Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
794/04.4GBILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO CORPORAL
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ÍLHAVO - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: PORTARIAS N.ºS 377/2008, DE 26/05 E 679/2009, DE 25/06
Sumário: A Portaria n.º 377/2008, de 26/05 (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06), fixa critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não tendo carácter vinculativo para os Tribunais.
Decisão Texto Integral: 34

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I. RELATÓRIO

1. No processo Comum singular n.º 794/04.4GBILH o arguido AA... solteiro, residente na Rua …, Aveiro, foi condenado, por sentença proferida a 13.07.2010, como autor material de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelos artigos 137º, nºs 1 e 15º do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão e, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punido pelo artigo 148º, nº 3 do mesmo Código, na pena de 4 (quatro) meses de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período 1 (um) ano.
Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante BB... e condenada a demandada, Companhia de Seguros W..., Portugal S.A, a pagar ao demandante a quantia de 80.254,93€ (oitenta mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), sendo 50.000 (cinquenta mil) euros a título de perda de capacidade de ganho, 15.000 (quinze mil) euros pelas dores sofridas, 15.000 ( quinze mil ) euros pelo dano estético, valores estes acrescidos de juros à taxa legal desde a presente sentença (Ac. UJ 4/02 in DR I de 27.06.2002) até integral pagamento e, ainda, a quantia de 254,93€ (duzentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos) a título de despesas médicas, medicamentosas e similares, valor este acrescido de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido civil até integral pagamento.

2. Não se conformando com a decisão, dela vieram o arguido e o assistente interpor recursos para este Tribunal, concluindo nas suas motivações nos seguintes termos:
2.1. O arguido:
I - Atenta a prova produzida, o arguido efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda sem verificar que a poderia fazer com segurança e sem a sinalizar, cortando a passagem ao veículo conduzido pelo CC.., que se aproximava rapidamente, a velocidade não concretamente apurada mas seguramente a mais de 50 Kms por hora;
II - São crimes de resultado aqueles por que o arguido foi julgado (homicídio por negligência, previsto e punido pelo art° 137°, n° 1, e ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art° 148°, n° 3. ambos do C. Penal), e como assim, a responsabilidade do agente depende de lhe ser imputada uma conduta adequada a produzir o resultado.
III - Ora, a conduta do arguido, apesar de violadora do dever de cuidado por desrespeito de uma regra estradal, atentas as circunstâncias demonstradas pelos factos constantes da douta sentença, não produziria os resultados típicos das sobreditas normas incriminadoras, se o malogrado CC.. transitasse a 50 Kms por hora;
IV - A velocidade deste constitui a conduta mediadora interposta entre a conduta do arguido e o resultado, que por certo produziu os resultados (morte e ofensas à integridade física) que são os pressupostos das duas citadas normas
V - Não se apurou ou é pelo menos duvidoso que tenha sido a conduta do arguido a determinante para a produção daqueles resultados, mas, assim sendo, tem a seu favor o princípio in dúbio pro reo. Foram erradamente aplicadas ao caso as normas dos art°s. 137°. n° 1, e 148°. n° 3, do C, Penal.
Em consequência pede-se a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que absolva o arguido, assim se fazendo Justiça,
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2.2. O assistente/demandante civil:
1 - A única discordância do assistente BB... relativamente à douta sentença a quo reporta-se aos valores atribuídos de indemnização a título de lucros cessantes (50.000 €) e quantum doloris (15.000 €) e dano estético (15.000 €).
2 - A escassez desses números terá resultado de a MMº Juíza ter principiado o raciocínio da atribuição da indemnização pelos critérios da Portaria 291/07, revista pela Portaria 679/09, o que não é norma, e não passa de orientação para as seguradoras apresentarem propostas de regularização de sinistros com a mínima decência.
3 - Face à idade do assistente à data do sinistro (18 anos), vencimento mensal de 389,91 €, como serralheiro, acrescido de subsídio de refeição, incapacidade para a profissão anterior, incapacidade para o trabalho geral e permanente de 20 pontos acrescida de 10 pontos a título de dano futuro, será de atribuir a indemnização a título de lucros cessantes, no mínimo de 120.000,00 €.
4 - Pois a vida activa aumenta como a esperança de vida, era espectável que ora auferisse um salário de operário especializado (serralheiro metalúrgico) que, na região, não é inferior a 1.000 €/mês, e tem oportunidades profissionais muito reduzidas face às sequelas do acidente, para o qual, de resto, não contribuiu.
5 - O rol de padecimentos e limitações para o resto da vida de um jovem (sete intervenções cirúrgicas, quantum doloris 6/7, dano estético 4/7, uso de palmilha no calçado, não corre, não salta, ansiedade marcada, tristeza, afastamento do convívio, deformidades, varismo, cicatrizes, medo de amputação da perna esquerda, etc. ele), impõem, equitativamente, uma indemnização lenitiva, não inferior a 30.000 € para o quantum doloris e 30.000 € para o dano estético.
6 - Foram violadas, entre outras que V. Exas suprirão, as normas dos artigos 496, 562, 564 e 566, todos do C.Civil.
Nestes termos requer provimento ao recurso pois
SERÁ DE JUSTIÇA”

3. Em respostas autónomas aos recursos interpostos pronunciaram-se o MP, em relação ao recurso do arguido e a companhia de seguros W... PORTUGAL, S. A. no âmbito do recurso interposto pelo demandante civil BB..., concluindo pela manutenção da decisão de primeira instância.

4. A Exma. Senhora Procuradora Geral-Adjunta nesta Relação elaborou o seu parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Face ao teor das conclusões formuladas pelos recorrentes expostas nos seus recursos, as questões a decidir sustentam-se:
1.1. Recurso do arguido:
– saber se o facto da morte ter sido directamente causada pelo embate, correspondeu à criação de um risco proibido pela própria vítima e, nessa medida, se tal obstará à imputação objectiva daquele resultado à conduta incorrecta do arguido.
- saber se foi violado o princípio in dubio pro reo
1.2. Recurso do assistente/demandante civil:
- Critérios da fixação da indemnização a título de lucros cessantes (50.000 €), quantum doloris (15.000 €) e dano estético (15.000 €).

2. Matéria de facto provada, motivação da matéria de facto decisão e fundamentação da pena (tendo em conta os recursos interpostos):
2.1. FACTOS PROVADOS: (que agora se numeram)
1 - A zona Industrial da Mota na Gafanha da Encarnação era frequentada por condutores de veículos motorizados que costumavam efectuar corridas entre eles conhecidas por “picanços”, a que assistiam entusiastas da modalidade.
2 - No dia 15/08/2004, pela 1 hora, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula …, marca Yamaha, modelo DR 50LC de cor preta, com 85Kg de tara e 49,9cm3 de cilindrada, pela Rua 6, na Zona Industrial da Mota, Gafanha da Encarnação com os médios ligados, no sentido norte-sul, pela hemi-faixa da direita, atento o seu sentido de marcha, a velocidade que rondava os 10Km/h.
3 - Por sua vez, CC.. conduzia o motociclo de matrícula …, marca Suzuki, modelo GSX R600, de cores branca, azul e outra, com 199Kg de tara e 600cm3 de cilindrada, com os médios ligados, na mesma via e sentido, seguindo à retaguarda do arguido e de outros veículos tripulados por amigos do arguido.
4 - No local, na berma esquerda da estrada, sentido Norte-Sul, junto ao poste de electricidade que se situa em frente a uma entrada da empresa denominada CNE, encontrava-se apeado BB..., com dois amigos.
5- O CC.. pretendia seguir em frente em direcção à Rua 1.
6 - Na faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha dos condutores dos veículos ciclomotores e motociclos cabiam dois veículos de duas rodas, em paralelo.
7 - Quando se encontrava em frente às instalações da firma CNE o arguido virou à esquerda em direcção à berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, sem verificar se o podia fazer em segurança e sem sinalizar a manobra, cortando a passagem ao veículo conduzido pelo CC.., que se aproximava rapidamente.
8 - O CC.. que circulava a velocidade não concretamente apurada, mas seguramente superior a 50Km/hora, ao deparar-se com a mudança de direcção, virou o volante do seu veículo para a esquerda, mas não conseguiu evitar a colisão com o veículo conduzido pelo arguido, embatendo neste quando ambos se encontravam no eixo da via.
9 - O embate ocorreu entre a parte frontal do veículo conduzido pelo CC.. e a parte traseira e lateral esquerda do veículo do arguido.
