Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2429/08.7PBHUN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: FALTA DO ARGUIDO
FALTA JUSTIFICADA
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
DISPENSA DE PRESENÇA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 04/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA COVILHÃ.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 312º Nº 2 E 333º Nº 3 CPP
Sumário: Faltando a arguida justificadamente à audiência de julgamento e tendo sido dispensada a sua presença, esta mantém o direito a ser ouvida até ao encerramento da audiência, mas para poder exercer esse direito, deve o defensor requerer a sua audição.
Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedentes a acusação deduzida, pelo Mº Pº.

São arguidos nos autos:

A..., solteira, vendedora ambulante, nascida no dia 28.3.1984, natural da Freguesia de (...), Lisboa, filha de (...) e de (...), residente na Rua (...), em Lisboa, e

B..., divorciado, armador de ferro, nascido no dia 9.8.1980, natural da Freguesia de (...)e, Lisboa, filho de (...) e de (...), residente na Rua (...), Lisboa, atualmente preso no estabelecimento prisional de Sintra.

Sendo decidido:

a) Condenar a arguida A..., pela prática de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada, p. e p. pelo art. 209, n.º 1 do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

i) Suspensa na sua execução pelo período de um ano;

ii) Com a condição de entregar a C..., no prazo de um ano, a quantia a que a arguida foi condenada no âmbito do pedido de indemnização civil (ponto 3.2.i) desta sentença);

b) Condenar o arguido B..., pela prática de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada, p. e p. pelo art. 209, n.º 1 do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão (efetiva);

3.2. Parte Cível.

i) Condenar a arguida A... a pagar a C... o montante de 20.133,00 € (vinte mil cento e trinta e três euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento; e

ii) Condenar o arguido B... a pagar a C... o montante de 5.600,00 € (cinco mil e seiscentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.

***

Inconformada, da sentença interpôs recurso a arguida A... e, formula as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:

I- O julgamento realizou-se na ausência da arguida que ao longo do processo colaborou para a realização do julgamento, veja-se, foi a Recorrente que informou o paradeiro do coarguido ao Tribunal da Covilhã para que o mesmo fosse transportado ao Julgamento, conforme fax remetido a 16 de Abril de 2013, informando da sua gravidez, aliás que foi dada como provada na douta Sentença. Foi levantando pelos mandatários dos arguidos n justo impedimento para a data de 20 de Maio indicando novas datas alternativas, conforme fax datado de 10 de Maio de 2013, embora não tenha sido levadas em consideração ficou designado o dia 12 de junho de 2013.

II- No entanto e após a deslocação ao Hospital, a arguida, através da sua mandatária, logo no início da manhã do dia 12 telefonou para o 3° Juízo do Tribunal da Covilhã a avisar que não se iria deslocar àquele Tribunal por questões de saúde dado ao estado avançado da gravidez da arguida não se estava a sentir bem, e a conselho médico estava impedida de viajar, sendo ainda enviado um fax durante a manhã desse mesmo dia juntando a declaração médica e referindo, expressamente, que não prescindia de estar presente em audiência de julgamento, todos os impedimentos eram dados ao Tribunal e ao ilustre mandatário do coarguido. Contudo, no final do mês de Julho, princípio do mês de Agosto de 2013, foi notificada da douta Sentença Condenatória.

III- Exige-se no 1 do art. 333 que, na ausência do arguido, o presidente do tribunal tome as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. E, na falta do arguido, o tribunal deverá pronunciar-se necessariamente sobre a sua imprescindibilidade desde o início da audiência (nº 2 do art. 333 do CPP), justificando a sua decisão de prosseguir, ou não, com o julgamento.

IV- Apesar da comunicação e justificação da arguida o douto Tribunal a quo violou s nºs 2 e 3 e 4 e 6 do art. 117 do CPP, a que se refere o nº 2 do art. 333.

V- O douto Tribunal não se consignaram quaisquer diligências para fazer comparecer a arguida; não se determinaram quaisquer elementos de onde fosse legítimo concluir que a arguida não pretendia estar presente no seu julgamento, pelo contrário, foi manifestado, expressamente, o seu desejo de estar presente na audiência de julgamento; não se justificou minimamente a razão pela qual a audiência se podia iniciar, e concluir, sem a presença da arguida; não houve a mínima preocupação em esclarecer as razões pelas quais se prescindiu da presença da arguida em toda a audiência, dando como certa a sua dispensabilidade, quando o que consta nos autos é exatamente o contrário. A fundamentação do tribunal sobre a indispensabilidade da presença do arguido e sobre a possibilidade de começo da audiência sem essa presença (nº 1, parte final e nº 2 do art. 333) devem ser objeto de despacho devidamente fundamentado (art. 97, nº 4).

