Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
202/12.7TBPNI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PROVA
CONFISSÃO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
CRÉDITO
IMPOSSIBILIDADE
MÁ FÉ
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 351, 353, 355, 356, 357, 360, 610, 611, 612 CC
Sumário: 1.- A confissão complexa do réu – confissão em que o confitente adite ao facto que lhe é desfavorável facto susceptível de fundamentar a seu favor uma excepção-facto – deve ser considerada indivisível, nos termos do art. 360º do CC.

2.- Essa confissão judicial espontânea complexa do réu não vale com a força probatória plena privativa da confissão simples (arts. 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 1, e 358º, nº 1, do CC).

3.- Se o A. não aceitou tal confissão na íntegra, a aludida confissão não faz prova plena contra o réu confitente, tendo o A. de provar o facto que lhe é favorável (e fora objecto de confissão), cuja prova lhe competia, valendo a confissão então e apenas como reforço das provas que se produzam.

4.- Uma confissão simples e com força probatória plena só afecta o réu confitente, nunca se estendendo a outro(s) réu(s), tratando-se de uma situação de litisconsórcio voluntário (art. 353º, nº 2, 1ª parte, do CC).

5.- A confissão judicial, para valer de modo probatório pleno, deve ser inequívoca (art. 357º, nº 1, do CC).

6.- As declarações da parte, a si favoráveis, só por si, não comprovam o facto probando afirmado; mas já relevará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas.

7.- Pode e deve recorrer-se à chamada presunção simples judicial (art. 351º do CC), inspirada nas regras da experiência, nas deduções lógicas, nos dados da intuição humana, no normal acontecer e nas regras da maior probabilidade das coisas da vida, para, isolada ou conjuntamente com os diversos meios probatórios, dar como provado um determinado facto, sobretudo nas acções de impugnação pauliana.

8.- Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

9.- Para obviar ao requisito inscrito no art. 610º, b), do CC – resultar do acto impugnado impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito (ou agravamento dessa impossibilidade), a lei (art. 611º) atribui ao devedor obrigado, e ao adquirente, o encargo de provar o devedor possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida.

10.- Para comprovar a má fé, prevista no art. 612º, nº 2, do CC, não exige a lei, que com o acto impugnado haja a intenção de provocar um dano ao credor, que devedor e adquirente ajam dolosamente (nas suas diversas modalidades de dolo directo, necessário ou eventual), bastando a mera consciência do prejuízo ou actuação com negligência consciente.

Decisão Texto Integral:


I – Relatório

 

1. A (…), residente em Peniche, instaurou acção declarativa de condenação contra L (…) e mulher R (…), residentes em Peniche, P (…) Ldª, com sede em Peniche, LL (…) residente em Peniche, M (…), residente em Peniche e R (…), residente em Peniche, pedindo a título principal:

a) Seja reconhecida a existência do crédito do autor no montante de 348.230,14 €, sendo 48.230,14 € referente a juros de mora, acrescidos dos respectivos juros de mora até integral pagamento;

b) Seja decretada a ineficácia em relação ao autor do acordo datado de 5.1.2009 e que incidiu sobre todos direitos e créditos de que os réus L (...) e mulher são detentores no acordo celebrado em 22.12.2003 tendo também em consideração a alteração de 22.11.2006;

c) Concomitantemente, seja reconhecida e declarada a possibilidade do autor poder executar no património dos réus, os direitos e todos os créditos que os réus L (…)e mulher detêm no contrato outorgado em 22.12.2003, tendo em consideração as alterações ao mesmo efectuadas em 22.11.2006 e que foi objecto de acordo datado de 5.1.2009, na medida do crédito do autor; 

d) Caso se venha a provar nos presentes autos que os bens imóveis referidos no acordo outorgado em 22.12.2003 e na alteração de 22.11.2006 e que dizem respeito aos direitos e créditos que os réus L (…9 e R (…) detêm nesse acordo, foram alienados, permutados ou onerados a terceiros pela ré P (…) Ldª, requer o pagamento desta ao autor do valor dos bens que alienou, onerou ou permutou, na medida do crédito do autor, nos termos previstos do artigo 616º, nº 2, do Código Civil.

A título subsidiário e para o caso de se entender não estarem reunidos os pressupostos legais da impugnação pauliana pede:

a) Seja reconhecida a existência do crédito do autor no montante de € 348.230,14 €, sendo 48.230,14 € referente a juros de mora, acrescidos dos respectivos juros de mora até integral pagamento;

b) Seja declarado que a alteração de 22.11.2006 e o acordo datado de 5.1.2009 não têm qualquer eficácia perante o autor;

c) Seja declarado que o acordo de 22.12.2003 se encontra plenamente em vigor;

d) Em consequência seja reconhecido ao autor o direito de poder executar a seu favor, todos os direitos e créditos que os réus L (…) e mulher R (…) detêm no acordo outorgado em 22.12.2003.

Alegou, em síntese, que na sequência do incumprimento por parte dos réus L (…) e mulher do contrato de mútuo outorgado em 14.3.2005, através do qual estes se declararam devedores ao autor da quantia de 300.000 € instaurou a execução que correu termos sob o nº (...) /08.8 TBPNI, no âmbito da qual requereu a penhora do crédito e direito que L (…) detivesse em virtude do acordo celebrado em 22.12.2003 com todos os réus. Nos autos de execução o réu L (…), por si e em representação da ré P (…), informou que tal acordo havia sido alterado em 22.11.2006 e extinto por acordo em 5.1.2009, tendo o aqui réu L (…) recebido a quantia de 25.500 €. Que a contrapartida referida não corresponde ao seu valor real já que os créditos a que se reporta o acordo de 22.12.2003 valem, no mínimo 300.000 €, facto de que os réus tinham conhecimento quando outorgaram o acordo de 5.1.2009. A única razão pela qual concedeu a L (…) e mulher o valor de 300.000 €, foi a existência do acordo de 22.12.2003 que lhe garantia o retorno da mencionada quantia. Os réus L (…) e L (…) tinham conhecimento do contrato de mútuo outorgado entre o autor e L (…) e mulher, sabendo ainda em 5.1.2009 que estes não haviam pago qualquer quantia ao autor e que a outorga do acordo de 5.1.2009 iria prejudicar o autor, sabendo, ainda, que os mesmos não tinham outro património. Que, entretanto, o réu L (…) é titular do direito à acção e herança por óbito de sua mãe, mas que os valores que possa daqui receber são insignificantes. Que os 1ºs réus com o acordo de 5.1.2009 sabiam, por não terem outro património, que estavam a prejudicar o autor, tendo os 1ºs a 3º réus agido em conluio. Acresce, ainda, que não tendo os réus M (…) e R (…) intervindo na alteração ao acordo de 22.11.2006 e de 5.1.2009, mantém-se inteiramente válido o acordo de 22.12.2003.

