Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
140/19.2T9TCS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
DECURSO DO PRAZO
NOTIFICAÇÃO DO DENUNCIANTE DETERMINADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
RESSURGIMENTO DO DIREITO
Data do Acordão: 02/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TRANCOSO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 68.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: Perante a preclusão do direito de constituição de assistente, por estar ultrapassado o prazo (peremptório) previsto no artigo 68.º, n.º 2, do CPP, o despacho proferido pelo Ministério Público, notificado ao denunciante, para que este requeira, querendo, a sua intervenção processual na dita qualidade, não se mostra apto ao ressurgimento do referido direito, já extinto, não criando, por isso, no destinatário, uma expectativa legitimamente fundada e tutelada.
Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. Em 17 de Outubro de 2019, o Juízo de Competência Genérica de Trancoso apreciou o requerimento de constituição de assistente requerida por A., da seguinte forma:

«Em 09.08.2019, foi elaborado o auto de notícia de fls. 4 a 6, no qual consta que A. manifestou o desejo de formalizar queixa, relativamente a factos que abstratamente poderão configurar um crime de injúria.

Em 03.09.2019, A. prestou declarações (cf. fls. 15 e 16), tendo manifestado desejar procedimento criminal contra a Denunciante pelos factos descritos no auto de notícia.

Na mesma data (i.e. em 03.09.2019), a Guarda Nacional Republicana notificou A. nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 246.º, n.º 4 e 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. fls. 17 e 18).

A Denunciante A. não requereu a sua constituição como assistente no prazo de dez dias contados da notificação para o efeito e acima referida.

O Ministério Público, por despacho proferido em 19.09.2019 (cf. fls. 21/referência 27167248), determinou que a Denunciante fosse notificada para, em dez dias, proceder à sua constituição como assistente, atendendo a que os factos descritos por esta consubstanciam a prática de crime de natureza particular.

A Denunciante A. foi notificada nos termos determinados pelo Ministério Público por carta datada de 19.09.2019 e remetida por via postal simples com prova de depósito (cf. fls. 22). Na prova de depósito junta aos autos a fls. 23 consta como data de depósito o dia 20.09.2019.

Em 09.10.019, a Denunciante A. veio requerer a sua constituição como assistente (cf. fls. 24 a 28).

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de nada ter a opor (cf. fls. 33/referência 27240804).

Cotejados estes elementos, cumpre apreciar e decidir.

Estatui o n.º 2, do artigo 68.º, do Código de Processo Penal, que “tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4, do artigo 246.º”. Por sua vez, o n.º 4, do artigo 246.º, prevê que “tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.

Ora, o crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, tem natureza particular, porquanto depende de acusação particular (cf. artigos 181.º e 188.º, do Código Penal e 50.º, do Código de Processo Penal). Destarte, quanto a este crime a Ofendida dispunha do prazo de 10 (dez) dias – prazo este perentório – a contar da advertência da obrigatoriedade de constituição de assistente para requerer a sua constituição como assistente.

Sucede que, em 03.09.2019, a Ofendida foi notificada por órgão de polícia criminal para requerer a sua constituição como assistente no prazo de dez dias, não o tendo efetuado nesse prazo.  Refira-se, ainda, que a aludida notificação foi feita pessoalmente por OPC em expediente autónomo unicamente dirigido a esse ato e o qual foi assinado pela Denunciante, tendo esta recebido cópia do mesmo, pelo que se conclui que a notificação se mostra suficientemente clara e percetível para o “homem médio”.

Assim, decorrido o prazo de dez dias após ser notificada para requerer a sua constituição como assistente, sem que a Denunciada o tivesse requerido, precludiu o seu direito, de harmonia com as disposições acima mencionadas. Note-se que, nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2011 (consultável in www.dgsi.pt), “em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.

