Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6874/14.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ERRO-VÍCIO SOBRE O OBJETO DO NEGÓCIO
PAGAMENTO DE IMPOSTOS LEGAIS
ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 01/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J.C.CÍVEL DE COIMBRA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 251º, Nº 1 E 252º, Nº 2 DO C. CIVIL .
Sumário: I- O erro-vício sobre o objeto do negócio, previsto no artº. 251º, nº 1, do CC, não abrange os efeitos decorrentes da sua celebração, tais como a obrigação do pagamento de impostos legais.

II- Ocorrendo tal erro-vício, o A./declarante para obter a anulação do negócio terá, de qualquer modo, sempre de demonstrar/provar, para além da ocorrência do erro, que o R./declaratário conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para si do objeto sobre que incidiu esse seu erro.

III- O erro que, no termos do nº 2 do artº. 252º do CC, incida sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio reporta-se às condições/questões fundamentais sobre as quais as partes edificaram o negócio, e em relação à quais (no todo ou em parte) houve uma falsa representação (erro) de ambas as partes contratantes.

IV- O erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio tanto pode conduzir à anulabilidade deste, como à sua modificação segundo a equidade.

Decisão Texto Integral:





Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Através dos autos que correm atualmente termos no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, o autor, L..., instaurou (em 16/01/2015) contra os réus, N... e sua mulher M..., todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum.

Para o efeito alegou, em síntese, o seguinte:

Que o autor e o R. marido eram sócios da empresa denominada L... – Construções, Lda., com um capital social de € 50.000,00 detendo cada um deles uma quota de metade desse valor (€ 25.000,00).

Na decorrência de negociações que vinham sendo estabelecidas para o efeito, no dia 20/05/2011 outorgaram escritura pública de contrato de cessação de quotas (em que ambos se fizerem representar), na sequência do qual o A. adquiriu ao referido R. aquela sua quota pelo preço de € 350.000,00, pelo que passou, desde então, o A. a deter à totalidade do capital social da referida sociedade.

Dado que a sociedade é proprietária de imóveis, indagou previamente junto dos RR. se havia lugar ao pagamento de qualquer valor referente ao IMT, ao que os mesmos lhe disseram que não, e depois, através sua procuradora que o representou na referida escritura, junto do notário, do qual recebeu a mesma informação.

E daí que o A. só tenha avançado para a celebração do negócio na convicção de que não haveria lugar ao pagamento de qualquer valor referente ao IMT.

Porém, em abril de 2014 veio a ser surpreendido por notificação da Administração Tributária exindo-lhe o pagamento da quantia de € 272.897,66, acrescida de juros de juros de mora no valor de € 11.872,92, correspondente à liquidação do IMT devido pela  celebração do referido negócio.

Valor esse que corresponde quase ao valor do preço que pagou pela aquisição da referida quota social da empresa.

Ora, como os RR. bem sabiam, o A. nunca teria celebrado o referido negócio se não fosse a informação errónea que recebeu de que não haveria lugar, pela sua realização, ao pagamento de qualquer IMT, pois que era para si condição para a outorga do mesmo que não tivesse de pagar qualquer quantia por aquele imposto.

E daí que tenha pedido, à luz do disposto no artº. 252º, nº. 1, do CC, a anulação do referido negócio, com a consequente condenação dos RR. a restituírem-lhe a quantia de € 350.000,00, correspondente ao valor do preço que lhes pagou pela compra/cedência da sobredita quota social da empresa, com a devolução pelo A. da referida quota.

2. Contestaram os réus, defendendo-se por impugnação, negando que alguma vez tivessem dito a autor não ser devido IMT pelo referido negócio, nunca tendo falado sobre o assunto, e tanto mais que, muito embora o A. e o R. sejam irmãos, andam de relações cortadas há mais de 10 anos, nunca tendo estabelecido, por via desse mau relacionamento, qualquer contacto entre si e nomeadamente durante às negociações que levaram à celebração do dito negócio, as quais foram conduzidas pelos respetivos advogados que mandataram para o efeito.

Aliás, na sequência dessas negociações, as partes subscreveram, previamente à outorga do contrato que o A. ora impugna, um acordo prevendo, além do mais, que a aquisição da quota por um ou outro dos sócios não se faria por encontro de vontades mas sim por proposta individual que cada um apresentaria no dia da escritura e sem que aí, entre várias questões mútuas a resolver, tenha ficado consignado algo quanto a IMT.