Contestaram os réus L (…) e R (…), admitindo que receberam a quantia de 25.500 €, como contrapartida do acordo que assinaram em 5.1.2009, e que tal quantia não corresponde ao valor que teriam a receber como contrapartida dos créditos e direitos que detinham na sociedade ré P (…), que aceitaram, em prestações, não para prejudicar o autor, mas por estarem ambos em situação financeira difícil. Apesar de constar do contrato de mútuo outorgado com o autor o mesmo não foi feito a si directamente, mas sim a solver dívidas da sociedade (…), Ldª, da qual o L (…) era sócio, o qual ocorreu em data anterior à do dito acordo de 22.12.2003. Que, se é certo que sabiam dever dinheiro ao autor, aquando da assinatura do acordo de 5.1.2009, tal quantia não correspondia a 300.000 €, uma vez que havia a fazer um acerto de contas com o autor, relativamente à empresa (…), Lda, da qual o autor e o réu L (…) eram sócios. Por último, que a ré P (…)r se obriga apenas com a assinatura do réu L (…), pelo que são válidos os acordos de 22.11.2006 e 5.1.2009.

Contestaram os réus P (…), L (…) M (…), começando por invocar a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial. Invocaram também a caducidade do direito do autor em relação ao acordo celebrado em 22.11.2006, atento o decurso do prazo a que alude o art. 618º do CC, bem como a ilegitimidade passiva dos réus (…). Invocaram ainda a violação da convenção de arbitragem constante do contrato celebrado. Quanto ao mais, admitindo o teor dos acordos referidos na p.i, alegam que no acordo de 22.12.2003 o próprio autor interveio na execução de parte do mesmo, designadamente nas transacções para uma sociedade da qual era sócio com o réu L (…). No que se refere à quantia de 25.500 € não são a contrapartida da extinção dos acordos, tratando-se da contrapartida final tendo em conta que o réu L (…) devia à ré, pelo menos, o montante de 136.801,92 €. Que os acordos de 2006 e 2009 não foram assinados pelo réu L (…) enquanto pessoa singular, sendo que os réus R (…) e M (…), com a assinatura do acordo de 2003, deixaram de fazer parte do processo, só subsistindo obrigações recíprocas para o réu L (…) e a ré P (…). Que nunca houve má fé dos réus.

Por último, e em reconvenção, para a hipótese de procedência da acção, pede a condenação do autor no reconhecimento do crédito que a ré P (…) tem sobre o réu L (…), no montante de 162.301,92 €, resultante dos acordos invocados e na condenação consequente do seu pagamento à mesma.

Contestou o réu R (…) invocando a sua ilegitimidade. Que apenas teve intervenção no acordo de 22.12.2003, sendo alheio a todas as negociações entre aqueles réus. Quanto ao contrato de mútuo outorgado entre o réu L (…) e o autor, o valor que consta da escritura não corresponde à realidade porque havia valores a acertar entre ambos relacionados com a sociedade (…) da qual eram ambos sócios.  

O autor replicou, articulado, onde além do mais, ampliou o pedido e a causa de pedir.  

Foi admitida a ampliação do pedido e da causa de pedir, por forma a ser tomado em consideração um acordo datado de 18.05.2009, para além dos já invocados em sede de p.i.

Foram julgadas improcedentes as alegadas excepções de violação da convenção de arbitragem, de ilegitimidade, bem como da nulidade decorrente da ineptidão da p.i.

Admitiu-se o pedido reconvencional, relegando-se para final o conhecimento da excepção da caducidade invocada.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos pedidos formulados (não conhecendo da reconvenção).  

*

2. O A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. Os RR L (...) e Mulher contra-alegaram, concluindo como segue:

(…)

4. O R. R (...) contra-alegou, concluindo que:

(…)

 

II - Factos Provados

1- Por contrato de mútuo outorgado no dia 14.05.2005, no Cartório Notarial do Cadaval, os réus L (…) e R (…) declararam ser devedores ao autor da quantia de € 300.000,00 que o mesmo lhes havia emprestado e que se obrigavam a pagar tal quantia no prazo máximo de 3 anos a contar daquela data, de uma só vez ou por entregas parcelares e por conta nas seguintes condições:

Um – Os pagamentos devem ser efectuados através de entregas em dinheiro ou por venda e entrega ao segundo outorgante (o autor) ou a quem este indicar dos lotes de terreno para construção que a seguir se identificam e que fazem parte de loteamentos em fase de aprovação pelas respectivas Câmaras Municipais que foram prometidos vender aos primeiros outorgantes por “P (…), Ldª”, actual titular desses loteamentos, por contrato celebrado em vinte e dois de Dezembro de dois mil e três, e aos quais, para efeitos do presente acordo de pagamento, é fixado o valor de quarenta mil euros para cada um.

(...)

Dois – Após a emissão do alvará pela respectiva Câmara Municipal referente a qualquer dos loteamentos a que se referem os lotes supra identificados (nºs 4 e 15 da Urbanização (...) ; 1, 7, 10 e 15 da Urbanização (...) ; e dois lotes da Urbanização das (...) ) os primeiros outorgantes obrigam-se, no prazo máximo de trinta dias, a promover a transferência para o segundo outorgante, por venda e pelo valor supra fixado, ou seja, quarenta mil euros cada, os lotes incluídos nesse loteamento ou a entregar ao segundo outorgante por conta da dívida o montante correspondente.

2- No documento referido em 1, mais ficou acordado que em caso de incumprimento pelos primeiros outorgantes da condição de pagamento parcelar nos termos previstos no número dois do por eles supra declarado, é reconhecido ao segundo outorgante o direito de exigir judicialmente a transmissão para si dos lotes respectivos, cedendo por este meio os primeiros outorgantes ao segundo a posição e o direito que os primeiros outorgantes detêm no contrato celebrado com a “P (…) Lda” em vinte e dois de Dezembro de dois mil e três, em referência aos respectivos lotes.

Que em caso de incumprimento, mesmo que parcial, do integral pagamento no prazo de três anos, o presente documento será título executivo para exigência imediata pelo segundo outorgante do pagamento do montante ainda em dívida.

Que o presente empréstimo não vence juros pelo prazo fixado para integral pagamento.

3- Sob a epígrafe “Acordo”, no dia 22.12.2003, o réu L (…), por si e na qualidade de sócio e único gerente da ré P (…) (1º outorgante) a ré M (…), por si e na qualidade de sócia da ré P (…) (2ª outorgante) o réu L (…) (3º outorgante) e o réu R (…) (4º outorgante) subscreveram um documento onde, entre o mais se consignou:

PRESSUPOSTOS:

A) Os primeiros e segunda outorgantes são, nos termos do competente registo comercial, os únicos sócios da sociedade P (…)LDA, (...) neste Acordo também designada simplesmente por Sociedade.

B) Por interesse mútuo a segunda outorgante havia adquirido a quota que na mesma sociedade anteriomente possuía o terceiro outorgante sem que, contudo, dela fosse pago o preço, permanecendo o terceiro outorgante, de facto, sócio na proporção de metade do capital da supra identificada sociedade.

C) O primeiro, segunda e terceiro outorgantes têm plena consciência deste facto, tendo agido sempre de boa fé nas relações entre eles.

D) O terceiro outorgante, por interesse próprio, e com a aceitação dos primeiro e segunda outorgantes, teve intenção de transferir os seus direitos para o seu filho, quaryo outorgante, que o aceitou.

E) Para dar suporte de garantia jurídica à situação de facto existente, a segunda outorgante emitiu a favor do quarto, em 24 de Abril de 2003, procuração irrevogável, conferindo-lhe poderes para ceder a quem e nas condições que entendesse, incluindo a ele próprio, a quota que a mesma possui na supra identificada, no valor nominal de € 57.500,00 (cinquenta e sete mil e quinhentos euros), correspondente a metade do capital social.

