Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
124/14.1TBFND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: DIREITO À PROVA
DOCUMENTO
ÓNUS DA PROVA
CONTRA-PROVA
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 429º, DO CPC
Sumário: 1. O direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais.
2. O mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC – de notificação da parte contrária para apresentação de documento que se ache em poder desta –, poderá ser utilizado não só por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de infirmar a prova de factos de que o detentor tenha o ónus.

3. O facto de tal mecanismo estar dependente da verificação de determinados requisitos, destinados a aferir da pertinência e utilidade da junção requerida, não constituiu uma limitação ao direito de defesa ou uma violação do direito à prova.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Na presente ação declarativa sob a forma de processo comum que A (…)move contra:
a) G (…), lda.,
b) Adega cooperativa (…), CRL.

Alegando que, tendo contratado com a Ré, Adega Cooperativa, a produção de uma aguardente, e tendo as garrafas sido encomendadas e compradas à 1ª R., o autor veio a receber uma reclamação de um cliente, a quem tinha vendido várias garrafas, devido à existência de uma aranha no interior de uma delas; desconhecendo o autor em que momento a aranha e objetos estranhos foram parar ao interior das garrafas, instaura a ação contra ambas as rés, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos.

A Ré G (…) apresentou a sua contestação, negando qualquer responsabilidade da sua parte no aparecimento da aranha dentro das garrafas de aguardente, impugnando ainda os invocados prejuízos, por excessivos. A Ré termina tal articulado requerendo, ao abrigo do disposto nos. Arts. 417º e 429º, do CPC, a notificação do Autor para juntar aos autos:

“a) Todas as faturas e recibos ou outros documentos contabilísticos, relativos às vendas efetuadas pelo autor aos seus clientes das garrafas em causa nos autos.

b) Todas as notas de crédito, débito ou outros documentos contabilísticos relativos à recolha e alegada devolução do dinheiro efetuada pelo autor aos seus clientes das garrafas em causa nos autos.

c) Comprovativo de todos os meios de pagamento utilizados na venda e devolução do preço pelo autor aos seus clientes.

d) Declarações de IRS com todos os seus anexos, designadamente os referentes à alegada atividade comercial do autor relativas aos anos de 2007 a 2010;

e) Cópias de todas as notas de encomendas recebidas pelo autor de aguardente “B (....)” com a respetiva forma de envio ou receção;

f) Contrato de crédito celebrado pelo autor com a C (....);

g) Documento que demonstre quais as prestações pagas pelo autor em cumprimento do contrato celebrado pela C (....);

h) Fatura ou outro documento contabilístico referente à compra da viatura automóvel identificada nos autos.

No caso de o autor recusar a junção dos documentos referidos nas als. d), f) e g), requer ainda a notificação de entidades terceiras para que os mesmos sejam juntos aos autos.

No despacho em que designou dia para audiência, o Juiz a quo proferiu a seguinte decisão quanto ao referido requerimento:

“A ré G (…) solicita a notificação do autor para juntar documentos aos autos e, subsidiariamente, que os mesmos sejam pedido a entidades, que descreve.

Não nos parece, salvo o devido respeito, que esteja fundamentada a necessidade de tal notificação.

Na verdade, tal documentação refere-se a matéria que compete ao autor provar – sobre ele incide tal ónus da prova (a notificação em causa é, portanto, desnecessária).

Assim, também compete ao autor juntar aos autos tais documentos, sendo que a sua eventual falta apenas o poderá prejudicar.

Nesta fase, não vislumbramos qualquer interesse na notificação em causa.

Indefere-se, por isso, o requerido.”

Inconformada com tal decisão, a Ré G (…)dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. É concretização do direito constitucional do acesso à justiça compreendido no disposto no art. 20º da CRP o direito às partes alegarem a factologia e demonstrarem-na em juízo através da prova e dos meios concretos de prova por si oferecidos e requeridos.

2. Este direito constitucionalmente consagrado compreende também o direito à contraprova, isto é, o direito a infirmar em juízo o alegado pela parte contrária através da prova e dos meios concretos de prova por si oferecidos e requeridos.