Que o autor sempre soube que o imposto seria devido, tanto mais, sempre esteve assessorado por advogados e técnico de contas, e tanto mais que, no dia em que teve lugar a abertura das propostas ocorrida no cartório notarial, o mesmo fez-se representar, além de advogado, pela sua filha, a quem outorgou procuração concedo-lhe, entre outros, poderes – tal como aconteceu com os RR. em relação aos seus filhos, que os representaram também nesse negócio -, para proceder, e visando também evitar precisamente o pagamento desse imposto, à divisão ou cessão de quotas e celebrar negócio consigo mesma, pois que bastaria para tanto que esta adquirisse 25% da quota para, como resulta da lei, evitar o pagamento do IMT, e se o não fez foi porque o autor, que ali esteve presente e que comandou as negociações por perto, acabou por decidir ficar integralmente para si com a quota social da empresa, e atendendo certamente ao valor que então a mesma tinha (quer em termos de capital próprios, quer em termos de imobiliário).

O negócio nunca foi, pois, realizado na base do pressuposto que o autor agora invoca, como tendo sido objeto de erro, para sustentar o pedido de anulação do mesmo.

Pelo que terminou pedindo a improcedência da ação.

3. Prosseguindo os autos o seu ritualismo legal, foi proferido, após se ter prescindido de audiência prévia, despacho saneador, afirmando-se a validade e a regularidade da instância, enunciando-se ainda aí o objeto do litígio e os temas de prova, num despacho que não mereceu reclamação.

4. Mais tarde, realizou-se a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da mesma).

5. Seguiu-se a prolação da sentença que, no final, decidiu julgar a ação improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

6. Inconformado com tal sentença dela apelou o autor, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...
7. Contra-alegaram os RR., pugnando pela integral improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

II- Fundamentação
1. 1. Do objeto do recurso.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).
1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do autor, verifica-se que as questões nelas colocadas e que, verdadeiramente, cumpre aqui apreciar são as seguintes:
a) Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto;

b) Da anulação do negócio por (erro) vício de vontade do autor.

2. Quanto à 1ª. questão.

2.1 Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto.

Com fundamento em erro na apreciação e valoração da prova, pede o A./apelante (com base na prova que indica nas conclusões das alegações de recurso que acima se deixaram transcritas) a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos por si ali referidos.

2.1.1 Apreciemos (após termos procedido à audição integral da gravação dos depoimentos prestados em audiência de discussão e em julgamento – não obstante a transcrição parcial feita pelo apelante no que se refere a alguns depoimentos em que suporta o seu pedido de alteração da decisão da matéria de facto).

Começaremos por salientar, por um lado, que, no que concerne aos factos sob impugnação, não estamos perante nenhuma situação de prova vinculada e, por outro, que compulsando a fundamentação da decisão da matéria de facto (fls. 67/68), verifica-se que pelo tribunal a quo foi observado o disposto no artº. 607º, nº. 4, do CPC.

A prova produzida nos autos é de natureza documental e testemunhal.

Da gravação do registo da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, verifica-se que nela foram ouvidos:

a) Em depoimento/declarações de parte:

- O autor.

b) Como testemunhas (e pela ordem a seguir indicada):

...

2.1.2 Aqui chegados, reportemo-nos aos concretos factos impugnados acima elencados.

...

3. Factos provados.

...

 Quanto à 2ª. questão.

Da anulação do negócio por (erro) vício de vontade do autor.

Antes de entrarmos na abordagem dessa questão convirá antes dizer que a critica que o apelante faz às considerações feitas pela sra. juíza a quo (no discorrer da sentença) sobre questão prejudicial relativa à ação que corre termos no TAF se mostra para o caso do presente recurso perfeitamente irrelevante ou inócua, por verdadeiramente não constituir objeto do presente recurso (vide termos do seu pedido formulado no final das suas conclusões de recurso e em conclusão a essas próprias conclusões) sendo que de qualquer forma a sra. juíza acabou por conhecer do objeto da ação (indo, nesse particular, ao encontro da pretensão do A./recorrente), não constituindo objeto da sua decisão final, e isso independentemente das considerações aí tecidas previamente sobre essa questão (ao questionar ser a ação que corre termos no TAF prejudicial em relação a esta, como ali foi considerado, suspendendo-se a instância até ser proferida decisão final nesta).

