Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6254/16.3T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO DE MÉRITO
Data do Acordão: 12/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 595º, Nº 1, AL. B) DO NCPC.
Sumário: O art. 595º, nº 1, b) do nCPC não legitima o tribunal a conhecer de mérito no saneador, julgando antecipadamente os embargos de executado, opostos à execução para prestação de facto, apenas com base na prova pericial (perícia colegial), ainda que relevante, sem a apreciação da demais prova indicada, nomeadamente da prova testemunhal e prova documental.
Decisão Texto Integral:








Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.- A exequente M... instaurou  acção executiva para prestação de facto contra os executados

C..., Lda

            J... e M...

            Com fundamento na sentença de 9 de Janeiro de 2014, substituída por acórdão da Relação de 17 de Março de 2015, transitado em julgado, (proferido no processo nº ...), pediu a execução da prestação de facto em que os executados foram condenados.

            1.2.- Os executados ... deduziram oposição por embargos de executado, alegando, em síntese:

            A exequente instaurou contra os executados e outros acção declarativa nº ... relativa aos mesmos prédios e que constitui causa prejudicial da presenta acção executiva, pelo que se impõe a suspensão da execução, nos termos do art. 272 CPC.

            Há desconformidade entre o pedido e o título executivo pois a obrigação dos executados não é solidária e a exequente vem pedir o cumprimento solidário.

            Os embargantes já procederam a obras de drenagem depois de 2004 e na extensão do muro do lote C já não existem mais escorrências de água para o prédio da exequente.

            O segmento decisório do acórdão da Relação – colocação do dreno abaixo da sapata não é possível cumprir porque o muro tem cerca de 25 cm de espessura o que poderia conduzir ao colapso do muro

            Uma parte da sentença impõe uma condenação genérica e a exequente não procedeu à liquidação prévia.

            Discorda do pedido da sanção pecuniária compulsória.

            Concluíram pedindo a suspensão da execução à decisão final proferida no proc. nº ..., e a extinção da execução por inexistência parcial de título executivo, cumprimento parcial da sentença e impossibilidade parcial do cumprimento (inexequibilidade).

            A exequente contestou.

            1.3.- No saneador, conhecendo-se parcialmente do pedido, por sentença de 16/6/2017, decidiu-se:

            Julgar improcedente o pedido de suspensão por causa prejudicial.

            Julgar procedentes os embargos “considerando-se que a condenação dos executados e donos dos lotes A, B e C na feitura dos trabalhos enumerados no acórdão do TRCoimbra, antes citado, não é solidária, mas somente concernente à parte respeitante a cada um dos lotes“.

            Julgar procedentes os embargos, na parte em que se remete para liquidação prévia, “não podendo a exequente obter pagamento do valor de MIL EUROS peticionados a esse título (reparação da rede)”

            Julgar procedentes os embargos quanto à sanção pecuniária compulsória, “não podendo a exequente obter pagamento do valor de 50,00 euros diários por cada dia de incumprimento”.

            Quanto aos pontos 3 e 4 da petição dos embargos (cumprimento parcial da sentença e impossibilidade parcial do cumprimento) determinou-se o prosseguimento do processo determinando-se a realização de perícia colegial para apurar os seguintes pontos:

            Se os aqui embargantes procederam às obras de drenagem referidas no 2º segmento da decisão do ponto 1) do acórdão do TRCoimbra de 17/3/2015.

            Da impossibilidade parcial do cumprimento da obra de colocação do dreno abaixo da sapata.

            Da realização das obras mencionadas no 1º e 3º segmentos da decisão do ponto 1) do acórdão do TRCoimbra de 17/3/2015.

            1.4.- Transitado em julgada a sentença, realizou-se a perícia colegial.

            1.5.- Por sentença de 7/12/2018 e “por entender que o estado do processo permite sem necessidade de mais prova apreciar a parte do pedido que ainda permanece por decidir“, decidiu-se julgar totalmente improcedentes os embargos e determinar o prosseguimento da execução.

