Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3472/08.1TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 143/2001, DE 26/04; DEC. LEI Nº 359/91, DE 21/09
Sumário: I – O contrato pelo qual um cidadão adquire, a uma sociedade que promove a sua comercialização, um cartão que permite o acesso, com descontos, a determinados bens e serviços – na sequência de um telefonema feito por colaborador daquela que o convida a deslocar-se a um hotel a fim de aí receber determinado prémio com que alegadamente havia sido contemplado -, deve ser equiparado, na sua disciplina jurídica, aos contratos de venda ao domicílio.

II – Tendo a aquisição desse cartão sido totalmente financiada, sob o patrocínio directo daquela sociedade, por uma instituição bancária, tal configura um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de mútuo.

III – Embora distintos e autónomos entre si, tais contratos estão, todavia, ligados funcionalmente um ao outro, naquilo que é designado por uma “união de contratos”, de tal modo que as vicissitudes de um podem repercutir-se no outro, levando a que a invalidade de um deles possa afectar ou estender-se ao outro, arrastando-o também para a sua destruição.

IV – Por terem sido concluídos, respectivamente, em plena vigência da versão original dos D. L.s nºs 143/2001, de 26/04, e 351/91, de 21/09, é à luz desses diplomas que tais contratos terão de ser analisados.

V – A não entrega de um exemplar do contrato de mútuo ao cidadão consumidor, no momento que assinou tal contrato, importa, à luz das disposições conjugadas dos artºs 6º, nº 1, e 7º, nºs 1 e 4, do citado DL nº 359/91, a nulidade do mesmo, a qual, todavia, apenas poderá ser invocada por aquele (aí residindo a sua natureza atípica), presumindo-se ser imputável ao credor/mutuante.

VI – Essa obrigatoriedade de entrega ao consumidor do exemplar no momento em que assinou o respectivo contrato, tanto se impõe, à luz do citado artº 6º, nº 1, nos contratos entre presentes como nos contratos entre ausentes.

VII – Não constitui abuso de direito (v.g. na modalidade de venire contra factum proprium), a invocação daquela nulidade do contrato pelo consumidor, quando apenas havia pago ao mutuante 3 das 48 prestações em que se havia obrigado a reembolsá-lo do empréstimo e numa altura (do pagamento de tais prestações) em que ainda mantinha contactos com a empresa fornecedora do cartão com vista a obter esclarecimentos sobre o mesmo e os respectivos contratos que levaram à sua aquisição, e coincidindo ainda com o final daquele período de tais contactos as cartas que foram enviadas às entidades que forneceram o cartão e financiaram a aquisição do mesmo a pedir a anulação dos mesmos, com os motivos aí adiantados para o efeito a corresponderem, na sua essencialidade, àqueles que agora foram invocados em sua defesa na acção, e sem sequer que o consumidor tenha chegado a fruir do aludido cartão e do prémio que lhe fora prometido.

VIII – A oposição à execução tem unicamente por finalidade evitar o prosseguimento da acção executiva, no seu todo ou em parte, através de defesa que leve à extinção, total ou parcial, da mesma.

IX – Daí que não seja possível na oposição à execução obter o pronunciamento sobre questões que vão além da defesa por impugnação ou por excepção, com vista a atingir tal desiderato (da extinção, total ou parcial, da execução), pelo que não poderá a sentença que a julgue ter efeitos condenatórios.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Na comarca de Viseu (2º juízo cível) correm (desde 17/10/2008) os autos de processo comum de execução (autuados sob o n.º 3472/08.1TBVIS), para pagamento de quantia certa, instaurados pelo exequente, Banco A...., contra os executados, B.... e sua mulher C....., baseados (como título) num contrato de mútuo (incumprido pelos últimos, na qualidade de mutuários, em relação ao primeiro, como mutuante).

2. Citados para o efeito, vieram aqueles executados deduzir oposição à referida execução (por apenso à mesma) pedindo, a final, que seja declarada a nulidade do sobredito contrato de mútuo que serve de base à mesma, bem como ainda do contrato de associação a que se encontra coligado e, em consequência, declarar-se extinta a execução e a penhora realizada nos autos de execução, e seja ainda ordenada a restituição aos executados das importâncias que lhes foram ali penhoradas, e, por fim, a exequente sancionada nos termos e na medida do estabelecido no artigo 819 do CPC e ainda condenada a mesma a restituir-lhes a importância de € 342,00 que indevidamente deles recebeu com base em tal contrato.