(...)

F) (...) os primeiro, segunda e terceiro outorgantes iniciaram negociações no sentido de, em vez da cessão da quota prevista na supra citada procuração, receber o terceiro outorgante, como contrapartida da sua renúncia à participação de facto na Sociedade, o equivalente a metade do seu património líquido, presente e eventual, decorrente de factos existentes mas de resultados incertos, com a consequente revogação da procuração referida em E e a concomitante reassumpção plena pela segunda outorgante da sua qualidade de sócia da Sociedade quer de direito quer de facto.

G) Os primeiro, segunda e terceiro outorgantes concordam que os bens cujo direito de venda é conferido por este Acordo ao terceiro outorgante excedem em € 124.000,00 (cento e vinte e quatro mil euros) o valor de metade do património líquido, presente e eventual da Sociedade.

(...)

CLÁUSULA SEGUNDA

A sociedade é parte de diversos contratos que lhe conferem o direito de adquirir por permuta, após aprovação do Alvará de Loteamento, um terreno, para o qual requereu à Câmara Municipal de Peniche a aprovação do loteamento denominado “ (...) ” sito no Baleal (...), do qual entre os mais constam os lotes 4, 15, 21 e 22.

CLÁUSULA TERCEIRA

A sociedade é dona e legítima possuidora de metade do terreno e é titular de contratos que lhe conferem o direito de adquirir por permuta, após aprovação do Alvará de Loteamento, a restante metade e para o qual irá requerer à Câmara Municipal de Peniche a aprovação do loteamento denominado “ (...) ” sito no Baleal (...), do qual entre os mais constam os lotes 1, 7, 10, 15, 16, 19, lotes de terreno nºs 2, 8, 13, 20, 23, 24 e 30.

CLÁUSULA QUARTA

1. A sociedade é dona e legítima possuidora do terreno em parte do qual foi aprovado o loteamento denominado “Urbanização das (...) ”, sito em (...) , constituído por nove lotes.

2. Prevê-se que a restante parte do terreno venha a ser incluída na revisão do PDM de Óbidos o que poderia permitir a futura expansão daquele loteamento.

3. Logo que tal venha a suceder, a Sociedade requererá à Câmara Municipal de Óbidos a aprovação do loteamento suplementar com 10 a 12 lotes de terreno.

4. Prevê-se que desse loteamento possam fazer parte, entre os mais os seguintes lotes:

- Um lote com a área aproximada entre 250 m2 a 290 m2;

- Um lote com a área aproximada entre 250 m2 a 290 m2.

CLÁUSULA QUINTA

Como contrapartida da renúncia pelo terceiro e quarto outorgantes a qualquer direito sobre a Sociedade e sobre os primeios e segunda outorgantes, com excepção dos resultantes do presente Acordo, a Sociedade representada pelo primeiro outorgante confere ao terceiro outorgante os seguintes direitos:

a) O de, a partir da data do presente Acordo, vender a quem (incluindo ele próprio) e pelo preço que entender os bens imóveis identificados na cláusula primeira.

b) Para cumprimento do supra acordado, a sociedade emite nesta data a favor do terceiro outorgante procuração irrevogável e permitindo o negócio com o próprio, conferindo poderes para prometer vender ou vender os bens imóveis identificados na cláusula primeira.

c) O de, a partir das datas em que os respectivos lotes estejam registados e inscritos a favor da sociedade na competente Conservatória do Registo Predial, vender a quem (incluindo ele próprio) e pelo preço que entender , os quatro lotes identificados na cláusula segunda, os seis lotes identificados na cláusula terceira e os lotes que venham a resultar da expansão do loteamento referido na cláusula quarta;

d) Para cumprimento do supra acordado, a sociedade emitirá a favor do terceiro outorgante, a partir das datas em que os respectivos lotes estejam registados e inscritos a favor da sociedade, procuração irrevogável e permitindo o negócio com o próprio, conferindo poderes para o prometer vender ou vender os lotes identificados nas cláusulas segunda, terceira e quarta.

(...)

CLÁUSULA SÉTIMA

(...)

4. Estando prevista a aquisição pela Sociedade de um terreno adjacente e confinante com este loteamento, se esta aquisição se vier a concretizar, a Sociedade, a partir da data em que o loteamento se encontrar aprovado e os respectivos lotes estejam registados e inscritos a favor da Sociedade na competente Conservatória do Registo Predial, conferirá ao terceiro outorgante o direito de vender a quem, incluindo ele próprio, e pelo preço que entender, um dos lotes que viera a ser aprovado, com as características médias do conjunto de lotes, procedendo-se de igual forma à prevista na cláusula quinta para o exercício desse direito.

4- Por acordo subscrito pelos réus L (…), em representação da ré P (…) e L (…) datado de 22.11.2006 foi consignado, entre o mais:

a) Trocar os lotes 4 e 21 do loteamento “ (...) ” referidos na cláusula segunda do acordo de 22.12.2003;

b) O réu L (…) reconhece dever à ré P(…) a quantia de € 136.801,92 que esta aceitou receber até ao dia 30 de Março de 2007;

c) Após aquele pagamento a ré P (…) emitiria a favor do réu L (…) a procuração a que se refere a alínea d) da cláusula quinta do acordo de 22.12.2003 e caso de após essa data o pagamento não for efectuado fica desobrigada de emitir a referida procuração e de vender os lotes ao réu L (...) , obrigando-se a pagar-lhe a quantia de € 43.198,00;

d) Quanto ao lote 22 em vez de emitir a procuração a que alude a referida cláusula a ré P (…) obriga-se a vendê-lo a pessoa determinada.

e) Não colocar em causa o acordo de 22.12.2003, salvo na parte ora acordada.

5- Sob a epígrafe “Acordo”, no dia 05.01.2009, o réu L (…), em representação da ré P (…) e o réu L (…) subscreveram um documento onde, entre o mais se consignou:

1. Ambas as partes dão por cumpridas todas as obrigações relativas aos loteamentos previstos nas cláusulas Primeira e Segunda do Acordo celebrado em 22 de Dezembro de 2003.

2. Relativamente aos loteamentos previstos nas cláusulas Terceira e Quarta do referido Acordo, em alternativa ao direito que lhe é conferido nas alíneas c) e d) da Cláusula Quinta e nº 4 da Cláusula Sétima, (…) declara preferir um montante em dinheiro tal como previsto nas Cláusulas Sétima e Oitava do mesmo Acordo, dando como extinto o mesmo direito.

3. Ambas as partes concordam que o montante referido no número anterior seja fixado em € 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos euros) a pagar pela PP (…) a L (…) que este já recebeu da P (…) e de que L (…)dá quitação.

4. Com a celebração do presente Acordo, ambas as partes dão por inteiramente cumpridas todas as obrigações recíprocas previstas no Acordo celebrado em 22 de Dezembro de 2003, nada mais tendo a reclamar do outro relativamente ao mesmo acordo.

6- Sob a epígrafe “Acordo”, no dia 18.05.2009, o réu L (…), em representação da ré P (…) e o réu L (…) subscreveram um documento onde, entre o mais se consignou:

1. Ambas as partes dão por cumpridas todas as obrigações relativas aos loteamentos previstos nas cláusulas Primeira e Segunda do Acordo celebrado em 22 de Dezembro de 2003.