            1.6.- Inconformados, os embargantes recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

...

Termos em que, na procedência do recurso, deve a douta sentença recorrida ser alterada e substituída por outra que, considerando estarem já efetuadas a colocação da tela e do dreno, e tendo em conta a excessiva onerosidade da colocação deste à cota determinada no Acórdão, julgue parcialmente procedentes os embargos, ordenando, apenas a execução da impermeabilização externa e da colocação da caleira referida no Parecer Técnico.

            1.7.- A exequente/embargada contra-alegou no sentido da improcedência do recurso, com as seguintes conclusões:

...

            1.8.- Por despacho do relator decidiu-se indeferir a junção dos documentos.

            1.9.- Os embargantes reclamaram para a conferência, alegando justificar-se legalmente a admissibilidade.

            A exequente respondeu no sentido a confirmação do despacho de rejeição.

            A reclamação é decidida no acórdão que julga o recurso (art.652, nº 4 CPC).


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- A reclamação do despacho quanto ao indeferimento dos documentos.

            O despacho do relator de 7/5/2019 contém a seguinte fundamentação:

 “Os executados embargantes ... interpuseram (25/1/2019) recurso de apelação ( fls. 192 e segs.) da sentença de 7/12/2018 ( fls.187 e segs.).

            Com as alegações juntaram cinco documentos (fls.206 e segs.), com a invocação de que se “revelam imprescindíveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”, justificando que os três orçamentos e uma declaração se destinam a provar que não é possível fazer obras manualmente e que com máquinas resulta o risco de destruição e que a certidão do acórdão de 11/12/2018, proferido no proc. nº ... para demonstrar que a parte exterior da sapata está em terreno ainda pertencente aos embargantes.

            A exequente opôs-se à junção, por falta de pressupostos legais.

            Cumpre decidir.

            2.- Da conjugação do disposto nos arts. 651 e 425 CPC  resulta que as partes só podem juntar documentos com as alegações de recurso nas seguintes situações: (i) se a apresentação não tiver sido possível até ao encerramento da discussão ( superveniência ), (ii) se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.

Ora, nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto. Desde logo, porque que já então poderia ter junto os documentos particulares, não configurando uma superveniência objectiva, e muito menos subjectiva, dado terem anteriormente conhecimento desse facto.

Por outro lado, entende-se que a junção se torna necessária devido ao julgamento da 1ª instância quando a decisão se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes ou se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não contassem ( cf. Antunes Varela, RLJ ano 115, pág.95 ).

Mesmo admitindo-se um conceito mais amplo de necessidade, no sentido de que a junção de documentos na fase de recurso, nos termos do art.651 CPC, tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão (de direito ou de facto) fazem surgir a necessidade de provar factos (ou infirmá-los) com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, mas não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova (ou contraprova) sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo proferido.

Quanto à certidão do acórdão de 11/12/2018, para além de não estar certificado o trânsito em julgado, importa ter presente que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado ( cf., por ex. Ac STJ de 5/5/2005 ( proc. nº 05B691), Ac do STJ de 2/03/2010, ( proc. n.º 690/09.9 ) disponíveis em www dgsi.pt.

Por outro lado, perspectivando-se no âmbito do valor probatório da sentença, enquanto documento público, os factos apreciados num processo não se impõem noutro processo, porque a sentença prova plenamente a realização do julgamento ( dos actos praticados pelo juiz), mas não quanto à realidade dos factos dados como provados. Daqui resulta, na esteira de Calamandrei, a rejeição de qualquer “eficácia probatória “ das premissas de uma decisão ( cf. Maria José Capelo, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, pág. 114 e segs.).

Acresce que o acórdão não decidiu que a parte exterior da sapata está em terreno ainda pertencente aos embargantes, sendo que o que releva aqui, para o efeito, é o acórdão, transitado em julgado, que constitui o título executivo da execução.”

