Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
403/18.4T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE RESPOSTA A FACTUALIDADE ALEGADA
LOCATÁRIO
BENFEITORIAS ÚTEIS
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J. L. CÍVEL DA F. FOZ – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 615º, Nº 1, AL. C) DO NCPC; ARTº 1273º, NºS 1 E 2 DO C. CIVIL.
Sumário: i) “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente deve arguir a respetiva nulidade processual perante o juiz da causa, e não interpor recurso;

ii) A sentença só é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC, se entre aqueles e esta houver contradição lógica; não se houver eventual vício na decisão da matéria de facto, por contradição, ou se houver eventual erro de julgamento de direito;

iii) A eventual não resposta a factualidade alegada pela parte na decisão da matéria de facto não gera uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, podendo originar, sim, um vício da decisão da matéria de facto;

iv) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para o mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

v) O locatário é sempre equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada;

vi) São benfeitorias úteis a limpeza, colocação de portão e vedação em toda a volta de prédio rústico arrendado (para fim nem habitacional nem rural);

vii) As benfeitorias úteis atinentes ao portão e vedação podem ser materialmente levantadas sem detrimento para a coisa, para o prédio rústico, pelo que o pedido de pagamento do seu valor não pode ser concedido (art. 1273º, nºs 1 e 2, do CC);

viii) A benfeitoria útil da limpeza do referido terreno rústico não pode ser indemnizada no âmbito do mesmo normativo, porque consumada, e sendo insusceptível de levantamento, também queda impossível concluir que na hipótese virtual do seu levantamento haveria detrimento da coisa, do terreno rústico inculto.

Decisão Texto Integral:








I- Relatório

1. J..., residente na ... , intentou ação declarativa contra F..., residente na ... , pedindo que o tribunal decrete a cessação do contrato de arrendamento rural, por resolução, com a consequente entrega do locado, imediatamente, livre e devoluto e, bem assim, a condenação do réu no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no valor atual de 1410€ e vincendas até efetiva entrega do locado, bem como nos correspondentes juros de mora à taxa legal com o valor atual de 57,62 € e, bem assim, na realização das reparações necessárias para restituir a coisa no estado que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.

Alegou, em síntese, que ser proprietário de prédio rústico, que identificou, tendo sido reconhecido judicialmente terem as partes celebrado validamente um contrato de arrendamento rural celebrado entre o pai do aqui autor e o réu. Que desde 2016 o réu não procede ao pagamento da respetiva renda. Por fim, alega, que até à propositura da ação estão em dívida 1.410€.

O réu contestou, deduzindo as exceções da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e ineptidão da PI. Aduziu, também, que procedeu ao pagamento parcial das rendas.

Em sede de reconvenção, alegou, em suma, que o arrendamento celebrado foi ditado pela necessidade de armazenar materiais, mercadorias e ferramentas que utilizava na sua atividade de construção civil e teve necessidade de realizar trabalhos e obras, que visaram um melhor aproveitamento do terreno para os fins do contrato, com autorização do pai do autor, o que tudo perfez o montante de 24.525€. Tais obras valorizaram o imóvel em causa no valor apontado, tendo as ditas obras hoje valor de mercado idêntico e não podem ser levantadas sem detrimento do prédio.

Pediu, em consequência, a condenação do autor no pagamento daquela quantia e, bem assim, reconhecimento do seu direito de retenção.  

O autor replicou, pugnando pela improcedência da exceção de incompetência territorial e do pedido reconvencional deduzido, este com base na exceção de caso julgado, pedindo a condenação do réu, como litigante de má fé.

O réu respondeu dizendo inexistir qualquer caso julgado.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções invocadas e admitida a reconvenção.

*

A final foi proferida decisão que:

A) Julgou a ação procedente e, em consequência:

- decretou a resolução do contrato de arrendamento do prédio rústico sito em ..., reconhecido judicialmente no processo que correu seus termos sob n.º ..., por sentença datada de 01/06/2016, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ... e descrito na conservatória do registo predial de ... sob o n.º... e, consequentemente, na entrega ao A. do prédio, livre de pessoas e bens e desocupado;

- condenou o R. a pagar ao A., as rendas desde fevereiro de 2016 até à data da propositura da ação, no montante de 1410 €, acrescidas de juros vencidos no valor de 57,62 € e, bem assim, das rendas vencidas e vincendas desde essa data até ao trânsito em julgado da sentença, à razão de 60 € mensais, e respetivos juros;

- condenou o R. numa indemnização correspondente ao montante da renda – no valor de 60 € mensais - desde o trânsito em julgado até à efetiva entrega do locado.

B) Improcedente a reconvenção, absolvendo-se o A. dos pedidos contra si formulados.

C) Improcedente o pedido de condenação do R. como litigante de má fé, do qual foi absolvido.

2. O R. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

...

3. O A. contra-alegou, concluindo que:

...

II - Factos Provados  

 (…)

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objetivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade processual.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Procedência da reconvenção.

2. Defende o recorrente que existe uma nulidade da sentença,  por omissão de formalidade prescrita pela lei, designadamente por violação do art. 604º, nº 3, e), do NCPC, por a sua Patrona não ter participado na última sessão de julgamento que foi iniciada e encerrada sem que aquela pudesse levar a cabo alegações orais, o que, para efeitos do art. 195º, nº 1, do mesmo código gera uma nulidade processual com as devidas e legais consequências constantes do nº 2 deste preceito (cfr. conclusões de recurso 1. a 3.).

Se eventualmente existir a apontada omissão de formalidade, que será geradora de nulidade processual, todavia a mesma não pode ser arguida em via de recurso. Com efeito, de acordo com o conhecido aforismo “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente devia ter arguido a respetiva nulidade perante o juiz da causa, como resulta dos arts. 197º, nº 1, e 199º, nº 1, do indicado código, o que não fez. E não interpor recurso.

Não procede, pois, esta parte do recurso.

3. Afirma também o recorrente que a sentença padece de 2 nulidades, uma por contradição, prevista no art. 615º, nº 1, c), do NCPC, e outra por omissão de pronúncia, prevista na d) do mesmo número e artigo (cfr. conclusões de recurso 4. a 16.).

Na dita sentença escreveu-se que:

“Não obstante o A. identificar na PI que se trata de um contrato de arrendamento rural, o certo é que, por decisão transitada em julgada, foi considerado que as partes procederam à celebração de um contrato de arrendamento, destinando-se o local a depósito e armazenamento de mercadorias e ferramentas utlizadas pelo R. na sua atividade de construção civil, o que aliás foi reforçado pelo teor do depoimento das testemunhas ouvidas sobre tal matéria, tendo o tribunal na sentença supra aludida qualificado tal contrato como de arrendamento para fins não habitacionais, regulado pelo NRAU – art.º 26.º.

(…)

Demonstrada a validade da resolução, importa nesta sede apreciar o pedido reconvencional do R., ou seja, se lhe assiste o direito a haver o montante que alegadamente realizou em benfeitorias no valor impetrado nos autos, o que lhe confere o direito de retenção do imóvel enquanto não for satisfeito ou ressarcido do montante de 24.25,00€.

Para fundamentar o pedido reconvencional alegou, que realizou no prédio obras no valor acima referido, obras essas essenciais à prossecução da sua atividade de armazenamento de materiais de construção da sua atividade.

Prescreve o artigo 216.º do CC o seguinte:

“1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.

Consoante o benefício efetivamente obtido, as benfeitorias consideram-se necessárias, úteis ou voluptuárias (art.º 216.º/2 e 3). São necessárias as que evitam o detrimento da coisa; úteis as que aumentam a potencialidade de gozo desta.

No caso em apreço, podem considerar-se as benfeitorias como úteis, pois aumentam o nível de aptidão funcional da coisa e, em consequência, aumentam o seu valor.

“A qualificação que se atribua às benfeitorias realizadas tem como consequência a determinação do correspondente modo de compensação: indemnização diretamente fundada no art.1273º, n.1, 1ª parte (benfeitorias necessárias) ou direito de levantamento das benfeitorias sem detrimento da coisa (benfeitorias úteis), o qual é legalmente convolado em direito indemnizatório, segundo as regras do enriquecimento sem causa, quando o levantamento cause detrimento da coisa (art.1273º, n.2)”.