10 - Em consequência do embate CC.. foi cuspido do motociclo, que entrando em despiste foi embater nos peões que ali se encontravam, entre os quais BB..., acabando por ficar imobilizado junto ao veículo de matrícula … que estava estacionado na berma esquerda Norte/Sul, enquanto CC.. foi cair em cima do veículo automóvel de matrícula …., que se encontrava estacionado na berma esquerda da faixa de rodagem, sentido Norte/Sul, tendo ainda embatido num outro veículo ciclomotor e seu tripulante de nome … .
11- O veículo conduzido pelo arguido ficou caído no local onde ocorreu a colisão, tendo sido, posteriormente, removido para perto da berma.
12 - Em consequência da colisão entre os dois veículos e do despiste do motociclo após o embate, o CC.., sofreu lesões traumáticas craneo-toraco-abdominais que foram causa directa e necessária da sua morte naquele mesmo dia e hora.
13 - Em consequência do embate do motociclo contra BB... este sofreu lesões designadamente pneumotorax iatrogénico, traumatismo do pulmão, fractura do fémur direito e dos ossos da perna esquerda que foram causa directa e necessária de, pelo menos, 1095 dias de doença com incapacidade para o trabalho, ficando com deformidade acentuada na perna esquerda.
14 - A via onde ocorreu o acidente é asfaltada entre bermas, com 8,80m, de largura, sem marcações e é uma recta com boa visibilidade, com iluminação eléctrica, marginada com edificações, sendo o limite legal de velocidade de 50 Km/h.
15 - A berma entre a zona alcatroada e a vedação da fábrica CNE ali existente, onde o motociclo foi embater nos peões, tem uma largura de 9,90m.
16 - Ao conduzir de forma descrita mudando de direcção para a esquerda sem previamente sinalizar a manobra e sem verificar se o podia fazer em segurança para si e para os demais veículos e peões que ali se encontravam, o arguido demonstrou falta de cuidado e atenção exigíveis a que conduz veículos motorizados e que podia e devia ter para evitar o resultado que, de igual modo, podia e devia prever.
17 - CC.. não sinalizou a manobra de ultrapassagem.
18 - Ao conduzir a velocidade seguramente superior a 50Km/h CC.. não atentou nas circunstâncias existentes naquele momento e local quer pelo número de pessoas presentes, quer pelas manobras inesperadas que podiam ocorrer, designadamente ligadas aos “picanços”, demonstrando também falta de cuidado e atenção exigíveis a quem conduz veículos motorizados e que podia e devia ter para evitar o resultado que, de igual modo, podia e devia prever.
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19- Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 5070/807 2411 a Companhia de Seguros W..., S.A assumiu a responsabilidade civil perante terceiros decorrentes da circulação do veículo ….
20 - BB... nasceu a 21.11.1985.
21 - Em virtude das lesões sofridas esteve internado no Hospital Infante D. Pedro em Aveiro, Centro Hospitalar de S. João de Madeira e Hospital da Prelada no Porto, tendo passado também pelo Hospital de S. Sebastião em Santa Maria da Feira.
22 - Foi sujeito a sete intervenções cirúrgicas.
23 - Logo após o acidente foi transportado ao Hospital Distrital D. Pedro em Aveiro onde deu entrada com traumatismos dos membros inferiores e tórax tendo sido intervencionado de urgência
24 - A 30.08.2004 foi transferido para o Hospital de S. Sebastião na Feira e de seguida para o Centro Hospitalar de S. João da Madeira para continuação de tratamento.
25 - Em 09.09.2004 foi a consulta de cirurgia plástica ao Hospital da Prelada, para onde foi transferido em 14.09.2004, onde foi operado em 15.09.2004, tendo sido realizada limpeza cirúrgica e plastia com retalho muscular do músculo solear esquerdo e novamente operado a 21.09.2004 para plastia de ulceração a nível da perna esquerda e aplicação de enxerto cutâneo parcial, retirado da perna homo lateral.
26 - Depois foi transferido para o Hospital de S. João da Madeira onde prosseguiu tratamentos e onde foi de novo operado à perna esquerda por atraso de consolidação da fractura, tendo-lhe sido retirados os fixadores externos e efectuado encavilhamento da tíbia.
27 - A última intervenção ocorreu em Julho de 2006 para correcção da pseudartrose e exérese de material de osteossintese, por intolerância ao mesmo.
28 - Continuou na consulta externa de ortopedia até 18.09.2007
29 - Actualmente o requerente tem dificuldades na marcha, claudicação à esquerda, desvio do tronco para o mesmo lado com incapacidade de se endireitar, desvio e deformação da perna esquerda e incapacidade no transporte de qualquer carga por se sentir desequilibrado e sentir fraqueza no membro inferior esquerdo.
30 - Tem dores acentuadas no joelho, perna e coluna lombar, exacerbadas pelo movimento, ortostatismo, ou transporte de cargas, só consegue estar em pé por curtos períodos.
31 - Tem edema vespertino a nível da perna esquerda e joelho homo lateral.
32 - Não lhe é possível correr, saltar, tem dificuldades em subir e descer escadas ou marchar em pisos irregulares.
33 - Tem diminuição da força muscular a nível do membro inferior esquerdo por sentir que ao realizar esforços o membro claudica e entorta para fora.
34 - Desde o acidente e actualmente o requerente apresenta ansiedade marcada, isolamento e tristeza, passando longos períodos fechado em casa, ao contrário de antes do acidente.
35 - Tem um franco desgosto pelas lesões que apresenta, com perda de auto-estima, sente-se marginalizado, afastando-se do convívio.
36 - O requerente apresenta objectivamente as seguintes lesões:
- No tórax: cicatriz nacarada, irregular, ligeiramente hipertrófica, aparente no terço médio a face lateral do hemi-torax direito medindo 2,5cm X 2cm;
- No abdómen: cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, oblíqua para baixo e para dentro, aparente, na região ilíaca esquerda, medindo 8cm de largura por 3mm de largura;
- No membro inferior direito: cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, longitudinal muito aparente, ligeiramente deprimida a nível do terço médio localizada na face lateral da raiz da coxa, medindo 9cm de comprimento por 1 de máxima largura; outra cicatriz nacarada, longitudinal, aparente, medindo 14,5cm de comprimento por 4mm de largura; um vestígio cicatricial, sem alteração de mobilidade a nível da anca, joelho e tornozelo, sem amiotrofis;
- No membro inferior esquerdo: cicatriz rosada – nacarada; longitudinal com vestígios de pontos, aparente, localizada no joelho, medindo 4,5cm por 4mm; deformidade notória no terço proximal e médio da face anterior da perna, com áreas deprimidas, por perda de tecidos moles e pele de coloração acastanhada fina e luzidia; cicatriz nacarada, deprimida, dissimulada por tatuagem, localizada no terço médio da face antero-lateral da perna, medindo 3cm X 2cm; sem limitações a nível da anca e joelho; limitação nos últimos graus da flexão dorsal do pé.
37 - As lesões causadas pelo acidente obrigaram o requerente a tratamentos de fisioterapia dolorosos.
38 - Andou com canadianas durante vários meses o que lhe causava transtornos e incómodos, tendo actualmente de usar permanentemente palmilha de compensação no pé esquerdo.
39 - Hoje sente dores se tiver de permanecer de pé, especialmente na perna esquerda, e ainda nas costas.
40 - Necessita que a perna esquerda esteja esticada durante a noite para conseguir levantar-se de manhã, e dormir, tendo adaptado um saco de areia para o efeito, a fim de minorar o mau estar.
41 - Não vai à praia por desgosto e complexos face às deformidades, varismo e cicatrizes do membro inferior esquerdo, o que dantes fazia com muito gosto, nem consegue jogar futebol, o que igualmente fazia antes do acidente.
42 - As mudanças climatéricas agravam-lhe os seus padecimentos.
43 - A incerteza da evolução futura das lesões provoca no assistente angústia e medo de correr o risco de amputação da perna esquerda.
44 - O dano corporal do requerente foi avaliado em termos de quantum doloris no grau 6 (escala de 7 graus), o dano estético no grau 4 (escala de 7 graus).
45 - Por via do acidente e suas sequelas resultou para o requerente directa e necessariamente uma incapacidade para o trabalho permanente geral de 20 pontos acrescida de 10 pontos a título de dano futuro.
46 - Anteriormente o requerente exercia a profissão de serralheiro metalúrgico na Z…, SA, onde auferia o vencimento de 389,91€ mensais, e subsídio de refeição.
47 - As sequelas resultantes do acidente implicam em termos de rebate profissional esforços significativos na realização de actividades que envolvam a utilização de esforço físico como as que exercia anteriormente enquanto metalúrgico, profissão que não conseguiu retomar.