2. Relativamente aos loteamentos previstos nas cláusulas Terceira e Quarta do referido Acordo, em alternativa ao direito que lhe é conferido nas alíneas c) e d) da Cláusula Quinta e nº 4 da Cláusula Sétima, (…) declara preferir um montante em dinheiro tal como previsto nas Cláusulas Sétima e Oitava do mesmo Acordo, dando como extinto o mesmo direito.

3. Ambas as partes concordam que o montante referido no número anterior seja fixado em € 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos euros) a pagar pela P (…) e L (…) do seguinte modo:

a) € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) já recebidos e de que L (…)dá quitação.

b) Os restantes € 23.000,00 (vinte e três mil euros) em 20 prestações mensais e iguais de € 1.150,00 (mil cento e cinquenta euros) cada, vencendo-se a primeira em 18 de maio de 2009 e as restantes no dia 18 de cada mês seguinte.

4. Com a celebração do presente Acordo, ambas as partes dão por inteiramente cumpridas todas as obrigações recíprocas previstas no Acordo celebrado em 22 de Dezembro de 2003, nada mais tendo a reclamar do outro relativamente ao mesmo acordo.

7- A ré P (…) Ldª tem por objecto o exercício da indústria de construção civil por conta própria ou por empreitada, a troca, compra e venda ou revenda de imóveis e, de um modo geral, o comércio e indústria de construção civil e o arrendamento de bens imobiliários.

8- O capital social da ré P (…) encontra-se dividido em duas quotas sociais, cabendo uma ao réu L (…) e outra à ré M (…).

9- O cargo de gerente é exercido pelo réu L (…), obrigando-se a sociedade com a sua assinatura.

10- A sociedade (…) Ldª dedica-se à construção civil, compra e venda de imóveis, propriedades e terrenos e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim; decoração de interiores e exteriores; importação, exportação e representações de materiais de construção civil e decoração; consultadoria e fiscalização técnica de obras.

11- Pela Ap. 03 de 4 de Setembro de 2003 foi registada a constituição da referida sociedade, com o capital social dividido em três quotas de que eram titulares o réu R (…) o autor e A (…), sendo a gerência exercida pelos primeiros.

12- Pelas Ap. 04, 02,03 e 05 de 1 de Abril de 2005 o réu R (…) renunciou à gerência da referida sociedade, cedeu a sua quota aos demais sócios e autorizou a manutenção do apelido (…) na firma da sociedade.

13- No dia 29.12.2003 no Cartório Notarial do Cadaval, o réu L (…) na qualidade de procurador da ré P (…) Ldª declarou vender pelo preço de € 40.000,00, já recebido, à sociedade (…) Limitada, representada pelo aqui autor e pelo réu R (…), que declararam comprar o prédio urbano sito no “ (...) ”, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 1.400.

14- No dia 26.04.2004 no Cartório Notarial do Cadaval, o réu L (...) na qualidade de procurador da ré P (…) Ldª declarou vender pelo preço global de € 40.000,00, já recebido, à sociedade (…) Limitada, representada pelo aqui autor e pelo réu R (…), que declararam comprar o prédio urbano sito no “ (...) ”, “ (...) ” ou “ (...) ”, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 1.398 e pelo preço de € 135.000,00, já recebido, o prédio urbano sito no “ (...) ”, “ (...) ” ou “ (...) ”, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 1.441.

15- Os imóveis a que se faz referência no acordo referido em 3 foram vendidos nos seguintes termos:

a) O lote 4 pelo valor de € 50.000,00;

b) No lote 15 foi edificada uma construção pela ré P (…) e vendida a mesma a terceiro pelo valor de cerca de € 150.000,00;

c) O lote 21 foi vendido por um valor entre € 40.000,00 a € 50.000,00;

d) O lote 22 foi vendido a pedido do réu L (…) nos termos referidos no mesmo acordo.

16- O autor instaurou contra os réus L (…) e R (…) a execução que corre termos sob o nº (...) /08.8 TBPNI para pagamento da quantia de 303.616,44, tendo os executados sido citados no dia 03.10.2008.

17- No âmbito da execução referida em 16, o autor requereu a penhora de todo o crédito e direitos que o executado L (…) detivesse em virtude do acordo celebrado em 22.12.2003 entre os réus, L (…) que outorgou por si e na qualidade de sócio e único gerente da sociedade P (…), M (…)que outorgou por si e na qualidade de sócia da sociedade P (…) Lda, L (…) e R (…)

18- No seguimento do referido requerimento de penhora, o réu L (…)por si, e em representação da ré P (…), Lda fez juntar ao referido processo executivo uma informação do seguinte teor:

1. Reafirmam, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, que não existe nenhum créditos nem direitos que o executado L (…) detenha sobre a sociedade P (…) Lda ou sobre L (…).

2. Mais informa que o Acordo celebrado em 22 de Dezembro de 2003, com a alteração de 22 de Novembro de 2006, já não se encontra em vigor.

3. O facto extintivo daquele Acordo foi o Acordo celebrado em 5 de Janeiro de 2009 que se junta e se dá por integralmente reproduzido, tendo o executado L (…) recebido como contrapartida o montante de € 25.500,00.

*

Não se provou que:

Da petição inicial:

a) O valor atribuído no acordo referido em 5 ao réu (…) não corresponde ao valor real que este tinha a haver no âmbito do acordo referido em 3, o que era do conhecimento de todos os réus;

(…) 

c) O acordo datado de 05.01.2009 foi outorgado à pressa, tendo em vista a elaboração de uma oposição no âmbito da execução mencionada em 16, tendo em vista prejudicar os interesses patrimoniais do autor;

d) A ré P(…) e o réu L (…), desde pelo menos a outorga do contrato de mútuo celebrado entre o autor e os réus L (...) e R (...) têm conhecimento, não só do montante em dívida para com o autor, assim como o compromisso de pagamento por parte de (…) e mulher, que envolvia lotes referidos no acordo referido em 3;

e) Aquando da outorga do acordo mencionado em 5, a ré P (…) e o réu L (…), tinham conhecimento de que os réus L (…) e R (…) não tinham cumprido com o pagamento ao autor do montante em dívida para com este no valor de pelo menos € 300.000,00 e que com a realização de tal acordo iriam prejudicar o autor;

f) A ré P (…) e o réu L (…), aquando da realização do acordo referido em 5 sabiam que os réus L (…) e R (…)não detinham mais nenhum outro património conhecido para além dos direitos e créditos decorrentes do acordo de 22.12.2003;

(…) 

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Requisitos da impugnação pauliana.

- Mérito do pedido subsidiário.

2. O recorrente pretende que seja dado como provado, que os RR L. (...) e mulher lhe devem a quantia de 300.000 € e respectivos juros de mora, que aquando da interposição da presente acção se cifravam em 48.230,14 € (art. 1º da pi), e o facto enunciado em 29º da p.i., ou seja, que os mesmos RR bem sabiam, que nem na data constante do acordo de 5.1.2009, nem actualmente, são detentores de qualquer outro património, que possa responder pela divida ao A. E que sejam dados por provados os factos dados como não provados em a),c) a f).