Para o efeito, os executados/opoentes alegaram, em síntese, o seguinte:

O aludido contrato de mútuo que se serve de base à execução teve como intermediária a sociedade comercial com a firma D.... , mas que também usa e se apresenta com o nome “D....”.

Sociedade essa que, oferecendo-lhes produtos e serviços, apresentou aos opoentes um contrato de associação ao “ D....”, com vista à aquisição de um cartão de descontos, também designado por cartão turístico. E para comportar os encargos com a aquisição desse cartão foi apresentado aos oponentes o sobredito contrato de mútuo (que também vieram a outorgar).

Porém, tais contratos foram celebrados em circunstâncias anómalas e ilícitas, que determinam a sua nulidade.

Na verdade, a executada, no dia 4/8/2007, foi contactada (via telefone) por um colaborador do referido “ D....” anunciando-lhe que tinha sido contemplada com um prémio e que, para recebê-lo, deveria comparecer ainda nesse dia, acompanhado do seu cônjuge, no hotel que lhe foi indicado.

Ali chegados, com tal propósito, foi-lhes então, pelo referido colaborador do dito “ D....”, apresentado um cartão de crédito que oferecia um crédito de € 4.000,00 descontos em viagens e em compras realizadas em supermercados. Foram ainda informados que poderiam desistir a todo o momento de tal cartão e que seriam reembolsados de 20% das importâncias que houvessem pago.

Perante a pressão a que foram sujeitos, por mais de 3 horas, acabaram os executados/opoentes por subscrever os documentos que lhe foram apresentados, todavia, fizeram-no sem o domínio pleno da sua vontade e também não foram esclarecidos sobre os documentos que assinavam e as obrigações neles constantes.

Que o contrato de associação que lhes foi entregue foi integralmente preenchido pelo colaborador da sociedade D.... e não se encontra subscrito pelos opoentes e nenhum esclarecimento lhes foi feito sobre o respectivo conteúdo, o mesmo ocorrendo com o contrato de mutuo dado à execução, já que lhes foi apresentado junto com muitos outros papéis, não o preencheram e não foram informados sobre o seu conteúdo nem as obrigações nele constantes, tendo sido subscrito pelos opoentes antes das cláusulas gerais enunciadas no verso de tal contrato, sendo que tão só em 21/08/2007 receberam uma cópia desse contrato (de mútuo).

Posteriormente, e na sequência de diligências que encetaram com vista a informar-se sobre o teor daqueles contratos que assinaram, ficaram a saber que, ao contrário do que lhes fora dito, a aquisição do sobredito cartão não lhe conferia todos aquelas benefícios ou direitos que lhes fora dito serem por ele contemplados.

Tomaram só então consciência de que tais contratos eram contrários à sua vontade, e para os quais não foram devidamente informados e esclarecidos.

Para pagamento das obrigações assumidas com a celebração do dito contrato de mútuo, chegaram a entregar ao exequente (que financiou a aquisição do referido cartão) a quantia de € 342,00, correspondente ao reembolso das três primeiras prestações acordadas.

E daí a formulação do petitório acima enunciado.

2. Recebida tal oposição e dela notificado, o exequente veio contestá-la.

Para o efeito, e em sua defesa, alegou, em síntese, o seguinte:

Que foi explicado aos executados que para aderirem aos serviços hoteleiros contratados e a outros benefícios, descontos, vantagens, regalias e acesso a produtos e serviços nas empresas que utilizam a marca “ D....” deveriam proceder ao pagamento integral, a pronto pagamento ou poderiam recorrer a um financiamento, tendo sido esta a sua opção. Foi então apresentado aos executados o contrato de mútuo que estes subscreveram, tendo entregue os respectivos documentos para o seu preenchimento.

Que aos executados foi entregue a cópia de tal contrato e bem assim da declaração de revogação que dele faz parte integrante, tendo os mesmos sido devidamente informados e esclarecidos do seu teor (tendo, inclusive, sido, logo em 7/8/2007, contactados para o efeito pelo departamento de apoio ao cliente do exequente), pelo que os mesmos ficaram devidamente consciencializados não só das obrigações como também dos direitos decorrentes da assinatura de ambos os contratos, e nomeadamente do período de reflexão que as lei lhes concedia para poderem proceder à sua resolução.

Os opoentes cumpriram o contrato até 15/11/2007 (pagando três das prestações mensais que foram estipuladas para reembolso à exequente da quantia que desembolsou para os executados adquirirem o dito cartão àquela outra sociedade).