48 - Por via do acidente o requerente gastou, pelo menos, a quantia de 254,93€ em taxas moderadoras, farmácia, consultas médicas, meias elásticas, canadianas, exames, e outros gastos necessários à sua cura.
49 - O arguido é solteiro, actualmente está desempregado, mas faz uns biscates de mecânica sendo remunerado a 5€/hora.
50 - Vive com a mãe.
51 - Não tem antecedentes criminais.
52 - Intentou acção cível contra o FGA e contra os pais do falecido CC.. por entender ter sido este o responsável pelo acidente.
53 - A assistente FF... intentou contra a Companhia de Seguros W... Portugal acção declarativa de condenação com processo ordinário tendo em vista a obtenção de indemnização por danos materiais e não patrimoniais sofridos.
54 - O ISS, IP pagou a título de despesas de funeral a FF... a quantia de 915€.
55 - Como consequência do acidente o arguido sofreu diversas fracturas tendo sido sujeito a diversas intervenções cirúrgicas e recebido assistência médica em diversos hospitais.
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2.2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou que
- o arguido tivesse sinalizado a manobra de mudança de direcção colocando o braço esquerdo na horizontal;
- que no momento em que ocorreu o embate tivesse já o falecido CC.. iniciado a manobra de ultrapassagem dos veículos que seguiam à sua frente, e que para seguir em frente tivesse necessariamente de os ultrapassar pelo lado esquerdo,
- que a mudança de direcção fosse inesperada,
- que o arguido se tivesse atravessado à frente do CC.. no momento em que este estava preste a ultrapassá-lo.
Não se provou a concreta velocidade a que seguia CC.. .
Também não se provou que o embate se tivesse dado na hemifaixa esquerda da via atento o sentido de marcha de ambos os veículos e que tivessem ainda sido atropeladas outras pessoas que marginavam a estrada.
Não se provou que o arguido tripulasse o velocípede com conhecimento, sob o controlo, autoridade e no interesse de sua mãe GG… .
Não se provou que as lesões de que sofre o BB... lhe estejam a provocar notória timidez com elementos do sexo feminino; que tenha andado, rigorosamente, 10 mais 5 meses de canadianas ( mas apenas que andou vários meses de canadianas ).
Não se provaram as lesões sofridas pelo demandante BB... nos exactos termos formulados no pedido civil, (mas nos termos e com as expressões usadas nos relatórios médicos elaborados pelo IML).
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2.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
«A data, hora e local dos factos não mereceram oposição, sendo matéria incontroversa e por todos os intervenientes aceite. A deslocação ao local permitiu verificar onde ocorreu o acidente, a largura da via, o local onde se terá verificado o embate, onde se encontrava o demandante BB..., onde terão ficado os veículos e seus condutores após o embate, o sentido em que seguiam, razão pela qual esses elementos constantes da acusação resultaram provados.
As características dos veículos, descrições, matrículas constam do croquis e também foram por todos referidos sem discordância.
As lesões sofridas pelo falecido CC.. constam do relatório da autópsia e as lesões sofridas pelo demandante BB... dos relatórios médicos juntos aos autos – de onde resulta ser superior ao que consta da acusação o período de incapacidade para o trabalho – e foram corroborados pelas explicações dadas em audiência pelos médicos, atribuindo-se prevalência aos relatórios do IML, porque se afigurarem mais isentos e não terem sido postas em causa as suas conclusões.
As lesões sofridas pelo arguido foram pelo próprio referidas, tendo exibido em audiência a lesão visível na perna esquerda.
As pessoas que conhecem o demandante BB..., aperceberam-se de como passou a viver amargurado, isolado, como continua a sofrer física e moralmente as consequências do acidente, como andou vários meses de canadianas, (mas não rigorosamente 10 meses mais 5 meses, conforme invocou) como passou dificuldades também a nível profissional.
Não foi, contudo, referida a dificuldade de relacionamento com pessoas do sexo feminino.
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A questão onde o consenso não foi obtido tem a ver com o modo como ocorreu o acidente já que o arguido o descreveu e sentiu como sendo da responsabilidade do falecido CC.. e a generalidade das testemunhas atribuíram a responsabilidade pelo acidente à manobra feita pelo arguido.
Vejamos, então, porque é que foi possível concluir que a manobra do arguido foi causal do acidente, mas não foi possível afirmar que tal manobra foi inesperada, - conforme consta da acusação, expressão que o Tribunal retirou da matéria de facto provada – e que ocorreu no momento em que o CC.. estava já a ultrapassar os veículos que seguiam à sua frente.
Como por todos foi admitido o arguido seguia muito devagar (a testemunha Alexandre chegou a dizer “a passo” e daí resultar provada a velocidade de 10Km/h invocada na contestação do arguido) na companhia de mais dois amigos (cada um no seu veículo). Mesmo quem os não conhecia, apercebeu-se de que iam em grupo. Houve quem não se tivesse apercebido que eram três os veículos do grupo mas, pelo menos, dois todos viram e disseram que iam juntos, a poucos metros uns dos outros e assim teria de ser para não ter havido dúvidas de que iam em grupo.
Um dos elementos do grupo, o primeiro, de nome H..., como testemunhou J..., virou para o lado esquerdo e foi estacionar na berma desse lado. Ficaram dois, sendo o arguido o último. O segundo (a testemunha Angel) já estava a chegar à berma do lado esquerdo e ainda veio a ser atingido pela mota do CC.., já em descontrole, como a referida testemunha afirmou. O embate com o arguido deu-se, sensivelmente, no eixo da via (e não na faixa esquerda, conforme invocado pelo arguido na sua contestação), conforme todos quantos presenciaram o acidente afirmaram. Ora, este circunstancialismo permite afirmar que a mudança de direcção para a esquerda do último dos ciclomotores não era inesperada. Era o último de um grupo e os outros dois já tinham virado, (o que impediu que se desse como provado que o CC.. estava a ultrapassar os veículos que seguiam à sua frente). Poder-se-á contrapor que esta percepção podia não ser alcançada pelo CC.. da mesma forma que o foi por quem estava a assistir, parado na berma, mas se o CC.. que circulava numa recta, com luzes, o fizesse a 50Km/h, seguramente teria tido a percepção do que se passara antes da manobra efectuada pelo arguido e poderia prever (até porque não beneficiava do princípio da confiança, como se dirá no tratamento jurídico) que, se viraram dois, e um deles estava a acabar de o fazer, o terceiro também viraria ou poderia virar à esquerda e teria tempo para preventivamente acautelar tal possibilidade, travando ou seguindo a sua marcha pelo lado direito. Foi por essa razão que não foi possível, como se disse, dar como provado que o CC.. já tivesse iniciado a manobra de ultrapassagem de veículos que seguiam à sua frente, veículos estes que seguramente nem sequer terá visto ou nos quais, pelo menos, não terá atentado.
E por esta razão, embora não tivesse sido possível afirmar qual a velocidade a que circularia o CC.., pode afirmar-se, sem dúvidas, de que circulava a mais, diríamos mesmo, a bem mais de 50Km por hora, (sendo certo, que nem mesmo os seus amigos lhe atribuíram tal limite) e que se aproximou rapidamente do arguido sem sinalizar a manobra de ultrapassagem, uma vez que ninguém viu também por parte de CC.. qualquer sinalização. A esta conclusão se chega não só a partir dos depoimentos de quem esteve no local e chegou a referir a possibilidade de ele circular a mais de 100Km/hora, mas sobretudo a partir da dinâmica do acidente, da violência do embate no poste e da projecção posterior do veículo e do corpo, claramente indicadoras de que a velocidade era bastante superior a 50Km/hora. Aqui chegados, com segurança esta afirmação pode fazer-se: não há dúvida de que foi também esta velocidade que não permitiu prever e, se não evitar o embate, pelo menos, minorar os danos.
Mas se o Tribunal não ficou com dúvidas em relação a este aspecto, também não ficou em relação à forma imprevidente como o arguido iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda. Desde logo conduzia um veículo que não possuía indicadores luminosos de mudança de direcção, como o próprio confessou. Estando, como estava, num local onde se impunham cuidados redobrados na circulação de veículos dado o tipo de actividade que ali ia ocorrer, de noite, afigura-se manifestamente imprudente conduzir um veículo sem “piscas”. Acresce que, embora o arguido tenha dito que sinalizou a manobra com o braço ninguém o viu fazer tal sinalização e mesmo que a tivesse feito, sendo de noite, ela seria claramente insuficiente. Acresce ainda que o arguido disse ter visto as luzes de um veículo, ainda longe. Ora, se assim foi, como também ele não podia beneficiar do princípio da confiança, era manifesto que não poderia ter prosseguido a manobra de mudança de direcção, que é naturalmente perigosa, sem se assegurar previamente de que não punha em causa a segurança de todos quantos circulavam na via.
E foi como perigosa que foi vista a manobra efectuada pelo arguido por quem estava no local e presenciou o acidente. K..., amigo do demandante BB... não conhecia o CC.., nem o arguido, referiu que o arguido não se aproximou gradualmente do eixo da via, antes virou repentinamente, atravessando-se na faixa de rodagem; a testemunha L… disse ter tido a percepção de que ia haver o embate porque o arguido tinha virado e a diferença de velocidades levou-o a sentir que ia haver acidente e que foi o barulho da mota que o alertou; a testemunha Fernando Saraiva que estava no local dentro de um veículo viu o motociclo, com alguma velocidade, a embater no ciclomotor que estava a virar para o lado onde estava a testemunha. Explicou que o arguido vinha do lado direito e que guinou para a esquerda, não tendo ido ao eixo da via, tendo-se o motociclo aproximado com rapidez. Não viu que qualquer dos dois tivesse sinalizado a manobra e que já antes tinha visto o motociclo do falecido CC.. a fazer “cavalinhos”.
A testemunha M… confirmou não ter havido uma progressiva aproximação ao eixo da via por parte do arguido e que a mota já vinha perto; idêntico testemunho foi prestado por N… . Ambas as testemunhas eram amigas do falecido CC...
Impõe-se dizer, contudo, que a prova testemunhal – e porque o juiz não é um mero receptor de depoimentos - foi analisada sem esquecer que a maior parte das testemunhas conhecia o falecido CC.., que a morte de alguém é sempre motivo de consternação, - tanto mais sendo jovem, saudável e pessoa amistosa, como era o falecido CC.. (folhas 696) e foi conjugada com as outras “testemunhas silenciosas” se fizeram “ouvir” no julgamento quais sejam: a localização e extensão dos danos sofridos pelo arguido (designadamente na perna esquerda mostrada em julgamento) e também pelo falecido, o barulho da mota do falecido CC.. (tendo sido referido que a mota só faz barulho quando ultrapassa, em muito, os 100Km/hora), as características do local e do momento em que ocorreu o acidente, os danos apresentados pelos veículos, enfim, todos os elementos não testemunhais trazidos ao julgamento. Note-se a este respeito que, por exemplo, os danos apresentados pelo veículo do arguido (fls 27) são mais compatíveis com um embate por trás do que com um embate lateral motivado pelo atravessamento súbito na faixa de rodagem, razão pela qual foi possível ao Tribunal afirmar que o arguido cortou a passagem a CC.. , na medida em que o impediu de prosseguir a trajectória que levava, mas não necessariamente que se atravessou à sua frente.
Assim, foi do conjunto da prova produzida, dando especial relevo aos dados objectivos e inequívocos do processo (porque “o conflito entre a acusação e a defesa não pode ser resolvido com base num acto de fé”) que foi possível concluir que ambos os intervenientes (arguido e CC..) tiveram culpa na ocorrência do acidente, como melhor se dirá no tratamento jurídico da questão.
A situação de vida do arguido foi pelo próprio relatada.
A inexistência de antecedentes criminais está documentada.
Da medida da pena
(…)
Assim sendo, tendo o arguido provocado com o seu comportamento o homicídio de CC.. e a ofensa à integridade física de BB... deverá ser punido pelos dois crimes ocorridos.
Os crimes em causa são punidos com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa (o homicídio negligente) e com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias (a ofensa negligente e grave à integridade física).
Na determinação da medida da pena e sem perder de vista o que dispõem os artigos 40º e 71º do Código Penal, ter-se-à em conta que à data da prática dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais; tinha apenas dezoito anos, que estava num evento onde as regras não eram cumpridas e que os restantes elementos do grupo já tinham realizado a mesma manobra o que permite compreender alguma falta de atenção.
Relevante é também o facto de, embora de forma não rigorosamente determinável, o excesso de velocidade da vítima CC.., como se disse, não ser despiciendo para o resultado global.
No respeitante às razões de prevenção geral, forçoso é concluir serem as mesmas acentuadíssimas não só sob o ponto de vista da sinistralidade rodoviária em geral, mas sobretudo nas camadas jovens da população. Percebeu-se, durante o julgamento a forma como os jovens encaravam com normalidade os “picanços” a altas horas da noite, como valorizavam o tuning, enfim, como adoptaram e ainda hoje adoptam voluntariamente comportamentos de risco.
A medida da pena não poderá deixar de reflectir a necessidade de responder a esta irresponsabilidade juvenil, razão pela qual se entende ser de afastar liminarmente a opção pela multa e até o regime especial para jovens adultos dada a fortíssima necessidade de prevenir comportamentos idênticos que ainda hoje, infelizmente, se mantêm nas camadas jovens.
Mas o arguido está bem integrado socialmente.
Vive com a mãe. Também sofreu consequências graves a nível físico e psicológico.
Já passaram seis anos sobre os factos. Já seguramente mudou a sua visão da vida e de como deve ser vivida
Acresce que a necessidade da pena se esbate com o decurso do tempo.
A ponderação de todos estes factores aponta para a fixação da pena no primeiro terço das molduras, isto é, em 8 (oito) meses de prisão pelo crime de homicídio e 4 (quatro) meses pela ofensa à integridade física.
Pede a assistente que tal pena seja efectiva. Entende o Tribunal que assim não deverá ser. Um erro não deve ser “corrigido” com outro erro. Se os factos se tivessem passado no âmbito das manobras acrobáticas, dos “picanços”, a pena a aplicar poderia ter de ser efectiva. Mas como resulta da matéria de facto a questão tem de ser tratada como um normal acidente de viação, que foi provocado (parcialmente) por um jovem que ao tempo tinha dezoito anos, sem antecedentes, que também sofreu fisicamente consequências graves que é de condição social humilde e seguramente já percebeu que o comportamento que teve não pode ser repetido.
Merece que, tal como a vida lhe deu, o Tribunal lhe dê uma nova oportunidade. Caberá a ele saber aproveitá-la.
Das duas penas parcelares resultará a pena única de 10 (dez) meses de prisão, a qual será suspensa na sua execução por 1 (um) ano, por ser possível fazer um juízo de prognose positiva relativamente ao comportamento futuro do arguido, pelas razões já atrás referidas respeitantes à actual situação de vida e que nos escusamos de repetir.
À pena principal não acrescerá a sanção acessória de inibição, nos termos do artigo 69º do Código Penal, quer porque na acusação não foi feita qualquer referência a esta disposição legal estando, por isso, ao Tribunal vedado fazer a aplicação da sanção acessória (por força do entendimento plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 7/08 de 30.07) mas também porque a jurisprudência vem entendendo que o artigo 69º, nº 1 alínea b) do Código Penal só abrange crimes dolosos (Ac. RL de 22.05.2007 in www.dgsi.pt).
DO PEDIDO CIVIL
O demandante civil, ao abrigo do disposto nos artigos 483º e 496º nº 2 do Código Civil e da possibilidade conferida pelo artigo 129º do Código Penal, demandou a Companhia de Seguros W..., SA para a qual foi transferida a responsabilidade civil emergente de acidentes com o veículo em causa nos autos, peticionando o pagamento da quantia global de 250.254,93€, sendo 250.000€ pelos danos não patrimoniais sofridos.
São pressupostos de que depende o dever de indemnizar, o facto, a ilicitude, o nexo de imputação subjectiva, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Do circunstancialismo dado como provado, bem como da apreciação feita aquando da análise da responsabilidade criminal conclui-se que o arguido agiu com culpa e, por isso, se constituiu na obrigação de indemnizar. Uma vez que a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo estava transferida para a Companhia de Seguros W..., Portugal, S.A, nos termos da respectiva apólice de seguro caberá a esta garantir a indemnização que vier a apurar-se.
A obrigação de indemnização é determinada nos termos do artigo 562º do Código Civil que prescreve que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” acrescentando o artigo 566º que “nº 1: a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor.
No respeitante aos danos não patrimoniais são indemnizáveis aqueles que pela sua gravidade merecem a tutela do direito (artigo 496º do Código Civil), pretendendo-se com a indemnização atenuar, minorar, compensar, dentro do possível, os danos sofridos pelo lesado que são como se sabe de difícil determinabilidade, já que é impossível fixar um equivalente financeiro desses danos.
A portaria 377/2008 de 26.05, actualizada pela portaria 679/09 de 25.06 publicadas, alegadamente, em “defesa dos interesses das vitimas dos acidentes de viação”… fixam, em termos de orientação, os valores que devem ter tidos em conta no ressarcimento dos danos emergentes de acidentes de viação.
E se é certo que os Tribunais não estão limitados aos valores indemnizatórios previstos não poderão deixar de atender aos princípios, conceitos e metodologia utilizados pelo legislador ( Cfr. Laurinda Gemas in Julgar nº 8, 2009. fls. 53, nota 38 ).
O demandante BB... peticiona “por via da sua incapacidade permanente geral, dano futuro e rebate profissional a título de lucros cessantes a quantia de 175.000€”.
Como decorre da referida portaria a lei prevê para um jovem que ainda não iniciou a vida laboral e que fique absolutamente incapacitado para o trabalho uma indemnização até 200.000€. É, atrevemo-nos a dizê-lo, manifestamente pouco, mas permite compreender a opção legislativa quanto à indemnização deste dano.
Como se sabe anteriormente era muito grande a diversidade de critérios existentes para o cálculo deste dano que iam desde o método seguido na legislação do trabalho, até às denominadas tabelas financeiras, sendo algumas até de difícil compreensão (como a tão usada fórmula referida no Ac. STJ de 05.05.1994 in CJ, 94 II, 86). Sempre se nos afigurou que o importante era atribuir uma quantia em dinheiro, sem perder de vista o que dispõem os artigos 564º e 566º do Código Civil, que permitisse compensar o valor deixado de auferir pelo lesado, mas sem que representasse para este um enriquecimento à custa da seguradora.
Assim sendo, tendo em conta a incapacidade fixada para o trabalho permanente geral de 20 pontos acrescida de 10 pontos a título de dano futuro, a idade do BB..., a sua perspectiva de trabalho como serralheiro, a impossibilidade de continuar a exercer tal profissão e a dificuldade em conseguir desenvolver, sem esforço, uma qualquer tarefa profissional, entende-se fixar a peticionada indemnização em 50.000€ (cinquenta mil euros).
As quantias gastas em taxas moderadoras, medicamentos, consultas, canadianas, exames são integralmente ressarcíveis e ascendem a, pelo menos – os documentos juntos ascendem a valor superior -, 254,93€ (duzentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), conforme peticionado.
Pelas dores e dano estético peticiona o demandante 75.000€ (setenta e cinco mil euros).
A indemnização prevista na referida portaria para o dano estético e para o quantum doloris é muito reduzida. Não há dúvida que se nos afigura que fixar o montante a pagar (tendo em conta os 6 pontos atribuídos na perícia do IML numa escala em que o máximo é 7 pontos), em 3.283,20€ pelas dores sofridas durante vários meses de sofrimento (dores que infelizmente se prolongarão pela vida fora), é injusto.
Qualquer pessoa suporta bem as dores dos outros... Mas, na fixação deste montante não pode deixar de ter-se em conta que o demandante sofreu sete intervenções cirúrgicas, que tem colocado material de osteossíntese, que passou meses em tratamentos e internado que também por isso tem direito a ser indemnizado (20,5€ a 30,78€/dia) que só 1.129 dias após o acidente ocorreu a consolidação das lesões e que teve 210 dias de incapacidade temporária geral total. Por todas estas razões fixa-se em 15.000€ (quinze mil euros) a quantia a arbitrar, a título de compensação pelo sofrimento suportado.
No respeitante ao dano estético ele resulta do encurtamento da perna e das consequências a nível do esqueleto resultantes desse desequilíbrio. É um jovem que ainda está na idade de dar muito valor à estética e para quem as sequelas físicas são causa de inibição e tristeza, - tanto mais quanto o acidente ocorreu numa idade em que a vida afectiva não estava consolidada -, com as quais ainda não reaprendeu a viver. Sendo tal dano fixado no grau 4 a referida portaria atribui um valor de 4.104€, o qual é manifestamente exíguo por corresponder a uma compensação diária (tendo em conta a esperança média de vida) pouco superior a 20 cêntimos. Entende, assim, o Tribunal fixar também em 15.000€ (quinze mil euros) a indemnização por este dano, porque durante a vida que, previsivelmente se prolongará pelo menos por mais 50 anos, será obrigado a viver para sempre com as limitações físicas que apresenta e com o sofrimento que elas lhe provocam, sendo certo que a indemnização assim fixada, mesmo assim, corresponde a uma compensação inferior a 1€/dia.
Todos os valores arbitrados são actualizados ao momento em que a presente sentença é proferida.
No respeitante ao pedido de reembolso formulado pelo ISS, IP tendo em conta o disposto desde o artigo 16º do DL 28/84 e, actualmente, no artigo 71º da Lei 32/02 de 20.12, não há dúvida de que as Instituições de Segurança Social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.
Tendo a Segurança Social pago a título de subsídio de funeral a quantia de 915€ terá de ser julgado procedente o pedido formulado.
Não obstante a demandada seguradora apenas ter de responder por 65% dos danos, na medida em que essa é a percentagem de culpa atribuída ao arguido, não há que, por agora, reduzir o valor das indemnizações civis, atento o que dispõe o artigo 497º do Código Civil».

3. CONHECENDO DOS RECURSOS
3.1. Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no artº 412º, nº1, do CPP, definem o seu objecto, a questão colocada no recurso consiste afinal e tão só em saber se a conduta do falecido CC.. exclui a responsabilidade criminal do arguido.
Assim, – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – impõe-se analisar e decidir se os factos provados consentem a solução jurídica que o recorrente pretende alcançar.

3.2. RECURSO DO ARGUIDO

3.2.1. O recorrente entende que da prova produzida resulta que se o CC.. transitasse a 50 Kms por hora a conduta do arguido/recorrente, apesar de violadora do dever de cuidado por desrespeito de uma regra estradal, atentas as circunstâncias demonstradas pelos factos constantes da douta sentença, não produziria os resultados típicos das normas incriminadoras e que na dúvida deveria beneficiar do principio in dubio pro reo.
O arguido não impugnou a matéria de facto.
Como tem sido repetidamente advertido pela jurisprudência, o requerimento de interposição de um recurso deve, por regra, conter a motivação («o requerimento de interposição de recurso é sempre motivado» - art. 411.º, n.º 2 do CPP), e a motivação deve enunciar especificadamente os fundamentos do recurso, terminando com a formulação de conclusões, «por artigos», em que o recorrente «resume as razões do pedido» - art. 412.º, n.º 1 do CPP.
Para além de resumir as razões do pedido, as conclusões da motivação devem respeitar as exigências do n.º 2 (quando versem sobre matéria de direito) e do n.º 3 (quando seja impugnada a decisão proferida em matéria de facto) do art. 412.º do CPP.
Por outro lado, «Os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de uma “melhor justiça”. O recorrente tem de indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação do recurso consiste exactamente na indicação daqueles vícios» - Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, p. 387.
Trata-se de um .iro ónus de alegação e motivação do recurso, devendo o recorrente “formular com rigor o que pede ao tribunal”.
Por sua vez, são as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Em suma, as conclusões destinam-se a resumir as razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido, e devem permitir que o tribunal apreenda, de forma imediata e resumida, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, exigindo a lei que o recorrente sintetize os fundamentos por que recorre e indique ao tribunal com clareza o que pretende seja decidido, não podendo o julgador seleccionar as questões de moto próprio, nem procurar encontrar no meio das alegações o que lhe pareça ser uma conclusão.
É então manifesto que no caso em análise o recorrente não recorre da decisão de facto.
No entanto e embora o recorrente não invoque o vício que consubstancia a sua pretensão é óbvio que pretende aludir ao erro notório na apreciação da prova.
Este vício está elencado no nº 2 do art. 410º do C.P.P., a par da insuficiência para a decisão da matéria de facto e da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, como um dos vícios da decisão passíveis de serem detectados através do mero exame do próprio texto da mesma, sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”[3]. Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.
Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
A notoriedade do erro (sendo este a ignorância ou falsa representação da realidade) exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)”[4],[5],[6].
Da leitura da matéria de facto dada como provada resulta sem dúvida, não só que o recorrente conduzia o seu ciclomotor – facto provado nº 2 - pela Rua 6, na Zona Industrial da Mota, Gafanha da Encarnação, com os médios ligados, no sentido norte-sul, pela hemi-faixa da direita, atento o seu sentido de marcha, a velocidade que rondava os 10Km/h e que 7, mas também que quando se encontrava em frente às instalações da firma CNE o arguido virou à esquerda em direcção à berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, sem verificar se o podia fazer em segurança e sem sinalizar a manobra, cortando a passagem ao veículo conduzido pelo CC.., que se aproximava rapidamente – facto provado nº 7.