4.1 O autor instaurou a presente ação visando obter a anulação do negócio (a que se alude no ponto 3 dos factos provados) que celebrou com o réu, através do qual adquiriu a este a quota social que o mesmo possuía (de valor igual àquela que o mesmo também detinha) na sociedade ali identificada, de que ambos eram então os únicos sócios e gerentes, com a consequente condenação dos RR. a restituírem-lhe a quantia correspondente ao preço que pagou por essa compra/cedência (e com a concomitante devolução pelo A. da referida quota).

Pedido esse que sustentou no facto de ter celebrado o referido negócio na convicção de não ser por ele devido pagamento do IMT.

Convicção essa que se revelou estar errada, dado que, posteriormente, veio a ser surpreendido por notificação da Administração Tributária exigindo-lhe o pagamento da quantia de € 272.897,66, acrescida de juros de juros de mora no valor de € 11.872,92, correspondente à liquidação do IMT devido pela celebração do referido negócio.

Ora se soubesse que teria de pagar tal imposto não teria celebrado tal negócio, como os RR. bem sabiam.

Enquadrando a ação (em termos do pedido e da causa de pedir) no âmbito dos vícios de vontade (tal como o havia feito o A.), e analisando o caso à luz quer do erro na declaração (também chamado de erro obstáculo) a que alude o artº. 247º do CC, quer à luz do erro sobre os motivos a que alude o nº. 1 do artº. 252º do mesmo diploma, o tribunal a quo julgou, na sentença que proferiu, improcedente a ação, por concluir (com os fundamentos ali aduzidos) não se estar perante nenhum dos referidos erros previstos em tais normativos legais.

Defende (agora) o autor que o negócio deve ser anulado, quer por ocorrência de erro sobre os motivos determinantes da (sua) vontade sobre o objeto do negócio (artºs. 251º e 247º do CC), quer, se assim não entender, por ocorrência de erro sobre as circunstâncias do negócio (artº. 252º, nº. 2, do Código Civil, e cujo diploma nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).

O que significa, desde logo, que o autor aceita a conclusão a que chegou o tribunal a quo sobre a inexistência, no caso, dos aludidos erros na declaração e sobre os motivos previstos, respetivamente, pelo artº. 247º e pelo nº. 1 do artº. 252º.

Perante tal – muito embora, à luz disposto no artº. 5º, nº. 3, do CPC, o juiz não esteja sujeito às alegações das partes no concerne à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito -, e por estarmos em sintonia com a sra. juíza a quo no que toca à referida conclusão a que chegou sobre inexistência de tais erros (pois que se nos afigurar manifesto que não se mostram preenchidos os respetivos pressupostos de tais erros), vejamos então se, à luz dos factos apurados, ocorre alguma daquelas figuras de erro a que alude o autor/apelante.

4.1.1 Começemos pelo erro sobre o objeto do negócio previsto no artº. 251º.

Depois de no artº. 247º (sobre a epígrafe “erro na declaração”) se estatuir que «quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declaratário, do elemento sobre que incidiu o erro”, dispõe-se no artº. 251º (sobre a epígrafe “erro sobre a declaração”) que «o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º». (sublinhado nosso)

No primeiro normativo prevê-se o “erro na declaração” (também designado por “erro obstáculo”), enquanto no segundo normativo (aquele que para aqui mais nos importa) prevê-se o chamado “erro-motivo” - por atingir os motivos determinantes da vontade (também designado por “erro-vício”, por se tratar de um vício de vontade).

Genericamente, pode dizer-se que neste segundo erro, ao contrário do primeiro, há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada, só que a vontade real formou-se em consequência de um erro sofrido pelo declarante, pois que se não fosse ele a pessoa/declarante não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o fez. (Vide, os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 234”). O erro-vício, é assim, nas palavras do prof. Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil, 2ª., ed., Coimbra Editora, pág. 504”) um erro na formação de vontade, enquanto que o erro obstáculo ou na declaração é um erro na formulação da vontade.