De qualquer modo, e face ao exposto, a agora invocada nulidade dos contratos, nomeadamente do mútuo, só pode configurar um verdadeiro abuso de direito por parte dos executados/opoentes, nulidade essa que, a ser declarada, sempre, todavia, imporia aos mesmos a obrigação de, à luz do artº 289 do CC, restituírem ao exequente todo o capital (€ 4.641,00) que o mesmo, em benefício e a pedido deles, entregou à sobredita sociedade.

Termos, pois, em que terminou pedindo a improcedência da oposição, com a condenação ainda dos executados/opoentes como litigantes de má fé.

3. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo-se ali dispensado, a selecção da matéria de facto.

4. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento – com a gravação dos depoimentos prestados em audiência -, que terminou com a decisão que fixou a matéria de facto dada como provada.

5. Seguiu-se a prolação da sentença, que, a final, julgou improcedente a oposição deduzida à execução.

6. Não se conformando com tal sentença, os executados/opoentes dela apelaram.

7. Nas correspondentes alegações que apresentaram de tal recurso, aqueles concluíram as mesmas nos seguintes termos:

[…………………………………………………]

8. Contra-alegou o exequente pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção do julgado.

9. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir:


***

II- Fundamentação


A) De facto.

Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

[…………………………………….]


***

B) De direito.

1. É sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual a reforma introduzida pelo acima citado DL nº 303/2007 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1, da actual versão do CPC e aqui aplicável) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.

Importa também deixar, desde já, salientado que, tal como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” referido no artº 660, nº 2, do CPC, de que o tribunal deva conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que a verdadeira e real questão que importa aqui solucionar traduz-se em saber se a execução que o exequente instaurou contra os executados/opoentes deve, ou não ser, declarada extinta, por virtude da nulidade contrato de mútuo que consubstancia o título lhe serve de base?

Vejamos.

Como vimos, o exequente baseia a execução que moveu contra os executados/opoentes com base num contrato de mútuo, reduzido a escrito particular, incumprido (na qualidade mutuários) pelos últimos, visando, essencialmente, aquele obter agora, por via dessa acção, o reembolso do capital mutuado.

Da factualidade apurada (que não foi neste objecto de qualquer impugnação ou censura) resulta que nas circunstâncias de tempo, lugar e modo ali descritas, foi celebrado um acordo escrito, denominado de contrato de associação ao “ D....”, entre a Sociedade D.... – ., e os executados/opoentes, através do qual os últimos adquiriram à primeira um cartão (denominado “Cartão D....”) que lhes permitia ter acesso a determinados bens e serviços e beneficiar de descontos, tudo nos termos melhor descriminados em tal contrato.

E foi para financiar a aquisição de tal cartão que, mas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas na matéria de facto acima elencada como assente, que foi celebrado, entre o exequente e os executados, o referido contrato de mútuo, que serve de base à execução.

Na sua oposição sustentaram, contra a tese perfilhada pelo exequente, a nulidade de tais contratos, fundamentada, essencialmente, no facto de no momento da assinatura do contrato de mútuo não lhes ter sido entregue um exemplar ou cópia do mesmo, bem como de nem sequer lhes terem sido explicadas as suas cláusulas e o seu conteúdo; ocorrendo igualmente tal ausência de esclarecimento no que concerne ao contrato de associação para aquisição do dito cartão, violando-se, assim, também os deveres legais de informação e comunicação a que aqueles respectivos outorgantes estavam obrigados.

Na sentença recorrida concluiu-se, no que tange à nulidade de tais contratos, não se ter verificado a invocada violação dos deveres de comunicação e informação (previstos nos artºs 5º e 6º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL nº 446/85 de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DLs nºs 220/95 de 31/8 e 249/99 de 7/7), mas que essa nulidade se verificava já no que concerne ao aludido contrato de mútuo por, em violação do disposto no artº 6, nº 1, do DL nº 359/91 de 21/9, não ter sido entregue aos executados uma cópia do mesmo contrato no momento em que o assinaram. Todavia, considerou-se ali que essa nulidade não poderia operar por se ter concluído haver abuso de direito dos executados/opoentes na sua invocação, e daí que, por força de tal, se tenha acabado por julgar válido tal contrato e, consequentemente, improcedente a oposição, mandando-se prosseguir a execução.

É contra tal entendimento que se insurgem os opoentes neste seu recurso.

Apreciemos.

