Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
421/12.6TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 3 Nº4, 17-A CIRE, LEI Nº 16/2012 DE 20/4
Sumário: Considerando a finalidade recuperatória do devedor do novo processo especial de revitalização – PER – introduzido pela Lei 16/2012 de 20.04, o mesmo prevalece sobre a tramitação de quaisquer outras ações contra aquele instauradas, excepto o processo de insolvência e apenas se neste já tiver sido prolatada sentença, tansitada ou não, declaratória da mesma.
Decisão Texto Integral: DECISÃO DO RELATOR NOS TERMOS DO ARTº 705º DO CPC

1.

I (…) Equipamentos e construções técnicas, SA, apresentou-se ao processo especial de revitalização, no âmbito da atual redação dos artºs 17º-A e sgs. do CIRE.

Alegou, em síntese:

Devido à crise económica que afetou principalmente o setor da construção civil, encontra-se com dificuldades económico-financeiras e em situação de insolvência iminente.

Porém que se encontra em negociações com um grupo internacional para a construção de uma central de biomassa, contrato que iria viabilizar a requerente.

Possui elevados conhecimentos no seu setor de atividade e tem contratos de sub-empreitada já negociados e prontos para serem assinados.

Havendo necessidade de renegociar os créditos especialmente com os credores bancários.

Assim:

Um plano de recuperação, no âmbito do PER, permitirá relançar a sua atividade e alcançar o saneamento financeiro. Declarando que reúne as condições necessárias para a sua recuperação.

2.

Seguiu o processo com vicissitudes várias, após o que foi proferida decisão que:

Indeferiu liminarmente a petição inicial.

Para tanto aduziu-se nela:

O PER é prévio à instauração de ação destinada a apreciar uma situação de insolvência, pelo que tendo sido anteriormente instaurada contra a requerente processo de insolvência, a possibilidade de declaração desta é incompatível com a aprovação de qualquer plano de recuperação.

3. Inconformada recorreu a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A)A recorrente apresentou-se ao Plano Especial de Revitalização, no qual deveria ter sido nomeado de imediato ( sublinhado nosso ) administrador judicial provisório, cfr.dispõe a al. c) do nº 3 do art. 17º C do C.I.R.E.

B)No seguimento do deferimento do PER, deveria o processo de insolvência, ter sido suspenso, cfr.disposto no nº 6 do art. 17º E do C.I.R.E.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Seguimento deste processo e suspensão do processo de insolvência.

5.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

Havendo ainda que concretizar:

O presente processo foi instaurado em 08.06.2012 e o processo de insolvência atinente à ora recorrente foi instaurado por um seu credor em 10.12.2011, tendo, à data da prolação do despacho recorrido, nele sido já proferida sentença que decretou a insolvência.

Tal sentença foi anulada por Acórdão deste Tribunal de 25.09.2012, nos termos do artº 712º nº4 do CPC, por deficiência do julgamento da matéria de facto.

6.

Apreciando.

6.1.

Estatui o artº 17-A nº 1 do CIRE, introduzido pela Lei 16/2012, de 20/04 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

E preceitua o artº 17º-C:

1- O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3 - Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adotar os seguintes procedimentos:

a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;

O processo especial de revitalização, visa, assim, a viabilização ou recuperação do devedor.

Num CIRE cujo fim precípuo era a satisfação dos direitos dos credores, o enxerto introduzido pela referida Lei na sua sistemática, significa uma mitigação de tal finalidade e um retorno ou colagem à anterior legislação falimentar na qual se previam figuras tendentes á consecução de tais fitos.

E porque a recuperação é agora elevada a fim essencial do CIRE, é evidente que se despoletado o PER ao mesmo deve ser conferida relevância e proteção, por reporte a outras ações que contendam com o património do devedor e, a fortiori, relativamente ao próprio processo de insolvência, tout court.

O que ressumbra do disposto no artº 17- E.

Desde logo do seu nº1 quanto à generalidade das ações o qual estatui que « A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C - nomeção do administrador provisório -obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

E, bem assim, do seu nº6, no atinente ao processo com pedido de declaração de insolvência: «Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação».

Vemos assim que mesmo que o processo de insolvência tenha sido instaurado anteriormente ao PER, a sua instancia deve ser declarada suspensa na data reportada ao mencionado ato, desde que em tal data não tenha ainda sido prolatada sentença declaratória da insolvência.

Por outras palavras, e a contrario sensu, apenas se em tal data já tiver sido decretada a insolvência no processo atinente – quer tenha, ou não, transitado em julgado, pois que a lei não distingue ou restringe – é que a instauração do PER não tem qualquer influencia na tramitação dos autos de insolvência.

Sendo que, neste caso, obviamente, deve ser o PER a ser suspenso, se a sentença da insolvência ainda não tiver transitado, ou extinto/encerrado, se já tiver transitado.

Temos, pois, que a simples instauração do processo de insolvência não é o bastante para se suspender ou encerrar o PER.

O que bem se compreende pois que há uma certa sobreposição de fundamentos nos dois processos, já que a insolvência iminente tanto justifica a instauração do processo de insolvência como permite o acesso ao PER – artºs 3º nº4 e 17-A nº1 do CIRE.

E, até, uma certa sobreposição de finalidades ou efeitos, pois que do próprio PER pode decorrer a insolvência – artº 17º-G nºs 3 e 4.

Efetivamente preceitua este preceito:

1 - Caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.

2 - Nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.

3 - Estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.

4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

Verifica-se, assim, que do PER pode descambar no decretamento da insolvência em processo subsequentemente instaurado.

Naturalmente que se já existia processo de insolvência anteriormente proposto e que foi suspenso, ex vi do disposto do citado nº6 do artº 17-E, deve a comunicação prevista no nº1 do artº 17-G ser dirigida ao mesmo, no qual deverá ser proferido despacho de cessação da suspensão e declarada a insolvência.

6.2.

No caso vertente a petição inicial foi indeferida liminarmente porque se consideraram incompatíveis as tramitações dos dois processos, devendo dar-se prevalência ao processo de insolvência, porque já anteriormente instaurado.

Mas já se viu que tal prevalência não resulta da data da instauração dos processos, antes apenas emergindo se no processo de insolvência já tiver sido prolatada sentença a decretá-la.

Se ainda não existir esta sentença, são os autos da insolvência a suspender-se, em benefício da continuação do PER.

In casu, na data da prolação do despacho impugnado, já tinha sido proferida sentença de declaração da insolvência da requerente, pelo que, e não obstante a fundamentação de tal despacho, o mesmo seria de manter.

Porém, e após recurso da sentença, foi a mesma anulada por este tribunal ad quem.

Destarte, a validade e eficácia de tal decisão quedam feridas de morte, tudo se passando e devendo considerar como se ainda não houvesse sido emanada tal sentença.

Nesta conformidade se conclui que emerge e é aplicável ao caso sub Júdice a previsão do citado nº6 do artº 17-E, devendo suspender-se o processo de insolvência e tramitar-se o PER.

Procede o recurso.

7.

Sumariando.

Considerando a finalidade recuperatória do devedor do novo processo especial de revitalização – PER – introduzido pela Lei 16/2012 de 20.04, o mesmo prevalece sobre a tramitação de quaisquer outras ações contra aquele instauradas, excepto o processo de insolvência e apenas se neste já tiver sido prolatada sentença, tansitada ou não, declaratória da mesma.

8.

Decisão.

Termos em que se decide conceder provimento ao recurso e, consequentemente e se nada obstar, seja proferido o despacho a que alude o artº 17º-C nº3 al. a) do CIRE.

Sem custas

Carlos Moreira ( Relator )