VI- Tendo avançado para o julgamento sem justificar no despacho respetivo porque considerava que a audiência podia começar sem a presença do arguido, violando o disposto no art. 97, nº 4, o tribunal não acautelou como devia o seu direito de defesa. A ausência do arguido impossibilitou-lhe o exercício desse direito constitucionalmente garantido, tornando nulo, de forma insanável, o ato em que essas garantias não foram respeitadas, a nulidade prevista no art. 119, al. c), com as consequências previstas no art. 122, nº 1, ou seja, a invalidade do ato praticado bem como dos que dele dependerem. A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.

VII- Ficando prejudicado o direito de do exercício dos direitos de defesa, que ao mesmo assistem e que são merecedores de tutela constitucional dispensada pelo nº 1 do art. 32 da CRP, e, em certa medida, da sujeição daquele ato processual ao princípio do contraditório, também constitucionalmente consagrado pelo nº 5 do mesmo artigo.

VIII- Impugna-se os pontos 10, l l, 12, 13, 14, 15, 16 e l7, da matéria de facto dada como provada, por violação do artigo 410, n.º 2, al. a), do C.P.P. 

IX - Ora da prova produzida em audiência de julgamento, ninguém falou no nome da arguida A... que tenha praticado qualquer ato criminoso, o que se refere na acusação é a utilização de uma conta em nome da arguida e que não se logrou produzir prova que a mesma tivesse conhecimento dos factos, nem tão pouco a arguida A... ficou na posse de qualquer quantia de dinheiro da senhora C..., há uma manifesta insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada, nulidade que desde já se argui, nos termos do art. 410, n.º 2, al. a), do C.P.P..

X- A única prova relevante para os autos é a existência/utilização de uma conta em nome da arguida, não resultou da audiência de julgamento obtenção de prova da identificação dos autores dos factos em apreço, a não ser como já referimos a existência da utilização da conta em nome da arguida A..., que por si só não poderá levar à condenação da mesma. 

XI- Não ficaram provados os pressupostos do crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada, p. e p. no art. 209 n.° 1 do CP, tanto mais que não se provou o conhecimento da transação na sua conta e quem efetivamente, fez o levantamento e quem ficou com o dinheiro, muito menos quem se apropriou dos códigos do acesso à conta etc etc.

XII- A coordenação entre a natureza do bem jurídico protegido e a especificidade típica como crime de execução vinculada supõe que a produção do resultado tenha de ser determinada por procedimentos e ações que sejam tipicamente vinculados na descrição específica da norma que define os elementos materiais do crime. Visto os elementos típicos do crime em causa, e tendo em conta a matéria de facto provada, temos que concluir que à arguida não se poderá assacar a prática do crime por que vinha acusada.

XIII- Desde logo, não resultou apurada a identidade do agente do ilícito descrito na acusação, ou seja, não se provou ter sido a arguida a praticar tais factos que lhe são imputados, o que inviabiliza qualquer possibilidade de imputação criminal à arguida. Decidindo-se pela condenação da arguida coloca-se em causa o princípio constitucional do "in dubio pro reo", artigo 32 da C.R.P..

XIV- Caso se entenda pela condenação da arguida, ora, parece-nos, salvo outro e melhor entendimento, ser tal condenação manifestamente exagerada, atentos os factos apurados, a culpa do agente, à ilicitude, os seus antecedentes, as suas perspetivas de reinserção social, bem como o universo de condenações em Portugal, por estes e outros crimes, forçoso será de concluir pela inadequabilidade de tal condenação;

XV- A arguida é primária; tem 3 filhos: um de 14, outro de 12 e outro de 6 anos; Encontra-se atualmente grávida; Realiza trabalho remunerado de limpeza, nomeadamente numa escola perto da sua residência: Recebe 240,00 € de rendimento social de inserção: Recebe l29,00€ de abono de família; Vive numa casa com 4 assoalhadas, num bairro camarário.

XVI- Justifica-se a aplicação da pena de multa à arguida e esta ser convertida em trabalho a favor da comunidade.

XVII- Parece-nos que houve uma notória violação da medida da pena aplicada ultrapassado em muito a medida da culpa concreta do arguido face aos factos dados como provados, tendo ainda, o acórdão em crise violado disposto nos artigos 40 n.º 2 e 71, n.º 1 al. a), do Cód Penal;

Violaram-se: os artigos 32 da CRP, 47, n.° 2, 143, 161, 71 e 72 do CP, 125, 127, 132, n.º 1, al. d), 186, 341, al. a), 343, nºs 1 e 2 e 345, 410 n.º 2, al. b), e 412 do C. P. P

A não se determinar o reenvio do Processo, para repetição do Julgamento, por via da verificação dos pressupostos nos artigos 410 e 426 do Código de Processo Penal, do conhecimento oficioso, deverá o douro Acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva a Arguida ora Recorrente, por manifesta falta de matéria para concluir diferentemente, ou, assim se não entendendo, haverá que substituir a pena aplicada, apenas por pena de multa e convertida em trabalho a favor da comunidade face às dificuldades económicas da arguida.

Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº que conclui:

1- De nenhuma nulidade padece a audiência de julgamento e a sentença proferida nos autos, porquanto não foi violado o disposto nos art.s 333 e 119, al. c) ambos do Código de Processo Penal;

2- O julgamento foi realizado na ausência da arguida, tendo sido considerada justificada a sua falta e por se não revelar absolutamente indispensável à descoberta da verdade material a sua presença;

3- Não foi requerida a audição da recorrente nem até ao final da audiência de julgamento nem na segunda data designada para a sua realização, pelo que de nenhum vício padece o julgamento realizado nos termos em que o foi.

4- Em sede de audiência de discussão e julgamento foram realizadas todas as diligências e produzidas todas as provas necessárias à decisão.

5- Não padece, pois, a sentença recorrida de insuficiência de matéria de facto para a decisão ou qualquer outro vício dos previstos no art. 410, n.º 2 do Código de Processo Penal.

6- Bem andou o Tribunal a quo ao aplicar a pena de 10 de meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano com a condição de entregar à demandante cível a quantia de 20.133,00€, pois as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial, no que concerne ao crime em causa nos autos são elevadas.

7- Apenas a aplicação de uma pena de prisão ainda que suspensa na sua execução - associada por isso à "ameaça" de cumprimento de pena de prisão efetiva - assegura a satisfação dos limiares mínimos das exigências de prevenção geral que se fazem sentir face à conduta pela qual a recorrente foi condenada, assim como apenas aquela pena se mostra capaz de dissuadir a recorrente da prática de novos ilícitos criminais e, portanto, necessária para acautelar as específicas exigências de prevenção especial relativas àquela.

8- O Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos art.s 40, 70 e 71, todos do Código Penal, que não foram, por qualquer forma, violados.

9- Bem andou o M.º Juiz a quo, nenhuma censura merecendo a sentença recorrida, que não violou qualquer preceito legal.

Deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da sentença proferida.

Foi cumprido o art. 417 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:

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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

2.1.1. Efetuado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:

1. Em dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2008, C..., quando se encontrava de férias na localidade do (...), Covilhã, solicitou junto da instituição bancária Caixa Geral de Depósitos, na qual era titular da conta à ordem com o n.º (...), e de uma conta poupança com o n.º 2478654, o acesso às mesmas através da internet.

2. Em Setembro de 2008, C... recebeu, no Funchal, tal como havia solicitado, o cartão com a matriz que deveria utilizar para o acesso "on-line" à sua conta bancária.

3. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ser nos dias seguintes a ter recebido o referido cartão matriz, C... tentou efetuar a cativação do referido cartão no sitio da internet da Caixa Geral de Depósitos, sendo que, na página que abriu verificou que lhe solicitaram que colocasse todos os números da matriz presente no cartão, além do número de contrato e da "password", o que fez.

4. C..., não estranhando tal solicitação, já que era a primeira vez que o fazia, estava convencida que se encontrava a navegar, em segurança, na página oficial da Caixa Geral de Depósitos.

5. No dia 9.10.2008, pelas 20h17m22ss, foi efetuada uma transferência de 5.000,00 € da conta poupança de C..., com o n.º (...)1, ordenada via internet, a partir do IP n.º (...), pertencente ao fornecedor de internet Telesp Celular, com sede no Brasil, com destino a crédito na conta à ordem n.º (...), aberta na Agência da C.G.D. de Santa Clara, Lumiar, Lisboa, e titulada pelo arguido B....

6. No dia 10.10.2008, pelas 21h13m29ss, foi efetuada uma transferência de 4.908,00€ da conta poupança de C..., com o n.º (...), ordenada via internet, a partir do IP n.° (...), pertencente ao fornecedor de internet Telesp  Celular, com sede no Brasil, com destino a crédito na conta à ordem n.º (...), aberta na Agência da CGD da Alta de Lisboa, Lisboa, e titulada pela arguida A....

7. No dia 11.10.2008, pelas 00h16m09ss, foi efetuada uma transferência de 4.713,00 € da conta poupança de C..., com o n.º (...), ordenada via internet, a partir do IP n.º (...), pertencente ao fornecedor de internet Telesp Celular, com sede no Brasil, com destino a crédito na conta à ordem n.º (...), aberta na Agência da CGD da Alta de Lisboa, Lisboa, e titulada pela arguida A....

8. No dia 12.10.2008, pelas 14h21m14ss, foi efetuada uma transferência de 4.912,00 € da conta poupança de C..., com o n." (...), ordenada via internet, a partir do IP n.º (...), pertencente ao fornecedor de internet Telesp Celular, com sede no Brasil, com destino a crédito na conta à ordem n.º (...), aberta na Agência da CGD da Alta de Lisboa, Lisboa, e titulada pela arguida A....

9. No dia 13.10.2008, pelas 00h42m27ss, foi efetuada uma transferência de 4.700,00 € da conta à ordem de C..., com o n.º 080800 (...), ordenada via internet, a partir do IP n.º (...), pertencente ao fornecedor de internet Telesp Celular, com sede no Brasil, com destino a crédito na conta à ordem n.º (...), aberta na Agência da CGD da Alta de Lisboa, Lisboa, e titulada pela arguida A....

10. Em consequência de tais transferências bancárias, e após as mesmas, A... passou a beneficiar na sua conta da quantia de 19.233,00 € e o arguido B... da quantia de 5.000,00 €, quantias essas das quais se apropriaram.

11. Os arguidos decidiram apropriar-se de tais quantias, que entraram nas suas contas bancárias, que sabiam que não lhes pertenciam.

12. Os arguidos, embora sabendo que tais quantias não eram suas, dispuseram das mesmas como entenderam, integrando-as nos seus patrimónios, bem sabendo que o faziam sem autorização do legítimo titular das mesmas.

13. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de obter um benefício igual ao do-valor das quantias recebidas, à custa de património alheio, fazendo suas as quantias em dinheiro descritas, bem sabendo que não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do seu titular.

14.Sabiam que tal conduta era proibida e punida pela lei penal com crime.

15.Os valores supra referidos constituíam a poupança de C... de uma vida de trabalho.

16. E destinavam-se a "dar como entrada" para a aquisição de um imóvel na zona da Covilhã.

17. Em consequência do comportamento dos arguidos, C..., quando se apercebeu do ocorrido, ficou em estado de choque, angustiada, extremamente nervosa e chorosa.

18.Não pode adquirir o imóvel supra referido.

19.E ficou sem qualquer outro dinheiro para fazer face a qualquer eventualidade ou fatalidade.

20. B... nasceu em 9.08.1980 e é divorciado.

21.Exerce a profissão de armador.

22.Atualmente está preso em estabelecimento prisional a cumprir pena por tráfico de estupefaciente.

23.Tem o 4° ano de escolaridade.

24.Tem os seguintes antecedentes criminais:

a. Por sentença, de 29.07.2020, transitada em julgado em 30.09.2002, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem carta, praticado em 27.07.2002, num pena de multa.

b. Por acórdão, de 23.02.2005, transitado em julgado em 10.03.2005, o arguido foi condenado pela prática de furto simples e de um crime de falsificação de documento, na forma tentada, praticado em 13.11.1998, numa pena de multa.

c. Por sentença, de 19.05.2008, transitada em julgado em 12.06.2008, o arguido foi condenado num crime de roubo, praticado em 30.05.2004, numa pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução.

d. Por acórdão, de 9.05.2012, transitado em julgado em 8.06.2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravada, praticado em 15.11.2007, numa pena de 5 anos de 6 meses de prisão.

25. A arguida A... nasceu em 28.03.1984 e é solteira.

26. Reside na zona da (...), em Lisboa.

27. Tem 3 filhos: um de 14, outro de 12 e outro de 6 anos.

28. Encontra-se atualmente grávida.

29. Realiza trabalho remunerado de limpeza, nomeadamente numa escola perto da sua residência.

30. Recebe 240,00 € de rendimento social de inserção.

31. Recebe 129,00 € de abono de família.

32. Vive numa casa com 4 assoalhadas, num bairro camarário.

33.A arguida não tem antecedentes criminais.

*

2.1.2. Não existem factos não provados.

*

2.1.3. Fundamentação.

A convicção do tribunal baseou-se na ponderação à luz das regras da experiência do conjunto da prova produzida, nomeadamente, tendo em consideração o seguinte:

a) A factualidade constante da acusação pública foi, de forma clara e muito segura, demonstrada em audiência de julgamento, razão pela qual, em conformidade, foi julgada nesses precisos termos provada.

Assim, a factualidade em causa - toda ela e de forma segura e rigorosa - foi confirmada pela demandante cível C..., a qual descreveu a sua conta da Caixa Geral de Depósitos, explicou como decidiu subscreveu os serviços de acesso via internet, bem como relatou o dia em que, no primeiro acesso, introduziu todos os elementos desse acesso que tinha em seu poder, explicando as razões porque o fez (o que julgamos provado).

Mais tarde, relatou a demandante cível, verificou que o dinheiro das suas contas havia sido transferido para duas contas bancárias.

Essas transferências estão documentadas nos termos julgados provados a fls. 21 e 22 dos autos.

O destino do dinheiro está documentado pela Caixa Geral de Depósitos a fls. 44: aí se descreve a parte do dinheiro que foi transferido para uma conta da arguida A... (aí identificada) e o dinheiro que foi transferido para a conta do arguido B... (aí identificada).

A mesma entidade bancária a fls. 62 e ss. descreve as operações realizadas, as quais estão registadas nos seus serviços nos termos aí descritos.

Essa factualidade - e nesses mesmos termos - foi julgada como provada.

O extrato da conta de B... consta de fls . .65 e 66 (onde consta o depósito do valor referido na factualidade julgada como provada, e ainda o facto desse dinheiro ter sido, no mesmo dia, utilizado e gasto).

A conta em nome de A... está documentada a fls. 69 e 70, sendo que o extrato da mesma consta de fls. 71 e seguintes (nesse extrato podem observar-se o dinheiro que saiu da conta da demandante cível a entrar nessa conta, assim como a utilização do dinheiro em causa).

As informações bancárias de fls. 116 e ss. também confirmam as transferências em causa e os seus termos.

O arguido B... admitiu que efetivamente recebeu tal dinheiro na sua conta e que o utilizou.

Alegou apenas que não sabia que o mesmo não lhe pertencia.

Ora, analisando o extrato da conta em causa, facilmente se constata que aquele foi o único montante que foi depositado na conta em causa, o qual foi momentos após levantado e gasto, o que nos leva a acreditar e a julgar como provado que o arguido sabia perfeitamente que o dinheiro não era seu, nem a si chegou de forma legítima.

Apesar disso, o arguido decidiu apropriar-se do mesmo nos termos julgados provados.

Em tudo semelhante, a este respeito, mostra-se o comportamento da arguida A..., a qual se apropriou do montante em causa.

Para isso temos presente que C... deixou claro que nunca mais soube do destino do dinheiro, nem nunca o mesmo lhe foi restituído seja por quem for.

Ora, as regras da experiência dizem-nos que entrando um montante como o que está em causa numa conta bancária de uma pessoa, a mesma facilmente se apercebe que o mesmo não é seu e, ao não o devolver, antes de imediato o gasta (conforme se pode ver nos extratos bancários), a mesma atua em relação a esse dinheiro com clara intenção de apropriação.

Não estamos a faltar de 200,00 € / 300,00 € ou mesmo 400,00 €; antes de um valor de 5.000,00 € para o arguido B... e de quase 20.000,00 € para a arguida A....

Ficamos, por isso, sem dúvidas acerca da apropriação do montante em causa por parte dos arguidos, o que julgamos como provado.

Em consequência do comportamento dos arguidos, perante o período de tempo decorrido desde que o dinheiro entrou na conta e o facto de o mesmo ter sido utilizado nos dias seguintes, não tendo havido até hoje qualquer posição dos arguidos no sentido de restituir o montante em causa, só podemos concluir - nos exatos termos em que julgamos provados - que os arguidos decidiram apropriar-se de tais quantias, que entraram nas suas contas bancárias, que sabiam que claramente não lhes pertenciam, integrando-as nos seus patrimónios;

A demandante cível confirmou que tal dinheiro representava as economias de toda a sua vida de trabalho, tendo ainda explicado que visava, no período em causa, adquirir um imóvel na zona da Covilhã, o que acabou por não fazer (e por esse razão - por ter ficado sem assuas economias).

Esses mesmos factos foram confirmados em julgamento por D..., irmão da demandante cível, e por E..., sua sobrinha.

Estes, que acompanharam a demandante cível no período em causa, descreveram o seu desespero em relação ao que lhe tinha acontecido e relataram o seu estado de espírito nos exatos termos julgado provado ( C..., quando se apercebeu do ocorrido, ficou em estado de choque, angustiada, extremamente nervosa e chorosa, não tendo podido adquirir o imóvel).

Apesar de familiares da demandante cível, as testemunhas em causa relataram os factos de forma objetiva e, na nossa apreciação, em clara descrição da verdade, matéria que, por isso, julgamos provada. 

b) A situação de vida dos arguidos apurada resultou das declarações do arguido B... (quanto a este) e do relatório social realizado pelos serviços de Reinserção Social, quanto à arguida A..., bem como dos elementos juntos aos autos da pesquisa realizada junto dos serviços da Segurança Social.

c) Em relação aos antecedentes criminais, teve-se em consideração o certificado de registo criminal constante dos autos.

***

Conhecendo:

Analisemos as questões suscitadas:

A recorrente questiona e alega:

- Nulidade do art. 119 al c) do CPP, porque o julgamento se efetuou na ausência da arguida.

- Impugna os pontos dados como provados, 10 a 17, alegando violação do art. 410 nº 2 al. a) do CPP.

- Que, pelo menos deveria resultar a dúvida, que aproveitaria à arguida pela aplicação do princípio in dúbio pro reo.

- Tem a pena aplicada como exagerada, entendendo ser suficiente pena de multa, convertida em trabalho a favor da comunidade.

+++

Julgamento e encerramento da audiência, na ausência da arguida:

Nos presentes autos e face à não comparência da arguida à audiência de julgamento, foi proferido despacho do seguinte teor:

“A arguida, regularmente notificada, não compareceu.

Também não compareceram nenhum dos advogados defensores dos arguidos.

A arguida A... vem justificar a falta com uma declaração de presença nos serviços de obstetrícia de um hospital.

Apesar da falta que julgamos justificada em função dos documentos juntos, a presente audiência de julgamento decorrerá na ausência da citada arguida, que, na nossa apreciação, em conformidade com o disposto no art. 333, nº 1 do CPP, não consideramos absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a presença da arguida desde o início desta audiência de julgamento.

Apesar do exposto, desde que o requeira durante a audiência de julgamento, o Tribunal não deixará de designar nova data para a ouvir.”

Durante a audiência de julgamento não foi requerida a audição da arguida, nem no período até à leitura da sentença.

A regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência -artigo 332, n.º 1- e o direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em especial, no início e no final da audiência de julgamento –art.s 341, alínea a) e 361, ambos do CPP- consagram a garantia constitucional de um processo penal equitativo –art. 20, n.º 4, da CRP- e que deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido –art. 32, n.º 1 e 5, da CRP. Por outro lado, a celeridade processual em matéria penal também beneficia de dignidade constitucional – já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e até pode ser julgado na ausência –, estando o legislador ordinário apenas obrigado a que as soluções adotadas nesse sentido não comprometam as garantias de defesa do arguido -artigo 32, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP. E também, não pode deixar de se ponderar na necessidade de evitar ou de minorar os incómodos das testemunhas, declarantes e sujeitos processuais com sucessivas deslocações e perdas de tempo, pelos sucessivos adiamentos de audiências de julgamento com fundamento na falta de comparência do arguido.

O STJ no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 9/2012, in Diário da República, 1.ª série - N.º 238 - 10 de dezembro de 2012, pronunciou-se no seguinte sentido: “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.

Mas a questão aí abordada é diferente da que agora nos preocupa. Aí questionava-se se, faltando o arguido à audiência sem justificar a falta, e considerando o tribunal não ser a presença do arguido indispensável à descoberta da verdade material, poderia o tribunal iniciar o julgamento e condenar o arguido na sua ausência, sem previamente tomar as medidas necessárias para assegurar a comparência do mesmo.

Aqui não se coloca a questão de “assegurar a comparência da arguida”, até porque esta justificou essa mesma ausência.

Assim, há que seguir a norma do art. 333 do CPP, que soluciona o dissídio.

Considerando o tribunal que o julgamento podia iniciar-se sem a presença da arguida, esta mantinha o direito a ser ouvida até ao encerramento da audiência, mas para poder exercer esse direito, deveria o defensor nomeado requerer que a mesma fosse ouvida, nomeadamente na segunda data.

Mas essa segunda marcação, conforme decorre dos artigos 312, n.º 2, e 333, n.º 3, do CPP, só ocorre em duas situações: em caso de adiamento; ou para audição do arguido a requerimento do seu defensor.

Como nem uma coisa nem outra ocorreu, essa segunda data deixou de produzir qualquer efeito.

A verdade é que, se o defensor da arguida entendeu não dever requerer a sua audição na segunda data designada, não pode agora vir arguir a invalidade do ato por falta de audição.

Não vemos que no caso dos autos tenha ocorrido a alegada violação dos direitos de defesa da arguida, designadamente o direito de ser ouvida em audiência, não ocorrendo por isso qualquer irregularidade, nulidade ou invalidade do julgamento.

Acórdão da Relação de Lisboa de 14.9.2009, processo n.º 100744/07, refere:

«1- Seja porque o tribunal considere que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, seja porque a falta do arguido tem como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117 (nos quais se inclui a doença), a consequência é sempre a mesma: a audiência não é adiada (n.º 2 do artigo 333, do CPP).

2- Em ambas as situações o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido, pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312, n.º 2, do CPP, como resulta do n.º 3 do artigo 333, do CPP.

Vale isto por dizer que a lei equipara as duas situações para aqueles efeitos.

3- A ausência do arguido só constitui a nulidade (insanável) prevista na alínea c) do artigo 119 do CPP, pelo recorrente invocada, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.

Tal questão apenas poderia colocar -se se a Ilustre Defensora do arguido tivesse requerido a audição deste ou o tribunal a considerasse necessária para a descoberta da verdade.»

Tendo em vista o que foi o espírito das alterações introduzidas no regime processual entendemos que o que está em causa no artigo 333 do CPP é, em primeira linha, um juízo de ponderação quanto à necessidade da presença do arguido na audiência para a descoberta da verdade material.

Tendo o tribunal concluído pela dispensabilidade da presença e audição da arguida (nessa fase desconhece-se se o arguido pretende, ou não, fazer uso do seu direito ao silêncio), sendo dispensada a sua presença dentro do condicionalismo do artigo 333, sendo a arguida representada para todos os efeitos por defensor e assegurados os demais direitos de defesa da arguida, não se cometeu qualquer nulidade, nomeadamente a invocada pela recorrente.

E sendo assegurado o direito de defesa, não houve violação do preceito constitucional que tal prevê.

Pelo que nesta parte improcede o recurso.

- Impugnação dos pontos dados como provados, 10 a 17, alegando violação do art. 410 nº 2 al. a) do CPP.

Vícios do art. 410 nº 2 do CPP:

Os vícios elencados no art. 410 nº 2, do CPP, a contradição entre factos e fundamentação e na própria fundamentação, o erro notório na apreciação da prova e, ainda, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, podem ser de conhecimento oficioso, desde que se verifiquem da análise do texto da decisão.

In casu é expressamente alegado na motivação do recurso, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;

- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;

- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo;

- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).

Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.

Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz".

Como se refere no Ac. desta relação de 5-11-2008, no processo nº 268/08.4GELSB.C1, “Como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (entre outros, cfr. Acórdão de 4/10/2006, Proc. n.º 06P2678 - 3.ª Secção, em www.dgsi.pt; Acórdão de 05-09-2007, Proc. n.º 2078/07 - 3.ª Secção e Acórdão de 14-11-2007, Proc. n.º 3249/07 - 3.ª Secção, sumariados em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -Secções Criminais)”.

Assim que não se verifica este vício, antes entende a recorrente que se verifica erro de julgamento da matéria de facto, tendo em conta a prova produzida, entende a recorrente que face à prova produzida, aqueles factos, 10 a 17, não deviam ser dados como provados.

Alega a recorrente que ninguém falou no seu nome e, a única prova relevante é a existência de uma conta em seu nome.

A prova processual penal não é só a prova direta. Há modos de prova e produção de prova para além do flagrante delito.

No entendimento da recorrente dever-se-iam ter dado como não provados os factos que lhe inculcam a prática do de um crime.

O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova (ou a falta de prova) indicados pela recorrente e que esta considera imporem decisão diversa.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. No caso concreto alega a recorrente que não se fez prova, falta de prova.

Embora se trate dum direito constitucionalmente garantido -, cfr. art. 32°/1 da CRP -, não restringível em termos que ofendam o art. 18°/ 2 e 3 do mesmo diploma fundamental, o direito ao recurso encontra-se regulado pela lei ordinária nos seus pressupostos e condições de exercício por forma a que não conflitue com direitos da mesma matriz, funcione eficazmente e se desenvolva e concretize sem abusos - Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (1987), 227 a 232.

Já por diversas vezes o TC -Cfr. por todos, Ac n.º 260/2002 in DR IIª Série de 24.7.2002- afirmou que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos, desde que não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar a lesão das garantias de defesa afirmadas no art. 32°/1 da CRP .

Daí que o legislador ordinário o haja disciplinado, sem comprometer o seu regular e eficaz exercício.

Aponta-se a errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos dados como provados e que consubstanciam a prática do crime imputado.

Alega-se o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.

No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.

A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres, documentos, reconstituição) conjugada com as regras da experiência comum.

O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.

E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.

A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.

No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.

Basta que se produza prova que o tribunal tem como convincente.

No caso vertente:

A ofendida de forma convincente referiu como teve conhecimento, através da CGD, da forma como o dinheiro saiu da sua conta bancária, sendo transferido para duas contas que com a ofendida nada tinham a ver.

Como se refere na fundamentação da matéria de facto, “Essas transferências estão documentadas nos termos julgados provados a fls. 21 e 22 dos autos”.

O destino do dinheiro está documentado a fls. 44, sendo uma das contas destino, a conta bancária da arguida, conforme docs. de fls. 69 e 70 e extrato a fls. 71 e seguintes.