Caracterizemos, antes de mais, aqueles dois tipos de contrato celebrados pelos executados/opoentes.

No que concerne ao contrato que celebraram, com a Sociedade D...., com vista à aquisição do sobredito cartão “ D.... ”, e que as partes denominaram “contrato de associação”, atentas as circunstâncias que envolveram a sua celebração, ele configura um contrato equiparado ao contrato ao domicílio (cfr. artº 13, nºs 1 e 2 al. d), do DL nº 143/2001 de 26/4, na sua primitiva versão, ou seja, antes das alterações que ainda recentemente lhe foram introduzidas pelo DL nº 82/2008 de 20/5, e que aqui não são aplicáveis por o contrato ter sido já concluído aquando da entrada em vigor deste último diploma).

No que concerne ao contrato que celebraram com o exequente, ele configura claramente um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de mútuo, que se encontra regulamentado pelo DL nº 359/91 de 21/9 (cfr. artº 1). Diploma esse que, não obstante ter sido recentemente revogado pelo artº 33 do DL nº 133/2009 de 2/6, continua a aplicar-se ao contrato em apreço por ser na sua plena vigência que o mesmo foi concluído, tal como dispõe o artº 34, nº 1, desse último DL).

Será, pois, à luz de tais diplomas primitivos (dos DLs nºs 143/2001 e 359/91, o primeiro transpondo para a nossa ordem jurídica interna a Directiva 97/7/CE, de 20/5, e o segundo as Directivas nºs 807/102/CEE, de 22/12/86, e 90/88/CEE, de 22/2/90) que aqueles respectivos contratos serão analisados.

É patente que os executados/opoentes aparecem em tais contratos na veste de consumidores (cfr. artº 2, nº 1 da Lei nº 24/96 de 31/7 – Lei da Defesa do Consumidor -; artº 2, nº 1, do citado DL nº 359/91 e artº 1, nº 3 al. a), do aludido nº 143/2001), enquanto que o exequente e a tal sociedade D.... se apresentam, respectivamente, na veste de credor e de fornecedor (cfr., respectivamente, artº 2, nº 1 al. c), e artº 1, nº 3 al. b), daqueles dois últimos diplomas).

Como é sabido, com maior nitidez sobretudo a partir das últimas duas décadas do século passado, vem-se assistindo a uma cada vez maior preocupação dos Estados do mundo civilizado em tomarem medidas no sentido de protegerem cada vez mais o cidadão consumidor das práticas e técnicas comerciais, cada vez mais agressivas e inovadoras, utilizadas pelas empresas e grupos económicos no sentido de colocarem os seus produtos ou serviços no mercado e de os venderem ao cidadão cada vez mais indefeso. Perante tais práticas ou técnicas, o postulado da igualdade formal, como base de toda a negociação privada, deixou, cada vez com mais frequência, de ser assegurado na realidade prática dos nossos dias, em que o consumidor aparece cada vez mais fragilizado e desprotegido.

Pois bem, foi com base nessa preocupação de protecção do consumidor, já manifestada pelo nosso legislador Constitucional (cfr. artº 60 da CRP), que foram publicados aqueles diplomas, a par de muitos outros (vg., por ex., DL nº 446/85 de 25/10 – que instituiu e disciplinou o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais).

Dentro daqueles técnicas, é hoje cada vez mais frequente ser o próprio fornecedor do bem, por si ou por terceiro (que muitas vezes promove), a financiar o consumidor para a aquisição do seu produto ou serviço.

Foi precisamente isso que sucedeu no caso sub júdice, já que foi a própria fornecedora/vendedora do tal cartão “D...” (D....) que promoveu, através do banco exequente, o financiamento dos executados/opoentes para a aquisição desse cartão.

Daí que os referidos contratos (o denominado “contrato de associação”, que já vimos ser juridicamente equiparado aos contratos ao domicílio, e o contrato de crédito ao consumo, na forma ou modalidade de mútuo), como bem se salientou na sentença recorrida, sendo embora distintos e autónomos entre si, estão, todavia, ligados funcionalmente um ao outro, naquilo que é designado por uma “união de contratos”. Na verdade, esse nexo funcional entre tais contratos chega a influir na sua disciplina, criando ou podendo criar entre eles uma relação de interdependência bilateral ou unilateral, de tal modo que as vicissitudes de um podem repercutir-se no outro, levando a que a invalidade de um deles possa afectar ou estender-se ao outro, arrastando-o também para a sua destruição. (Vidé, a propósito, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed., Almedina, 2005, págs. 200/2001”; Ac. do STJ de 14/2/2008, processo 08B074, Acs. da RC de 26/2/2008, processo 295/06.6TBCNT.C1, e de 22/1/2008, processo 2695/06.2YXLSB.C1, sendo relator do penúltimo o 1º adjunto deste, publicados nos sites dos respectivos tribunais, in www.dgsi.pt/).