Sucede, porém, que o R. não só não provou que tivesse efetuado as obras que alega e os valores despendidos 24.525,00€, como também não provou que as alegadas benfeitorias não aumentaram o valor do imóvel.

Com efeito, efetuada a perícia, concluíram os Sr.s peritos ( relatório de peritagem de fls. 99 e ss) o edificado no terreno se trata de “ (…) um conjunto de construções bastante degradadas, de execução precária e que poderão ser consideradas de risco para a saúde pública, não sé pela sua natureza como pelo seu mau estado de conservação”.

Na resposta ao n.º 20 – fls. 110 do relatório pericial- na qual se perguntava se as obras permitiram melhorar e conservar o prédio foram os Sr.s peritos unânimes na resposta de que “ “(…) não concluem que as obras conservem e melhorem o prédio, tendo em conta que “tais obras” se encontram em deficiente estado de conservação (…).”

Outrossim, não se tendo provado que o A. tenha tido conhecimento ou consentido, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelo R., sempre seria equiparado ao possuidor de má fé – art. 1046.º do CC, ao que acresce que “Dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da demonstração, pelo locatário, que do levantamento das benfeitorias resulta detrimento para o locado e da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, carece de base legal o pretenso direito de indemnização deduzido pelo locatário”. (Ac. RC de 23/1/2007 in www.dgsi.pt).

Assim, pelas razões supra expostas, entendemos não existir no caso em apreço direito a qualquer indemnização.

E, mesmo a entender, por mera hipótese académica, que o contrato celebrado pelas partes se tratava de um arrendamento rural – o que, como acima exposto não é, já que o seu fim está relacionado com armazenagem de matérias de construção do R.-, …

(…)

 Por seu turno, não merece acolhimento, pelas razões acima expostas o pedido reconvencional deduzido pelo R.- indemnização por benfeitorias- e como tal insubsistente se mostra o propalado direito de retenção.”.

3.1. O referido normativo, na sua c), 1ª parte, estabelece que a sentença é nula se os seus fundamentos estiverem em oposição com a decisão.

É o que o apelante defende (conclusões 4. a 10.), por a mesma evidenciar premissas antagónicas e inconciliáveis no que respeita à factualidade provada e à fundamentação de facto e de direito e consequente decisão, no tocante à improcedência do pedido reconvencional do R., já que o tribunal a quo dá como provado o teor do ponto facto 11. mas na sua motivação de facto e direito vem referir que o R. não provou que tivesse efetuado as obras que alega, o mesmo acontecendo relativamente à limpeza do terreno levada a cabo pelo R., que o tribunal deu como provado no facto 12. mas, por outro lado, sua motivação de facto e direito vem referir que o R. não provou que tivesse efetuado as obras que alega. Mas não tem razão. Expliquemos.

Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (vide Lebre de Freitas, em A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 333).

Ora, na sentença recorrida, acima transcrita, explanou-se na fundamentação jurídica que o recorrente não tinha direito a indemnização por benfeitorias e assim se decidiu a final, julgando improcedente tal pedido. Assim, sendo a sentença coerente entre os fundamentos e o decidido não há contradição alguma.

O que se verifica é que o recorrente confunde as diversas realidades jurídicas que podem ser equacionadas. Na verdade, a existir eventual contradição na motivação do julgador relativamente à decisão da matéria de facto – fez não fez as obras, como o apelante aponta -, então estaríamos perante um vício dessa decisão de facto, por contradição, que só afectaria esta última decisão, mas nunca perante uma nulidade da sentença. E a existir eventual contradição na motivação do julgador relativamente à fundamentação de direito – feitura ou não feitura de obras, como o apelante aponta -, e seu reflexo na subsequente tomada de decisão, então aqui estaríamos perante um erro de julgamento, que só afectaria a decisão final, mas nunca perante uma nulidade da sentença.

Indefere-se, pois, a acusada nulidade.  

3.2. O outro referido normativo, na sua d), 1ª parte, estabelece que a sentença é nula se o juiz deixar de se pronunciar sobre as questões que devesse apreciar.

É o que o apelante defende (conclusões 11. a 16.), por o julgador de facto nenhum valor ter atribuído às obras/melhoramentos provadas sob 11. e 12., o que se lhe impunha por se tratar de matéria trazida aos autos pelas partes. Mais uma vez sem razão.

Ora, como ensina Lebre de Freitas (ob. cit., 334) só se produz tal nulidade quando o juiz deixe de conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é de todos os pedidos deduzidos, e de todas as causas de pedir e excepções invocadas (e de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer). 

No nosso caso, o tribunal recorrido conheceu da existência e do mérito do pedido reconvencional – conforme transcrição efetuada acima -, pelo que é patente que a arguida nulidade não se verifica.

Mais até. Efetivamente, o tribunal conheceu da matéria referida pelo recorrente, pois deu por não provado os valores que o mesmo alegara relativamente ao portão e limpeza de terreno (cfr. os factos não provados atrás indicados, sob o primeiro e segundo travessão).

Indefere-se, mais uma vez, a acusada nulidade.

4. O apelante impugna a decisão da matéria de facto relativamente aos factos não provados anteriormente indicados sob o terceiro, quinto e sexto travessão, pretendendo que eles passem a provados, com base nos fundamentos probatórios mencionados nas conclusões de recurso 17. a 29.

Na motivação da decisão da matéria de facto a julgadora exarou que:

“Quanto à matéria de facto que não obteve o merecimento o da prova, tal adveio da circunstância de grande parte da prova testemunhal produzida se ter mostrado contraditória, em alguns casos inverosímil, sendo os depoimentos das testemunhas do R. muito empenhados na versão aos autos por aquele trazida, sem que os mesmos se fossem suportados – no que toca a à quantia despendida e peticionada- por qualquer prova documental, designadamente faturas ou recibos, pelo que tais testemunhos não se nos afiguraram isentos e credíveis e, por conseguinte, sem a virtualidade de criar no tribunal – com elevado grau de probabilidade ou certeza bastante- a convicção de que os factos alegados correspondem à realidade .

Avulta, ainda, neste conspecto o resultado da perícia plasmado no relatório de fls. 100 e ss.

(…)

No que tange aos melhoramentos e obras realizadas pelo R., as testemunhas apresentaram, como acima já referido, depoimentos divergentes acerca das construções e vedações existentes antes o arrendamento e as erigidas pelo R..

As testemunhas do A. declararam que as construções no terreno já existiam no tempo em que o pai do A. o agricultava, que inclusivamente chegou lá a viver com a sua companheira.

Tal foi perentoriamente afirmado pela testemunha ... - amigo do pai e do A. há 40 anos - que frequentava o terreno, explicando que foi o pai do A. que edificou os vários barracões existentes e anexos, onde faziam criação de animais e guardavam palha, sendo ele quem também vedou o terreno – com redes de pescadores, admitindo que o R. possa ter “remendado qualquer coisa”, e que os barracões para a estrada são novos.

(…) – cuja mãe viveu com o pai do A. mais de 10 anos-afirmou que todas as construções e vedações já existiam.

(…)

Quanto ao depoimento de F... – que foi trabalhador do R. na empresa de construção civil e limpou o terreno há 19 anos- afirmou ter andado lá a trabalhar no terreno – com outros dois homens que já faleceram- que o R. colocou rede malha sol, um portão e chapas de zinco, todavia não logrou dizer o valor do material colocado (até porque, como referiu, algum material eram restos de obras).

A testemunha ... – que trabalhou para o R. até 2004, durante 2 anos-, afirmou te colocado chapas de zinco estacaria vigas de cimento, não logrando dizer quanto recebeu por esse trabalho efetuado nem o valor dos materiais, afirmando contudo que o portão foi dado ao R. por alguém e que foi o próprio que o carregou.

(…) Por seu lado J... - sobrinho da ... que viveu em união de facto com o pai do R.- afirmou, quando confrontado com as fotografias 5 a 7 (fls. 103), que todas as construções correspondem ao existente no tempo em que a tia era viva, tendo apenas sido colocado um portão e vedação na frente do terreno, sendo que a anterior era feita de arame e estacas de madeira.

(…)

Da conjugação dos depoimentos e face à contradição entre os mesmos, não logrou o tribunal apurar que obras foram feitas pelo R. (com exceção da colocação do portão de ferro que a maioria das testemunhas ser diferente do que já existia) – já que algumas testemunhas afirmaram que todas as construções erigidas já existiam no tempo do pai do A., afirmando outras que foram feitos alguns acrescentos. Ficando o tribunal na dúvida sobre os factos que suportam a reconvenção do R. e cuja prova sobre ele impendia, a mesma haverá que se julgada ”não provada”.

Por outras palavras, não carreando o R. prova que permita formar convicção segura quanto à realização de obras alegadas e quais foram essas obras, a dúvida sobre a realidade dos factos - constitutivos do direito que o R. se arroga contra o A.- sempre teria que ser resolvida contra aquele (R.), porquanto é a quem o facto aproveita (art.º 414.º do CPC).”

4.1. Quanto aos factos não provados, sob o quinto e sexto travessão é irrelevante a dita impugnação, pois permaneçam não provados ou passem a provados nenhuma influência podem ter no mérito do recurso ou no mérito da causa.

Na verdade, tenham ou não as obras sido realizadas no tempo do anterior proprietário do prédio arrendado, pai do A., e tendo o pai do A. conhecimento da realização das mesmas, que nelas consentiu, dando expressa e inequívoca autorização (conclusões de recurso 24. a 29.), isso não altera a qualificação do locatário como equiparado ao possuidor de má fé relativamente às benfeitorias feitas, como decorre expressamente do disposto no art. 1046, nº 1, do CC. Razão pela qual para este efeito o R./recorrente locatário será imperativamente considerado possuidor de má fé para o fim de ressarcimento das que tenha feito, nos termos dos arts. 1273º e 1275º do mesmo diploma substantivo. 

Ora, é apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura atividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objetivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados, será irrelevante ou insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

No nosso caso verifica-se que os mencionados factos não têm importância para o recurso do R. e para a solução jurídica da causa, como atrás dissemos.

Considerando o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pelo R. visa factos que acabam por se tornar irrelevante para o seu recurso, então a referida impugnação tem de ser indeferida, relativamente à apontada factualidade.

4.2. Quanto ao facto não provado sob o terceiro travessão (conclusões de recurso 17. a 23.), o mesmo se passa, pois acaba por ser irrelevante a dita impugnação, já que mesmo que passasse a provado nenhuma influência pode ter no mérito do recurso ou no mérito da causa.

Como iremos justificar no ponto infra seguinte (o 5.).

5. No respeitante à fundamentação jurídica, antes transcrita, o recorrente discorda, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso 30. a 39., pretendendo a procedência parcial do seu pedido reconvencional (conclusão 42.).

Argumenta que o tribunal incorreu em erro no regime jurídico aplicável ao aplicar a Lei do Arrendamento Rural.

Ora, isso não é verdade, pois resulta claramente da motivação de direito apresentada, acima transcrita, designadamente do primeiro parágrafo, que se considerou estar-se perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, regulado pelo NRAU – art. 26º. O que se voltou a reiterar, designadamente, no penúltimo parágrafo, de tal motivação jurídica, atrás transcrita. O recorrente é que, por falta de atenção ou outra, leu mal.    

Finalmente importa verificar se procede parcialmente o pedido do R./reconvinte.

Estão em jogo três verbas, relacionadas com o portão, vedação e limpeza do terreno.  

O contrato realizado pelo R. foi motivado pela necessidade de um espaço onde pudesse colocar e armazenar vários materiais, mercadorias e ferramentas que utilizava na sua atividade de construção civil (facto provado 10.).

É perfeitamente natural, por conseguinte, que essas obras e trabalhos visassem um melhor aproveitamento do terreno para os fins do contrato, na medida em que alguns materiais que o R. ali guardasse tivessem de ser guardados e protegidos de “visitantes alheios” ou dos efeitos negativos da natureza sobre tais materiais, como vento e chuva, e outros, sob pena do seu detrimento.

Trata-se, por isso, de benfeitorias, nos termos do art. 216º, nº1, do CC, supra citado. Todas úteis, nos termos do mesmo artigo, seus nºs 2. e 3., porque colocar um portão ou vedação num prédio rústico arrendado, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor, o mesmo resultando para a limpeza do mesmo, visto que tal trabalho não pode ser considerado uma benfeitoria necessária, pois a limpeza de um terreno rústico, do seu mato e das suas silvas, arrendado (para fim nem habitacional nem rural) não tem por fim, obviamente, evitar a perda, destruição ou deterioração desse terreno rústico.

Sendo todas úteis, como apontado na sentença sob recurso, o reconvinte tinha direito, nos termos do art. 1273º do CC, ao levantamento das benfeitorias úteis realizadas no prédio rústico, desde que o possa fazer sem detrimento do aludido prédio (nº 1 do preceito), ou a receber o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, quando o levantamento cause detrimento da coisa (nº 2 da mesma norma).  

Embora não se tivesse provado o valor concreto do portão, alegado pelo reconvinte, como antes se sublinhou, e provado que este ali o colocou, podia o mesmo vir a ser, eventualmente, ressarcido, mediante a condenação do A./reconvindo no que se liquidasse em sentença, nos termos do art. 609º, nº 2, do NCPC.  Também não provado o valor da vedação, alegado pelo reconvinte - como resulta do facto não provado sob o quarto travessão acima elencado -, podia o mesmo, do mesmo modo, vir a ser ressarcido, mediante tal condenação em liquidação de sentença, caso se tivesse dado por provado que o reconvinte procedeu à mesma em toda a volta do prédio locado.

Tudo depende/dependia, portanto, da possibilidade natural e real do levantamento das benfeitorias ou não.

É materialmente possível levantar as benfeitorias respeitantes ao portão e vedação, sem detrimento do prédio rústico arrendado.

O mesmo não acontece com a limpeza do prédio, porque realizada e consumada não se pode naturalmente afirmar que tal benfeitoria pode ser levantada, mas também não se pode concluir que na hipótese virtual do seu levantamento haveria detrimento da coisa, do terreno rústico inculto. Assim, aqui neste caso, não há possibilidade de indemnização com base no referido art. 1273º do CC. 

De maneira que para o reconvinte receber o valor das benfeitorias respeitantes ao portão e à vedação (caso se tivesse provado a construção da mesma) teria de alegar e provar (art. 342º, nº 1, do CC) que o seu levantamento causava detrimento da coisa, detrimento do prédio rústico. No entanto não se provou este facto, como resulta do elenco dos factos não provados, sob o sétimo travessão (neste momento se percebendo e justificando o não conhecimento da impugnação da decisão de facto relativo ao facto não provado sob o terceiro travessão, como referimos no ponto 4.2. supra).

Portanto, o apelante/reconvinte não pode ser indemnizado por estas duas benfeitorias, atinentes ao portão e eventual vedação.

Podia ter direito ao seu levantamento, porém, não peticionou nesse sentido no seu pedido reconvencional, pelo que agora em recurso não pode ser concedido tal direito. 

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente deve arguir a respetiva nulidade processual perante o juiz da causa, e não interpor recurso;

ii) A sentença só é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC, se entre aqueles e esta houver contradição lógica; não se houver eventual vício na decisão da matéria de facto, por contradição, ou se houver eventual de julgamento de direito;

iii) A eventual não resposta a factualidade alegada pela parte na decisão da matéria de facto não gera uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, podendo originar, sim, um vício da decisão da matéria de facto;

iv) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para o mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

v) O locatário é sempre equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada; 

vi) São benfeitorias úteis a limpeza, colocação de portão e vedação em toda a volta de prédio rústico arrendado (para fim nem habitacional nem rural);

vii) As benfeitorias úteis atinentes ao portão e vedação podem ser materialmente levantadas sem detrimento para a coisa, para o prédio rústico, pelo que o pedido de pagamento do seu valor não pode ser concedido (art. 1273º, nºs 1 e 2, do CC);

viii) A benfeitoria útil da limpeza do referido terreno rústico, não pode ser indemnizada no âmbito do mesmo normativo, porque consumada, e sendo insusceptível de levantamento, também queda impossível concluir que na hipótese virtual do seu levantamento haveria detrimento da coisa, do terreno rústico inculto.  

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.  

Custas pelo R./recorrente.

                                                                       Coimbra, 15.12.2021

                                                                       Moreira do Carmo

                                                                       Fonte Ramos

                                                                       Alberto Ruço