3. O despacho de deferimento ou indeferimento dos meios de prova requeridos pelas partes não pode ser balizado por conceitos de oportunidade, necessidade ou desnecessidade daquelas, mas, estritamente, por critérios de legalidade e licitude dos meios de prova em causa.

4. É certo que as partes têm o direito, o ónus e o dever de propor todos os meios de prova lícitos englobados no elenco previsto no Cód. Proc. Civil, meios de prova que devem ser escolhidos e indicados pelas partes e que não tem de ser um apenas para prova de cada facto alegado, pois pode ser mais do que um, podem ser todos os meios licita e legalmente disponíveis à parte para a prova do facto que a parte tem o ónus de provar ou o legítimo interesse de fazer contraprova.

5. Violou o despacho recorrido o disposto no 410º, 423º e 429º do Cód. Proc. Civil ao indeferir o requerimento de junção de documentos apresentado pela exclusiva razão de ser a Autora que suporta o ónus da prova sobre a ocorrência aqueles factos; tal entendimento coarta o direito à contraprova e ao contraditório em processo judicial, violando aquelas normas processuais.

6. É inconstitucional, por violar o disposto no art.20º da Lei Fundamental, a interpretação do despacho recorrido segundo a qual a notificação da parte contrária para juntar documentos que estejam na sua posse, de acordo com o disposto no art. 429º do Cód. Proc. Civil, só vale para prova dos factos por quem tem sobre estes o ónus probatório e não para contraprova quando exista interesse legítimo na mesma.

7. Não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer imposição que obrigue a Recorrente, do ponto de vista da sua atividade processual probatória, a aguardar que a Autora produza a prova que entender sobre os factos que alega, para depois tentar contrariar a prova que se vier a produzir; o momento da indicação das provas é igual para ambas as partes e é em simultâneo e não sucessivamente.

8. Pelo contrário, se a Recorrente pretender usar um meio de prova documental para infirmar os factos alegados pela autora e controvertidos, que integram o direito que aquela veio a juízo fazer valer, deve juntá-los se os possuir ou requerer a sua junção à parte contrária ou a terceiros nos momentos que a lei adjetiva determina, isto é, na contestação ou na audiência prévia – Cfr. arts. 423º e 572º, al. d) do Cód. Proc. Civil.

9. Assim se conclui pela ilegalidade da decisão porquanto a circunstância de a Autora estar onerada com o encargo de demonstrar os factos que alegou, revertendo na dúvida contra si, não significa que a Recorrente, por não ter esse ónus, está proibida de contribuir para a contraprova dos mesmos se o pretender fazer, como pretende.

10. Quanto ao indeferimento da notificação requerida, subsidiariamente, a entidades terceiras para juntarem aos autos documentação no caso de a Autora se escusar ou recusar juntar, tudo nos termos dos arts. 417º e 432º do Cód. Proc. Civil, cumpre-nos dizer que valem aqui todos os argumentos acima expostos em relação à notificação da parte contrária e, por isso, a douta decisão aplica erradamente o direito ao indeferir o requerido.

11. Violou o despacho recorrido o disposto nos arts. 3º, 410º, 414º, 417º, 423º, 429º, 432º e 572º do Cód. Proc. Civil, art. 346º do Cód. Civil e 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa.

12. Deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene a notificação da Autora para juntar aos autos a documentação em causa e, no caso de esta se escusar ou recusar a juntar, notificadas as entidades terceiras melhor identificadas nos autos para os juntarem.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Prescindidos que foram os vistos legais, dada a simplicidade do objeto do recurso, cumpre decidir do mesmo.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, a questão a decidir é uma só:
1. Inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal a quo ao artigo 429º do CPC.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

            1. Inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal a quo ao artigo 429º do CPC.

 Tendo o tribunal a quo indeferido o pedido de notificação da parte contrária para juntar determinados documentos que se encontrariam em seu poder, com fundamento em que, tratando-se de factos que a esta compete juntar, a sua eventual falta apenas ao autor pode prejudicar, a Ré apelante insurge-se contra tal decisão com a alegação de que a interpretação dada pelo juiz a quo ao art. 429º do CPC viola o direito à prova consagrado constitucionalmente no artigo 20º da CRP.