            Os reclamantes não impugnaram cada um dos argumentos aduzidos, limitando-se a afirmar genericamente que os documentos são objectiva e subjectivamente supervenientes, preenchendo os requisitos do art. 651, nº 1 do CPC, mas sem razão, pois como é jurisprudência consolidada a junção de documentos em recurso de apelação é excepcional e não se pode aceitar a junção de documentos “quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento” (Ac STJ de 30/4/2019 (proc. nº 22946/11), em www dgsi.pt).

            Mantem-se o despacho de rejeição dos documentos.

            2.2.- O objecto do recurso

            O conhecimento de mérito no despacho saneador, a insuficiência da prova pericial e a falta de audiência prévia;

O abuso de direito, em face da excessiva onerosidade e desproporção.

            2.3.- Os factos provados ( descritos na sentença )

1. Em Setembro de 2016 a exequente M... instaurou acção executiva sumária contra, entre outros, ..., com fundamento em sentença condenatória.

2. No seu requerimento executivo, a exequente alegou, na parte dos “FACTOS” que:  “1.º Por douta sentença proferida nos Autos supra identificados (proc. nº ... do Tribunal Judicial da Figueira da Foz a que veio a ser atribuído o processo nº ...) e do Acórdão da Relação de Coimbra, transitado em julgado em 23-11-2014, foram os executados C..., LDª, M... E OUTROS, melhor identificados nos autos em epigrafe, condenados a executar as seguintes acções originárias: - vedação do referido muro desde os alicerces até ao topo, através da colocação de tela; - abertura de uma vala junto ao referido muro onde deverão ser colocadas manilhas de dimensão suficiente que conduzam a água que aí se acumula para o poço que já se encontra feito; - colocação, de forma permanente, uma bomba elétrica que possibilite o bombeamento da água do poço para a rede pública; e - tapagem de todas as fissuras existentes no muro. - foram ainda condenados nas custas da acção na proporção de de 5/6 e da reconvenção na proporção, de 3/4 . 2.º Os Executados, notificados do douto Acórdão, transitado em julgado, e interpelados pela Exequente por carta registada (doc nº 1 a 7), não executaram quaisquer dos factos em que foram condenados até á presente data, designadamente, a vedação do referido muro desde os alicerces até ao topo, através da colocação de tela; abertura de uma vala junto ao referido muro onde deverão ser colocadas manilhas de dimensão suficiente que conduzam a água que aí se acumula para o poço que já se encontra feito; da colocação, de forma permanente, uma bomba eléctrica que possibilite o bombeamento da água do poço para a rede pública; e da tapagem de todas as fissuras existentes no muro, se as mesmas foram executadas. Acresce que, 3.º A sentença da 1ª instância proferida, não alterada, mais condenou ainda os Réus e ora Executados no mais que vier a ser liquidado, para reparação/substituição da rede que delimita o prédio referido em 1) da fundamentação de facto, com 60 metros de comprimento e 1,5 metros de altura, bem como para reparação/substituição dos 4 pilares de cimento que suportavam a referida rede e para substituição/reparação da parede do curral de animais. 4.º Tais obras (do ponto 3 supra) entretanto realizadas, importam em 1.000,00€ (mil euros) mais IVA, a pagar solidariamente pelos executados, ao abrigo do disposto no art. 828º do CC, cujo pagamento a exequente reclama, por ser devido. Sucede que, 5.º Os ora executados foram condenados na prestação de facto, além de notificados e interpelados para o cumprimento pelo que, tendo recusado e/ou não dado cumprimento voluntário ao doutamente decidido, a exequente vê-se forçada a dar à execução a presente sentença e Acórdão final, ao abrigo do disposto no artigo 703 nº1 al a) e 868º e ss, devendo os ora executados serem condenados a cumprir o julgado em prazo não inferior a 60 dias, nos termos do disposto no art. 874º do CPC, aplicável ao presente processo. 6.º Devem, ainda, os executados ser condenados ao pagamento de uma multa diária de 50,00€, a pagar solidariamente, a contar da data em que for proferida sentença nos presentes autos, por cada dia de incumprimento do julgado, sem prejuízo dos danos a que o incumprimento der causa, em virtude da restrição da utilização total do terreno pela exequente e da manutenção da impossibilidade de criação de animais por falta das obras doutamente ordenadas – vd PALMA CARLOS, AEx. Pag. 215-216. Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelência, devem os executados ser condenados a executar, solidariamente, nos exactos e precisos termos, todo o julgado conforme sentença e douto Acórdão da Relação de Coimbra, transitado em julgado em 2311-2015, no prazo de 60 dias a contar do decidido, tudo com custas, solidariamente, a seus cargos. Mais devem os executados ser condenados ao pagamento de uma multa diária de 50,00€, a pagar solidariamente, a contar da data em que for proferida sentença nos presentes autos, por cada dia de incumprimento do julgado, sem prejuízo dos danos a que o incumprimento der causa, tudo com as legais consequências.”.