E, ainda, que deviam ter sido considerado como factos não provados, relativamente à contestação da ré (..) três factos aí alegados, que enuncia expressamente (cfr. conclusões de recurso 8 a 31). A justificação para tanto, consta das aludidas conclusões de recurso. 

2.1. Quanto aos factos 1º e 29º da p.i., apesar de serem relevantes, o tribunal a quo não os deu como provados, nem como não provados (!?) o que devia ter acontecido. Analisemos, então, os meios de prova invocados pelo recorrente, e outros dimanantes dos autos.

Já sabemos do facto provado 1. (e respectiva escritura de mútuo, doc. 1 da p.i.), que o A. emprestou aos referidos RR, em Maio de 2005, a apontada quantia de 300.000 €. Tais RR confessaram no art. 1º da sua contestação quer o crédito do A. quer o seu montante. Todavia, quanto ao montante, mais à frente já colocaram em causa parte indeterminada desse valor, nos arts. 16º e 17º da sua contestação, aí dizendo que, em 5.1.2009, quando outorgaram o acordo com a R. (…), já não deviam tal quantia em virtude de terem acerto de contas a fazer com o A.

Trata-se de uma confissão complexa – confissão em que o confitente adite ao facto que lhe é desfavorável facto susceptível de fundamentar a seu favor uma excepção-facto (vide neste sentido A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao artigo 360º, págs. 317/318, e A. Castro, D. Proc. Civil, Vol. III, págs. 328/329) e portanto a confissão seria sempre indivisível, nos termos deste último citado preceito, não podendo, por isso, tal confissão judicial espontânea valer com a força probatória plena privativa das confissões simples (arts. 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 1, e 358º, nº 1, do CC). De qualquer maneira, ainda que se pudesse ver tal confissão como simples e com força probatória plena, ela só afectaria tais RR, nunca se estenderia aos demais RR, pois tratar-se-ia de uma confissão de litisconsortes voluntários (art. 353º, nº 2, 1ª parte, do CC). Prosseguindo na análise, verifica-se que o A. na réplica não aceitou tal confissão na íntegra (cfr. arts. 20º e segs. de tal articulado). Desta sorte, a aludida confissão dos RR (art. 1º da contestação), no respeitante ao montante do crédito do A., não faz prova plena contra os RR confitentes, tendo portanto o A. de provar o facto que lhe é favorável (e fora objecto de confissão), cuja prova lhe competia, valendo a confissão então e apenas como reforço das provas que se produzam.

Ora, há mais elementos nos autos. Desde logo, não se provou a referida versão dos RR neste particular aspecto, como resulta do facto não provado m) onde expressamente se deu por não provada a alegação dos mesmos RR que aquando da outorga do acordo referido no facto provado 5. tais RR não deviam a quantia que é referida no contrato referido no facto 1., porquanto haveria um acerto de contas a fazer com o A. relativamente à sociedade referida no facto provado 10. Depois, os mesmos RR dizem que não devem os referidos 300.000 € mas acabam por não adiantar, então, quanto será devido, posição que é muito cómoda, sendo certo que a quantia que fosse de abater corresponde a um facto extintivo parcial, cujo ónus de prova lhes cabia (art. 342º, nº 2, do CC). Em seguida, constata-se que tais RR também admitiram como verdadeiros, no seu art. 1º da contestação, os factos alegados pelo A. nos arts. 2º a 4º da p.i., designadamente o que consta do facto provado 16. e ainda que os mesmos RR não deduziram qualquer oposição executiva ou pagaram a quantia reclamada. O que é sintomático, pois na data da sua citação, 3.10.2008, estava-se pertíssimo da data de 5.1.2009 em que se efectuou o dito acordo extintivo (facto 5.), e cerca de 3 meses antes de tal acordo, pelos vistos, os indicados RR nada tinham pago da sua dívida ao seu credor A., pois nem oposição executiva deduziram, sequer a alegar que a quantia era mais pequena, ou pagaram o que quer que fosse.

Por outro lado, verifica-se que nos arts. 4º e 5º da sua contestação tais RR, referindo-se ao acordo datado de 5.1.2009, alegam que por se encontrarem numa situação financeira muito difícil, estando ambos desempregados e não tendo qualquer fonte de rendimento, celebraram tal acordo. Outrossim, nem se deram ao incómodo de alegar que tinham bens penhoráveis de igual ou maior valor do que a sua dívida, apesar de estarem onerados com essa prova (cfr. art. 611ºdo CC). Finalmente, no seu depoimento, gravado em CD e que ouvimos, a testemunha (…) (empresário da construção civil, amigo do A. e dos RR (…), e que o tribunal a quo considerou ser séria e isenta), confirmou a precária situação financeira dos réus (…), acrescentando que a mesma já se verificava desde 2003.

Assim, conjugando todos os elementos de prova referidos e concatenando-os sagazmente, e recorrendo igualmente à denominada presunção judicial (art. 351º do CC), isto é, às regras da experiência, às deduções lógicas, aos dados da intuição humana, ao normal acontecer e às regras da maior probabilidade das coisas da vida, pode extrair-se que os ditos factos alegados pelo A. na sua p.i. (desconsiderados probatoriamente pelo tribunal a quo) correspondem à verdade e por conseguinte devem ser dados por provados. O que se fará sob factos provados 19. e 20. (a negrito). 

19. O A. é credor dos réus L (…) e Mulher no montante de 300.000 € e respectivos juros de mora, que aquando da interposição da presente acção, em Março de 2012, se cifravam em 48.230,14 €.

20. Os mesmos réus sabiam que nem na data constante do acordo de 5.1.2009, nem actualmente, são detentores de qualquer outro património, que possa responder pela divida ao A.

2.2. Quanto ao facto não provado a). Vejamos os meios de prova invocados pelo recorrente, e outros dimanantes dos autos.

Na aludida escritura de mútuo, outorgada em Março de 2005, o A. e os RR casal (...) previram – as cláusulas do mesmo foram acompanhadas por advogado conforme dito pelo A., em declaração de parte (com depoimento gravado em CD que ouvimos) -, que o pagamento daquele seria feito com a venda e entrega de 8 lotes urbanos, em fase de aprovação, sendo que esses 8 lotes, a aprovar, estão identificados nas cláusulas 2ª a 4ª do mencionado acordo de Dezembro de 2003 (facto 3.), tendo inclusive o A. e o casal (..) calculado em 40.000 € o valor de cada um desses futuros lotes. Também na cláusula 14ª, nº 3, desse acordo de Dezembro de 2003 (a fls. 35), para efeito de funcionamento de outras cláusulas do mesmo acordo, os nele intervenientes atribuíram a esses lotes o valor de 60.000 € a 6 deles e 40.000€ a outros dois. De outro lado, na sua contestação (art. 10º) são os próprios RR (…)afirmaram desconhecer qual o valor real dos direitos e créditos que detinham no acordo outorgado em Dezembro de 2003, mas sabiam ser superior aos 25.500,00 € recebidos da R. (…) no acordo de 5.1.2009. E inclusive no seu depoimento de parte, o R. L.(…) confessou (vide assentada de fls. 313) o que consta do facto provado 15., isto é, que os 4 lotes previstos no loteamento “ (...) ”, no Baleal, foram aprovados e vendidos por cerca de 240.000/250.000 €, no mínimo. Por sua vez, a testemunha (…) referiu no seu depoimento que, em 2003, no Baleal lotes urbanos de 250/300 m2 valiam cerca de 55.000/60.000 €, embora agora em 2015 valham menos, depois da crise que se instalou no país, e que receber cerca de 25.000 €, pela totalidade de 8 lotes na zona do Baleal e (...) , mesmo que alguns ainda não estivessem aprovados, era um negócio que não existe, porque à partida valeria muitíssimo mais, mesmo que fosse em 2009. Ou seja, a testemunha aponta no sentido de que o crédito que o R. L. (…) detinha no acordo celebrado em Dezembro de 2003 não se resumia a cerca de 25.000 €, mas muitíssimo mais, não acreditando que os lotes em questão pudessem ser oferecidos a alguém por apenas tal valor. Por fim, não pode esgrimir-se que não houve lugar a todos os loteamentos, visto que sabemos que tal aconteceu, pelo menos em relação aos quatro que foram vendidos, e quanto aos demais não foi feita prova nesse sentido por parte dos réus, tendo aliás o tribunal a quo dado como não provado, sob o), a alegação da R. P(…)que apenas os lotes que constavam do acordo referido em 3., sitos em “ (...) ” existem, uma vez que os demais nunca chegaram a existir, nem se prevê que possam existir por falta da respectiva autorização das entidades competentes.