Dispõe o artigo 429º do Código de Processo Civil (anterior 528º):

1 – Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.

2 – Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.

Se o notificado não apresentar o documento, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado nº 2 do artigo 344º do Código Civil (nº2 do art. 417º CPC, aqui aplicável, por força do art. 430º, do CPC), o qual prevê a inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.

Como referem Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto[1], tratando-se de uma manifestação do princípio geral da cooperação material no campo da instrução do processo, o preceito tem em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento que, por isso, é notificado, a requerimento da parte contrária para o apresentar.

Do respetivo teor resulta que a disposição se encontra pensada primordialmente para a permitir à parte onerada com a prova de um facto a obtenção de determinado documento de que saiba encontrar-se em poder da parte contrária, para através do mesmo dar cumprimento ao ónus da prova que sobre ele incide. Daí a cominação de inversão do ónus da prova, no caso em que a falta de apresentação o documento venha a impossibilitando ao onerado a respetiva prova. Naturalmente, tal sanção só faz sentido se a junção de documentos for requerida para a prova de factos que a si incumba provar e não quando o ónus da respetiva prova incumba à parte contrária.

Contudo, em nosso entender, o âmbito da aplicabilidade de tal norma terá de buscar-se na natureza do “ónus da prova” e no âmbito do “direito à prova”.

Face ao princípio da aquisição processual (artigo 413º do CPC) e ao princípio do inquisitório em matéria de prova (artigo 411º, CPC)[2], tem vindo a ser entendido que as regras sobre o ónus da prova são mais regras de decisão do que regras de distribuição de prova propriamente ditas. Mais do que determinar quem tem de provar determinado facto, a atribuição a uma das partes do ónus da prova significa, sobretudo, determinar qual a parte que vai suportar a sua falta de prova. Trata-se de um critério de decisão destinado a evitar um non liquet jurídico em caso de falta de prova, permitindo ao juiz decidir contra a parte onerada[3]. Dito de outro modo, a questão do ónus da prova relativamente a um determinado facto só se colocará se aquele não se vier a provar.

Há, assim, quem prefira denominá-lo de ónus de iniciativa da prova, constituindo uma mera conveniência de ter a iniciativa da prova, a fim de evitar a consequência desfavorável da sua parte, consistente em não poder ser considerado, como base da decisão, o facto não provado[4].

Ter o ónus da prova não significa que se tenha o exclusivo da prova[5]. Como estabelece o artigo 346º do Código Civil, “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos de modo a torná-los duvidosos.

A consagração, no nº4 do artigo 20º, da Constituição da Republica Portuguesa, do direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova[6] uma das dimensões em que aquele se concretiza. O direito à prova emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão.

“O direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras[7]”.

O direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal[8]. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.

Haverá que constatar que, na prática, as partes têm sempre interesse em produzir provas, seja em relação aos factos que lhe são favoráveis, seja quanto à inexistência dos factos que a podem prejudicar (contraprova ou prova contrária). E se é verdade que o ónus da contraprova só surge quando o onerado com a contraprova tenha feito prova bastante (prova livre ou não plena), cabendo então à parte contrária fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza acerca do facto questionado, as restrições impostas ao momento até ao qual cada uma das partes pode apresentar a sua prova/contraprova, levam a que parte não onerada com a prova de um facto não possa ficar à espera que a contraparte faça, ou não, a prova de tal facto, para aí e só então, em caso afirmativo, apresentar a sua contraprova.

Como afirma Eduardo Cambi, “as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chaces de obter uma decisão favorável aos seus interesses. Assim, as partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais[9]”.

Concluímos, assim, que o mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC, poderá ser utilizado não só por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de contraprova.