Na fundamentação da matéria de facto se diz, “(nesse extrato podem observar-se o dinheiro que saiu da conta da demandante cível a entrar nessa conta, assim como a utilização do dinheiro em causa)”.

Trata-se de montante significativo 19.233,00€ (quatro transferências de quase 5.000,00€ cada e, em quatro dias seguidos), de que a arguida necessariamente se apercebia e apercebeu, pois que o movimentou pouco depois da transferência

Face a estes elementos é logico e conforme às regras da experiência o raciocínio levado a cabo prelo julgador, e que o explica na motivação da sentença:

“Ora, as regras da experiência dizem-nos que entrando um montante como o que está em causa numa conta bancária de uma pessoa, a mesma facilmente se apercebe que o mesmo não é seu e, ao não o devolver, antes de imediato o gasta (conforme se pode ver nos extratos bancários), a mesma atua em relação a esse dinheiro com clara intenção de apropriação.

Não estamos a faltar de 200,00 € / 300,00 € ou mesmo 400,00 €; antes de um valor de 5.000,00 € para o arguido B... e de quase 20.000,00 € para a arguida A....

Ficamos, por isso, sem dúvidas acerca da apropriação do montante em causa por parte dos arguidos, o que julgamos como provado.

Em consequência do comportamento dos arguidos, perante o período de tempo decorrido desde que o dinheiro entrou na conta e o facto de o mesmo ter sido utilizado nos dias seguintes, não tendo havido até hoje qualquer posição dos arguidos no sentido de restituir o montante em causa, só podemos concluir - nos exatos termos em que julgamos provados - que os arguidos decidiram apropriar-se de tais quantias, que entraram nas suas contas bancárias, que sabiam que claramente não lhes pertenciam, integrando-as nos seus patrimónios”.

Esta era a única decisão plausível face ao disposto no art. 127 do CPP, pelo que a matéria de facto teve prova bastante para se darem como provados aqueles factos e, sem qualquer ponta de dúvida.

Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável (não violação do princípio in dúbio pro reo), sobre a verificação dos factos imputados à arguida.

O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira da recorrente, substituindo-se ela-recorrente ao julgador, mas tal incumbência é, apenas, deste - art. 127° CPP.

Na conjugação de toda a prova produzida e as inferências daí resultantes, partiu o julgador para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.

Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos, inexistindo violação do princípio in dúbio pró reo.

Não se evidenciando qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido em 1ª instância.

Princípio in dúbio pro reo:

A recorrente invoca expressamente a violação do princípio in dúbio pro reo.

"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido " - Figueiredo Dias in D. to Processual Penal, 1974, 211.

"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus " - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.

O que não se verifica no caso concreto.

Após a análise crítica da prova concluiu-se, e bem, por dar como provados aqueles factos, a prova foi julgada convincente, sem que restasse qualquer dúvida.

Pelo que improcede o recurso da matéria de facto.

Escolha e medida da pena:

Entende a recorrente que a pena aplicada é exagerada, entendendo ser suficiente pena de multa, convertida em trabalho a favor da comunidade.

A arguida foi condenada na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano.

Condicionada ao pagamento da indemnização civil arbitrada à demandante.

Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha da pena.

Sendo que a recorrente coloca em crise a aplicação de pena detentiva, entendendo como suficiente, “acertada”, a pena de multa e esta convertida em TFC.

Conforme art. 70 do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa (multa ou prisão), o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.» - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 497, pág. 331.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial – Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 70 do Código Penal anotado e comentado.

A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ª edição atualizada, pág. 266.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial v.g. Acórdão deste Tribunal, de 17 de Janeiro de 1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 38., pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que valorar os factos para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

A escolha da pena, nos termos do artigo 70 depende exclusivamente das finalidades da punição pelo que o julgador só deve optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial, certo é que, no caso em apreço, atentas as acentuadas necessidades de prevenção geral (cada vez se faz mais uso da informática nos movimentos de contas bancárias e pagamentos pela internet) e as necessidades de prevenção especial que o presente caso encerra, mesmo assim ter-se-á de afastar a preferência normativa, optando-se pela pena de prisão, pelo que nada há a censurar, neste particular, à decisão impugnada.

Elucida a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498., que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”

Assim que se mantem, dada a natureza do crime, a escolha da pena e a opção por pena detentiva e por só esta realizar de forma cabal as finalidades da punição.

Assim que se mantém a condenação em pena detentiva nos termos fixados na sentença, suspensa na sua execução e subordinada à condição imposta.

Só assim se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

*

Face ao exposto se há de julgar improcedente o recurso.

*

Decisão:

Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em, julgar o recurso interposto pela arguida A... totalmente improcedente e, em consequência, mantém-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pela recorrente com 4 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)
Orlando Gonçalves