Saliente-se ainda que, não obstante o Ministério Público tivesse, posteriormente, determinado a notificação da Ofendida A. para requerer a sua constituição de assistente quanto ao crime de natureza particular, tal notificação não era apta a conferir um novo prazo/renovar o prazo para a prática do ato em causa, porquanto o direito de constituição da ofendida como assistente já se havia extinguido. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.12.2018, Processo n.º 542/17.9PBCLD- A.C1, relatora HELENA BOLIEIRO (consultável in www.dgsi.pt).

Nesta conformidade, o requerimento de acordo com o qual a Ofendida veio requerer a sua constituição como assistente foi apresentado mais de dez dias após esta ter sido advertida pelo OPC para o efeito –  notificação que releva para estes efeitos nos termos acima explanados –, pelo que não foi apresentado em tempo, sendo, concomitantemente, extemporâneo.

Ante o exposto, não se admite que A. intervenha nos presentes autos, na qualidade de assistente, quanto ao crime de natureza particular em causa nos autos».

2. Discordante com esta decisão, dela recorre o Ministério Público, concluindo:

«1 1-    Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do despacho proferido no dia 18 de Outubro de 2019, a fls. 35 e 36, que não admitiu a queixosa, A., a intervir nos autos na qualidade de assistente, porquanto considerou que o seu requerimento foi extemporâneo.

2- Quanto à factualidade subjacente aos presentes autos, importa atentar a que:

a. No dia 03 de Setembro, o OPC deu cumprimento ao disposto no artigo 246º, nº 4, do Código de Processo Penal, entregando à queixosa a “notificação para constituição de assistente” que consta a fls. 17.

b. Nesse mesmo dia, a queixosa foi ouvida pelo OPC na qualidade de assistente, tendo assinado, concomitantemente, um “auto de declarações de assistente” e assinado o seu nome, no lugar onde é indicado “assistente(s)/ partes (s) civil” – cfr. fls. 17 e 18.

c. Sucede que, a queixosa não se constituiu assistente no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a notificação acima referida.

d. No dia 18 de Setembro de 2019, o Ministério Público determinou a notificação à queixosa para, no prazo de dez dias, querendo, requerer a sua constituição como assistente.

e. No dia 09 de Outubro de 2019, a queixosa veio requerer a sua constituição como assistente – cfr. fls. 24.

3- Ora, salvo o devido respeito, se a Mma. Juiz a quo entende que a notificação feita pelo OPC à queixosa se mostra suficientemente clara e percetível para o “homem médio”, então, pela mesma ordem de razões, se o OPC, por mero lapso, em acto seguido, procede à inquirição da queixosa na qualidade de assistente, tal acto também se mostrará apto para, no mínimo, poder induzir em erro a queixosa acerca do seu estatuto processual, considerando, inclusive, que a mesma, à data, não tinha mandatário constituído.

4- Em todo o caso, mesmo que a Mma. Juiz a quo entendesse que a notificação do Ministério Público não tinha qualquer fundamento legal, não deveria ter recusado a constituição como assistente da queixosa, uma vez que tendo sido a mesma notificada por autoridade judiciária para o referido acto, foi criada uma expectativa jurídica legitimamente fundada e digna de protecção.

5- O princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, concretiza-se, designadamente, nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas na ordem jurídica e na actuação do Estado.

6- Nesta conformidade, conforme plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Outubro de 2018, processo n.º 631/16.7PBAMD.L1-5, (disponível em www.dgsi.pt):

Uma repetição de notificação determinada pelo Ministério Público, ainda que se mostre desprovida de qualquer cabimento legal, não pode, em qualquer caso, prejudicar as partes, pelo que, tendo o recorrente apresentado o seu pedido de constituição de assistente no prazo constante da notificação que, para o efeito, lhe foi efectuada, tem o mesmo de considerar-se atempado e, consequentemente, de ser admitido.

7- Por tudo o exposto, entende-se que o despacho proferido pela Mma. Juiz a quo violou o disposto no artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa e artigos 68.º, n.º 2 e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo Vªs. Exªs. ordenar à Mma. Juiz a quo que substitua o despacho recorrido por outro, no qual admita a intervenção de A., nos presentes autos, na qualidade de assistente.


*

Vªs. Exªs. decidirão conforme for de

LEI e JUSTIÇA.

3. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

O artigo 68º do Código de Processo Penal, depois de elencar, no seu nº 1, quem são as pessoas que têm legitimidade para se constituírem assistentes, regula, nos números 2 e 3 o prazo dentro do qual aquela pode ser requerida.

Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular vigora o nº 2, do citado artigo e diploma, segundo o qual, o requerimento para a constituição de assistente tem lugar nos 10 dias subsequentes à advertência referida mo nº 4, do artigo 246º, que, por seu turno, estatui:

«(…) Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar».

A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2011 (DR I, nº 18, de 26 de Janeiro de 2011), decidiu que, em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no nº 2 do artigo 68º, do Código de Processo Penal.

Não subsistem dúvidas que, em 10 de Agosto de 2019, A. apresentou queixa na Guarda Nacional Republicana da Guarda, Posto Territorial de X (...) , denunciando factos que, em abstracto são suscepetíveis de integrarem crimes de injúria e difamação (artigos 180º, nº 1 e 181º, nº1, ambos do Código Penal), crimes de natureza particular, pois o respectivo procedimento criminal depende de acusação particular (artigo 188º, nº 1, do Código Penal).

Em 3 de Setembro de 2019, a denunciante foi ouvida, como assistente, na GNR, Posto Territorial de Y (...) , confirmando os factos anteriormente participados, tendo assinado, o “auto de declarações de assistente” e assinado o seu nome, no lugar onde é indicado “assistente(s)/ partes (s) civil” – (fls. 23 e 24).

Mais foi notificada para a constituição de assistente, nos termos de fls. 25 e 26, onde se lê:

«Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular (artigo 50º, nº 1, do CPP), devendo para o efeito apresentar requerimento dirigido ao Meritissimo Juiz de Direito do Tribunal onde corre o processo.

Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias (artigo 68º, nº 2, do CPP) a contar da presente notificação.

O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, a declaração é obrigatória (artigo 246º, nº 4, do CPP) sob pena dos autos serem arquivados.

Os assistentes são sempre representados por advogado (artigo 70º, nº 1, do CPP).

Foi informado (a) sobre o regime da queixa e as suas consequências processuais, bem como sobre o regime jurídico do apoio judiciário (artigo 247º, nº 2, do CPP) (…)

A constituição de assistente dá lugar ao pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais (artigo 519º, nº 1 do CPP) – 1 unidade de conta».

A queixosa não se constituiu assistente no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a notificação acabada de transcrever.

No dia 18 de Setembro de 2019, o Ministério Público determinou a notificação à queixosa para, no prazo de dez dias, querendo, requerer a sua constituição como assistente, despacho que lhe foi notificado por via postal simples com prova de depósito, depositado na morada da mesma no dia 20 de Setembro de 2019 – fls. 28 e 29.

Em 09 de Outubro de 2019, a queixosa veio requerer a sua constituição como assistente –fls. 31 e 32.

Do elenco destes actos processuais resulta claro que a queixosa não se constituiu assistente no prazo de 10 dias contados de 3 de Setembro de 2019 (data em que recebeu a notificação para se constituir assistente) e, nesta medida, entende o Tribunal recorrido que o direito da queixosa a constituir-se assistente precludiu, não podendo ser renovado, mesmo quando o Ministério Público lhe concede expressamente novo prazo para aquele efeito.

Já o Recorrente defende que a GNR, ao ouvir a denunciante, na qualidade de assistente, induziu a queixosa em erro sobre o seu estatuto processual, sendo esse o motivo pelo qual o Ministério Público lhe concedeu novo prazo para se constituir assistente, criando naquela a legitima expectativa da tempestividade para apresentar o requerimento para se constituir assistente.

Suscita, pois duas questões distintas, quais sejam a de saber:

 a) Se os actos praticados pela GNR são susceptíveis de induzir em erro a queixosa sobre o seu estatuto processual e,

b) Se, decorrido o prazo para a constituição de assistente por via da notificação de fls. 25 e 26, pode aquele ser renovado por força de despacho posterior do Ministério Público e notificado à denunciante.

Detenhamo-nos em cada uma delas.

Se bem entendemos a primeira objecção do Recorrente, a notificação da denunciante para a constituição de assistente, não poderia produzir efeitos, já que a GNR a terá induzido em erro, quando a ouviu em declarações, confundindo-a nos procedimentos a seguir.

Aceitando que o prazo assinalado no artigo 68º, nº 2, do Código de Processo Penal se encontra intrinsecamente ligado ao estabelecido no artigo 246º, nº 4, do mesmo diploma, pressupondo o devido e cabal cumprimento dos deveres de informação e da advertência neste constantes, parece-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que, no caso, foram prestados à participante todas as informações necessárias sobre os passos a seguir no processo.

Explicando.

A denúncia de um crime pode ser feita verbalmente ou por escrito, não estando sujeita a formalidade especiais. Quando apresentada verbalmente, a denúncia é reduzida a escrito e assinada pela entidade que a receber e pelo denunciante, devidamente identificado, podendo declarar, naquele acto, que deseja constituir-se assistente   (artigo 246º, nº 1, 2 e 4, primeira parte, do Código de Processo Penal).

Contudo, como já acima se referiu, tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

Como se lê no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência supra mencionado, o artigo 246º, nº 4, em análise, consagra «o direito de informação do denunciante, devendo a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal, nos casos em que a denúncia for efectuada verbalmente, advertir e elucidar cabal e convenientemente dessa obrigatoriedade e dos diversos procedimentos a observar (…)

A advertência quanto à obrigatoriedade da constituição como assistente compreende o esclarecimento da consequência da não constituição como assistente, qual seja, a de o Ministério Público carecer de legitimidade para iniciar o procedimento, ou, dito de outro modo, só com a queixa mas sem a constituição de assistente não pode haver promoção do procedimento criminal pelos factos constantes da queixa.

O dever de informação da autoridade judiciária ou do órgão de polícia criminal, compreendendo o esclarecimento adequado dos diversos procedimentos a observar para a constituição de assistente passa, necessariamente, e pelo menos, pela informação de que o requerimento para constituição como assistente tem de ser apresentado no prazo de 10 dias, a contar da data da declaração do denunciante de que pretende constituir -se assistente, que o assistente tem obrigatoriamente de ser representado por advogado e que pela constituição de assistente é devido o pagamento de taxa de justiça (artigos 68.º, n.º 2, 70.º, n.º 1, e 519.º.

Numa perspectiva mais exigente, sobre o conteúdo do dever de esclarecimento, António Augusto Tolda Pinto (…) sustenta que para que seja integralmente cumprido este dever de informação, deve a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal que recebe a denúncia verbal informar o denunciante do seguinte:

O requerimento para constituição de assistente deve ser dirigido ao juiz de instrução criminal, tendo de ser apresentado no prazo de 10 dias a contar da data daquela declaração;

No âmbito do processo penal, ao assistente compete intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurem necessárias, deduzir acusação, quando para tal for notificado, independentemente da do Ministério Público, e mesmo que este entenda não a dever deduzir, interpor recurso das decisões que o afectem;

O assistente tem, obrigatoriamente de ser representado por advogado;

A constituição de assistente dá lugar ao pagamento de taxa de justiça;

O denunciante que não disponha de meios económicos suficientes para suportar as despesas com honorários ou o pagamento de taxa de justiça pode requerer apoio judiciário)».

Compulsadas diligências realizadas pelo órgão de policia criminal, constata-se que à denunciante A. foram prestadas todas as informações e advertências, em especial as constantes do artigo 246º, nº 4, em análise.

A participação verbal prestada perante a GNR de X (...) foi reduzida a escrito, como auto de noticia (fls. 16 a 18), tendo posteriormente, a GNR de Y (...) informado a denunciante que, tratando-se de crimes de natureza particular, era necessário que esta se constituísse como assistente e deduzir acusação particular, com a apresentação de requerimento dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal onde corre o processo.

Mais a esclareceu:

O prazo para apresentar o dito requerimento era de 10 dias a contar de 3 de Setembro de 2019, sob pena dos autos serem arquivados;

A necessidade de ser r sempre representada por advogado, havendo lugar ao pagamento da taxa de justiça (1 UC) e o regime do apoio judiciário.

Por outro lado, notificou, também, a queixosa, das regras da notificação, nos termos do artigo 145º, do Código de Processo Penal e do regime legal para a dedução do pedido de indemnização civil (fls. 21).

Por último, elucidou a ofendida de que, carecendo de meios económicos, poderia requerer apoio judiciário em qualquer serviço de atendimento da Segurança Social, nos termos referidos a fls. 21 verso.

Desta feita, se conclui que foram observadas na íntegra, as informações e as advertências exigidas pelo citado artigo 246º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Como se refere no despacho recorrido, a notificação feita pessoalmente pelos órgão de policia criminal em expediente autónomo, assinado pela denunciante, a quem foi entregue cópia, mostra-se suficientemente clara e perceptível para o “homem médio”. 

E, nem se diga, como faz o Recorrente, que a circunstância da assistente ter sido ouvida, na qualidade de assistente pela autoridade policial, a induziu em erro sobre o seu estatuto processual.

Desde logo, porque nada indicia que a inquirição da denunciante, na qualidade de assistente pela autoridade policial, nela tenha criado alguma dúvida sobre os procedimentos que deveria adoptar nos 10 dias seguintes.

Depois, porque, entre o momento da notificação e da inquirição (quase concomitantes), a denunciante não praticou nenhum dos actos que sabia serem necessários para legitimar a sua intervenção como assistente, sem os quais, o processo seria arquivado, como sejam, a sua representação por advogado, o pagamento de taxa de justiça (1 UC) ou a obtenção de apoio judiciário (para o caso de não ter meios económicos) e a formulação de um requerimento dirigido ao juiz.

Neste contexto, não detectamos, nem o Recorrente explica, de que modo é que a audição da queixosa como assistente perante a autoridade policial a induziu em erro, que, de todo o modo, só seria relevante, se estivesse demonstrado que a mencionada inquirição convenceu a queixosa que, pelo facto de ser ouvida como foi, já não seria necessário requerer a sua constituição como assistente, no prazo de 10 dias, o que não sucede nos autos.

A notificação de 3 de Setembro de 2019 realizada na pessoa de A., concedendo-lhe de 10 dias para se constituir assistente, nos termos em que o foi, mostra-se válida e eficaz para efeitos do disposto no artigo 68º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Não o tendo feito, precludiu o direito à constituição como assistente, como decidido pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2011, pois o prazo para a constituição de assistente regulado nos artigos 68º, nº 2 e 246º, nº 4, do Código de Processo Penal assume a natureza de peremptório.

«É prazo peremptório o estabelecido para a prática dum acto processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado. A regra é ser peremptório o prazo do acto a praticar pelo interessado. Só em caso de justo impedimento é que o interessado poderá praticar o acto fora de prazo.

«A fixação (legal ou judicial) dos prazos peremptórios, funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os poderes-ónus de que são titulares segundo um determinado ritmo. De facto, tais prazos, na medida em que o seu transcurso implica a impossibilidade de praticar o acto, exercem uma acentuada pressão psicológica sobre o sujeito, titular do poder-ónus, uma vez que este para evitar a caducidade de tal poder, terá de adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados.» (…)

Como nota Lebre de Freitas (…) - notação que mantém plena actualidade (…) e é igualmente válida para o processo penal -, se a regra é ser peremptório o acto a praticar pela parte, constituindo manifestação do princípio da preclusão, a gravidade da consequência derivada do seu decurso sem que o acto seja praticado tem progressivamente levado o legislador a ser menos rígido quanto às condições em que ela se verifica, fixando um prazo suplementar para a prática do acto com multa, permitindo que o juiz reduza ou dispense a multa, fazendo corresponder a data do registo postal ou da transmissão por telecópia ou meio telemático à data da entrega na secretaria judicial, maleabilizando o conceito de justo impedimento.

(…) Só, portanto, o justo impedimento é capaz de validar o acto levado a efeito após o decurso do prazo extintivo.

Os prazos processuais são exclusivamente de fixação pública: ou pela lei, directamente, ou pelo juiz, nos casos em que a lei, estabelecendo-os indirectamente, lhe devolve em termos expressos essa tarefa.

A admissão da validade da prática de um acto fora de prazo equivaleria, de certo modo, à possibilidade de prorrogação do prazo independentemente da lei, isto, num regime em que o estabelecimento dos prazos é tarefa exclusivamente publicística.

Além disso, e bem vistas as coisas, não há prazos que interessem apenas às partes; o interesse público intervém sempre, em maior ou menor medida, mesmo quando apenas se refira ao desenvolvimento normal e tanto quanto possível célere dos termos do processo (…)» (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2011).

Tratando-se de um prazo peremptório, deve o denunciante requerer a sua constituição como assistente, sob pena de se extinguir tal direito.

A inobservância do prazo torna inadmissível que, posteriormente, o denunciante por crime particular venha a requerer a sua constituição como assistente.

Uma vez que é afectado de caducidade o direito de o denunciante se constituir assistente. “Extinguiu-se, caducando, o poder de causar quaisquer efeitos jurídicos através do acto que só era possível dentro do prazo” (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2011).

O efeito cominatório da inobservância do prazo (peremptório) a que alude o artigo 68º, nº 2, do Código de Processo Penal faz, assim, extinguir/precludir o direito do queixoso a intervir nos autos como assistente.

E, no caso em apreço foi o que sucedeu. O não exercício atempado do direito da denunciante se constituir assistente - não obstante todas as informações que lhe foram prestadas sobre os procedimentos legais que deveria observar e as advertências e cominações para a sua inércia – fez extinguir tal direito, inexistindo, assim, qualquer fundamento legal para o despacho proferido pelo Ministério Público no sentido de conceder novo prazo à queixosa para praticar tal acto.

Chegados aqui, estamos em condições de apreciar a segunda questão colocada pelo Recorrente: a de saber se, depois de decorrido o prazo a que alude o artigo 68º, nº 2, do Código de Processo Penal, assiste direito à denunciante a requerer a sua constituição como assistente por via de notificação expressa para esse efeito, a mando do Ministério Público.

A este propósito, o Tribunal recorrido convoca o Acórdão desta Relação de 5 de Dezembro de 2018, que se pronunciou no sentido daquela notificação não ser apta a renovar o prazo para a prática do acto em causa, porquanto o direito já se havia extinguido.

Já o Recorrente, chamando à colação o Acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2018, defende que a notificação da queixosa por autoridade judiciária para se constituir assistente criou nela uma expectativa jurídica legitimamente fundada e tutelada pelos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas criadas na ordem jurídica e na actuação do estado.

Quanto a nós, com o devido respeito pela opinião contrária, acolhemos a versão adoptada no despacho recorrido.

Pata tanto, socorremo-nos dos argumentos aduzidos no Acórdão desta Relação já citado, aos quais acrescentaremos, os seguintes:

Os princípios da segurança jurídica e protecção da confiança emanam do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Como salientou o Tribunal Constitucional - Acórdão nº 862/2013 – a protecção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2º, da CRP. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o principio da protecção da confiança prende-se com a dimensão subjectiva da segurança – o da protecção da confiança dos particulares na estabilidade, na continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes.  

Sustentado no principio do “Estado de direito democrático” o seu conteúdo tem sido construído pela jurisprudência, em avaliações e ponderações que têm em conta as circunstâncias do caso concreto».

O juízo de ponderação que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as situações (com excepção dos casos de retroactividade expressamente previstos na Constituição) potencialmente lesivas do principio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o principio do Estado de Direito contido no citado artigo da Constituição da República Portuguesa, implica «um mínimo de certeza e segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 355/2013). 

« O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o individuo tem o direito de poder confiar em que os seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos previstos e prescritos no ordenamento jurídico» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2017 – Relator: Raul Borges, www.dgsi.pt).   

 Os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder, seja ela, legislativo, executivo ou judicial.

As expectativas legitimamente fundadas inserem em si um mínimo de certeza e de segurança para que a vida do cidadão possa decorrer sem perturbações, confiando que o Estado de Direito não toma decisões inesperadas.

A aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se estar em face de uma confiança legitima, o que passa em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptivel por aquele que pretende invocar em seu favor o referido principio.

Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário, ainda, que o interessado em causa não o pretenda alicerçar na sua mera convicção psicológica antes se impondo a enunciação dos sinais externos produzidos pelo acto praticado suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde possa razoavelmente ancorar a invocada confiança. 

Dito isto e revertendo ao caso dos autos, a questão a decidir, é a de saber se a prolação do despacho proferido pelo Ministério Público e a consequente notificação à denunciante, afecta o seu direito à constituição como assistente.

A resposta tem de ser negativa.

Na verdade,

Como deixámos exposto, o direito da denunciante a intervir nos autos como assistente precludiu com o decurso do prazo. Uma vez extinto, não pode ressurgir com um despacho de proferido pelo Ministério Público, no âmbito do inquérito (cf. artigo 97º, nº 3, do Código Penal).

O direito à constituição de assistente da queixosa não foi limitado injustificadamente pelo despacho do Ministério Público. Nessa data, de acordo com a legalidade estabelecida dos actos processuais praticados, já a denunciante não era titular desse direito, sendo que o dito despacho não constitui fonte aquisitiva de um novo direito de constituição de assistente.

Por outro lado, a secretaria judicial ou órgão de policia criminal não cometeram qualquer erro e/ou omissão, inexistindo, assim, no momento anterior à feitura do despacho, qualquer vício processual que impusesse a sua reparação, de modo a não prejudicar a queixosa.

Acresce que, porque estamos perante crimes de natureza particular, o renascimento do direito da denunciante a constituir-se como assistente tem como efeito dotar o Ministério Público de legitimidade,  para prosseguir com a investigação contra a denunciada o que afronta o direito desta a ver o inquérito arquivado no momento em que se extinguiu o direito de constituição de assistente, não devendo, na ausência de causas justificativas de reabertura de inquérito, ser perseguida criminalmente pela prática dos crimes de natureza particular participados.

Ou seja, mesmo que se considere que o despacho do Ministério Público criou na queixosa alguma expectativa de ver ressurgido um novo direito a constituir-se assistente, sempre este teria de ceder perante o direito da denunciada ao arquivamento do processo, por falta de legitimidade do Ministério Púbico em prosseguir o inquérito, já que se consolidou em momento anterior à formação daquela expectativa.

A esta mesma solução, chegaremos, por via do artigo 157º, nº 6, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal, que, acautela os prejuízos das partes decorrentes de erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial.

Com efeito, mesmo que se admita que o despacho proferido pelo Ministério Público prejudicou o direito da denunciante, a convalidação de não direito para um direito - a constituição de assistente - prejudicaria, também, o arguido.

Por último, resta dizer, que a denunciante se conformou com o despacho que não a admitiu como assistente (não se insurgiu contra o mesmo), o que aponta para a ausência da expectativa que nela terá sido criada, como defende o Ministério Público no seu recurso.

Tudo para concluir que, perante a preclusão do direito da denunciada se constituir assistente depois de observadas todas as informações e comunicações legalmente exigidas como supra se expôs, o despacho erradamente proferido pelo Ministério Público, com a consequente notificação à denunciante, não se mostra apto ao ressurgimento do direito já extinto, não criando, por isso, no destinatário, uma expectativa legitimamente fundada e tutelada.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Penal da Relação de Coimbra, em julgar totalmente improcedente o recurso.

Sem custas.

Coimbra, 19 de Fevereiro de 2020

Alcina da Costa Ribeiro (relatora)

Ana Carolina Cardoso (adjunta)