No entanto, como tem sido também sublinhado, o direito à prova não é um direito absoluto e incondicionado, não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis ou a imposição de condições à sua utilização, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. A emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.

Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias.

“Ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, razão porque o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer provar[10].”

O facto de o juiz indeferir um requerimento de prova inútil ou com intenção de arrastar o andamento processo, não constituiu uma limitação ao direito de defesa. Podemos mesmo afirmar constituir para o juiz um dever, em nome da economia processual, a recusa de provas irrelevantes, inúteis ou meramente dilatórias.

Do teor do art. 429º, resulta que a previsão da notificação da parte contrária para apresentar documento que possua em seu poder, pressupõe:

- a identificação do concreto documento cuja junção se requer;

- a indicação de quais os factos que com o identificado documento se pretende provar;

- que se tratem de documentos que se encontrem em poder da parte contrária e que a própria parte não consiga obter.

Quanto à finalidade de tais exigências, afirma Alberto dos Reis[11]:

“ A 1ª exigência tem por fim dar a conhecer ao notificado qual o documento que dele se requisita. (…) Para que a parte contrária possa tomar conscientemente qualquer atitude perante o despacho que requisitar a apresentação, é indispensável que ela saiba, ao certo, qual a espécie de documento que se lhe exige – se uma carta, se uma letra, se um relatório, se um balanço, se um título de arrendamento, etc. E não basta que se se indique a espécie, em abstrato, é necessário que se caraterize a espécie, que se individualize o documento, dizendo-se por exemplo, de que data é a carta e quem a expediu, a que prédio se refere o arrendamento e em que data se celebrou, etc.

A 2ª exigência destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou a indeferir o requerimento e, em segundo lugar, a fazer funcionar a sanção”

Ora, no caso em apreço, não só a requerente omite totalmente quais os factos a cuja prova se destinam a infirmar cada uma das categorias de documentos cuja junção peticiona, como pede a junção de documentos por referência a espécies em abstrato [todas as faturas e recibos (…), todas as notas de crédito, débito e outros documentos contabilísticos (…), todos os meios de pagamento utilizados (….), cópias de todas as notas de encomenda (…)], requerendo a junção de documentos que notoriamente desconhece se os mesmos existem ou não.

O indeferimento do requerimento em causa encontra-se, assim, perfeitamente justificado, embora com fundamentos não coincidentes com aqueles em que se baseou o despacho recorrido.

A apelação será de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela apelante.                      

                                                                            Coimbra, 21 de abril de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Luís Cravo


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. O direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais.
2. O mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC – de notificação da parte contrária para apresentação de documento que se ache em poder desta –, poderá ser utilizado não só por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de infirmar a prova de factos de que o detentor tenha o ónus.
3. O facto de tal mecanismo estar dependente da verificação de determinados requisitos, destinados a aferir da pertinência e utilidade da junção requerida, não constituiu uma limitação ao direito de defesa ou uma violação do direito à prova.


[1] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 462.
[2] A parte não onerada pode provar factos que lhe são desfavoráveis, os quais, uma vez provados ficam definitivamente adquiridos para o processo.
[3] Cfr., neste sentido, entre muitos outros, Manuel Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora 1993, pág. 199.
[4] José Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 211, e “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e princípios gerais à luz do novo código”, 3ª ed. Coimbra Editora, pág. 177, nota 60.
[5] José Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, pág. 210.
[6] Habitualmente deduzido do disposto no artigo 6º, nº3, al. d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
[7] Acórdão do Tribunal Constitucional de 11.11.2008, relatado por Carlos Fernando Cadilha, disponível in www.pgdlisboa.pt.
[8] Cfr., neste sentido, Rui de Freitas Rangel, “O Ónus da Prova no Processo Civil”, 2ª ed., Almedina, pág. 72.
[9] “O direito à prova no Processo Civil”, in Revista da Faculdade de Direito UFRP, v34, 2000, disponível na net - http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/1836/1532.
[10] Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 463.
[11] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, Coimbra Editora -1987, pág. 38.