Significa isso que esse segundo erro (o erro-vício) recai sobre o lado interno, subjetivo, da declaração negocial, mais precisamente sobre os elementos determinantes da formação da vontade. Como afirma Heinrich Ewald Horster (in “A Parte Geral do Código Civil Português, teoria geral do direito civil, Almedina, pág. 570”) há nesse erro “uma continuidade ou convergência entre a vontade real e a declaração (ao contrário do erro na declaração, onde há uma desconformidade entre a representação ideal e a declaração, de modo que surge uma divergência não intencional entre ambas), só que “acontece que a própria vontade, em consequência do erro, se formou mal, divergindo assim da vontade hipotética que o declarante teria tido sem erro, de maneira que a vontade ficou viciada”, devendo, por via disso, o erro ser “encarado sob o aspecto subjectivo do declarante.”

Erro esse que pode incidir tanto sobre a pessoa do declaratório (error in persona), como sobre objeto (error in corpore, error in substantia).

No que concerne ao erro sobre o objeto (é esse que aqui nos interessa, tanto mais que é manifesto não se estar perante um erro sobre pessoa do declaratório) ele tanto pode recair sobre a identidade do objeto, como sobre a sua substância ou como sobre as suas qualidades essenciais. Nesse sentido, e como escreve Heinrich Ewald Horster (in “Ob. cit., págs. 573 e 574”) “está causa apenas directamente o objecto do negócio, por ex., o objecto de compra e venda, da doação, (…) etc., de modo que o art. 251º já não abrange um erro sobre os efeitos produzidos pela declaração negocial a respeito de certo objeto)”, sendo que “(…) também o erro sobre os efeitos jurídicos do negócio, que se verificam independentemente da vontade do declarante (Rechtsfolgenirrrtum), não releva no âmbito do art. 251º”.

No mesmo sentido vão os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Ob. cit., pág. 234”) quando afirmam que o “objeto não se identifica, neste caso, com os efeitos do negócio, mas com aquilo sobre que versa o negócio.”

Como resulta do citado artº. 251º, o erro que atinja os motivos determinantes da vontade quando se refira ao objeto do negócio torna este anulável nos termos do artº. 247º (também atrás citado).

Servindo-nos novamente das palavras Heinrich Ewald Horster (in “Ob. cit., pág. 572”) a “anulabilidade nos termos do art. 247º significa que os pressupostos do erro vêm do art. 251º (e não porventura da 1ª parte do art. 247º concebido para eventualidade da divergência entre a vontade e a declaração), enquanto os requisitos da anulação, com base neste erro, resultam da 2ª parte do art. 247º. Quer dizer, o declarante pode anular a sua declaração, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, (…) do objeto sobre que incidiu ao erro determinante da vontade. A remissão operada pelo (…) art. 251º para o art. 247º, 2ª. parte, constitui, por um lado, uma facilitação da anulação por parte do declarante, a cujo erro se atribui relevância, mas significa, por outro lado, também alguma segurança para o declaratário, contra quem a anulação se dirige, ao fazê-la depender de factos que são, ao menos, reconhecíveis.”

Aqui chegados, e revertendo-nos ao caso em apreço, somos levamos a concluir, à luz de tais considerações que se deixaram expressas e dos factos apurados, não ocorrer a situação prevista no artº. 251º, do erro sobre o objeto, desde logo porque o erro do A. não versa/ocorre sobre o objeto do negócio em si mesmo mas tão só sobre os efeitos (legais) dele decorrentes (relativos à obrigação legal de ter pagar IMT, por virtude da sua celebração), e depois ainda porque não se mostra provado (e era sobre o A. que, nos termos do artº. 342º, nº. 1, impendia esse ónus de prova) que os RR. conheciam ou, pelo menos, não devessem ignorar que o não pagamento desse imposto constituía para si circunstância essencial/determinante para celebrar o negócio, nos termos em que o fez.

E sendo assim, terá, como base em tal fundamento, o pedido do A. de improceder.

4.1.2 Apreciemos, agora se estamos perante um erro sobre as circunstâncias do negócio previsto no nº. 2 do artº. 252º.

Dispõe-se no nº. 2 do citado normativo que se o erro “recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.” (sublinhado nosso)

Prevê-se, pois, em tal normativo o chamado regime do erro sobre a base do negócio.