A velocidade a que o CC.. circulava é apenas a que resulta do facto provado nº 8, ou seja, o CC.. circulava seguramente a velocidade seguramente superior a 50Km/hora, mas não concretamente apurada. As referências feitas na fundamentação da sentença recorrida aos valores indicados pelas testemunhas asseguram tão só que a prova produzida foi bem valorada.
O que apenas legitima se tome em consideração que a velocidade a que o CC.. circulava era superior a 50Km/h, sendo que no local o limite legal de velocidade é de 50 Km/h – facto provado nº 14.
O embate ocorreu quando ambos se encontravam no eixo da via – facto provado nº 8 – e ocorreu entre a parte frontal do veículo conduzido pelo falecido CC.. e a parte traseira e lateral esquerda do veículo do arguido - facto provado nº 9 – sendo certo que o CC.. não sinalizou a manobra de ultrapassagem – facto provado nº 17.
Reportando-nos à fundamentação da matéria de facto impõe-se concluir que o tribunal a quo elegeu como provados e não provados os factos que seleccionou com base na valoração da prova a que conferiu credibilidade, fundamentando por forma bastante os motivos determinantes para o seu convencimento. E a decisão é no geral consentânea com critérios de normalidade, do senso e da experiência comuns, tendo em atenção a actividade que naquele local e àquela hora se desenvolvia – “picanços” – factos provados nºs 1 e 18.
Afigura-se acertada e razoável a explicação do tribunal a quo para não afirmar que a manobra efectuada pelo recorrente foi inesperada, o que não constitui obstáculo à consideração de que a mudança de direcção à esquerda tenha sido realizada de forma repentina pelo recorrente, tal como se conclui da alusão feita na motivação da sentença recorrida ao depoimento da testemunha K..., “… amigo do demandante BB... não conhecia o CC.., nem o arguido, referiu que o arguido não se aproximou gradualmente do eixo da via, antes virou repentinamente…”
E desta forma, se bem que não deveria ser inesperada para o falecido CC.. – os outros dois do grupo do arguido já a tinham efectuado - não deixou de ser brusca e repentina no exacto momento em que o arguido corta para a esquerda – facto provado nº 7, in fine.
Não restam dúvidas de que se encontram verificados os elementos em que o tribunal a quo se baseou para atribuir também à vítima uma parte da responsabilidade do acidente, como sejam, a circulação junto ao eixo da via e a velocidade imprimida por esta ser superior à legalmente permitida no local.
Não foi posto em causa que, conforme se refere no ponto 16 dos factos provados, o arguido ao mudar de direcção para a esquerda sem previamente sinalizar a manobra e sem verificar se o podia fazer em segurança para si e para os demais veículos e peões que ali se encontravam, demonstrou falta de cuidado e atenção exigíveis a quem conduz veículos motorizados e que podia e devia ter para evitar o resultado que, de igual modo, podia e devia prever.
E como do ponto nº 18 dos factos provados resulta que “ao conduzir a velocidade seguramente superior a 50Km/h CC.. não atentou nas circunstâncias existentes naquele momento e local quer pelo número de pessoas presentes, quer pelas manobras inesperadas que podiam ocorrer, designadamente ligadas aos “picanços”, demonstrando também falta de cuidado e atenção exigíveis a quem conduz veículos motorizados e que podia e devia ter para evitar o resultado que, de igual modo, podia e devia prever.” É correcta a conclusão do tribunal a quo de que a vítima terá contribuído igualmente para o acidente.
Sendo a condução de veículos, um acto voluntário, a conduta do agente ter-se-à como por culposa quando ocorra a falta de observância de qualquer dos preceitos estradais destinados a regular o trânsito e a proteger interesses alheios, salvo se o condutor lesante alegar e provar circunstância que justifique o seu comportamento ou que este não foi determinante da verificação do sinistro e dos danos.
Com efeito, o condutor de um veículo motorizado, atendendo à perigosidade da própria máquina que conduz e à própria circulação, deve pautar a condução pela observância das regras estradais, de modo a salvaguardar não só os direitos dos demais utentes da via pública como a sua própria segurança.
Para além da prudência devida, não tem porém o agente de contar com condutas transgressivas dos demais condutores ou comportamentos que, por ilícitos, nem seriam previsíveis.
E se em regra lhe é exigível uma conduta de prudência e que implica que deva ou possa contar com os factos previsíveis, para poder evitar acidente, não tem que pautar a sua conduta a contar ou na previsão da inobservância das regras da circulação pelos demais condutores, a quem se exige idêntica e rigorosa observância de tais normas.
Consequentemente, e em princípio, da violação de regra que regula a circulação de veículos na via pública, - que seja causal de acidente, - decorre a culpa do agente, que violou essa norma, na produção do acidente.
Como é sabido, a imputação do dano a título de culpa e o dever de indemnizar só existe se a infracção às regras da circulação rodoviária for causa do acidente, pelo que não basta a mera inobservância da lei para se responsabilizar o infractor por acidente que venha a ocorrer, se com ele não tem relação.
Conforme consta da sentença e resultou provado, o arguido, o falecido CC.. e o demandante BB..., encontravam-se num local onde eram levadas a efeito corridas ilegais, vulgarmente chamadas “picanços”. Todos o sabiam e tinham a noção do risco que corriam, mesmo que apenas como espectadores. Todos se expuseram, com a sua presença no local, ao perigo, todos assumiram voluntariamente o risco. Nessa medida todos agiram de forma reprovável. Acresce que, neste aspecto da assunção voluntária do risco, o erro de um não interfere, nem diminui, o erro dos outros. Isto é, todos merecem à partida um semelhante juízo de censura pela exposição voluntária ao perigo, e de todos fica afastada a possibilidade de invocarem a seu favor o princípio da confiança.
Como se adverte na sentença recorrida, o acidente, embora tenha ocorrido no local dos “picanços”, não ocorreu por força de uma qualquer manobra efectuada classificável como “picanço”, pelo que, tendo em conta a forma como ocorreu o acidente, assumiu contornos de um normal acidente de viação e assim foi tratado juridicamente. O que aliás, no recurso interposto, não foi objecto de contestação.
Seguro é que na origem do acidente estão dois comportamentos transgressivos – o do arguido e o do CC...
Dir-se-ia que não fora o facto da mudança de direcção ser expectável para o CC.., nas circunstâncias apuradas e na dinâmica do acidente, a conclusão inevitável seria a de que o facto da vítima circular com excesso de velocidade não fora causa do embate, antes o tendo sido o facto de o arguido lhe ter cortado a linha de trajectória.
Ambos concorreram para o embate.
Vejamos então se o facto da morte ter sido directamente causada pelo embate, correspondeu à criação de um risco proibido pela própria vítima e, nessa medida, se tal obstará à imputação objectiva daquele resultado à conduta incorrecta do arguido.
“A teoria da adequação ou causalidade adequada - … - define como causa tão-somente aquela condição que, em conformidade com a experiência comum, seja adequada à produção do resultado.” – Manuel cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral I, 1992, pag 151.
O legislador português consagrou no art. 10º, nº 1, do CP, a teoria da adequação, - causalidade adequada - que sendo maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, é completada pelos critérios de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco e corrigida ainda pelo princípio da responsabilidade pessoal ou individual em Direito Penal e não responsabilização por facto alheio.
Logo, a acção típica deve ser a causa adequada do resultado, ou seja, o resultado deve ser uma consequência previsível da acção.
A sentença recorrida não deixou de assinalar que nos casos em que a produção do resultado era imprevisível ou ainda que, sendo previsível era improvável ou de verificação muito rara, então a imputação não deverá ter lugar.
A solução oferecida pela teoria da adequação é insatisfatória sobretudo em actividades que, comportando em si mesmas, riscos consideráveis para bens jurídicos são, todavia, permitidas como é o caso da condução estradal.
Daí que se concorde com o entendimento do tribunal a quo de que a melhor solução é a que completa ou corrige a teoria da adequação com a do aumento de risco, numa perspectiva mitigada das teorias enunciadas.
Bem andou pois ao concluir que no caso dos autos, não pode afirmar-se que a produção do resultado morte e ofensa à integridade física era imprevisível, improvável ou de verificação muito rara, pelo que ainda que se seguisse fielmente a teoria de adequação o resultado não seria substancialmente diferente.
