Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
583/13.5T4AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: BANCOS
PENSÃO DE REFORMA
COMPLEMENTO DE PENSÃO
Data do Acordão: 10/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: IRCT’S DO SECTOR BANCÁRIO.
Sumário: I – No quadro definido pelos sucessivos IRCT’s do sector bancário, a celebração do contrato de trabalho origina uma relação previdencial entre a entidade bancária e o trabalhador que os mantém ligados, mesmo após a cessação da relação laboral, e que importa a responsabilização daquela, enquanto entidade que usufrui do trabalho, pela pensão de reforma correspondente ao trabalho prestado.

II – O direito à pensão de reforma é conferido pelo instrumento de regulamentação colectiva em vigor à data da rescisão de trabalho, mas o conteúdo e medida desse direito mede-se pelo texto correspondente do instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em que ocorre o pressuposto da atribuição da reforma.

III – O cálculo do complemento da pensão de um dado trabalhador bancário deve fazer-se de acordo com o disposto no nº 1 da cl.ª 116ª do ACT, ou seja, o Banco … está obrigado a pagar a diferença entre o montante da pensão que foi fixada ao trabalhador pela segurança social e aquele que lhe teria sido fixado se tivesse sido levado em conta o tempo de serviço pelo mesmo prestado no sector bancário.

IV – Para calcular tal diferença há que ter em conta o regime de cálculo das pensões da segurança social vigente, constante do D. L. nº 329/93, de 25/09.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa de condenação pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe:

a) as mensalidades do complemento de pensão de reforma por velhice, calculadas nos termos da cláusula 116º, nº1 do ACT do sector bancário, e actualizadas nos termos legais vencidas desde Novembro de 2001 até Novembro de 2005, num valor nunca inferior a € 12.034,04, acrescido de juros à taxa legal em vigor, no montante de € 3.671,54, sendo o restante a liquidar, em execução de sentença;

b) a diferença entre as mensalidades do complemento de pensão de reforma por velhice efectivamente pagas desde Novembro de 2005 até data da entrada da presente acção e o valor que deveria ter sido pago durante esse período, calculado nos termos da cláusula 116º, nº1 do ACT do sector bancário, e actualizadas nos termos legais, vencidas, no valor mínimo de € 6.885, 28, acrescida de juros à taxa legal em vigor, no montante de € 293, 65, que perfaz o total mínimo de € 7.178,93, sendo o restante a liquidar , em execução de sentença;

c) as prestações de reforma calculadas de acordo com a cláusula 116º, nº1 do ACT vincendas desde a data da citação até ao trânsito em julgado da sentença e actualizadas nos termos legais, acrescidas de juros à taxa legal, a liquidar em execução de sentença;

d) as prestações de reforma calculadas de acordo com a cláusula 116º, nº1 do ACT, vincendas desde do trânsito em julgado da sentença até ao último dia do mês de vida do A., a liquidar em execução de sentença.

Para tanto alegou, em síntese, que: trabalhou no Banco C...., posteriormente adquirido pela ré, desde Fevereiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1971, tendo nesse período contribuído para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários; de Janeiro de 1971 a Dezembro de 2001 exerceu funções na Companhia Europeia de Seguros, contribuindo para o regime geral da Segurança Social; em 2001, completou 65 anos de idade, tendo requerido a pensão de reforma por velhice, que lhe foi atribuída a 22 de Junho de 2002, com efeitos a partir de 20.11.2001; o valor da pensão que lhe foi atribuída pela segurança social foi de € 1.181,90, tendo considerado 33 anos civis aos 65 anos, a remuneração de referência de € 1.790,78, e a taxa de formação de 0,66 num máximo de 0,80; em Outubro de 2005, solicitou à ré o complemento de reforma de acordo com o contrato colectivo aplicável mercê do tempo de serviço no C...; a ré atribui-lhe um complemento de pensão de reforma de € 175,87, com efeitos desde Novembro de 2005, nunca lhe tendo pago qualquer quantia relativamente ao período de Novembro de 2001 a Novembro de 2005, apesar de o ter informado que a data da reforma foi Novembro de 2001; a ré não indicou a fórmula de cálculo utilizada para obter o complemento de reforma que lhe atribuiu, referindo apenas cláusula 119ª ACT/ Grupo B...; em 2008 verificou que o réu não calculou devidamente o seu complemento de pensão, pois aplicou a percentagem do Anexo VI do ACT, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição do Anexo III do mesmo, em lugar de fazer a ponderação dos 11 anos de trabalho no C... de acordo com a fórmula de cálculo da segurança social, o que em 2005, atendendo a valores de 2001, lhe conferia o direito a um complemento de pensão no montante de € 250,71; a ré não aplicou correctamente a cláusula 116ª do ACT que impõe que receba da ré a importância necessária para auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como regime geral da segurança social ou outro regime mais favorável; a partir de 2008 solicitou várias vezes à ré a correcção do valor do complemento da pensão nos termos expostos mas esta manteve sempre a mesma posição.