Ou seja, somando todos estes elementos de prova, relacionando-os e interpretando-os, levam-nos a formar a convicção que tal facto não provado deve ser dado antes por provado, por os RR (…) que outorgaram o acordo de Dezembro de 2003, bem saberem, pois, que os créditos do R. L. (...) , em Janeiro de 2009, quando foi feito o novo acordo extintivo, não podiam valer apenas 25.500 €, mas mais, tendo em conta o número de lotes envolvidos e os valores calculados e atribuídos no contrato de mútuo e acordo datado de Dezembro de 2003, e os obtidos na venda efectiva de 4 lotes. Assim, a indicada a) ficará em letra minúscula e sob 21. ficará provada a respectiva factualidade (a negrito) conforme a prova efectuada.

21. O valor atribuído no acordo referido em 5 ao réu L (…) não corresponde ao valor real que este tinha a haver no âmbito do acordo referido em 3, o que era do conhecimento dos RR L (…), e R (…), P (..:) e L (…).

2.3. Quanto aos factos não provados c) a f). Vejamos o que o recorrente invoca e o que resulta dos autos.

O A. referiu na sua declaração de parte que (…) na altura em que ele fez o negócio com o L. (…) lhe ligou a confirmar. Ouviu no seu escritório várias vezes o (…)a ligar ao (…)para tentar desbloquear os lotes, porque o (…)queria acertar as contas com ele. Portanto o (…) tinha conhecimento do negócio não só pela informação que ele, A., lhe tinha dado directamente quando ele lhe ligou, como ouviu várias vezes o (…)estar a insistir com ele para desbloquear aquilo para acertar as contas com ele A. Ele, declarante, assistiu a esses telefonemas, bem como o (…).. O (…) tinha consciência que se isto não se fizesse ele ia ficar prejudicado, porque sabia que o (…) não tinha mais nada para lhe dar a ele, A.

Relativamente ao depoimento de parte do R. L. (…) o recorrente indica que ele reconheceu tal realidade e posteriormente já disse o contrário, transcrevendo esse trecho. Ouvimos o seu depoimento (gravado em CD), mas do mesmo não resulta conhecimento pelo mesmo da escritura de mútuo, entre o A. e o L. (…), tendo mesmo negado tal conhecimento. Assim, ao contrário do que o apelante afirma o R(…) não reconheceu que sabia do contrato de mútuo celebrado entre aqueles dois. Aliás, nunca poderia haver confissão, já que se o apelante alega que o g (...) disse inicialmente uma coisa e depois disse o seu contrário, tal confissão nunca seria inequívoca como a lei pretende e impõe (art. 357º, nº 1, do CC).

No que respeita á cláusula 13ª do acordo de Dezembro de 2013 (a fls. 35), também não se retira o efeito que o recorrente pretende, pois a mesma só dispõe sobre a informação a prestar pelo L. (…) à P (…) das vendas efectuadas no exercício dos direitos conferidos por tal acordo, mas nada revela sobre o conhecimento dos RR G (..:) e P (…) do mencionado mútuo.

Quanto ao depoimento da testemunha (…) (gravado em CD) ouvimos o mesmo. A testemunha, que o tribunal a quo considerou ser séria e isenta, é amigo do A., do casal (…) e conhecido do R. (…). Foi mediador de seguro, tendo tido escritório nas instalações de empresa do A. e R. (...) , até 2008. Declarou, pelo que soube directamente de conversas com o A. e com o L. C (…), que o G (…) sabia que metade dos lotes, da P (…), pertença do L. (…)seriam para o A. O L. (...) tinha transmitido isso ao (…). Sempre lhe foi transmitido que os três estavam a par da situação, que o (…) iria passar os lotes para nome do Sr(…), o A.

Temos, pois, como elementos probatórios favoráveis á pretensão do recorrente a sua própria declaração de parte e o testemunho de C. (…)

Dispõe a lei que o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (art. 466º, nº 3, do NCPC). As declarações do A., a si favoráveis, só por si, só por serem pelo próprio afirmadas não comprovam a alegação por si produzida. Como é fácil de compreender. Como propugna, com toda a evidência e razoabilidade, L. Freitas (em A Ação Declarativa Comum, à Luz do CPC de 2013), pág. 278, e nota 11 a pág. 259/260) tal declaração de parte só relevará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas (e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido ouvidas). 

No caso, podemos avançar que existem elementos de prova adicionais que apontam no sentido afirmado pelo A. Concretamente o depoimento da testemunha C. (…) conhecedor das partes intervenientes na aludida escritura e mencionado acordo de Dezembro de 2013 que soube dos factos, embora por via indirecta, mas da própria boca de dois dos interessados, designadamente do L(…) interveniente nas duas convenções.

Desta maneira, a declaração de parte do A. não é frágil nem especulativa ou conveniente porque está confirmada e reforçada pelo testemunho do C. (…). Aliás, tal declaração e testemunho, pode dizer-se que vão de encontro ao que é expectável para o cidadão comum, tendo em conta o número de lotes em causa e a relação de coordenação existente entre os RR (…), que necessariamente pressupunha o acordo de Dezembro de 2012, e que é natural entre duas pessoas que foram os únicos sócios da P(…) É preciso ter em consideração, também, que como acima provado os RR (…) sabiam que os créditos do R(…) eram são superiores a 25.500 €. Dos dados probatórios, resulta, por isso, que os RR (…) tinham consciência que iriam prejudicar patrimonialmente o A. com o acordo celebrado em 5.1.2009, tanto mais que, como acima foi referido, se comentava publicamente na localidade que desde 2003 o R. (…) tinha dividas e dificuldades financeiras, o que naturalmente era do conhecimento dos ditos RR (…). Por conseguinte, qualquer situação que envolvesse a extinção de um crédito do R(…), nomeadamente por dinheiro, bem facilmente ocultável, implicaria para qualquer pessoa comum ter consciência que tal facto iria prejudicar qualquer credor, neste caso o A. Consciência esta que obviamente se estende aos RR C(…), pois quem melhor que eles para saber que encontrando-se sem qualquer fonte de rendimento, como admitiram, o acordo celebrado prejudicaria o A., que deixaria de poder receber, ainda que parcialmente, o que tais RR por escritura pública se tinham comprometido a entregar-lhe.