Certo é também que nenhum dos intervenientes podia beneficiar do princípio da confiança, segundo o qual não é exigível a quem observa as regras de trânsito e o dever geral de diligência, prever uma atitude culposa de terceiro, pois atendendo ao local onde se encontravam e ao tipo de actividade que iria decorrer é claro que ninguém poderia contar que as regras fossem cumpridas por todos quantos estavam no local.
Conforme se realça na sentença recorrida, Roxin só admite a absolvição se se puder afirmar que o comportamento lícito alternativo teria, com segurança conduzido ao mesmo resultado, não tendo a ultrapassagem do risco permitido influenciado no processo do acidente.
Entende este autor que a ordem jurídica não tem de tolerar comportamentos que aumentem o risco, uma vez que a norma de cuidado exige observância, ainda quando o seu incumprimento só provavelmente intensifica o risco.
Claus Roxin e Figueiredo Dias consideram que há ainda consequências previsíveis da conduta do agente que aumentam o perigo sobre a vítima, mas que não devem ser imputáveis ao agente logo ao nível da tipicidade.
É o caso de comportamento lícito alternativo conducente ao mesmo resultado. Sempre que o comportamento lícito alternativo à conduta do agente potenciadora do risco conduzisse ao mesmo resultado, não deve ser-lhe imputado o resultado. Neste caso, quer a conduta do agente quer a conduta lícita alternativa conduziriam ao mesmo resultado, pelo que a incriminação redundaria numa “ punição de violação de um dever cujo cumprimento teria sido inútil” ( Fig Dias, 2007:338).
Conforme se realça na sentença recorrida Roxin só admite a absolvição se se puder afirmar que o comportamento lícito alternativo teria, com segurança conduzido ao mesmo resultado, não tendo a ultrapassagem do risco permitido influenciado no processo do acidente.
Entende este autor que a ordem jurídica não tem de tolerar comportamentos que aumentem o risco, uma vez que a norma de cuidado exige observância, ainda quando o seu incumprimento só provavelmente intensifica o risco.
Sob esta perspectiva é manifesto que se o arguido tivesse sinalizado devidamente a manobra e principalmente se se tivesse assegurado previamente de que a poderia fazer, muito provavelmente o acidente não teria ocorrido, porque ele próprio tê-lo-ia evitado. E a ter evitado a mudança de direcção, não era seguramente a circulação do CC.. a causar o acidente, atenta a largura da hemi faixa de rodagem.
Portanto o comportamento lícito alternativo do arguido teria muito provavelmente evitado o resultado letal.
Foi pois a sua conduta negligente a determinante da verificação do sinistro e dos danos.
Mudar de direcção é tomar uma via confluente daquela em que se segue e o condutor deve fazer o sinal regulamentar com a necessária antecipação, bem visível e significativo, de modo a não deixar dúvidas sobre a sua intenção aos restantes utentes da estrada, aproximar-se do eixo da via e realizar a manobra em sentido perpendicular aquele em que seguia.
Por outro lado, em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente se assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito, mesmo que se trate de mero embaraço parcial (arts. 20º, 35 nº1, 44 nº1 e 2 do Código da Estrada e art. 71 do RST).
O arguido ao mudar de direcção para a esquerda, considerando os elementos de facto disponíveis, violou ostensivamente estas normas.
Do mesmo modo, porque a mudança de direcção ocorreu, o facto de a vítima circular com velocidade superior à legalmente permitida ( art 27º do CE) e junto ao eixo da via implica a concorrência de culpas, já que no caso concreto foi também causal do acidente – factos provados nºs 5 e 6 – em sentido jurídico-penal.
De facto dispõe o art. 13º, nº 1 do Código da Estrada que ”o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes” e só pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção.
No caso em apreço, atento o local do embate e a própria dinâmica do acidente, o motociclo circulava na sua hemi-faixa de rodagem próximo do eixo da via, de 8,80m de largura – facto provado nº 14, - o que corresponderia uma hemi-faixa de 4,40m em cada sentido.
Bem andou pois o tribunal recorrido ao concluir que “… é manifesto que se o CC.. conduzisse a 50Km/hora teria tempo para se aperceber de que à sua frente ia um grupo de ciclomotores, que dois deles já tinham virado à esquerda, poderia equacionar a ultrapassagem pela direita, poderia ter tentado, perante o obstáculo que a condução do arguido constituiu, imobilizar o veículo atempadamente, enfim poderia ter tentado evitar o acidente e se, mesmo assim, acidente houvesse, certamente, com menos graves consequências.”
Portanto, tendo em conta a dinâmica do acidente, as concretas circunstâncias em que ocorreu é forçoso concluir pela concausalidade das condutas contravencionais, sendo de considerar como sua causa todas as condições que concorreram para que o mesmo tenha acontecido como efectivamente aconteceu. É nisto que se traduz a concausalidade. Indiferente é o peso específico de cada uma dessas condições, a suficiência ou insuficiência de cada uma delas em ordem à produção do dano, e o momento em que, no processo causal, surgem. O que é essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que ele seja apenas uma das condições adequadas do dano, verificando-se uma situação de concausalidade do dano.
Entende-se, como na sentença recorrida, que uma vez que o arguido mudou de direcção sem sinalizar a manobra, nessa medida cortando a linha de marcha da vítima que se aproximou rapidamente, foi o seu comportamento negligente a causa primeira do acidente e, por isso, a ele deve ser atribuída a maior responsabilidade na ocorrência do mesmo, responsabilidade essa fixável em 65%, cabendo os restantes 35% ao CC...
Não se afigurando assim existir qualquer erro notório na apreciação da prova, nem, aliás qualquer dos outros dois vícios de conhecimento oficioso e a que se referem as al. a) e b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., improcedem os fundamentos do recurso.
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3.2.2. Não há qualquer fundamento para aplicação do princípio in dubio pro reo
No nosso ordenamento vigora o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art.º 127ºdo CPP).
Não se trata de apreciação arbitrária, pois tem como pressupostos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio. Daqui que à convicção do julgador ande associada a obrigatoriedade da sua fundamentação em elementos objectivos que a tornem credível (cfr. art.º 374º/2 do CPP).
Da leitura da sentença nenhum desvio às regras há a assinalar ou censurar e do seu texto não resulta qualquer indício de que o tribunal tenha tido a mínima dúvida quanto à forma como decidiu a matéria de facto.
Ora, como é sabido, o princípio in dubio pro reo traduz uma imposição feita ao juiz no sentido de que este tem de decidir a favor do arguido sempre que tiver sérias dúvidas sobre os factos decisivos para a solução da causa.
A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo existir quando, de forma evidente resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido.
O que de todo não se verifica.
Como defende o MP, no caso vertente, tal princípio só teria sido violado " se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar o arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos" cf. Ac. STJ de 11/02/1998 in C. J. 1998, Tomo I, pág. 199. Ora, se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com as regras da experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto a retirar de tal prova, não procedendo os pressupostos de modificabilidade da decisão.
Improcede pois também neste segmento o recurso do arguido.
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3.3. RECURSO DO ASSISTENTE/DEMANDANTE CÍVEL

O demandante civil, ao abrigo do disposto nos artigos 483º e 496º nº 2 do Código Civil e da possibilidade conferida pelo artigo 129º do Código Penal, demandou a Companhia de Seguros W..., SA para a qual foi transferida a responsabilidade civil emergente de acidentes com o veículo em causa nos autos, peticionando o pagamento da quantia global de 250.254,93€, sendo 250.000€ pelos danos não patrimoniais sofridos.
No recurso o assistente esclarece que a sua discordância se refere unicamente aos montantes atribuídos pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da I.P.P. (50.000,00 €) pelos danos não patrimoniais (15.000,00 € de danos morais e 15.000,00 € de danos estéticos), que entende serem escassos.
Importa pois decidir, principalmente, se os valores atribuídos estão em conformidade com a factualidade apurada, o regime jurídico aplicável e os critérios indemnizatórios que têm sido adoptados pela jurisprudência em situações similares
No caso em análise, nenhuma questão subsiste quanto à responsabilidade pela produção do sinistro [imputável à actuação do arguido e do falecido CC.. na proporção respectiva de 65% e 35%) e é igualmente pacífico recair sobre a demandada a obrigação de indemnizar o demandante pelos danos causados pelo seu segurado, na referida proporção.
Em suma, a divergência, em relação à sentença sob censura, centra-se na determinação dos valores indemnizatórios ou compensatórios devidos a título de danos patrimoniais resultantes da IPP e danos não patrimoniais.
A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. – artº 129º do C.Penal.
Embora deduzida em processo penal, de harmonia com o princípio da adesão (artºs 71º e segs do CPP), subordina-se, porém, na dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.
Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. - artº 483º nº 1 do Código Civil. (C.C.)
A indemnização deve ter carácter geral e actual, abranger todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arºs 562º, a 564º e 569º do C.C.)
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja essencialmente onerosa para o devedor - artº 566º nºs 1 e 2 do C.C.
Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. – art 566º nº 3 do CC e Ac STJ12-03-2009.
Significa isto que a indemnização deve fixar-se atendendo ao bom senso, à justa medida das coisas, enfim ao que se afigurar razoável face às circunstâncias concretas apuradas. Como se refere no Ac. do STJ de 10-2-98 ( Col. Jur. STJ, 1998, I, 65) “a equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”.
- a questão da indemnização decorrente da IPP e inerente perda da capacidade de ganho.
O acidente ocorreu em 15-08-2004, portanto em data anterior à vigência da portaria n.º 377/2008, de 26-05-2008, (entrada em vigor em 27-05-2008), que visou fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável – art 7º - para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5ª Directiva Automóvel – Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio - e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal). Tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da Portaria, nunca poderia a mesma ter aplicação, por força do disposto no art. 12.º, n.º 1, do CC.
De qualquer modo,” os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios.” – Ac STJ de 15-04-2009
Em relação ao caso concreto, a sentença recorrida atendendo à actualização daquela portaria pela portaria 679/09 de 25.06, considerou que a lei prevê para um jovem que ainda não iniciou a vida laboral e que fique absolutamente incapacitado para o trabalho uma indemnização até 200.000€, pelo que tendo em conta a incapacidade fixada para o trabalho permanente geral de 20 pontos acrescida de 10 pontos a título de dano futuro, a idade do BB..., a sua perspectiva de trabalho como serralheiro, a impossibilidade de continuar a exercer tal profissão e a dificuldade em conseguir desenvolver, sem esforço, uma qualquer tarefa profissional, entendeu fixar a peticionada indemnização em 50.000€ (cinquenta mil euros).
Estivessem as portarias 377/2008 e 679/2009 em vigência, - segundo o entendimento plasmado no Ac Rel Coimbra de 12-04-2011, - não teriam de ser consideradas vinculativas para os tribunais, apenas impondo a lei ordinária que, com base nelas, se faça uma proposta razoável de indemnização, só nesta medida atendíveis como critério orientador, subordinado ao que resulta das normas cíveis reguladoras da responsabilidade civil.
Também as fórmulas matemáticas devem ser usadas apenas como base de cálculo, e os valores obtidos podem e devem ser corrigidos pela equidade, conforme as circunstâncias.
Segundo o acórdão do STJ de 04/12/2007, publicado sob o nº. 07A3836 da base de dados do ITIJ, muito referido em acórdãos posteriores do STJ:
a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido;
b) […]
c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade. Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
Em suma, quanto ao modo de calcular tal indemnização, tem o mesmo variado consoante se lançam, ou não, mão de critérios mais ou menos baseados juízos de equidade ou em factores de origem matemática.
Assim, e a título de exemplo, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 13/10/92 e 17/11/92, respectivamente, in BMJ 420-507 e 421-414, nos quais se fixa o princípio base de que a indemnização “...dever representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e seja susceptível de garantir durante ela as prestações periódicas correspondentes às suas perdas de ganho.”
Acrescentando que se deve abater uma importância tradutora do benefício que traduz a entrega por antecipação de tal quantia, sem esquecer a desvalorização monetária.
Embora se reforce a ideia de que a decisão final deve obedecer mais a critérios de equidade do que a valores matemáticos rigorosos - cf. BMJ, citado em primeiro lugar, a fl.s 514,.
Posteriormente, sendo disso exemplo o Acórdão do STJ, de 5/05/94, in CJ, Acórdãos do STJ, ano II, tomo II, pág. 86 a 89, lançou-se mão de tabelas financeiras rigorosas, tendentes a melhor quantificar o montante indemnizatório em tais casos, tendo em vista o critério geral enunciado nos Arestos acima citados.
Já depois disso o STJ, por Acórdão de 28/09/95, in CJ, Acórdãos do STJ, ano III, tomo III, pág.s 36 a 38 abandonou o recurso a tabelas financeiras e valores matemáticos rígidos “para pôr de parte as respectivas tabelas e confiarmos preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade (art.s 564, n.º 2, 566, n.º 3, e 496, n.º 3).” - pág. 37, do Acórdão ora citado.
Com todo o respeito por opinião em contrário parece-nos ser esta, em obediência aos critérios legais aí referidos, a melhor solução e a que mais se adequa à função do julgador ao dirimir o conflito entre as partes.
O que não implica, como é óbvio, que o tribunal não se socorra de operações de cálculo, sem as quais seria de todo, ou quase de todo, impossível computar a indemnização devida.
O que se pretende realçar é o primado das regras de equidade e do arbítrio do julgador, sem as quais se esvazia de conteúdo a própria função de julgar, tal como a mesma é configurada nos preceitos legais ora citados, para as substituir por meras operações de cálculo matemático e/ou financeiro.
Assim, teremos sempre de partir de dados objectivos, tais como a idade da vítima, o período normal e médio da vida activa de uma pessoa, os salários auferidos e os meses em que os mesmos são pagos, a desvalorização da moeda e o facto de se passar a dispor de uma quantia, por uma só vez, que de contrário só se iria receber daí a alguns anos.
Aplicando estes critérios ao caso em apreço, há que ter em conta que, à data em que ocorreu o acidente, o A. ia fazer 19 anos de idade, já que nasceu em 21-11-1985 e o acidente ocorreu em 15-08-2004.
Tem-se em consideração a idade de 65 anos como sendo aquela em que é normal cessar a vida activa da maioria das pessoas, pelo que ao A. ainda restavam 46 anos de vida activa, mas não se podendo esquecer que a vida não acaba quando se atinge a reforma, devendo considerar-se, para estes efeitos, pelo menos, até aos 72 anos, pelo que se deve ater a 53 anos para efeitos indemnizatórios a título de IPP.
O salário auferido pelo demandante era de 389,91 euros mensais.
Concretizando, temos a quantia de 389,91 X 14 meses por ano, no montante de 5458,74, por ano de trabalho, que multiplicada por 53 anos de vida ascende à de 289313,22 euros, considerando uma IPP de 20%, traduzida em igual perda de capacidade de ganho teríamos o quantitativo global de 57862,64 euros.
Entrando em linha de conta com as tendências inflacionistas, com o facto de o A. dispor de tal quantia antecipadamente e por junto, o que lhe possibilita diferentes aplicações, e tendo em conta com os condicionalismos concretos do caso em apreço e tendo em vista que as taxas de juro para depósitos bancários andam na ordem dos 2 a 2.5%, bem como os aludidos critérios de equidade, fixa-se a indemnização a que o assistente tem direito, decorrente de uma IPP de 20%, e inerente perda da capacidade de ganho em 56.000,00 euros, para reparar os prejuízos decorrentes da descrita limitação funcional e com repercussão na esfera patrimonial até ao limite da sua vida activa.
Entendemos não haver lugar à dedução daquilo que o lesado gastaria consigo o que apenas deve ter lugar em caso de morte, dado que o sobrevivente, traumatizado com lesão incapacitante, continua a alimentar-se e eventualmente a ter outro tipo de necessidades e de dispêndio. Será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente não se efectivará – cfr ac do STJ de 25/11/2009.
E face ao factualismo descrito na sentença recorrida – pontos nºs 21 a 44 - e pese embora a extrema dificuldade em fixar a compensação devida, afigura-se equitativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas diversas decisões do nosso mais alto tribunal, fixar a compensação por danos não patrimoniais na quantia de € 35 000 (trinta e cinco mil euros), sendo 20.000,00 € de danos morais e 15.000,00 € de danos estéticos.
Quantias por cujo pagamento é a demandada responsável, face às obrigações por si assumidas em consequência da outorga do contrato de seguro, a que se faz referência no item 19, dos factos provados, com o proprietário do veículo aí mencionado.






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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e em conceder parcial provimento ao recurso pelo assistente, pelo que decidem:
- Arbitrar a título de indemnização a quantia de 56.000,00 (cinquenta e seis mil) euros pela perda de capacidade de ganho;
- Fixar em 35 000 (trinta e cinco mil) euros, - sendo 20.000,00 € de danos morais e 15.000,00 € de danos estéticos, - o valor de indemnização por danos não patrimoniais.
- Confirmar no mais a sentença recorrida.
Custas a cargo do arguido fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs
C, 21/09/2011
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.)



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Isabel Valongo



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Paulo Guerra