A ré contestou, defendendo, em suma, que: é aplicável o ACT celebrado entre o Banco B..., S.A. e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros, publicado originalmente no BTE nº48 de 29.12.2001 e subsequentes alterações; ao invés do alegado pelo autor, não há qualquer incorrecção no valor do complemento da pensão que lhe está a ser pago e, nos termos do regime geral da segurança social (art. 51º do D.L.187/2007 de 10.5) as pensões de invalidez e de velhice não têm início anterior ao da apresentação do requerimento, por isso, tendo o réu recepcionado o pedido do autor no início de 2005, este não tem direito a qualquer pensão anterior a essa data; ainda que assim não se entenda, sem conceder, às prestações de reforma/complementos de pensão de reforma são prestações periódicas, aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no art. 310ºal.g) do C.Civil, por isso, mostram-se prescritas todas as prestações vencidas há mais de 5 anos, contados da citação, ocorrida em 4.7.2013, ou seja, anteriores a 4.7.2008; o procedimento de cálculo utilizado pela ré está inteiramente correcto, cumprindo integralmente o disposto na cláusula 119ª do ACT, pois, tal cálculo deve ter em conta o valor do nível remuneratório que o autor tinha no momento em saiu da Banca, com as devidas actualizações, e não a retribuição de referência fixada pela segurança social, como o autor pretende fazer crer; além disso, o ano de 1961 não deve ser contabilizado porque já foi considerado para a atribuição da pensão fixada pela segurança social.

Concluiu, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos formulados pelo autor.

O autor respondeu, pronunciando-se pela improcedência da excepção de prescrição invocada pela ré, sustentando que as normas dos ACTs que atribuem pensões de reforma aos trabalhadores são normas que se revestem da mesma natureza das normas da lei ordinária que regulam a segurança social, sendo indisponíveis e imprescritíveis os direitos nelas que consagrados.

Foi proferido o despacho saneador, no qual se relegou para a decisão final o conhecimento da prescrição.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo a ré do demais pedido, condenou-a: a) a reconhecer ao autor o direito ao complemento de pensão proporcional ao tempo de serviço que lhe prestou, calculado nos termos do disposto na cláusula 116ª, nº1 do AE do Grupo B..., com base na remuneração de referência considerada no cálculo da pensão atribuída pela segurança social que, à data da sua constituição, em 20.11.2001, se fixou no montante mensal de € 250,72, sujeito às subsequentes actualizações previstas no A.E.; b) a pagar ao autor, a partir de 3 de Julho de 2008 e até ao trânsito da decisão da presente acção, a diferença entre o montante das prestações do complemento da pensão de reforma por velhice fixado em a), com as sucessivas actualizações, e o montante das prestações que lhe tiver pago no mesmo período, com juros de mora, à taxa legal, sobre o diferencial em dívida de cada prestação, desde a data do respectivo vencimento até pagamento integral, a liquidar no incidente próprio, nos termos previstos nos art. 360º, nº3 do C.P.Civil; c) a pagar ao autor todas as prestações vincendas do complemento da pensão fixado em a), desde o trânsito em julgado da decisão da presente acção até ao último mês da sua vida.

Mais julgou procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu, declarando-se prescritas todas as prestações desse complemento de pensão vencidas desde Novembro de 2005, data do requerimento do autor, até 3 de Julho de 2008.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, conclui:                                                                                                       

[…]

O autor apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

[…]

Pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.

Posteriormente, invocando o princípio da cooperação processual, veio a apelante dar nota da publicação no BTE, n.º 34, de 15/9/2014, de uma deliberação da comissão paritária do acordo colectivo entre o Banco B... e outros e a FEBASE - Federação do Sector Financeiro, publicado no BTE 1.ª Série, n.º 48, de 29/12/ 2001, com subsequentes alterações no BTE, n.º 4 de 29/1/2005, BTE n.º 33, de 8/9/ 2006, BTE n.º 3, de 22/1/2009, e no BTE n.º 39, de 22/10/ 2011, no sentido da interpretação a dar à cláusula 122.ª (anterior 119.ª) do mesmo acordo, relativa a benefícios em caso de invalidez ou invalidez presumível fora do sector bancário e remuneração de referência para cálculo da pensão a cargo do empregador. Com o requerimento, juntou cópia das alusivas páginas do BTE.

O autor opôs-se à junção do documento, invocando a sua extemporaneidade, tendo em conta o disposto no art. 651.º do CPCivil.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

A. De facto             

Da decisão de facto da 1ª instância, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

B. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que a questão essencial que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma, tal como a apelante a coloca: a de saber se a pensão complementar a que o autor tem direito, a cargo da ré, deverá ser calculada tomando-se em consideração a remuneração de referência atendida na pensão atribuída pela segurança social ou antes a retribuição correspondente ao nível em que o autor se encontrava à data da cessação do contrato de trabalho com a ré a considerar para o cálculo da pensão de reforma proporcional ao tempo de serviço prestado pelo autor à ré.

Antes da avaliação de tal questão, importa decidir da questão colocada pelo autor sobre a extemporaneidade do documento junto pela ré após as alegações.

Começando pois por esta questão, cumpre notar que verdadeiramente não se trata da verdadeira junção de documento, mas antes de uma informação de acto publicado em boletim oficial, com força normativa e do conhecimento oficioso do tribunal.

Aceita-se assim que a ré tenha dado essa informação ao abrigo do princípio da cooperação (art. 7.º do Código de Processo Civil), no momento em que o fez e na medida em que a publicação do acto só teve lugar em 15/9/2014, bem depois da data das sua alegações de recurso.

Questão diversa é do relevo de tal acto (deliberação da comissão paritária) para a decisão da causa.

Como aceitam as partes e foi referido na sentença recorrida trata-se de interpretar a cláusula 116.ª do ACT do Grupo Banco B..., publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 48, de 29 de Dezembro de 2001.

Na verdade, era essa a norma, cuja invocação se faz para interpretação, que estava em vigor à data em que completou 65 anos de idade (facto 7.), ou seja em 2001, e em que (facto 8.) requereu a pensão de reforma por velhice que lhe foi atribuída em 22.6.2002, com efeitos a partir de 20 de Novembro de 2001.

Era, pois, essa a norma aplicável à relação previdencial discutida nos autos, tal como o entendeu a 1.ª instância.

Posição que está de acordo com a que vem sendo defendido uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Acórdão de 10-07-2008 (in www.dgsi.pt, proc. 07S4581), quando refere que:

Importa sublinhar que, no quadro definido pelos sucessivos IRCT’s do sector bancário, a celebração do contrato de trabalho origina uma relação previdencial, entre a entidade bancária e o trabalhador, que os mantém ligados, mesmo após a cessação da relação laboral, e que importa a responsabilização daquela, enquanto entidade que usufrui do trabalho, pela pensão de reforma correspondente ao trabalho prestado (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 2000, na Revista n.º 243/98, e de 8 de Fevereiro de 2001, na Revista n.º 2859/00, ambos da 4.ª Secção, sumariados em www.stj.pt – Sumários de Acórdãos).

Sendo certo que a relação previdencial constituída com a celebração do contrato de trabalho se desenvolve durante a execução do contrato e se mantém para além da vigência da relação laboral, não decorre, porém, de qualquer norma convencional ou legal, ou princípio constitucional, que o direito à pensão de reforma se adquira no momento da cessação do contrato de trabalho se esta ocorrer fora dos casos de: i) doença ou invalidez efectiva, verificadas em qualquer idade; ii) invalidez presumível, quando trabalhador atinge os 65 anos de idade.

Qualquer dos referidos factos configura verdadeiro pressuposto do direito à pensão de reforma, pois que só com a verificação de um desses factos nasce o direito ao recebimento das correspondentes prestações, então se definindo o seu conteúdo.”

E, na aplicação desse entendimento, transcreveu a seguinte citação do Acórdão da Relação ali recorrido:

Como se escreveu no Ac. da RL de 7.12.1999, citado no Ac. do STJ de 27.09.2000 in www.dgsi.pt, a propósito do direito à pensão de reforma: “Estamos, assim, perante uma situação jurídica de formação complexa ou factos jurídicos complexos de formação sucessiva que «enquanto não se produz o último elemento da série legalmente necessária, dizem-se incompletos, imperfeitos ou em formação (in itinere). Até esse momento não podem surtir os seus efeitos próprios, mas podem ir originando certos efeitos menores, preparatórios, ou preliminares daqueles outros» – M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 11”.

Por isso mesmo se vem entendendo que o direito à pensão de reforma é conferido pelo instrumento de regulamentação colectiva em vigor à data da rescisão do contrato de trabalho, mas o conteúdo e medida desse direito mede-se pelo texto correspondente do instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em que ocorre o pressuposto da atribuição da reforma (neste sentido cfr., entre outros o Ac. desta Relação de 25.01.2006 in www.dgsi.pt.).

Aqui chegados, importa especificar o seguinte:

A deliberação da comissão paritária publicada no BTE, n.º 34, de 15/9/2014, tem por objecto a interpretação a dar à cláusula 122.ª do acordo colectivo entre o Banco B... e outros e a FEBASE – BTE, constante do texto consolidado publicado no BTE n.º 39, de 22/10/ 2011, anterior cláusula 119.ª constante dos textos consolidados publicados no BTE n.º 3, de 22/1/2009 e no BTE, n.º 4 de 29/1/2005.

Embora tais cláusulas tenham conteúdo semelhante à cláusula 116.ª do ACT do Grupo Banco B..., publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 48, de 29/12/2001, a verdade é que a deliberação da comissão paritária não faz referência a esta, pelo que se pode inferir que a interpretação que estabelece não se estende a ela no tempo.

Por outro lado, entendemos que a interpretação autêntica de IRCT´s não pode ter o mesmo efeito da interpretação autêntica da lei, efeitos esses consignados no art. 13.º do Código Civil e de acordo com o qual a lei interpretativa integra-se na lei com eficácia retroactiva, ficando apenas salvos os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção ou por acto de idêntica natureza.

Na verdade a deliberação de comissão paritária tomada no âmbito do disposto no art. 493.º do Código do Trabalho não tem a força de acto legal e o n.º 3 desse mesmo artigo apenas prescreve que ele se integra no IRCT a que respeite, nada estabelecendo quanto à aplicação retroactiva do seu conteúdo útil. Por sua vez o artigo 478.º n.º 1 al. c) do mesmo Código impede até a eficácia retroactiva de qualquer cláusula que não tenha expressão pecuniária e a matéria deliberada pela comissão paritária não tem essa estrita expressão (vai para além do mero conteúdo de disposição ou actualização de tabelas salariais ou de natureza equivalente).

Ou seja, entendemos que a deliberação da comissão paritária não tem eficácia retroactiva (neste sentido, v. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho,  4.ª edição, pags. 1144-1145).

Assim sendo, a deliberação da comissão paritária em causa não tem qualquer efeito na análise da questão colocada em apreciação neste recurso.

Chegados aqui, vejamos a posição declarada na sentença recorrida.

Nela se escreveu:

«Por conseguinte, na vertente situação, tendo o C... sido integrado, por fusão, no Banco B..., e tendo o A. completado os 65 anos de idade em 2001, é no instrumento de regulamentação colectiva vigente nesta data que temos que ir procurar os normativos que determinam o montante da sua pensão.

E esse instrumento é o Acordo Colectivo de Trabalho celebrado entre as entidades patronais do Grupo B... e o Sindicato dos Bancários do Norte, o Sindicato dos Bancários do Centro e o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, publicado no BTE, 1ª série, nº 48 de 29.12.2001, com alterações posteriores publicadas nos BTE nº4 de 29.1.2005, BTE nº 33 de 8.9.2006, BTE nº3 de 22.2.2009 e no BTE nº 39 de 22.10. 2011, o qual revogou o ACTV publicado no BTE, 1ª série, nº31 de 22.8.1990, com as subsequentes alterações.

E tal ACT contempla a situação em apreço nos autos na cláusula 116ª que sob a epígrafe (Benefícios em caso de invalidez ou invalidez presumível fora do sector bancário) estipula:

“1— O trabalhador de uma entidade patronal subscritora do presente acordo não inscrito no regime geral de segurança social ou em qualquer outro regime especial de segurança social, que passe à situação de invalidez ou de invalidez presumível já desvinculado da referida entidade ou de qualquer outra instituição do sector bancário, tem direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável, independentemente de o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes.

2- A parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, prevista no n.º 1 anterior, será calculada com base na aplicação do anexo VI, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição fixada no anexo III correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a referida entidade, e actualizada segundo as regras do presente acordo.

3- A verificação das situações de invalidez, fora do âmbito de qualquer regime de segurança social será apurada por junta médica, constituída nos termos da cláusula 112ª.

4- Sempre que se verifique a transferência de responsabilidades para outra instituição não outorgante do presente acordo nos termos do n.º 3 da cláusula 110.ª, cessa a responsabilidade da entidade patronal subscritora pelo pagamento das mensalidades de pensão de reforma prevista no n.º 1.

É a interpretação desta cláusula que levanta dúvidas e suscita as diferentes interpretações que as posições da partes espelham.

O A. sustenta que o cálculo do seu complemento de pensão deve ser efectuado tendo em conta o disposto no nº 1 do referida cláusula, isto é, tendo como conta a retribuição de referência fixada pela segurança social para o cálculo da pensão que lhe atribuiu, enquanto o R. defende que o cálculo da pensão de deve feito de acordo com o disposto no nº 2 da cláusula transcrita, ou seja, com base na retribuição correspondente ao nível em que o A. se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a entidade responsável.

Tratando-se pois de um problema de interpretação, convém lembrar que, as convenções colectivas de trabalho, sendo o acordo de empresa uma das modalidades que estas podem assumir, têm parte negocial ou obrigacional e uma parte regulamentar, respeitando a primeira às regras que disciplinam as relações entre as partes signatárias da convenção, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão e a segunda às normas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores.

E é entendimento maioritário da doutrina e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos arts 236º do Código Civil quanto à parte obrigacional e o preceituado no art.9º do C. Civil quanto à parte regulativa.

Ora, a referida cláusula 116ª respeita inequivocamente à parte regulativa do ACT, pelo que a sua interpretação deve obedecer às regras do art. 9º do C.Civil.

E essa tarefa já foi empreendida pelos nossos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 7-05-2008, relatado por Pinto Hespanhol, disponível, em texto integral in www.dgsi.pt/jstj.

Este aresto constatando existir uma contradição no que concerne à retribuição de referência a considerar no cálculo do complemento da pensão entre o nº 1 e o nº 2 da cláusula transcrita, na medida em que, o segundo segmento do nº 1 determina que a empregadora subscritora do ACT pagará, na proporção do tempo de serviço nela prestado, a diferença entre a pensão a que o trabalhador teria direito se o tempo de serviço prestado no sector bancário contasse como tempo de inscrição no regime geral da segurança social e a pensão que lhe é efectivamente paga, enquanto o nº2 estabelece que a parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, prevista no nº1 anterior, será calculada com base na aplicação do anexo VI, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição fixada no anexo III, correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a referida entidade, actualizada segundo as regras do presente acordo, procedeu a uma análise exaustiva da cláusula em apreço, apelando aos elementos literal, teleológico, sistemático e histórico e, cotejando, as diferenças de redacção verificadas em relação à cláusula 116ª do anterior ACT para o grupo B..., publicado no BTE, 1ª série, nº30 de 15.8.1999, concluiu que considerações teleológicas e históricas, impõem uma interpretação restritiva do nº 2 da cláusula 116º do ACT em apreço, no sentido de este normativo se aplicar apenas aos trabalhadores que não chegam a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social, aplicando-se o nº1 aos trabalhadores cuja pensão é fixada pela segurança social, sem ponderação do tempo de serviço prestado no sector bancário.

Refere-se no acórdão a que nos vimos reportando: “Do cotejo da redacção da cláusula 116.ª nas duas versões transcritas resulta que, na versão actual, o terceiro segmento do seu n.º 1 estipula que o direito em causa é reconhecido «independentemente e o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes», não se prevendo agora qualquer disposição específica para o cálculo da pensão, no caso de o trabalhador não chegar a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social (anterior n.º 5), sendo que, no n.º 2 da versão actual, foi eliminada a ressalva do regime de cálculo mais favorável ao trabalhador.

Das mencionadas alterações é forçoso concluir que, tendo o autor adquirido direitos no regime geral de segurança social, a retribuição de referência para cálculo da pensão proporcional ao tempo de serviço prestado ao Banco recorrente deverá ser a fixada pelo Centro Nacional de Pensões para cálculo da sua pensão de reforma no âmbito daquele regime geral e não a prevista no n.º 2 da cláusula 116.ª citada.

É que não se podem misturar ou combinar os dispositivos de cálculo da pensão dos regimes jurídicos em presença, o que significaria a criação de um terceiro regime jurídico dissonante, no seu hibridismo, de qualquer desses regimes.

Não existe, portanto, elemento interpretativo decisivo que aponte para que a fórmula de cálculo da pensão de reforma proporcional ao tempo de serviço prestado pelo autor à ré deva ser a constante no n.º 2 da cláusula 116.ª do ACT em referência.

Impõe-se, assim, uma interpretação restritiva do n.º 2 da cláusula 116.ª, por considerações teleológicas e históricas, no sentido de que tal prescrição se reporta ao cálculo da pensão relativa a trabalhadores que não chegaram a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social.”

Contra esta interpretação o R., na contestação, reportando-se à cláusula 119º que no ACT de 2005 corresponde à anterior cláusula 116ª, sustenta que tal cláusula tem uma previsão incindível, devendo ser interpretada de forma integral de acordo com a vontade que as partes manifestaram na sua formação, sustentando que o nº 1 se refere à forma como deve ser determinado o tempo de serviço, sendo essa determinação feita de acordo com o critério do Regime Geral da Segurança Social e o nº 2 determina a forma de cálculo da pensão, tendo sido esta a vontade das partes. E, por outro lado, refere que só esta interpretação é consentânea com a evolução verificada na cláusula 140º do ACTV que tem a mesma finalidade e que na redacção publicada no BTE nº 4, 1ª série, de 29.2.2005, na parte final do nº1 foi expressamente consignado que a importância a pagar pelas instituições de crédito é calculada nos termos do nº 2 desta cláusula.

Salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão ao R.. Com efeito, ponderando os elementos literal, teleológico e histórico da cláusula em apreço, aderimos aos argumentos expendidos no acórdão citado, pois a interpretação aí preconizada é a que melhor se coaduna com os interesses em causa e a harmonia e coerência do sistema, na medida em que, além de respeitar a teleologia da norma que é evitar que o trabalhador do sector bancário, que abandonou tal sector, seja por esse facto prejudicado, contabilizando-se, em obediência ao disposto no art. 63º nº4 da Constituição da Republica Portuguesa, todo o tempo de trabalho do trabalhador, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado, tem um mínimo de correspondência no respectivo texto - nº2 do art. 9º do C.Civil.

Ao invés, a interpretação preconizada pelo R. retiraria qualquer efeito útil ao segmento do nº1 que estabelece: o trabalhador tem direito ao pagamento da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social. (sublinhado nosso)

Por outro lado, a alteração da cláusula 140ºdo ACTV em 2005, não obstante a sua afinidade com a cláusula em apreço, não assume qualquer relevância no que concerne à interpretação da vontade das partes, pois o ACT do B... também foi revisto em 2009 e a cláusula 116ª, à qual passou a corresponder o número 119º, manteve a mesma redacção, o que aponta para uma vontade inequívoca de manter a redacção ora em análise, pois se a vontade de ambas as partes fosse aproximar os dois regimes teria sido fácil fazê-lo.

Mais recentemente, também o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 10-10-2013, relatado por Paula Santos, igualmente disponível in www. dgsi. pt . decidiu no mesmo sentido.

Aí se refere: «A cláusula (reportando-se à 119ª que sucedeu à 116ª) foi efectivamente cindida nos dois referidos números e tal não aconteceu por acaso, mas para evidenciar a protecção de duas situações distintas: no nº 1 a situação daquele que adquiriu direitos noutro regime geral de segurança social ou em qualquer outro regime especial de segurança social, e o nº2 a situação daquele que não adquiriu o direito à reforma em qualquer outro regime.

Nem se diga que o nº1 se refere apenas à forma como deve ser determinado o tempo de serviço, pois não é o que diz a cláusula, não sendo portanto para aí que aponta o seu sentido literal. De facto, o nº1 refere-se claramente à “importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no Regime Geral de Segurança Social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável…”

Em suma, face a tudo o que ficou dito, somos forçados a concluir que, o cálculo do complemento da pensão do A. deve fazer-se de acordo com o disposto no nº1 da cláusula 116ª do ACT, ou seja , o R. está obrigado a pagar-lhe a diferença entre o montante da pensão que foi lhe fixado pela segurança social e aquele que lhe teria sido fixado se tivesse sido levado em conta o tempo de serviço pelo mesmo prestado no sector bancário.

E para calcular tal diferença, há que ter em conta o regime de cálculo das pensões da segurança social vigente em 2001, constante do D.L 329/93 de 25.9, nomeadamente o disposto nos seus arts 31º e 32º e 33º.

Art. 30º:

1- A pensão estatutária é a que resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão.

2- O montante da pensão da pensão estatutária é igual ao produto da taxa global de formação da pensão pelo valor da remuneração de referência.

Art. 32º:

1- A taxa de formação da pensão é de 2% por cada ano civil com registo de remunerações.

2- A taxa global de formação da pensão é o produto da taxa anual pelo número de anos com registo de remunerações, tendo por limite mínimo e máximo, respectivamente, 30% e 80%.

3- Para os efeitos dos números anteriores apenas são considerados os anos com uma densidade contributiva igual ou superior a 120 dias com registo de remunerações.

Art. 33º:

1 -A remuneração de referência para efeitos do cálculo das pensões de invalidez e de velhice é definida pela fórmula R/140 em que R representa o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 com registo de remunerações.

3- (…)

Com base nestas regras, o Centro Nacional de Pensões no cálculo da pensão do A., considerou os seguintes elementos: 33 anos civis; a remuneração de referência de € 1.790,78; a taxa de formação de 0,66 (num máximo de 0,80), fixando a pensão estatutária de € 1.181, 90.

Ora, se tivesse considerado o tempo de serviço prestado no sector bancário desde de Fevereiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1971, sendo de 2% a taxa de formação da pensão por cada ano civil com registo com registo de remunerações, o Centro Nacional de Pensões teria considerado mais 11 anos civis (ao contrário do alegado pelo R., o ano de 1961 não foi atendido para a atribuição da pensão pela segurança social) atingindo o A. a taxa global de formação máxima, ou seja, os 80% e o valor da pensão estatutária seria de € 1.432,62 (€ 1.790,78x,0,80) pois a retribuição de referência, reportando-se apenas aos últimos 15 anos com registo de retribuições, manter-se-ia inalterada.

Como assim, o montante inicial, reportado a 20.11.2001, data da constituição do direito, do complemento de pensão que o R. estava obrigado a pagar ao A. era de € 250,72 (€1.432, 62 – 1.181,90) sujeito a actualizações nos anos subsequentes, assistindo nesta parte razão ao A.».

A nosso ver, todas estas considerações e conclusões nos parecem ajustadas e conformes à jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos indicados, focando os argumentos mencionados pela apelante nas conclusões do recurso.

A interpretação da cláusula 116.ª do ACT em causa é a adequada de acordo com a interpretação efectuada em consonância com o disposto no art. 9.º do Código Civil, nos termos indicados, pelo que esta norma não se encontra violada.

E também não se mostra violado, nessa interpretação, o disposto no artigo 63.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa o qual apenas dispõe que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”. A determinação do valor de referência para o cálculo da pensão nos termos do decidido pela sentença recorrida é até, como na mesma se referiu, o mais consentâneo com essa norma constitucional, na medida em que se impede que o trabalhador do sector bancário que abandonou tal sector seja por esse facto prejudicado.

E assim sendo, a apelação deve improceder.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação.

Custas no recurso a cargo da ré.


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(Luís Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)