Ponderando a aludida prova produzida e recorrendo, também, a presunção judicial (cfr. art. 351º do CC e consultar neste sentido Menezes Cordeiro, Tratado, Vol. X, Garantias, pág. 376 e P. Romano Martinez, Garantias de Cumprimento, 5ª Ed., págs. 25/27), concluímos que os RR (…)tinha conhecimento de toda a situação, quer da divida ao A. dos RR (…), quer que o acordo de 5.1.2009 iria prejudicar o A., pois os RR C(…) não tinha mais nada para dar ao A. Desta sorte, importa reflectir a factualidade apurada no elenco dos factos provados, dando-se, assim por assente a c), parcialmente pois não se provou o fim de deduzir uma oposição executiva (que nem foi deduzida) nem a intenção de prejudicar, e as d) a f), retirando tais alíneas dos factos não provados (que ficarão em letra minúscula), enquanto os factos que ficarão assentes ficarão a negrito, sob 22. a 25.

22. Face ao acordo datado de 05.01.2009 os RR L (…), R (…), L (…) e P (…) tinham consciência que iriam prejudicar os interesses patrimoniais do autor.

23. A ré P (…) e o réu L (…), desde pelo menos a outorga do contrato de mútuo celebrado entre o autor e os réus L (…) e R (…) têm conhecimento, não só do montante em dívida para com o autor, assim como o compromisso de pagamento por parte de L (…) e mulher, que envolvia lotes referidos no acordo referido em 3.

24. Aquando da outorga do acordo mencionado em 5, a ré P (…) e o réu L (…), tinham conhecimento de que os réus L (…) e R (…) não tinham cumprido com o pagamento ao autor do montante em dívida para com este no valor de pelo menos € 300.000,00 e que com a realização de tal acordo iriam prejudicar o autor.

25. A ré P(…)r e o réu L (…), aquando da realização do acordo referido em 5 sabiam que os réus L (…) e R (…) não detinham mais nenhum outro património conhecido para além dos direitos e créditos decorrentes do acordo de 22.12.2003.

2.4. Pretende, ainda, o recorrente que sejam dados como não provados os 3 factos que indica, relativamente à contestação dos RR (…) concretamente: - que os 25.500 € não são a contrapartida da extinção dos acordos, mas sim a contrapartida final tendo em conta que o 1º réu devia à 2ª ré, pelo menos, o montante de 136.801,92 €, constante quer do acordo de 2003 quer do acordo de 2006, e ainda por não se terem verificado as condições previstas no acordo de aprovação dos loteamentos previstos; - que o montante de 25.500 € referido no artigo 26º da p.i não foi contrapartida de todos os direitos e créditos do 1º réu, mas sim o valor final encontrado, tendo em conta todo o conjunto dos acordos assinados; - os acordos de 2006 e 2009 não foram assinados pelo R. (…) enquanto pessoa singular, sendo que os réus R. (…) com a assinatura do acordo de 2003 deixaram de fazer parte do processo.

Na verdade, justifica o recorrente, tendo os réus prescindido da inquirição das suas testemunhas, os factos supra enunciados e constantes da referida contestação não podem ser considerados provados, sendo tal constatação relevante para que não restem quaisquer dúvidas quanto ao valor do crédito do réu L. (…)evidenciar a chocante discrepância de valores entre o valor desse crédito e o valor pago pela extinção do acordo celebrado em Dezembro de 2003 e a má fé dos réus.

A alegação do recorrente é obscura, pois os referidos factos não foram considerados como provados (vide o elenco destes), pelo que não se percebe como possam tais factos ser dados por não provados !?

De qualquer maneira, é irrelevante tal impugnação. Ora, a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada. Por isso, nestes casos de irrelevância jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, Recursos em Pro. Civil, Novo Regime, 2ª Ed., 2008, nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, tais pontos da matéria que o apelante pretende submeter a impugnação factual e análise por esta Relação, com o acrescento proposto, quedam irrelevantes, já que além de nem sequer terem sido dados por provados, nem não provados, não têm influência na sorte da causa e no mérito do recurso. Acaso se desse por não provados, não se descortina o que é que isso adiantava para a solução do pleito ? Nada, porque tal matéria a ser dada por não provada não interferiria com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada, nem com a que vai ser tomada em recurso. Desta sorte, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos indicados, seria irrelevante, ou seja, na economia da acção tal acrescento pretendido pelo A. não bule com o decidido na sentença recorrida, nem com a solução de direito e decisão a ser encontrada na presente apelação. 

Assim, não procede a impugnação da matéria de facto nesta parte. 

3. Nos termos do art. 610º do CC, os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade.

E nos termos do art. 611º do mesmo código, incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Por sua vez, nos termos do art. 612º, nº 1, do mesmo diploma, o acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé. Enquanto o seu nº 2 estabelece que entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

Face aos contornos do litígio só nos interessa a situação do crédito anterior ao acto impugnado oneroso.

Assim, resulta dos preceitos legais citados que a procedência de impugnação pauliana, na situação exposta, depende da verificação dos seguintes pressupostos legais:

- A existência de determinado crédito;

- Que esse crédito seja anterior à celebração do acto;

- Resultar do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade;

- Que no acto oneroso impugnado, tenha havido má fé tanto da parte do devedor como do terceiro.

Importa agora chamar à atenção um ponto importante: é à data do acto impugnado que se deve atender para determinar se dele resulta a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação plena do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. I, nota 2. ao referido 610º, pág. 595 e P. Romano Martinez, ob. cit., pág. 30).

Todos aqueles requisitos legais se verificam.

Na verdade, o A. é credor dos RR (...) (facto provado 19.). E esse crédito é anterior ao acto impugnado que data de 5.1.2009 (factos 1., 5. e 19.).

No que respeita ao terceiro pressuposto, é ao devedor ou terceiro adquirente que cabe demonstrar que o devedor tem bens penhoráveis de igual ou maior valor do que a dívida ao A. (art. 611º). Efectivamente o requisito inscrito no indicado art. 610º, b), relaciona-se com aquele normativo. Como explica A. Varela (ob. cit., em anotação ao referido 611º, pág. 596, Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 358, e P. Romano Martinez, ob. cit., pág. 29), em princípio, numa acção de impugnação pauliana devia caber inteiramente ao autor fazer a prova dos requisitos necessários à procedência do pedido, nos termos do art. 342º, e portanto devia caber-lhe não só a prova do montante da dívida e da anterioridade do crédito, como da diminuição da garantia patrimonial nos termos da b) do art. 610º. No entanto por razões compreensíveis – dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar que o devedor não tem bens – o artigo atribui ao devedor obrigado, e ao adquirente, o encargo de provar que possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida. Ora, está provado que na data do acto impugnado no património dos RR (…) não havia bens para pagar a dívida ao A. (facto 20.). Cumpre, aliás, dizer que nenhum dos RR alegou sequer que os obrigados, os RR (…), tinham património penhorável e suficiente para solver a dívida destes ao A., ónus de prova que lhes incumbia. Como assim, não lograram, por isso, os RR/recorridos provar o requisito legal impeditivo inscrito nesse art. 611º.