O regime da base negocial foi formulada e desenvolvida (tal como referem o prof. Mota Pinto, in “Ob. cit., pág. 513”, e Heinrich Ewald Horster, in “Ob. cit., pág. 577”) pelo jurista alemão Oertman (in “Die Geschaftsgrundlage) em 1921, no seguimento à catástrofe económica e social desencadeada pela à 1ª. Guerra Mundial, e para enfrentar as consequências injustas de não se atribuir relevância às alterações extraordinárias e imprevistas daí decorrentes. Segundo a teoria formulada por esse Jurista “a base negocial é a representação mental de uma das partes, reconhecida e não contestada pela outra parte, ou a representação comum aos vários interessados no negócio, acerca da existência ou a ocorrência de determinadas circunstâncias, sobre a base das quais se constrói a vontade do agente.”

Definição essa que, na sua essencialidade, ainda hoje se mantem, constituindo hoje entendimento prevalecente da doutrina e jurisprudência, embora com várias nuances, que a base negocial é representação de uma das partes, existente na altura da conclusão do contrato e reconhecida quanto ao seu significado pela outra parte, sem ser contestada por esta, ou a representação comum de ambas as partes, acerca da existência ou a futura verificação ou não verificação de certas circunstâncias, sobre as quais assentou a vontade negocial” (cfr. Heinrich Ewald Horster, in “Ob. cit., pág. 577”).

Fala-se de erro sobre a base do negócio quando a falsa representação recai sobre “aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio. Tratar-se-á de circunstâncias que ou determinaram ambas as partes ou que, sendo relativas a uma delas, a outra não poderia deixar de aceitar como condicionamento do negócio, sem violação dos princípios da boa fé” (Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 163, citado pelo Ac. do STJ de 02/10/2014, proc. 1060/11.4T2STC.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt).

Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre as circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar” (profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., pág. 235).

Para que ocorra esse erro “é necessário que tenha ocorrido uma falsa representação do quadro circunstancial que constitui a base do negócio (prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do direito Civil, 7ª. Ed., Almedina, pág. 567”.)

É, pois, indubitável que continuamos a estar perante um erro-vício sobre os motivos mas que incide sobre a base do negócio (cfr. Ac. do STJ de 18/06/2013, proc. 493/03.4TVLSB-A.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt).

Incidindo o erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, elas terão, como regra, que ter sido pressupostas por ambas as partes, e daí que venha constituindo entendimento dominante na nossa doutrina (embora sob controvérsia) de que estamos perante um erro bilateral, ou seja, um erro que é foi cometido por ambas as partes.

E isto porque, no dizer do prof. Mota Pinto (in “Ob. cit., pág.514”), “houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas as partes edificaram de um modo essencial, a sua vontade de contratar.” No mesmo sentido, e de forma mais incisiva, vai o prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil. Vol. III, pág. 132”) ao afirmar que a ideia central do artigo 252º, nº. 2, é a de “um erro bilateral sobre as condições patentemente fundamentais no negócio jurídico”, e ainda Heinrich Ewald Horster (in “Ob. cit.. pág. 580”) ao discorrer que “ambas as partes partiram, erradamente, de circunstâncias presentes ou actuais que eram essenciais para conclusão do negócio, mas que na realidade não existiram. A ideia central do nº. 2 do art. 252º é a de um erro bilateral sobre as condições actuais em que as partes assentarem o negócio jurídico. (…). Como nos termos do art. 252º, nº. 2, o erro sobre a base negocial é comum, fica excluída a relevância jurídica do erro unilateral.”

Não obstante a remissão feita no citado nº. 2 do artº 252º para a disciplina do artº 437º ss. vem hoje constituindo entendimento prevalecente de que as consequências jurídicas do erro sobre a base do negócio conduzem ou podem conduzir à sua anulabilidade, podendo alargar-se à sua modificação segundo a equidade. (Vide, por todos, Acs. do STJ de 02/10/2014 e de 18/06/2013, acima citados, e o prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Ob. cit., págs. 568/569”).