3. A sentença condenatória que se executa foi proferida no Tribunal Judicial da Figueira da Foz – 3º. Juízo - em 9 de Janeiro de 2014.

4. Por acórdão de 17 de Março de 2015 ficou consignado que se substituía o decidido pela 1ª. instância pela condenação:  “1. Dos RR./recorrentes (...) e dos RR. ... e esposa a, na parte respeitante a cada um dos seus prédios/lotes, proceder aos seguintes trabalhos:

 IMPERMEABILIZAR devidamente, com a colocação de tela, a face interior (intradorso) dos muros de suporte dos lotes A, B e C (identificados nos pontos 2 e 3, dos factos provados) existentes em toda a estrema de tais lotes com o prédio da A. (identificado no ponto 1 dos factos provados). 

COLOCAR DRENO com o diâmetro de 100 mm (pelo menos) envolvido em brita, abaixo da sapata de tais muros de suporte e ao longo de toda a extensão dos muros; dreno a escoar para o poço já existente (ponto 26 dos factos deste acórdão) e donde (do poço) a água será bombeada (pela bomba eléctrica já existente, conforme ponto 26 dos factos provados) para a rede/colector público de águas pluviais. 

TAPAR, com materiais elásticos adequados, todas as fendas/fissuras existentes nos muros de suporte (referidos) dos lotes A, B e C.

2. Das RR., C... e A..., solidariamente entre si e com cada um dos 3 anteriores RR., a proceder aos trabalhos antes referidos.

3. De todos os RR., solidariamente, no que vier a ser liquidado, para reparação/substituição da rede que delimita o prédio referido em 1) da fundamentação de facto, com 60 metros de comprimento e 1,5 metros de altura, bem como para reparação/substituição dos 4 pilares de cimento que suportavam a referida rede e para substituição/reparação da parede do curral de animais.  Absolvendo-se em tudo o mais os RR..”.

2.4.- Os factos não provados ( descritos na sentença )

1. Não é possível colocar o dreno abaixo da sapata, em virtude disso ir colocar em risco toda a estrutura do muro;

 2. Os cedros colocados no terreno da exequente junto ao muro do lote dos executados/embargantes, batendo a sua ramagem contra esse muro, impossibilita a colocação de andaimes para os embargantes poderem realizar as obras cima mencionadas;

3.  As obras mencionadas em 1, do Segmento de Decisão do ponto 1), do acórdão do TRCoimbra de 17-03-2015, se encontram realizadas pelos embargantes.

4. O acesso de máquinas, ferramentas e tubos de cimento, uma vez que o lote dos embargantes tem uma moradia unifamiliar com piscina, só é viável através do prédio da exequente.

2.5.- O mérito do recurso

Estamos no âmbito de uma acção executiva para prestação de facto positivo, tendo por título executivo o acórdão da Relação de Coimbra de 17/3/2015 que decidiu pela condenação

“1.Dos RR./recorrentes (...) e dos RR. ... a, na parte respeitante a cada um dos seus prédios/lotes, proceder aos seguintes trabalhos:

 IMPERMEABILIZAR devidamente, com a colocação de tela, a face interior (intradorso) dos muros de suporte dos lotes A, B e C (identificados nos pontos 2 e 3, dos factos provados) existentes em toda a estrema de tais lotes com o prédio da A. (identificado no ponto 1 dos factos provados). 

COLOCAR DRENO com o diâmetro de 100 mm (pelo menos) envolvido em brita, abaixo da sapata de tais muros de suporte e ao longo de toda a extensão dos muros; dreno a escoar para o poço já existente (ponto 26 dos factos deste acórdão) e donde (do poço) a água será bombeada (pela bomba eléctrica já existente, conforme ponto 26 dos factos provados) para a rede/colector público de águas pluviais. 

TAPAR, com materiais elásticos adequados, todas as fendas/fissuras existentes nos muros de suporte (referidos) dos lotes A, B e C.

2. Das RR., C... e A..., solidariamente entre si e com cada um dos 3 anteriores RR., a proceder aos trabalhos antes referidos.

3. De todos os RR., solidariamente, no que vier a ser liquidado, para reparação/substituição da rede que delimita o prédio referido em 1) da fundamentação de facto, com 60 metros de comprimento e 1,5 metros de altura, bem como para reparação/substituição dos 4 pilares de cimento que suportavam a referida rede e para substituição/reparação da parede do curral de animais.  Absolvendo-se em tudo o mais os RR..”.

Os executados ... deduziram oposição por embargos de executado, e o tribunal, findos os articulados, proferiu saneador sentença a conhecer parcialmente dos embargos.

Mas relativamente aos fundamentos dos embargos consistentes no cumprimento parcial da sentença e na impossibilidade parcial do cumprimento da obrigação (pontos 3 e 4 da petição) determinou “tendo presente o dever de gestão processual e de harmonia com os princípios da celeridade eficácia processual” a realização de uma perícia colegial.

Para tanto enunciou os três pontos de facto sobre os quais a perícia devia incidir, e notificou as partes para se pronunciarem sobre o objecto da perícia e indicarem perito.

Realizada a perícia, foi apresentado relatório e esclarecimentos posteriores.

Por despacho de 5/9/2018 consignou-se:

“Face ao teor do relatório pericial junto pelos Srs Peritos e posteriores esclarecimentos, verificamos que os presentes autos dispõem já dos elementos necessários para se conhecer dos restantes fundamentos dos embargos, a saber: o cumprimento parcial da sentença e a impossibilidade parcial do cumprimento”.

Os embargantes ..., notificados do despacho, alegaram, em síntese, que uma decisão conscienciosa terá que se basear na análise de todos os dados do processo e não apenas na prova pericial, sendo que do relatório se pode concluir pelo cumprimento parcial da sentença e pela impossibilidade de todo o cumprimento.

Depois disto, dizendo que “o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, apreciar a parte do pedido que ainda permanece por decidir”, proferiu sentença a julgar improcedentes os embargos e determinar o prosseguimento da execução.

No recurso, os Apelantes colocam no essencial as seguintes questões: o abuso de direito, em face da excessiva onerosidade e desproporção, a nomeação do perito da embargada, a insuficiência da prova pericial, a falta de ponderação dos pareceres técnicos juntos pelos embargantes, a nulidade da sentença (art.615 nº1 b) e c) CPC).

Na execução para prestação de facto, o art.868, nº 2 CPC impõe a citação do devedor para deduzir oposição à execução mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.

Por força da norma remissiva do art.551, nº 1 e 2 CPC, tem aplicação aos embargos de executado para prestação de facto o disposto no art.732 CPC, pelo que, após os articulados, seguem-se “os termos do processo comum declarativo”.