Finalmente quanto ao quarto pressuposto legal, verifica-se que o acordo de 22.12.2003 (facto 3.) conferia ao R(…) o direito ao equivalente a metade do património líquido da R. P (…) presente e eventual, decorrente de factos existentes mas de resultados incertos, conferindo-lhe, também, o direito de venda dos bens aí descritos, os quais reconhecidamente excederiam em 124.000 €, o valor a que o mesmo R. teria direito. Nesse acordo são descritos diversos lotes, alguns dos quais (8) estão indicados no contrato de mútuo outorgado entre o A. e os RR (...) (é o caso dos loteamentos “ (...) ”, “ (...) ” e (...) ) e que serviriam para solver a dívida dos RR (…) ao A., pois foram calculados pelos contratantes como valendo cerca de 320.000 € (factos 1 a 3.). Quatro desses lotes já foram vendidos, pelo menos por 240.000 € (facto 15.). Em 5.1.2009 o R. G (...) , em representação da R. P (…) e L (…) subscreveram um documento onde, entre o mais, se consignou que ambas as partes deram por cumpridas as obrigações decorrentes daquele acordo de Dezembro de 2003 (com a pequena alteração de Novembro de 2006), optando este último, em substituição dos seus direitos referidos, receber a contrapartida de 25.500 €, dando-se por extinto tais direitos e nada mais havendo a reclamar uma parte da outra (factos 4. e 5.). Esse valor atribuído ao R. (…) não corresponde ao valor real que este tinha a haver no âmbito do acordo referido em 3, o que era do conhecimento dos RR referidos no facto 21. O A. ficou em consequência desse acordo extintivo prejudicado, pois não havia nessa data de 5.1.2009 bens no património dos RR (…) para pagar a sua dívida ao A.   

Ora, quanto ao requisito da má fé no acto oneroso impugnado pelo A., a lei só exige que a má fé seja bilateral, por um lado, não exigindo a lei, no citado art. 612º, nº 2, por outro lado, que com o acto impugnado haja a intenção de prejudicar um dano ao credor, ou seja, que devedor e adquirente ajam dolosamente, nas suas diversas modalidades de dolo directo, necessário ou eventual (vide A. Varela, ob. cit., nota 2. ao artigo 612º, pág. 597, Almeida Costa, D. Obrigações, 7ª Ed., pág. 772, Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 374/375, e P. Romano Martinez, ob. cit., págs. 23/24, e Acds. do STJ, de 13.12.2005, CJ, T. 3, pág. 162, de 12.7.2007, CJ, T. 2, pág. 155, e de 30.10.2007, Proc.07A3327, em www.dgsi.pt). Basta, pois, a mera consciência do prejuízo ou actuação com negligência consciente.

Relativamente a este requisito, face à factualidade constante dos factos provados 21. a 24., ficou o mesmo demonstrado em relação aos RR casal (…), P (…) e L (…),. Mas não em relação aos RR M. (…)

Desta forma, encontrando-se provados os aludidos requisitos legais procede o recurso (conclusões 32 a 34), devendo proceder a impugnação pauliana deduzida, pedido formulado a título principal, nos termos do art. 616º do CC, que permite a execução no património do obrigado à restituição, a R. P (…)r. Salvo no que respeita aos ditos RR M. (…)

4. Face ao agora expendido em 3. e ao que vai ser decidido, procedência parcial do pedido principal, torna-se inútil conhecer do peticionado subsidiariamente, nos termos do art. 554º, nº 1, do NCPC (conclusões de recurso 35 a 39).

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) A confissão complexa do réu – confissão em que o confitente adite ao facto que lhe é desfavorável facto susceptível de fundamentar a seu favor uma excepção-facto – deve ser considerada indivisível, nos termos do art. 360º do CC;

ii) Essa confissão judicial espontânea complexa do réu não vale com a força probatória plena privativa da confissão simples (arts. 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 1, e 358º, nº 1, do CC);

iii) Se o A. não aceitou tal confissão na íntegra, a aludida confissão não faz prova plena contra o réu confitente, tendo o A. de provar o facto que lhe é favorável (e fora objecto de confissão), cuja prova lhe competia, valendo a confissão então e apenas como reforço das provas que se produzam;

iv) Uma confissão simples e com força probatória plena só afecta o réu confitente, nunca se estendendo a outro(s) réu(s), tratando-se de uma situação de litisconsórcio voluntário (art. 353º, nº 2, 1ª parte, do CC);

v) A confissão judicial, para valer de modo probatório pleno, deve ser inequívoca (art. 357º, nº 1, do CC);

vi) As declarações da parte, a si favoráveis, só por si, não comprovam o facto probando afirmado; mas já relevará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas; 

vii) Pode e deve recorrer-se à chamada presunção simples judicial (art. 351º do CC), inspirada nas regras da experiência, nas deduções lógicas, nos dados da intuição humana, no normal acontecer e nas regras da maior probabilidade das coisas da vida, para, isolada ou conjuntamente com os diversos meios probatórios, dar como provado um determinado facto, sobretudo nas acções de impugnação pauliana;

viii) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

ix) Para obviar ao requisito inscrito no art. 610º, b), do CC – resultar do acto impugnado impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito (ou agravamento dessa impossibilidade), a lei (art. 611º) atribui ao devedor obrigado, e ao adquirente, o encargo de provar o devedor possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida;

x) Para comprovar a má fé, prevista no art. 612º, nº 2, do CC, não exige a lei, que com o acto impugnado haja a intenção de provocar um dano ao credor, que devedor e adquirente ajam dolosamente (nas suas diversas modalidades de dolo directo, necessário ou eventual), bastando a mera consciência do prejuízo ou actuação com negligência consciente.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, parcialmente, assim se revogando a decisão recorrida, parcialmente, e, em consequência:

a) Reconhece-se a existência do crédito do A. no montante de 348.230,14 €, sendo 48.230,14 € referente a juros de mora, acrescidos dos respectivos juros de mora até integral pagamento;

b) Decreta-se a ineficácia em relação ao A. do acordo datado de 5.1.2009 e que incidiu sobre todos direitos e créditos de que os RR (…) são detentores no acordo celebrado em 22.12.2003 (tendo também em consideração a alteração de 22.11.2006);

c) Concomitantemente, reconhece-se e declara-se a possibilidade do A. poder executar no património da R. P (…)r, os direitos e todos os créditos que os RR L (…) e Mulher detêm no contrato outorgado em 22.12.2003 (tendo em consideração a alteração de 22.11.2006) e que foi objecto de acordo datado de 5.1.2009, na medida do crédito do A.; 

d) Bem como, caso os bens imóveis referidos no acordo outorgado em 22.12.2003 (e alteração de 22.11.2006) e que dizem respeito aos direitos e créditos que os RR L (…) e Mulher detêm nesse acordo, tenham sido alienados, permutados ou onerados a terceiros pela R. P(…), se defere o pagamento por esta ao A. do valor dos bens que alienou, onerou ou permutou, na medida do crédito do autor;

e) Se absolve os RR M (…) e R (…) do peticionado.

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Custas pelo A. e RR L (…) e Mulher, P (…), Lda, e L (…), na proporção de 1/5 para o A e de 4/5 para os indicados RR. 

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Coimbra, 20.4.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias