Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/08.5GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: PRINCÍPIO DE INVESTIGAÇÃO
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 127ºE 410º DO CPP
Sumário: 1.Sob pena de se verificar o vício previsto na al.a) do nº2 do artigo 410º do CPP, nessa parte, o tribunal da 1ª instância deve fazer a investigação plausível de fazer relativamente aos factos que possibilitem escolha e medida da pena.
2. Se da indagação referida no número anterior, não resultar aquele apuramento, deve ser claro na motivação da matéria de facto que o tribunal fez as diligências que podia e devia fazer, no caso.
3.Quando o julgador da 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, porque a opção tomada se funda na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a deverá censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada viola as regras da experiência comum.
Decisão Texto Integral: 20

Relatório:
I.1. O Ministério Público deduziu acusação em Processo comum por tribunal singular, contra:
J casado, mecânico, filho de F e de M, nascido no dia 19…de 1981 na Lousã, residente…
a quem imputa os factos descritos na acusação, integrativos da prática de,
- UM CRIME DE CONDUÇÃO DE VEICULO A MOTOR SEM HABILITAÇÃO LEGAL p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 do Decreto-Lei n.°2/98 de 3 de Janeiro (por referência aos artigos 106°, 121°, 122°, n° 1 e 123° do Código da Estrada)
- UM CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEICULO AUTOMÓVEL p. e p. pelo artigo 291°, n. ° 1, alínea b) do C.Penal
- UM CRIME DE DESOBEDIÊNCIA QUALIFICADA, p. e p. pelos artºs 22°, n.° 1 e 2 do DL 54/75, de 12/2 e 348°, n.º1 e 2 .
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Na segunda sessão de julgamento alterou-se a qualificação jurídica dos factos, prosseguindo aos autos pelo crime de desobediência simples, p. e p. pelo art.º 348º, n.º1, al. b) do C.Penal.

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Realizado o julgamento, o tribunal recorrido, decidiu:
1. Condenar J. em autoria material e sob a forma consumada, num crime de condução de automóvel sem habilitação legal, p. p. no art.º 3°, nº1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 24 meses de prisão, em concurso real com um crime de desobediência simples, p. e p. pelo art.º 348°, nº 1, al. b) do C.Penal, na pena de 10 meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 30 meses de prisão, absolvendo-o do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
2. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo.