E daí que, por força dessa remissão, se venha entendendo, mesmo para aquela corrente de opinião defensora de que o erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio poder ser exclusivamente unilateral, que o desvio motivado por esse erro ou falsa representação do declarante sobre a realidade não poder ser um qualquer, pois que (tal como ressalta da génese ou nascimento da teoria/doutrina da base negocial de que supra falámos) terá que tratar-se um desvio “anormal” – e que choque o sentido ou ideia da justiça e da própria boa fé - que atinja as condições que, manifesta ou patentemente, se constituíram como a base fundamental em que assentou o negócio. Nesse sentido escreve o prof. Pedro Pais de Vasconcelos (in “Ob. cit., pág. 569”, e que se insere naquela última corrente de opinião a que acabamos de fazer referência) que “o desvio entre a realidade e as circunstâncias objectivamente exigidas pela justiça interna do negócio e pelo seu fim não pode ser um qualquer. O artigo. 437º fala expressamente de “uma alteração anormal”. Isso significa que só um desvio que ultrapasse os limites da normalidade pode ser relevante. Na transposição do regime do artigo 437º para o erro sobre a base do negócio, que exige alguma adaptação, a referência a um desvio anormal dever ser lida como um desvio manifesto. Um pequeno desvio que seja normal ocorrer, não é susceptível de desencadear o regime do artigo 252º, nº. 2.”

Aqui chegados, e revertendo-nos ao caso em apreço, somos levamos a concluir, à luz de tais considerações que se deixaram expressas e bem assim dos factos apurados, não ocorrer a situação prevista no nº. 2 do artº. 252º, desde logo porque estamos tão só perante um erro unilateral, depois porque ele não se reporta - pela razões que acima já deixámos expressas aquando da análise do erro sobre o objeto do negócio – às circunstâncias que constituem a base em que assentou o negócio, ou seja, não reporta às condições/questões fundamentais sobre as quais as partes edificaram o negócio, e depois ainda porque, estando em causa o pagamento de um imposto ao Estado decorrente da normal celebração do referido negócio, não se pode concluir que tal erro, incidente sobre tal circunstância, consubstancie um desvio anormal/manifesto ao estipulado no referido contrato. Aliás, diga-se, sois disant, que como decorrência da celebração do referido negócio também resultou para os RR. a obrigação legal de pagar imposto decorrente das mais valias auferidas com mesmo (as quais, daquilo que foi ventilado na audiência de discussão julgamento, se terão traduzido num valor que ao nível da incidência no IRS terá rondado no pagamento os € 100.000,00), lembrando ainda que a presente ação foi instaurada decorrido quasi cerca de 5 anos depois da celebração do negócio que ora se pretende anular (o que a proceder seria um rude golpe no princípio da estabilidade e segurança dos contratos – pacta sunt servanda -, do qual, como se sabe, a regra da alteração da base negocial, constitui, em termos de desvio, uma circunstância de exceção, sem ter sequer em conta, por falta de elementos, aquilo nesse período terá ocorrido ao nível da empresa em termos do seu valor – embora sendo expectável, à luz da regras da experiência, que se tivesse ocorrido, nesse período, valorização da mesma certamente o autor não pediria a anulação do negócio).

E sendo assim, terá também, como base em tal fundamento, o pedido do A. terá de improceder.

Termos, pois, em que, por tudo o exposto, se decide julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença da 1ª. instância.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª. instância.

Custas pela R./apelante (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário:

I- O erro-vício sobre o objeto do negócio, previsto no artº. 251º, nº 1, do CC, não abrange os efeitos decorrentes da sua celebração, tais como a obrigação do pagamento de impostos legais.

II- Ocorrendo tal erro-vício, o A./declarante para obter a anulação do negócio terá, de qualquer modo, sempre de demonstrar/provar, para além da ocorrência do erro, que o R./declaratário conhecia ou não devia ignorar a essencialidade para si do objeto sobre que incidiu esse seu erro.

III- O erro que, nos termos do nº 2 do artº 252º do CC, incida sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio reporta-se às condições/questões fundamentais sobre as quais as partes edificaram o negócio, e em relação à quais (no todo ou em parte) houve uma falsa representação (erro) de ambas as partes contratantes.

IV- O erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio tanto pode conduzir à anulabilidade deste, como à sua modificação segundo a equidade.

Coimbra, 2018/01/23


Isaías Pádua

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães