Não o tendo feito, a sentença é claramente nula.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido, e em consequência ser reaberta a audiência para realização de Cúmulo Jurídico, e requerer-se os relatórios à DGRS e ao EP de Viseu, concedendo-se novo prazo ao recorrente para preparação da sua defesa.

O Ministério Público no Círculo Judicial de Viseu respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela declaração da nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art.379.º, n.º1 alíneas a) e b) do C.P.P., dado não constarem da fundamentação de facto deste acórdão nem a descrição das penas acessórias aplicadas nas condenações objecto do cúmulo jurídico, nem quaisquer factos relativos à personalidade do arguido numa actualização da sua história pessoal.

            A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido deverá proceder por o acórdão recorrido enfermar da nulidade prevista no art.379.º, n.º1, al. a) do C.P.P..

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

 

            A matéria de facto apurada e respectiva fundamentação constante do acórdão recorrido é a seguinte:

a) Factos provados

    Além das condenações agora em processo de cúmulo, e anteriormente a elas, o arguido havia já sido condenado em penas de multa por condução em estado de embriaguez em Fevereiro de 2004 e Março de 2006.

    Antes de preso, o arguido encontrava-se sem trabalhar e vivendo em casa arrendada com esposa e quatro filhos.

     Tem a quarta classe.

b) Fundamentação

    Os factos considerados provêm do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, muito especialmente das sentenças condenatórias aqui documentadas e do seu certificado de registo criminal.

No relatório do acórdão recorrido consignou-se ainda o seguinte:

O arguido A... “ foi julgado e condenado nos seguintes processos, cujas penas estão em concurso:

a) 781/10.3JACbr, por crime de incêndio florestal, praticado a 9 de Setembro de 2009, por sentença transitada a 20 de Outubro de 2011, em pena de dois anos e quatro meses de prisão.

b) 479/09.5GCTnd, por crime de condução em estado de embriaguez, praticado a 20 de Setembro de 2009, por sentença transitada a 2 de Novembro de 2010, em pena de seis meses de prisão, pena esta suspensa na sua execução.

c) 781/10.3JACbr, por crime de incêndio florestal, praticado a 21 de Setembro de 2009, por sentença transitada a 20 de Outubro de 2011, em pena de dois anos e quatro meses de prisão.

d) 781/10.3JACbr, por crime de incêndio florestal, praticado a 23 de Setembro de 2009, por sentença transitada a 20 de Outubro de 2011, em pena de dois anos e quatro meses de prisão.

e) 479/09.5GCTnd, por crime de condução em estado de embriaguez, praticado a 6 de Novembro de 2009, por sentença transitada a 2 de Novembro de 2010, em pena de seis meses de prisão, pena esta suspensa na sua execução.

Posteriormente, e aqui analisadas em termos autónomos por via da actual jurisprudência quase unânime que sustenta a não realização do chamado cúmulo por arrastamento, há ainda a atender aos seguintes factos e penas, igualmente praticados pelo mesmo arguido, e que estão, entre si, também em concurso.

a) 26/10.6GCTnd, por crime de condução em estado de embriaguez, praticado a 22 de Janeiro de 2010, por sentença transitada a 17 de Março de 2010, em pena de seis meses de prisão, pena esta suspensa na sua execução, bem como na pena acessória de inibição da faculdade de conduzir por vinte e quatro meses.

b) 781/10.3JACbr, por crime de incêndio florestal, praticado a 14 de Agosto de 2010, por sentença transitada a 20 de Outubro de 2011, em pena de dois anos e quatro meses de prisão.

c) 781/10.3JACbr, por crime tentado de incêndio florestal, praticado a 2 de Setembro de 2010, por sentença transitada a 20 de Outubro de 2011, em pena de um ano e quatro meses de prisão.

 

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido A... as questões a decidir são as seguintes:

- se o Tribunal a quo violou o disposto no art.77.º, n.º 1, aquando da determinação das penas em relação de concurso, razão pela qual, errou na determinação da individualização da pena a aplicar, sendo consequentemente nula a decisão;

- se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 77.º, n.º1 do C.P. e 374.º, n.º 2 e 379.º do C.P.P., ao não valorar devidamente a personalidade do arguido e não fundamentar devidamente a razão pela qual optou pela determinação da medida da pena junto dos seus limites máximos, sendo por isso nula;  e

- se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 78.º e 80.º do Código Penal ao não ter efectuado na decisão recorrida o desconto do período de prisão preventiva que sofreu à ordem do presente processo, pelo que o acórdão é nulo.


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            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

O recorrente A..., embora concordando que há lugar à realização de dois cúmulos jurídicos, com cumprimento sucessiva de penas, discorda da inclusão no segundo cúmulo realizado, da pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução, que lhe foi aplicada no âmbito do proc. n.º 26/10.6GCTnd, por crime de condução em estado de embriaguez.

É que a primeira sentença a transitar em julgado, em 17 de Março de 2010, por factos de 22 de Janeiro de 2010, foi a que o condenou no âmbito do proc. n.º 26/10.6GCTnd.

Assim, o primeiro cúmulo jurídico deveria fazer-se relativamente às penas em que o recorrente foi condenado por crimes de condução em estado de embriaguez, ou seja, nos proc. n.ºs  26/10.6GCTnd e 479/09.5GCTnd, praticados, respectivamente, nos dias 22 de Janeiro de 2010, 20 de Setembro de 2009 e 6 de Novembro de 2009, e os três crimes de incêndio praticados nos dias 9, 21 e 23 de Setembro de 2009, aos quais foi aplicada (a cada um) uma pena de dois anos e quatro meses de prisão, no âmbito do processo 781/10.3JACBR.

Nos termos do artigo 77.º, n.º2, do C.P., a pena do concurso teria um limite máximo de 7 anos e 8 meses de prisão e como limite mínimo 2 anos e 4 meses de prisão, e não os limites estabelecidos na sentença, entre os dois anos e quatro meses de prisão e os oito anos de prisão.

Relativamente aos crimes praticados posteriormente a 17 de Março de 2010, ou seja, praticados em 14 de Agosto de 2010 e 2 de Setembro de 2010, no âmbito do processo 781/10.3JACBR e que deverão integrar o segundo cúmulo, de acordo com os critérios do artigo 77.º, n.º2, do C.P., a pena única terá como limite mínimo 2 anos e 4 meses de prisão e como limite máximo 3 anos e 8 meses de prisão.

Vejamos.

O art.77.º, n.º 1, do Código Penal, estatui que « Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. (…)».

Por sua vez, o art. 78.º, do mesmo Código, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, dispõe, designadamente, o seguinte:

« 1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

   2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.». 

Cremos ser hoje pacífico que os artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm de ser interpretados conjugadamente.

Daqui resulta que o pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso e o cúmulo jurídico das penas, é a prática pelo agente de diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, como consta da primeira parte do n.º1 do art.77.º do Código Penal.

As regras de punição do concurso, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm como finalidade permitir avaliar em conjunto todos os factos que, num dado momento poderiam ter sido apreciados e avaliados, em conjunto, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual.

Na realização desta finalidade, o momento temporal decisivo só pode a primeira condenação que ocorrer, que seja definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.

O trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido. O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infracções que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art. 78.º não pode ser interpretado cindido do art. 77.º do Código Penal.[4]

Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas.

No caso em apreciação, a primeira sentença a transitar em julgado, em 17 de Março de 2010, por factos de 22 de Janeiro de 2010, foi a proferida no âmbito do proc. n.º 26/10.6GCTnd.

Assim, o Tribunal deveria ter tido aí em consideração nessa sentença, para efeitos de pena conjunta, os crimes praticados anteriormente a 17 de Março de 2010, se deles tivesse tido conhecimento.

Como bem sustenta o recorrente, importa efectuar um primeiro cúmulo jurídico integrando as penas em que foi condenado por crimes de condução em estado de embriaguez, ou seja, nos proc. n.ºs  26/10.6GCTnd e 479/09.5GCTnd, praticados, respectivamente, nos dias 22 de Janeiro de 2010, 20 de Setembro de 2009 e 6 de Novembro de 2009, e pelos três crimes de incêndio praticados nos dias 9, 21 e 23 de Setembro de 2009, no âmbito do processo 781/10.3JACBR.

De acordo com a factualidade dada como provada, nos termos do artigo 77.º, n.º2, do C.P., a pena do concurso, neste primeiro cúmulo, passará a ter como limite mínimo 2 anos e 4 meses de prisão e, como limite máximo 8 anos e 6 meses de prisão e, ainda, na pena acessória de inibição da faculdade de conduzir por vinte e quatro meses.

Por sua vez, os crimes praticados posteriormente a 17 de Março de 2010, ou seja, praticados em 14 de Agosto de 2010 e 2 de Setembro de 2010, no âmbito do processo 781/10.3JACBR devem integrar um segundo cúmulo.

Pelos critérios do artigo 77.º, n.º2, do C.P., a pena única terá como limite mínimo 2 anos e 4 meses de prisão e, como limite máximo 3 anos e 8 meses de prisão ( e não 4 anos e 2 meses como consta da decisão recorrida, uma vez que os 6 meses de prisão em que o arguido foi condenado no proc. n.º 26/10.6GCTnd devem integrar o primeiro cúmulo jurídico).

A errada subsunção dos factos dados como provados, ao disposto no art.77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, não integra qualquer causa de nulidade de sentença.

Se na realização dos dois cúmulos jurídicos e nos subsequentes limites mínimos e máximos das penas que os integram, é violada a lei substantiva, o Tribunal de recurso não deve declarar nula a sentença e devolvê-la à 1.ª instância, mas apenas revogar a parte da decisão de direito e subsumir os factos correctamente ao direito.  

Na situação em análise, pese embora o acórdão recorrido não seja nulo em face da errada subsunção dos factos provados ao disposto no art.77.º, n.º1 e 2 do Código Penal, como sustenta o recorrente, ainda assim vislumbramos nulidades na decisão recorrida.

O art.78.º, n.º3 do Código Penal, estatui ainda a propósito do conhecimento superveniente do concurso, que as penas acessórias aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão.

Nos factos dados como provados no acórdão recorrido consigna-se que foi aplicada ao arguido, no proc. n.º 26/10.6GCTnd, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, a pena acessória de inibição da faculdade de conduzir por vinte e quatro meses.

Ora, na fundamentação de direito do acórdão recorrido nada consta sobre essa pena acessória e no dispositivo do mesmo acórdão o arguido não é condenado ou absolvido dessa pena.

Para além desta omissão na fundamentação de direito e no dispositivo do acórdão recorrido, resulta dos factos provados que o arguido foi ainda condenado por mais dois crimes de condução em estado de embriaguez, por factos praticados em 20 de Setembro de 2009 e 6 de Novembro de 2009, no âmbito do proc. n.º 479/09.5GCTnd.  

Nada consta, no acórdão recorrido, sobre as respectivas penas acessórias aplicadas ao arguido no proc. n.º 479/09.5GCTnd.

Da certidão do acórdão proferido em 13 de Outubro de 2010, no proc. n.º 479/09.5GCTnd, verifica-se que o Tribunal condenou o arguido em penas acessórias de proibição de conduzir veículos, pelos factos praticados em 20 de Setembro de 2009 e 6 de Novembro de 2009 - folhas 540 a 554.

A omissão das menções ora referidas na fundamentação e no dispositivo do acórdão recorrido, tornam este nulo, nos termos do art.379.º, n.º1, al.a), por referência ao art.374.º, n.ºs 2 e 3, al. b), ambos do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.    


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            Importa agora decidir se a decisão recorrida violou ainda o disposto nos artigos 77.º, n.º1 do C.P., e 374.º, n.º 2 e 379.º do C.P.P., ao não valorar devidamente a personalidade do arguido e não fundamentar devidamente a razão pela qual optou pela determinação da medida da pena junto dos seus limites máximos, sendo por isso nula.

O recorrente sustenta que o Tribunal não solicitou e deveria ter solicitado à DGRS relatório social sobre a personalidade do arguido - que depois de ter estado preso preventivamente desde 21 de Setembro de 2011, passou a cumprimento de pena após 20 de Outubro de 2011 –, nem teve em consideração os relatórios juntos ao proc. n.º 479/09.5GCTnd, dos quais resulta que o arguido é pedreiro e se encontra a fazer desintoxicação alcoólica no UAC- Coimbra.

Vejamos.

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objectivo do dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos , é permitir “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando  por isso  como meio de autodisciplina .” [5]

As regras de punição do concurso, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm como finalidade permitir avaliar em conjunto todos os factos que, num dado momento poderiam ter sido apreciados e avaliados, em conjunto, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual.

A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente, por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º, n.º1 (actual 71º.º, n.º1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. Explicita este Professor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.” [6]

Com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente. [7]

Para a jurisprudência maioritária do STJ, a sentença respeitante a um concurso de crimes de conhecimento superveniente deverá ser elaborada, como qualquer outra sentença, tendo em atenção o disposto no art. 374.º do CPP, pois considera que a lei não prevê nenhum desvio a esse regime geral.

Ainda dentro desta jurisprudência maioritária mais restritiva, entende parte dela que pode haver alguma adaptação no acórdão cumulatório relativamente ao disposto no n.º2 do art.374.º do C.P.P., e que em vez da transcrição da enumeração dos factos provados e não provados, pode fazer-se uma síntese dos factos relevantes.

Uma outra corrente defende que é suficiente enumerar os crimes em concurso e as respectivas penas, com indicação das datas da sua prática, das condenações e do trânsito em julgado, suposta, obviamente, a presença nos autos de certidões (narrativas completas) daquelas sentenças.[8]

Mesmo optando-se por esta última posição, parece-nos que não pode deixar de existir no acórdão cumulatório, sob pena de falta de fundamentação, uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as concretas conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do condenado.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo, sobre a avaliação da gravidade da ilicitude global e a personalidade do arguido, precedendo a fixação dos dois cúmulos jurídicos, limitou-se a consignar que o arguido tem “…uma reconhecida incapacidade para a necessária inversão de comportamentos, sendo que o arguido não tem trabalho nem qualificações, e mostra-se excessivamente consumidor de álcool (…), tratando-se “ …de um caso de dificuldades sociais e intelectuais, facto de influência não decisiva, porque o arguido não completa essas circunstâncias com uma exigível capacidade de humildade e de disponibilidade para a mensagem social e legal, conforme se verifica do facto de não ter parado com os consumos desmedidos de álcool, e os crimes, a não ser aquando da sua prisão preventiva.”.

Salvo o devido respeito, dispondo o Tribunal a quo de factos nas decisões transitadas em julgado que permitiam dar uma visão unitária do conjunto dos factos, designadamente, sobre as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, o modo geral de actuação, os prejuízos causados e a sua reparação ou não, não ponderou os mesmos em concreto em sede de determinação da medida das duas penas conjuntas. 

A nível da personalidade do arguido, o Tribunal faz algumas referências à mesma; mas olhando mais em concreto essa fundamentação, temos de concluir que é muito genérica.

No caso em apreciação, em que o arguido Manuel Rodrigues Almeida, por diversas vezes, é condenado por crimes de incêndio florestal e de condução em estado de embriaguez, é de grande relevo conhecer o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro (exigências de prevenção especial de socialização), o que passa por um esclarecimento factual da personalidade do arguido, que não consta da decisão recorrida.

Nesta situação, a realização de relatório social, actualizado, pela DGRS, poderá ser a melhor forma de apuramento factual da personalidade do arguido, caso outra se não retire do processo.

Pelo exposto, também nesta parte não pode deixar de ser reconhecida a nulidade do acórdão recorrido, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, al. a) do C.P.P..


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A última questão a conhecer é se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 78.º e 80.º do Código Penal ao não ter efectuado na decisão recorrida o desconto do período de prisão preventiva que sofreu à ordem do presente processo.

Sobre esta questão diremos, apenas, que a lei determina, efectivamente, que na realização do cúmulo por conhecimento superveniente do concurso, a pena que já tiver sido cumprida deve ser descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Uma vez que em face da declaração de nulidade do acórdão, se impõe a devolução ao Tribunal  a quo a fim de suprir as nulidades declaradas, o Tribunal a quo, no novo acórdão a proferir deverá ter em conta o disposto nos  artigos 78.º e 80.º do Código Penal.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, declarando nulo o acórdão recorrido, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b) e 379.º, n.º1, al. a) do C.P.P., ordena-se a sua devolução ao Tribunal que o proferiu a fim de suprir as nulidades, reabrindo para o efeito, se o entender necessário, a audiência de julgamento.

             Sem custas.

                                                                         *

         (Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 4-12-1997, CJ, ASTJ, ano V, tomo 3, pág. 246 e de 19-12-2007, proc. n.º 3400/07, 3.ª Secção, in www.dgsi.pt ; e Dr. Paulo Dá Mesquita, in “O Concurso de Penas”, Coimbra Ed., 1997, págs. 45 e 64.


[5] - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.

[6]  Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, págs. 290 a 292. 

[7]  Cfr. neste sentido, o acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ, ano 2008, tomo I, pág.181 e Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, pág. 155 a 166.
[8] Cfr. acórdão do STJ de 23-11-2010, proc. n.º 586/05.3PBBRR.S2, com declaração de voto do Ex.mo Cons. Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt/jstj