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I. 2. Inconformado com tal decisão, o arguido, interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:
“1 - A convicção do Tribunal o quo para a decisão que tomou sobre a matéria de facto, não deu nenhuma credibilidade às declarações do arguido que, para além da confissão integral e sem reservas que fez dos factos constantes da acusação pública, e em instâncias do seu defensor, referiu encontrar-se arrependido da prática dos factos constantes da acusação pública e da sua disposição para não mais voltar a praticar tais crimes.
2 - Da mesma forma, não foram valorizadas as declarações do arguido na parte em que não confessou os factos correspondentes ao crime de que vinha igualmente acusado e do qual foi absolvido - crime de condução perigosa de veiculo automóvel, p. e p. pelo artº 291º, nº 1, al. b) do C. Penal; declarações essas inteiramente corroboradas pelas testemunhas, agentes da GNR. (cfr. Gravação áudio, declarações da testemunha (início) l0h:43m:05s a l0h:51m:12s (fim) - 06m33s a 07m15s e cfr. Gravação áudio, declarações da testemunha (inicio) l0h:52m:24s a l0h:57m:30s (fim) - 02m34s a 02m42s)
3 - Assim, a confissão do arguido, ora recorrente, foi muito subvalorada, quando na realidade estava a espelhar o sincero arrependimento daquele, conforme transcrição das declarações daquele. (cfr. Gravação áudio, declarações do arguido (inicio) l0h:28m:49s a l0h:42m:29s (fim) – l0m00s a l0m45s)
4 - De igual modo, não foi atendida pelo Tribunal" a quo", a postura verdadeira e colaborante do arguido, confirma afirma o próprio Meritíssimo Juiz nas suas declarações. (cfr. Gravação áudio, declarações do arguido (inicio) 11h:05m:23s a 11h:08m:03s (fim) - 06m30s a 07m29s)
5 - Entende também o ora recorrente que o tribunal "a quo", não avaliou devidamente a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua actual conduta, de forma a que conjugando todas estas vertentes pudesse alcançar um prognóstico favorável, uma confiança nas virtualidades da simples ameaça da pena de prisão efectiva/penitenciária, atente-se aqui às declarações transcritas da testemunha F e do próprio arguido. (cfr. Gravação áudio, declarações da testemunha (inicio) l0h:52m:24s a l0h:57m:30s (fim) - 03m52s a 04m09s e cfr. Gravação áudio, declarações do arguido (inicio) 11h:35m:24s a 11h:08m:03s (fim) - 00m0ls a 00m30s)
6 - Tendo descurado todos os outros que acima tivemos oportunidade de demonstrar nomeadamente, personalidade do arguido, atitude verdadeira e colaborante, arrependimento e intenções de dar novo rumo à sua vida - não se encontrando por conseguinte munido de factualidade objectiva, imparcial e suficientemente capaz de sustentar tal subsunção.
7 - Com o devido respeito que nos merece, e é muito, o Tribunal "a quo", apenas e tão só se baseou na confissão do arguido, de modo a poder subsumi-la aos tipos legais de crimes de condução de automóvel sem habilitação legal, p. e p. no art.º 3º, nº 1 e 2 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro e crime de desobediência simples, p. e p. pelo art.º 348º, nº1, al. b) C. Penal, como efectivamente fez, quando, e sem querer por em causa o principio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, dá como assentes por provados os factos constantes da Douta acusação pública, e outros como os factos de arguido se encontrar sujeito à medida de coação de sujeição à obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica, de ter família e de viver em casa de sua mãe.
8 - No caso em análise, a sentença ora recorrida assentou, como já se referiu, única e exclusivamente na convicção do Meritíssimo Juiz a quo, que lhe foi transmitida pela confissão do arguido, corroborada pela prova testemunhal - seja nos crimes a que foi condenado, seja no que foi absolvido -, apenas e tão só relevaram as declarações do arguido em sede de confissão dos factos, já não lhe merecendo igualou qualquer credibilidade quer o que acima foi referido, nomeadamente à verdade das declarações sobre os factos não praticados.
9 - Ora, ao descredibilizar por completo o depoimento do arguido, na parte em que foi para além dos factos presentes na acusação pública que havia confessado e dos quais foi condenado, mais não fez o tribunal "a quo" do que uma apreciação arbitrária e discricionária da prova produzida.
10 - Deve-se procurar resguardar a integridade física e moral do arguido da restante comunidade prisional, onde não existe qualquer separação dos seus elementos com base na natureza dos crimes por si praticados, constituindo os estabelecimentos prisionais verdadeiras "universidades do crime", com as mais variadas "especializações", para alem de que o arguido é socialmente útil, pretendendo continuar a viver com a sua família. (cfr. Gravação áudio, declarações do arguido (inicio) 11h:35m:24s a 11h:08m:03s (fim) - 00m01s a 00m30s)
11 - No âmbito do Processo nº /08.1GCLSA, em cúmulo jurídico, foi aplicada ao arguido uma "pena única de 18 meses de prisão determinando-se que a mesma seja executada em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (artº 44, nº 1 e 2 do C. Penal)" (fls. 184 e ss.)
12 - Ora, esta audiência foi realizada no dia 23/12/2008 - portanto, depois do arguido ter praticado os crimes que vinha acusado no presente processo, isto é, em 27/03/2008.
13 - Logo, a fundamentação da pena aplicada na altura (em 23/12/2008), terá que ser a mesma a aplicar no presente processo, pois, os factos de que vem acusado, e pelos quais foi condenado, tinham sido já praticados.
14 - Referindo a mesma: "(…)Tendo em atenção que o arguido estando já a cumprir pena de prisão parece ter percebido a gravidade dos seus actos e as consequências que os mesmos têm, e sendo certo que o legislador tem vindo a tomar uma posição clara de incentivo a medidas de cumprimento de pena que não careça do encarceramento efectivo do arguido, tanto mais que em penas reduzidas de prisão não se justificará a retirada do arguido do seu meio familiar quando este existe como no caso em apreço e lhe permite dar algum apoio nesta fase da vida do arguido, não pode o tribunal deixar de colocar em equação a aplicação ao arguido do disposto no art.º 44º do C. Penal."
15 - E continua: "(…) No caso em apreço tendo em atenção a natureza do crime e as circunstancias actuais supra referidas e a percepção de que o arguido com o inicio do cumprimento da pena de prisão aplicada tomou consciência da gravidade dos seus actos, entende o tribunal que o cumprimento da pena de prisão nestes termos é a mais indicada às finalidades da punição que lhe são inerentes, sendo a mesma também suficiente.
Nestes termos, determino que a pena de prisão aplicada seja executada em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância."
16 - Ora, e como supra se referiu, se os crimes praticados no âmbito do processo de cuja decisão se recorre já haviam sido praticados pelo arguido aquando da decretação da douta decisão que agora se transcreveu, não seria de aplicar a igual decisão nos presentes autos? Quer parecer ao arguido que sim.
17 - No âmbito desse mesmo processo, vem o vem o próprio Coordenador da D. G. Reinserção Social, mencionar: "(…) Até ao momento a execução da presente pena tem decorrido com normalidade, não havendo conhecimento ou registo de qualquer violação.
Recentemente o condenado contactou esta equipa no sentido de poder vir trabalhar, em pequenas reparações em automóveis, numa faixa de terreno junto à sua residência ( ... )"
18 - Dado a seguinte Avaliação: "É opinião destes serviços que o exercício da pretendida actividade é compatível com a execução da presente pena, podendo constituir-se como um factor importante no seu processo de reinserção social."
19 - Logo, apesar de aos crimes praticados pelo arguido ser aplicável pena de prisão penitenciária, mas, considerando a sua idade, ter família (menores que necessitam de ser sustentados), o que fez interiorizar melhor o desvalor de tais tipos de comportamentos e a necessidade de dar novo rumo à sua vida, levando-o futuramente a agir de acordo com as normas sociais, pelo que deveria ter sido aplicada ao arguido - tal como no processo nº 71/08.1GCLSA - uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica.
20 - Pena que tem cumprido até à data sem qualquer revés, contrariedade e/ou contratempo.
21 - Assim, está factualmente incorrecto o dito em douta sentença "só o cumprimento da pena de prisão efectiva poderá obstar à repetição de novos factos criminosos por parte do arguido".
22 - Como o próprio Coordenador da D.G. de Reinserção Social refere, aplicando ao arguido uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica, ocorrem vantagens para a reinserção social do arguido/recorrente.
23 - Prescrevendo o artigo 127º do C. P. Penal que: "Salvo quando a Lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente", consagra o princípio da livre apreciação da prova em processo penal, que, nas palavras de CASTANHEIRA NEVES (Revista Min. Público, Ano 19,40), trata-se de uma liberdade para a objectividade.
24 - O principio da livre apreciação da prova em processo penal, dado tratar-se "de uma liberdade para a objectividade", não deve confundir-se, de modo algum, com apreciação arbitrária da mesma, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador, tendo com pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica e nunca critérios meramente subjectivos.
25 - Sendo contudo um dos limites ao referido princípio, a confissão integral e sem reservas do arguido.
26 - Resultando, clara e inequivocamente, uma inadequada aplicação da matéria de facto à escolha da medida a aplicar ao arguido.
27- Assim, com o devido respeito, entende o arguido recorrente terem sido incorrectamente aplicados os artºs 40º, 43º e 71º do Código Penal.
28 - Porquanto, a determinação da pena terá de ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
29 - Ora, essas exigências de prevenção (gerais e especiais) encontram-se devidamente acauteladas com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica.
30 - Pois, e como supra explanado, os bens jurídicos que se pretendem proteger encontram-se já devidamente tutelados com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica.
31 - E, a pena a ser aplicada ao arguido deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso.
32 - Sendo, sem dúvida, esta - pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica - a melhor pena para uma futura reintegração do arguido na sociedade.
33 - Defendendo-se, assim, convenientemente a sociedade.
34 - Bem como prevenindo-se a prática de crimes por parte do arguido.
35 - Assim, e atendendo às condições acima plasmadas, nomeadamente, ao actual modo de vida do arguido e à necessidade de futura reintegração do arguido na sociedade, concluindo-se que a mera ameaça de prisão efectiva/penitenciária realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
36 - Razão pela qual deveria ser aplicada ao arguido uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se a pena aplicada por uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”
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I.3. Admitido o recurso, veio o ilustre Magistrado do Ministério Público oferecer a resposta, onde doutamente sustenta (transcrito):

“Cremos poder resumir da seguinte forma as razões da sua discordância com aquela pena, fixado que está o objecto do recurso pelas Conclusões supra transcritas (a pecar, a nosso ver desde logo e salvo o devido respeito, por demasiado extensas e repetitivas):

- Valoração pelo Senhor Juiz a quo da confissão/declarações do arguido apenas e tão só para o condenar pelos crimes de condução sem habilitação legal e desobediência (que confessou), menosprezando-as depois ao não conferir credibilidade ao arrependimento que manifestou e à sua disposição para não mais voltar a delinquir, bem como à sua não admissão dos factos que na acusação consubstanciavam um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário pelo qual veio a ser mais tarde absolvido mas com base nas declarações das testemunhas.
- Não valoração pelo tribunal a quo da postura verdadeira e colaborante e da personalidade do arguido, das condições da sua vida, da sua actual conduta.
- Ao descurar todos esses elementos o tribunal não estava munido de factualidade objectiva, imparcial e suficientemente capaz de sustentar a decisão e fez inadequada aplicação da matéria de facto à escolha da pena a aplicar ao arguido.

- Tendo o arguido sido condenado no processo nº71/08.1GCLSA, em cumulo jurídico, por sentença transitada em julgado a 23.12.2008, na pena única de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, igualmente se impunha que nos presentes autos ao arguido fosse aplicada pena de prisão em idêntico regime uma vez que os crimes objecto dos presentes autos foram anteriormente praticados (27.03.2008), sendo idêntica a respectiva fundamentação.
- Tanto mais quanto o Coordenador da DGRS que acompanha o cumprimento daquela pena tem informado aquele processo que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica tem decorrido com normalidade, sem conhecimento ou registo de qualquer violação, e que o arguido pediu autorização para poder trabalhar em pequenas reparações automóveis num terreno anexo à sua residência, tendo tal pretensão sido considerada compatível com a execução da pena e factor de reinserção social do arguido.
Vejamos.
Na sentença colocada em crise, no elenco dos Factos Provados considerou o Mº Juiz os seguintes, no que à apreciação das questões suscitadas nos parece relevar:

"( ... )
É casado e tem três filhos, pagando de prestação alimentar a quantia de 200 Euros mensais.
Vive em casa da mãe.
Tem o 7° ano de escolaridade.
O arguido foi condenado sete vezes pela prática de um crime de condução de veiculo a motor sem habilitação legal, sendo um em concurso com um crime de condução perigosa e outro pelo crime de desobediência.
As últimas condenações datam de 28.03.2008, data em que foram proferidas as sentenças de condenação. "

E mais concretamente no excerto destinado à escolha e determinação da medida concreta da pena, ponderou ainda o Senhor Juiz o seguinte:

- "No caso concreto, as exigências de prevenção especial obstam à opção pela pena de multa, uma vez que o arguido tem diversas condenações pela prática do crime de condução de veiculo motorizado sem habilitação legal e desobediência, sendo certo que nem o facto de á data dos factos estar a aguardar a leitura de duas sentenças penais o levou a alterar a sua conduta.
(…) opta-se pela pena de prisão que é a única sanção penal que satisfaz as exigências inerentes à punição.
(…) No caso em apreço constata-se que é elevada a culpa do arguido porquanto o mesmo não obstante já ter condenações anteriores pela prática do mesmo crime, ainda assim foi indiferente a tais condenações e conduziu a viatura em questão, um dia antes de ir a tribunal ouvir duas sentenças condenatórias, o que revela um total desrespeito e indiferença para com as anteriores condenações e a sua situação juridico-penal.
(…) o arguido tem antecedentes criminais pela prática dos mesmos crimes, tendo já sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução e mesmo cumprida em regime de permanência na habitação.
Tudo ponderado, tem-se por proporcionado, adequado e suficiente condenar na pena (…) única de 30 meses de prisão."

Por outro lado não pode deixar de se extrair do certificado de registo criminal (junto aos autos fls. 104 a 113) com utilidade que o arguido foi condenado:

Factos: 13. 06. 2001/sentença t.j. 9.10.2002 (condução sem habilitação)
Factos: 7.09.2001/sentença t.j.23.10.2002 (condução sem habilitação legal - cumpriu pena de prisão subsidiária)
Factos: 20.08.200l/sentença t.j. 11.11. 2002 (condução sem habilitação legal)
Factos: 22.11.2002 - desobediência /sentença t.j. 18.04.06 (pena de prisão suspensa) Factos: 28.09.2005 - violência doméstica Tribunal Francês - sentença condenatória 10.03.2006, pena de prisão com regime de prova
Factos: 25.03.2006/ sentença t.j. 8.06.2007 condução sem habilitação legal e condução perigosa (multa)
Factos: 08.2006/sentença t.j.16. 07. 2007 (condução sem habilitação legal - pena de prisão substituída p. TFC)
Factos: 22.12.2006/sentença t.j.14.01.2008 (condução sem habilitação legal- pena de prisão subst. TFC)
Factos: 6.03.2008/sentença t.j.17.04.2008 (condução sem habilitação - 14 meses de prisão) proc. 71/08.1GCLSA
Factos: 27.02.2008/sentença t.j.17.04.2008 (condução sem habilitação -14 meses de prisão) proc.108/08.4GBLSA
Decisão que operou cúmulo jurídico de penas no processo nº71/08 transitada em julgado a 23.12.2008, condenou o arguido em 18 meses pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica (certificado de fls.113).
Factos dos presentes autos - cometidos a 27.03.2008.
Se temos como seguro que nenhuma razão assiste ao recorrente quanto á não valorização/credibilização integral pelo Senhor Juiz a quo do depoimento que o arguido prestou em audiência de julgamento, maxime quanto a um pretenso arrependimento e afirmação de não voltar a cometer crimes, na medida em que, além do abundante passado criminal do arguido demonstrar cabalmente não ser propriamente essa a sua postura perante a vida e a lei, não bastam afirmações de principio sendo necessário, in casu até imperioso, que o arguido demonstrasse activamente esse arrependimento e essa sua predisposição, por exemplo comprovando nos autos que já se inscreveu numa Escola para tentar tirar a carta de condução. E não o fez, sendo certo que já comete o crime de condução sem habilitação legal desde o longínquo ano de 2001, numa escalada de penas, a não surtirem qualquer efeito dissuasor.
Acresce que, além do arguido não estar obrigado a falar com verdade, ou melhor das suas mentiras não retirar a lei penal quaisquer consequências legais, maxime em termos de responsabilidade criminal, e de assim poder “escolher dizer”que melhor servir á sua estratégia de defesa, a sua confissão parcial dos factos foi-o na estrita medida em que não lhe restavam grandes alternativas à confissão: o crime de condução sem habilitação legal estava documentalmente comprovado; do mesmo modo, a desobediência traduzida na condução de um veiculo que lhe tinha sido apreendido e do qual era fiel depositário!
Portanto, nesta sede diríamos, o Senhor Juiz deu às declarações do arguido em audiência de julgamento o valor e credibilidade que elas mereciam ...
Se a sentença não peca por aí, já nos merece no entanto alguma reflexão a ultima critica que o recorrente lhe move - que o senhor Juiz não considerou a decisão por Ele próprio proferida no processo nº71/08.1GCLSA, transitada em julgado a 23.12.2008, e constante do certificado de registo criminal junto aos autos, nos termos da qual o arguido foi condenado em cumulo jurídico de penas na pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica -, muito embora nos pareça imperfeitamente equacionada em termos estritamente jurídicos e com recurso a elementos estranhos aos presentes autos.
Na verdade, desde logo não pode o recorrente nesta sede socorrer-se de uma decisão/sentença nem de informações da DGRS relativas ao cumprimento de uma pena num outro processo que não constam dos autos para pôr em crise a sentença aqui proferida, sendo nessa perspectiva irrelevante tudo o que a esse propósito tece.
Pode sim, demonstrar que tal sentença e tais relatórios eram de crucial importância para a decisão da matéria de facto pelo Senhor Juiz, pois que constando tal condenação do certificado de registo criminal do arguido junto ao processo, o Senhor Juiz a quo o não examinou como devia nem dele retirou todas as consequências devidas, nomeadamente solicitando certidão daquelas peças processuais ao processo nº71/08, padecendo nessa perspectiva a sentença de insuficiência da matéria de facto para a decisão concretamente tomada, maxime para a determinação da pena concretamente aplicada ao arguido.
De facto, impressiona-nos sobremaneira o facto de tal decisão que condenou o arguido em cumulo jurídico de penas na pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, ter transitado em 23.12.2008, ser relativa a factos praticados pelo arguido a 6.3.2008 e 27.02.2008 (cfr. certificado de fls. 112), e não haver noticia de qualquer facto novo imputável ao arguido (por exemplo porque violou aquela pena e respectivo regime, porque cometeu outros crimes, etc.) e desde então (23.12.2008) e até á data da sentença de que se recorre, explique/justifique que o arguido já não mereça a mesma pena, quando os factos pelos quais se encontra condenado foram praticados em data anterior a essa decisão, tal como o recorrente, a nosso ver de forma pertinente, o salienta.
Importante seria, parece, que o Senhor Juiz tivesse curado de saber com base no certificado de fls. 113, qual o teor da decisão ali proferida, datas em que o arguido iniciou o cumprimento dessa pena e qual a sua evolução, tendo bastado para o efeito o pedido da pertinente certidão.
Nessa perspectiva, cremos poder-lhe assistir razão nesse particular e nessa perspectiva à sentença recorrida poder ser assacado o vicio de insuficiência da matéria de facto para a decisão tomada quanto à pena concretamente aplicada, pois que, como resulta dos excertos que acima tivemos ensejo de transcrever, ela é omissa a esse propósito quer no elenco dos Factos Provados quer em sede de fundamentação da escolha e medida da pena.
Vossas Excelências, todavia, melhor apreciando e suprindo, farão com certeza Justiça.”

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I.4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer que emitiu (fls. 187/193), pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Notificado o arguido, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido veio a fls. 195/196, reafirmar o dito anteriormente e defendendo um eventual abaixamento da pena de prisão.
Foram colhidos os vistos legais.
Realizou-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação.
1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:
É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Por isso, temos, como
Questões a decidir:

a) Se deveria ou não ter sido considerado provado o arrependimento do arguido.
b) Apreciar se existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
c)Da condição/modo de cumprimento da mesma pena.
*
2. Na sentença recorrida foi considerado, como factos provados, não provados e como motivação da matéria de facto, o seguinte (por transcrição):

Factos provados:
No dia 27 de .. de 2008, cerca das 22H45M, o arguido conduzia o veículo automóvel Rover 214, de matrícula 38-…-EU, na EN 236, no lugar …. de Arouce, Lousã.
O arguido não é titular de carta de condução que o habilite a conduzir aquele veículo.
O automóvel em causa encontrava-se apreendido desde 27/2/2008, no âmbito do Pº…./08.4GBLSA, tendo o arguido sido constituído como fiel depositário da viatura.
Nessa altura, o arguido ficou intimado, do que ficou consciente, de que a sua utilização o faria incorrer em crime de desobediência.
Interceptado pela GNR, o arguido colocou-se em fuga, iniciando uma condução irregular, aumentando a velocidade que imprimia ao veículo, encontrando-se a circular em zona de estrada, marginalizada por edifícios de habitação, com curvas acentuadas e de visibilidade reduzida.
Ao Km 1,900 da EN em causa, o arguido transpôs a linha continua separadora de sentido de trânsito (marca M1), passando ainda a circular em sentido oposto ao legalmente estabelecido, assim se mantendo até chegar ao entroncamento da EN 236 com a EM 1208, ao Km 1,850, tendo efectuado a entrada nesta via em sentido oposto ao legalmente estabelecido.
O arguido conhecia as características da viatura e do local onde conduzia, sabendo também que não era titular de carta de condução.
Não obstante, quis conduzir aquela viatura nas referidas circunstâncias, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente, não desconhecendo que a forma da sua condução, era desrespeitadora das regras de trânsito.
Sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
É casado e tem 3 filhos, pagando de prestação alimentar a quantia de 200,00 Euros mensais.
Vive em casa da mãe.
Tem o 7° ano de escolaridade.
O arguido foi condenado sete vezes pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, sendo um em concurso com um crime de condução perigosa e outro pelo crime de desobediência.
As últimas condenações datam de 28.3.2008, data em que foram proferidas as sentenças de condenação.

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Factos não provados:
O arguido, com a sua conduta colocou em causa a sua integridade física, bem como do passageiro que transportava e os demais utentes da via, tendo estado, várias vezes, na iminência de se despistar.
O arguido sabia que colocava em perigo a integridade física dos condutores dos veículos que consigo cruzassem na estrada por onde assim conduziu.
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Convicção do Tribunal
A convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
No caso em apreço o tribunal atendeu à confissão do arguido relativos aos factos consubstanciadores do crime de condução de veículo a motor sem habilitação e do crime de desobediência.
Quanto ao factos relativos à imputada condução perigosa, pelo depoimento dos agentes da GNR que foram peremptórios ao referir que nunca o arguido esteve na eminência de se despistar, sendo certo que durante toda a perseguição nunca se cruzaram com outras viaturas ou peões.
Quanto às condições económicas e pessoais do arguido foram por este relatadas.
Mais se atendeu ao teor do CRC junto aos autos, sendo as últimas condenações do conhecimento oficioso do tribunal.”

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3. APRECIANDO.
3.1. Se deveria ou não ter sido considerado provado o arrependimento do arguido.
Veio o arguido/recorrente invocar que o tribunal a quo, deveria ter considerado provado o seu arrependimento uma vez que tomou em conta as declarações do arguido que, para além da confissão integral e sem reservas que fez dos factos constantes da acusação pública, e em instâncias do seu defensor, referiu encontrar-se arrependido da prática dos factos constantes da acusação pública e da sua disposição para não mais voltar a praticar tais crimes.
Ao não valorizar as declarações do arguido na parte em que diz estar a sentir um sério arrependimento o tribunal "a quo", não avaliou devidamente a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua actual conduta, de forma a que conjugando todas estas vertentes pudesse alcançar um prognóstico favorável, uma confiança nas virtualidades da simples ameaça da pena de prisão efectiva/penitenciária, violou o principio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, fazendo uma análise arbitrária da prova.
Por outras palavras. O recorrente entende que o tribunal ao dar validade á confissão do arguido no que se refere á prática do crime de condução de veículo a motor sem habilitação e do crime de desobediência e das condições económicas e pessoais do arguido deveria também ter dado como provado que o mesmo se mostrou arrependido.
Mas entendemos que assim não é.
Como já referimos, constituem o objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do agente e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (art. 124º, do C. Processo Penal). Assim, as provas são os instrumentos utilizados para demonstrar aqueles factos, de acordo com as regras do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 104).
No que respeita à prova em processo penal é princípio basilar o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º, do C. Processo Penal. De acordo com este preceito, salvo disposição da lei em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Mas a livre convicção do julgador não é sinónimo de arbítrio ou decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 85). Pelo contrário, é exigida uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Assim, a operação intelectual em que se traduz a formação da convicção, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).
A convicção alcançada pelo tribunal resulta necessariamente da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento ou falta deles, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, sinais e comportamento, e a coerência do raciocínio, aqui assumindo determinante importância os princípios da imediação e da oralidade pois são eles que permitem ao julgador detectar as forças e fraquezas da prova por declarações e da prova testemunhal.
É que a impressão produzida no julgador pela prova testemunhal e por declarações, e que se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e análise psicológica que traçam o perfil de cada testemunha ou declarante, só alcança a sua plenitude através da imediação ou seja, do contacto próximo e directo entre o tribunal e as testemunhas e outros intervenientes processuais.
Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, lacuna essa que ocorrerá ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar.