Neste contexto, a lei impõe que o conhecimento imediato no saneador do mérito da causa, no todo ou em parte, seja precedido de audiência prévia (art.591, b) CPC) e só pode fazer-se “sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas” (art.595, nº 1, b) CPC).

Verifica-se, desde logo, que o tribunal proferiu sentença de mérito sem a imperativa realização de audiência prévia, não obstante o despacho de 5/9/2018 a consignar que iria conhecer do mérito da causa, o que consubstancia nulidade da sentença, nos termos do art. 615, nº 1, d) (2ª parte) CPC, arguida pelos Apelantes, embora com diversa qualificação (cf., por ex., Ac STJ de 23/6/2016 (proc. nº 1937/15), em www dgsi.pt).

No entanto, uma vez que a decisão sobre os factos não provados se baseou exclusivamente no relatório pericial, conforme consta da fundamentação, coloca-se a questão de saber se o tribunal estava legitimado a conhecer imediatamente do mérito, julgando antecipadamente os embargos, sem a apreciação da demais prova indicada, nomeadamente da prova testemunhal e prova documental, dado que os factos alegados, porque impugnados, se mostram controvertidos.

Muito embora assuma especial relevância a prova pericial, a verdade é que não se trata de “prova tarifada”, porque sujeita ao princípio da livre apreciação (art.s 389 CC, 607 CPC), e daí que não podia o tribunal prescindir da demais prova e, por conseguinte, de uma valoração global.

Comentando o Ac RG de 14/3/2019, diz o Prof. Teixeira de Sousa – “O art. 595.º, n.º 1, al. b), CPC permite que o juiz conheça do mérito no despacho saneador, se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas. Supõe-se que esta condição não se verifica se alguma das partes -- e, em especial, a parte que seria prejudicada com o imediato conhecimento do mérito -- tiver requerido provas a realizar na audiência final. Não conhecendo o tribunal que provas vão ser produzidas pela parte, não pode esse tribunal afirmar que não necessita dessas provas para decidir. Logo, não está preenchida a condição estabelecida no art. 595.º, n.º 1, al. b), CPC” (blog ITIJ, “Jurisprudência 2019)”.

            No mesmo sentido elucida Paulo Ramos de Faria - “Desnecessidade de mais provas também não significa suficiência das já apreciadas para a formação da convicção do julgador (na prova livremente apreciada). Ainda que o juiz já esteja convencido sobre a realidade de um facto controvertido – designadamente, com base na prova produzida antecipadamente −, tem, por regra quase sem exceção, de dar à parte que ficaria vencida na “questão de facto” a decidir a oportunidade de produzir a prova por si oportunamente oferecida, e de, assim, alterar aquela convicção inicial, sob pena de, não o fazendo, com a sua decisão violar o princípio do contraditório, o princípio da igualdade de armas e o direito a um processo equitativo” (em “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”,  Julgar Online, Outubro de 2019).

            Neste contexto, impõe-se o prosseguimento dos embargos, porque violado o art.595, nº 1, b) CPC, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.

            2.6.- Síntese conclusiva

            O art.595, nº 1, b) do CPC não legitima o tribunal a conhecer de mérito no saneador, julgando antecipadamente os embargos de executado, opostos à execução para prestação de facto, apenas com base na prova pericial (perícia colegial), ainda que relevante, sem a apreciação da demais prova indicada, nomeadamente da prova testemunhal e prova documental.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Confirmar o despacho do relator que indeferiu a junção de documentos com o recurso.

2)

            Julgar procedente a apelação e revogar a sentença, devendo determinar-se o prosseguimento dos embargos de executado.

3)

            Condenar a exequente/embargada nas custas.

            Coimbra, 3 de Dezembro de 2019.


Jorge Arcanjo

Isaías Pádua

Teresa Albuquerque