E assim, quando o julgador da 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, porque a opção tomada se funda na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a deverá censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada viola as regras da experiência comum.
Na verdade, e como já se referiu, o recurso da matéria de facto não tem por objecto a realização de um novo julgamento fundado numa nova convicção, mas apenas apreciar a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa.
A plena actuação do princípio da livre apreciação da prova pressupõe a indicação dos meios de prova e o seu exame crítico, pois só desta forma pode ser avaliado o processo crítico e racional que, conjugado com as regras da experiência, conduziu o tribunal a uma determinada decisão de facto.
Na verdade, o ponto de partida para sindicar a observância, ou falta dela, de tal princípio é a fundamentação da decisão de facto, muito particularmente, os motivos de facto que fundamentam a decisão, entendidos como os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinados sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.).
Posto isto.
Na fundamentação de facto da sentença recorrida encontramos efectivamente referidas as razões que levaram o tribunal “a quo” a dar como provados certos factos, através da confissão do arguido, mas já não valorou essa pseudo confissão para dar como provado um eventual arrependimento arguido. O que sucedeu foi que o arguido confessou factos que quase não podia negar, pois foi observado e surpreendido pelos agentes da GNR, na condução de um veículo com motor e não era titular de qualquer documento que o autorizasse a conduzir. Isto é o arguido se não confessasse os factos referidos de pouco ou não beneficiaria pois que tais factos resultariam sempre provados.
Por isso, o tribunal recorrido ao beneficiar da imediação da prova, teve ocasião de avaliar a forma como cada interveniente prestou as suas declarações e depoimentos, a forma como se expressou e reagiu aos sucessivos estímulos para, a final, aferir do grau de credibilidade que cada um lhe mereceu. E foi isso o que o tribunal recorrido fez explicando, detalhadamente, as razões que o levaram a dar crédito a parte das declarações do arguido e já não na parte que o mesmo pretende
Ora, como atrás deixámos dito, quando o tribunal recorrido atribui, ou não, credibilidade a uma determinada fonte de prova testemunhal ou por declarações, porque tal opção se baseia na imediação da prova, o tribunal de recurso só a pode censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada viola as regras da experiência comum, o recorrente invocou a violação destas regras.
Em conclusão, não vemos que na situação em crise, o tribunal a quo tenha, na opção tomada quanto à valoração dos meios de prova, violado regras da experiência, mostrando-se pois observado o princípio estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal.
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3.2.Da verificação ou não da insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada.

Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b)A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
Ou seja, existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas. Ou ainda, por outras palavras, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão (Neste sentido vidé Ac. STJ 20.5.2004, proc. O4P771 e Ac. do TRC de 03-03-2010,nº 484/06.3PAMRG.C1, relator: Mouraz Lopes, in www.dgsi.pt.)
Importa então agora ajuizar a arguição do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, de que o acórdão estaria inquinado, na tese do Ministério Publico, por não ter dado como provado factos relativos às condições do arguido que levaram o tribunal a aplicar-lhe no processo nº71/08.1GCLSA, proferida pelo mesmo Juiz e que transitou em 23/12/2008, na qual foi aplicada ao arguido uma pena de 18 meses de prisão a cumprir no regime de permanência na habitação.
Ou seja, entende o M.P., que o tribunal a quo poderia e deveria ter-se socorrido dos elementos que poderiam ser o btidos através do que consta do certificado de registo crimonal do arguido , a fim de a final, se ter apreciado da possibilidade de lhe aplicar nestes autos uma pena de prisãso também a cumprir na habitação, sujeito a vigilância electrónica, ou deveria ter expliocitado por que o não fez.
Ou seja, na sentença ora sob recurso existirá o vicio de insuficiência da matéria de facto para a decisão tomada quanto à pena concretamente aplicada, pois que, ela é omissa a esse propósito quer no elenco dos Factos Provados quer em sede de fundamentação da escolha e medida da pena.
Na verdade, no processo de formação pelo Tribunal dos juízos de valor, que tem de estar na base da escolha da pena, da determinação da medida concreta desta e do modo do seu cumprimento, sempre terá um papel relevante, a consideração das razões que levaram a aplicar ao mesmo arguido uma pena de prisão a acumprir no seu domicilio, por factos ocorridos em data próxiam á dos factos destes autos e das vantagens ou inconvenientes em lhe aplicar, ou não, tal regime agora.
Na verdade, da sentença recorrida, resulta, como provado que o arguido “É casado e tem 3 filhos, pagando de prestação alimentar a quantia de 200,00 Euros mensais. Vive em casa da mãe. Tem o 7° ano de escolaridade. O arguido foi condenado sete vezes pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, sendo um em concurso com um crime de condução perigosa e outro pelo crime de desobediência. As últimas condenações datam de 28.3.2008, data em que foram proferidas as sentenças de condenação.” mas já não se apurou em que termos lhe foi aplicada uma pena de prisão a cumprir na habitação, embora tal se pudesse alcançar através do seu certificado de registo Criminal, nem como tem decorrido tal cumpriimento.
Ora, quanto ao invocado vício deve dizer-se que existe «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção.
É que sendo um dos princípios estruturantes do nosso processo penal o princípio da investigação, segundo o qual é ao tribunal que cumpre investigar os factos sujeitos a julgamento, diremos que existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, lacuna essa que ocorrerá ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "…. existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz".
No caso concreto, estamos perante um desses caos, pois que o tribunal a quo, podia e devia ter averiguado o porquê e em que termos foi aplicada ao arguido uma pena de prisão a cumprir no domicílio e porque não optou por tal solução agora.
Consequentemente procede, nesta parte o recurso interposto.
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3.3. Da condição/modo de cumprimento da mesma pena.

Tendo em conta o decidido no ponto anterior, nada há a decidir nesta parte, pois que o tribunal a quo, irá reformular a sentença, uma vez que se verifica a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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3.4. Consequência da insuficiência da matéria de facto provada.

Assim sendo, conforme já acima se referiu, importava que o tribunal “a quo” tivesse procurado apurar por que razão foi aplicada ao arguido uma pena de prisão a cumprir no seu domicílio, (pena essa aplicada já após a prática dos factos constantes destes autos e que levaram á aplicação, aqui, de uma pena privativa da liberdade) a fim de se apurar se seria possível, ou até desejável aplicar nestes autos pena de igual género.
Concluímos, assim, que na sentença recorrida faltam elementos que deveriam ter sido indagados e que são essenciais para se poder formular um juízo de condenação e escolher correcta e adequadamente a pena a aplicar.
Na verdade, por que razão o Sr Juiz “a quo” não considerou a decisão por ele próprio proferida no processo nº71/08.1GCLSA, transitada em julgado a 23.12.2008, e constante do certificado de registo criminal junto aos autos, nos termos da qual o arguido foi condenado em cumulo jurídico de penas na pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica?
Tal situação não está esclarecida e poderá ter reflexos quanto à escolha e modo de cumprimento da pena.
Ora, sendo que o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se verifica quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta que os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e os demais requisitos necessários à decisão de direito é de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação.
Ora, não podendo o recorrente agora socorrer-se de uma decisão/sentença nem de informações da DGRS relativas ao cumprimento de uma pena num outro processo que não constam dos autos para pôr em crise a sentença aqui proferida, sendo nessa perspectiva irrelevante tudo o que a esse propósito tece, já pode o mesmo demonstrar que tal sentença e tais relatórios eram de crucial importância para a decisão da matéria de facto pelo tribunal “a quo”, pois que constando tal condenação do certificado de registo criminal do arguido junto ao processo, o Juiz a quo o não examinou como devia nem dele retirou todas as consequências devidas, nomeadamente solicitando certidão daquelas peças processuais ao processo nº71/08, padecendo nessa perspectiva a sentença de insuficiência da matéria de facto para a decisão concretamente tomada, maxime para a determinação da pena concretamente aplicada ao arguido.
Foi isso que o recorrente alegou e é tal matéria que importa que o tribunal recorrido averigúe e fixe, antes da escolha da pena.
Ou seja o tribunal recorrido deverá proceder á análise do facto de a decisão que condenou o arguido em cumulo jurídico de penas na pena de 18 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, transitada em 23.12.2008, ser relativa a factos praticados pelo arguido a 6.3.2008 e 27.02.2008. Averiguar se existe ou não notícia de qualquer facto novo imputável ao arguido desde então (23.12.2008) e até á data da sentença de que se recorre e, consequentemente analisar, explicar e justificar se o arguido merece não a mesma pena.
Deste modo, concluímos que a sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 410º do CPP, o que determina a anulação parcial do julgamento efectuado e o consequente reenvio do processo para novo julgamento, a fim de se apurar da possibilidade ou não do cumprimento da pena pelo arguido em regime de cumprimento da mesma no seu domicílio, conforme acima se explicitou, nos termos do que dispõem os artigos 426º, n.º 1 e 426º-A do CPP.
Face a tal, o recurso, nesta parte procederá.
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III – Decisão.
Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, relativamente ao recurso interposto pelo arguido, em julgar parcialmente provido o mesmo, anulando-se parcialmente a decisão recorrida, determinando o reenvio do processo para novo julgamento, o qual incidirá apenas no apurar se existe ou não noticia de qualquer facto novo imputável ao arguido desde então (23.12.2008) e até á data da sentença de que se recorre e, consequentemente analisar, explicar e justificar se o arguido merece não a mesma pena de prisão mas em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Sem custas, dada a procedência parcial.
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(Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário)


Coimbra, 18/5/2010.


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Calvário Antunes





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Mouraz Lopes