E em reforço do que acabámos de afirmar, veja-se, o que se encontra plasmado no artº 19, nº 3, do citado DL nº 143/2001, onde se dispõe, a propósito do direito de resolução, que “sempre que o preço do bem ou serviço for total (como sucedeu no caso, dizemos nós) ou parcialmente coberto por um crédito concedido pelo fornecedor ou por um terceiro com base num acordo celebrado entre este e o fornecedor, o contrato de crédito é automática e simultaneamente tido por resolvido, sem direito a indemnização, se o consumidor exercer o seu direito de resolução em conformidade com o disposto no artº 18º, nº 1”, e ainda o preceituado no artº 12, nº 1, do citado DL nº 359/91 onde se estatui que “se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, a validade e a eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor entre o credor e o vendedor na preparação ou conclusão do contrato” (situação essa que se mostra ser claro que ocorreu no em apreço).

Reportando-se ao contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, aqui directamente em causa, convém começar por sublinhar, na linha daquilo que supra já deixámos expresso, que no preâmbulo do referido DL nº 359/91, que regulamentou os créditos ao consumo, o legislador deixou bem vincado que importa proteger o consumidor das condições abusivas frequentemente insertas nesses contratos e garantir-lhe uma informação completa e verdadeira, susceptível de contribuir para uma correcta formação da vontade de contratar.

Norteada por essa preocupação, o legislador fez plasmar no artº 6º nº 1, desse citado diploma que o “O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura”.

Por sua vez, fez estipular no artº 7º, nº 1, que “O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior”.

Acrescentando o seu n.º 4 que “A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor”. (todos os sublinhados são nossos)

Como bem se enfatizou na sentença recorrida, da conjugação de tais normativos e dos interesses perseguidos pelo legislador que lhe estão subjacentes, fica, desse modo, patente que o aludido artigo 6º, nº 1, tem natureza imperativa, impondo a efectiva entrega ao consumidor de um exemplar do contrato, no momento da sua assinatura, sob a cominação da nulidade deste.

Com a assinatura do contrato inicia-se o período de reflexão que o artigo 8º, n.º 1, do referido diploma legal assegura ao mutuário, pelo que este deve receber um exemplar do contrato, de forma a estar em condições de efectivamente ponderar, durante esse período de tempo, as consequências do compromisso assumido e, assim, exercer ou deixar de exercer, esclarecidamente o direito potestativo extintivo de arrependimento que essa disposição legal lhe confere.

Trata-se de uma nulidade atípica, pois, como se extrai do artº 7, nº 4, só poderá ser arguida pelo consumidor. Estamos, pois, perante uma solução nova, original e atípica cuja razão de ser encontra o seu eco na tutela do consumidor. (Vidé, em tal sentido, e entre muitos outros, ainda Gravato Morais, in “Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, 2007, págs. 104/106; Ac. do STJ de 7/1/2010, processo 08B3798, publicado in “www.dgsi.pt/jstj”; Ac. do STJ de 22/6/2005, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XIII, T2-134” e Ac. da RC de 12/2/2008, processo 366/05.6TBTND-A.C1, publicado in “www.dgsi.pt/jtrc).

Posto isto, e reportando-nos, agora, mais concretamente ao caso sub júdice do aludido contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, alegaram, além do mais, os executados/opoentes que não lhes foi entregue um exemplar desse contrato na altura em que o assinaram.

Como se viu, era sobre o exequente que impendia o ónus de provar que foi entregue àqueles um exemplar de tal contrato no momento da assinatura do mesmo. Porém, calcorreando a matéria factual descrita como assente, verifica-se o credor/exequente não logrou fazer tal prova.

Logo, por força do disposto nas disposições conjugadas dos atrás citados artºs 6º, nº 1, e 7º, nºs 1 e 4, do DL nº 359/91, ter-se-á de concluir, tal como se fez na sentença recorrida, pela nulidade do aludido contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, que o exequente celebrou com os executados/opoentes.

O apelado, tal como deixa transparecer nas suas contra-alegações de recurso, parece perfilhar a tese daqueles que defendem que o citado artº 6, nº 1 - ao estipular a obrigatoriedade da entrega ao consumidor de um exemplar do contrato no momento da assinatura do mesmo – apenas será de aplicar aos contratos celebrados entre presentes, e não já aos contratos celebrados entre ausentes.

Mas mesmo que fosse de perfilar tal entendimento, será que in casu se estaria perante um contrato celebrado entre ausentes?

Dissertando a esse propósito, a dado passo escreve Gravato Morais (in “Ob. cit., págs. 97/98”) «(…) porém a prática negocial trouxe muitas variantes a este modelo. É muito comum que a subscrição do contrato pelo consumidor e a correspondente entrega do documento seja efectuada perante o vendedor com poderes para representar o financiador. Aliás, ao fornecedor são muitas vezes remetidas pelo dador de crédito “propostas de financiamento” que, depois de preenchidas com a ajuda do comerciante e no seu estabelecimento, são por este envidas para o credor. Embora o vendedor não disponha da faculdade de aprovação do crédito, que compete exclusivamente ao financiador, ele intervém activamente na fase preparatória à celebração do contrato e no exacto momento da sua conclusão. Porém, aqui não se suscita nenhuma dificuldade, já que a contratação opera entre presentes» (sublinhado nosso). No mesmo sentido parece apontar também o Ac. do STJ de 2/2/1999, processo 99B387, publicado in www.dgsi.pt/jstj, considerando-se ali que tal nulidade relacionada com o motivo a que nos vimos aludindo se verifica mesmo no caso de o mutuário celebrar o contrato perante um intermediário, que depois o remete ao mutuante.

Ora, basta a atentar na matéria factual acima descrita como assente (cfr. especialmente o facto inserto no nº 10) para se verificar que a mesma configura a situação atrás acabada de descrever, e desse modo não se pode, verdadeiramente, considerar o contrato de mútuo aqui em causa como sendo um contrato celebrado entre ausentes.

Mas mesmo que assim não se entenda, e seja de considerar o referido contrato como sendo um contrato celebrado entre ausentes, constitui entendimento claramente prevalecente no sentido de continuar a não ser de prescindir da exigência de o mutuário receber um exemplar do contrato no momento em que o assinou, e as razões, que estão por detrás da imperatividade da norma do citado artº 6, nº 1, têm a ver com os motivos que estão subjacentes ao direito potestativo, a exercer no período de 7 dias após a assinatura do contrato, que é concedido ao consumidor para se poder arrepender da celebração de contrato, e que supra já deixámos expandidas, ou seja, visando-se com tal exigência permitir ao consumidor que, desde logo, possa reflectir sobre o conteúdo do contrato e das implicações que dele decorrem a fim de, designadamente, poder exercer aquele direito de revogação do mesmo que lhe é conferido pelo artº 8, nº 1, do citado DL nº 359/91.

Na verdade - tal como se escreveu no Ac. do STJ de 7/1/2010, processo 08B3798, publicado in “www.dgsi.pt/jstj”, que passaremos a citar – “a lei poderia ter optado por solução diferente, quando determinou que o período de reflexão se contasse desde a data da assinatura do contrato; nomeadamente, poderia ter estabelecido que apenas decorresse a partir da recepção do exemplar.

Não foi essa, no entanto, a opção tomada. É incontestável que só há contrato com a aceitação pela contraparte, nos termos gerais – cfr. nomeadamente o artigo 232º do Código Civil. Mas o que resulta dos referidos preceitos, no caso de contratos assinados, primeiro pelos consumidores depois pelo mutuante, como foi o caso, é que deve ser entregue ao consumidor a proposta contratual que assinou no prazo de sete dias a contar dessa assinatura, porque é a contar dessa data que começa a contar o prazo de “arrependimento” que o nº 1 do artigo 8º lhe concede, tenha entretanto havido aceitação ou não.

Como todos sabemos, “a proposta de contrato”, que se torna eficaz, segundo o nº 1 do artigo 224º do Código Civil, logo que chegue ao poder do destinatário ou dele seja conhecida, “é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida”, como se estabelece no nº 1 do artigo 230º do Código Civil. Ora a conjugação do disposto no nº 1 do artigo 6 e do nº 1 do artigo 8º com este regime geral permite-nos entender o alcance da escolha do momento da assinatura pelo consumidor, quer se trate de uma proposta de contrato, quer de um contrato já concluído”. (cfr. ainda, nesse mesmo sentido, além daqueles atrás já citados, Acs. do STJ de 7/7/2009, in procs. nºs 6773/04.4TVLSB.S1 e 369/09.01YFLSB; Ac. da RLx de 22/10/2009, proc. nº 12153.1YXLSB.L1-8, todos publicados nos sites dos respectivos tribunais, em www.dgsi.pt., e Ac. do STJ de 22/6/2005, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XIII, T2-134”).

É assim, repetindo o já acima afirmado, de concluir - devido à falta de entrega aos mesmos do respectivo exemplar do contrato no momento em que o assinaram -, pela nulidade do sobredito contrato de mútuo celebrado entre o exequente e os executados/opoentes.

Diga-se ainda, com vista a esgotar a temática, que o facto de posteriormente, em 21/8/2007, os executados terem vindo a receber o original do aludido contrato que lhe foi enviado pelo exequente, tal, como constitui entendimento prevalecente na nossa doutrina e jurisprudência, não conduz a sanação da referida nulidade, convalidando o contrato (cfr. Gravato Morais, in “Ob. cit., págs. 106/107”, e abundante jurisprudência ali citada, com a exposição dos vários argumentos ali aduzidos que sustentam tal posição).

Pois bem, aqui chegados, importa agora apurar, se a invocação de tal nulidade consubstancia um verdadeiro abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium”)?

Em sentido afirmativo se concluiu na sentença recorrida (com o aplauso do exequente/apelado), sendo que contra tal entendimento se insurgem os opoentes/apelantes.

Vejamos.

Teçamos, antes de mais, umas breves considerações sobre tal figura júridica.

Foi para obviar a situações que se nos deparariam como clamorosamente injustas que no nosso ordenamento jurídico se consagrou a figura do abuso de direito, de que uma das suas manifestações mais evidentes e conhecidas é a proibição do conhecido princípio de venire contra factum proprium, e a que o prof. Antunes Varela entende estar ligado através da fórmula “manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé”, de que fala o artº 334 do Código Civil.

Tal figura jurídica encontra-se, assim, e como é sabido, consagrada no citado normativo legal.

Aí se dispõe que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como é sabido, a concepção legal adoptada, no nosso ordenamento jurídico, de abuso de direito é objectiva. Na verdade, não é necessária a consciência de se atingir com o seu exercício a boa fé, os bons costumes, ou o fim social ou económico do direito conferido, basta que os atinja. Isto não significa, todavia, que ao conceito de abuso de direito sejam alheios de todo, pelo menos em determinadas circunstâncias, factores subjectivos.
Com base no abuso do direito, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico e racional do direito que a lei confere a outrem, o que não pode é, com base nesse instituto, requerer que este seja inteiramente despojado dele.
A nota típica do abuso do direito reside, assim, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou o contexto em que ele deve ser exercido.
Todavia, exige-se, em quaisquer das circunstâncias, que o excesso manifesto. Ou seja, os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. Tem, de tratar-se, pois, por isso, de uma situação clamorosa, de um direito exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, isto é, e dito de outro modo, o sujeito terá de ultrapassar de forma evidente ou inequívoca os referidos limites de que fala o citado normativo (cfr. o prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações, pág. 63” e o prof. Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações, 6.ª ed., pág. 14”).

Ou seja, os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. E para isso, isto é, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na comunidade, sendo que no que respeita, porém, aos limites impostos pelo fim social ou económico do direito em causa haverá que atender aos juízos positivamente consagrados na lei (vidé, por todos, e para mais desenvolvimento, ainda os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., págs. 296 e ss.”; o prof. Coutinho de Abreu, in “Do Abuso do Direito, Coimbra 1983, págs. 55 e ss” e o prof. Almeida Costa, in “RLJ, Ano 129, pág. 61 e ss”).

No fundo, podemos dizer, e citando o prof. Menezes Cordeiro, (in “Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo”, Almedina, 2006, pág. 63”), que o abuso de direito e a boa fé a ele subjacente representam, assim, sempre uma válvula do sistema: permitem corrigir soluções que, de outro modo, se apresentariam contrárias a vectores elementares.

Como já referimos, uma das manifestações mais evidentes da tal figura do abuso de direito encontra-se consubstanciado no conhecido brocado ou princípio de venire contra factum proprium, violadora fundamentalmente dos princípios da boa fé e, sobretudo, da confiança porque se devem reger as relações entre as partes, e que visam ser protegidos com o referido instituto.

Diremos, por último, que quando, como no caso em apreço, está em causa uma nulidade formal, vem sendo, como se sabe, discutida, entre nós, a possibilidade legal do funcionamento do instituto do abuso de direito.

Contra essa possibilidade invoca-se, essencialmente, o facto de associado a esse nulidade estar a violação de normas de carácter imperativo que têm subjacentes a si interesses de ordem pública, tais como a certeza e a segurança do direito e do comércio em geral. (Em defesa dessa posição vidé, por ex., o profs. Batista Machado, in “Obra Dispersa, Vol. I, Braga, 1991, págs. 408/409” e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. 2, 4ª ed., pág. 756”)

A favor dessa possibilidade invoca-se que subjacentes ao instituto estão igualmente interesses de ordem pública, tais como o da realização da própria Justiça. (Em defesa dessa posição vidé, por ex., os profs. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo IV, 2005, Coimbra, págs. 203 e 205”; Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actualizada, Coimbra, 1986, pág. 436 e ss” e Heinrich Horster, in “Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1992 - reimp. 2000 -, págs. 285/286”).

O que se pode dizer é que vem constituindo hoje entendimento dominante no sentido de admitir o abuso de direito mesmo perante causas de nulidade formal, embora com carácter de alguma excepcionalidade, ou seja, com alguma parcimónia e cuidado. (Cfr., por todos, Ac. da RLx de 10/12/2009, processo 1067/2001.L1-2, publicado in www.dgsi.pt/jtrl e Gravato Morais (in “Ob. cit., págs. 107/111”).

Postas tais considerações, e tendo-as sempre presentes, viremo-nos, agora, para o caso em apreço.

Como vimos, a nulidade em causa só ao exequente pode ser imputada.

Uma das situações que costuma ser apontada nos casos de mútuo, pela doutrina e jurisprudência, como susceptíveis de configurar, nos casos de invocação de nulidade do contrato por parte do consumidor/mutuário, um venire contra factum proprium (ou seja, por o direito estar a ser exercido em contradição com a sua conduta anterior) é pagamento feito pelo mesmo das prestações do mútuo durante um longo período de tempo.

Ora, no caso os executados apenas procederam ao pagamento das três primeiras prestações, num total de 48 que estavam escalonadas (cfr. nº 23 dos factos assentes).

Por outro lado, extrai-se também da matéria factual apurada que durante esse período de tempo (em que eram devidas as referidas três prestações pagas) foi havendo contactos entre os executados/opoentes e a tal sociedade fornecedora do dito cartão, e à qual aqueles foram pedindo esclarecimentos, quer sobre o aludido cartão, quer sobre o contrato de mútuo, os quais, perduraram, aliás, de Agosto (altura em que receberam o original do contrato de mútuo) a Dezembro de 2007 (cfr. pontos nºs 21 e 24). Sublinhe-se que se mostra compreensível que os contactos tenham sido estabelecidos com a referida sociedade que lhes forneceu o dito cartão, já que, no fundo, foi com ela que directamente “negociaram” os referidos contratos.

Note-se ainda que as cartas que os executados enviaram, quer ao exequente, quer à tal sociedade, nas quais manifestam a vontade de anular os respectivos contratos, coincidem, de algum modo (em termos aproximados), com o final daquele período de contactos, sendo que os motivos aí adiantados para o efeito correspondem, na sua essencialidade, àqueles que agora invocaram em sua defesa nesta acção (cfr. teor das cartas juntas a fls. 48/49 e 51/54, dadas por reproduzidas, respectivamente, nos pontos nºs 6 e 7 dos factos assentes), o que deixa transparecer (tal como, aliás, ressalta do teor de tais cartas) que só no final de tais contactos é que se terão sentido devidamente esclarecidos sobre verdadeiro alcance dos respectivos contratos que assinaram.

Sublinhe-se ainda que os opoentes não chegaram sequer a usar do prémio da viagem com que “foram aliciados” para se deslocarem ao local onde tais contratos vieram a ser por si assinados (cfr. nºs 14 e 21 dos factos assentes), e nem consta da matéria factual apurada que tenham chegado a usufruir do referido cartão.

A juntar a tudo isso, atente-se que as concepções ético-jurídicas dominantes na comunidade nacional (e não só) vão, como vimos, no sentido do reforço da protecção do cidadão consumidor como parte mais frágil, e não só do ponto de vista económico - e que vêm sendo sucessivamente positivadas na legislação produzida sobre a matéria.

Ora, perante tal, e salvo sempre melhor opinião, não pode concluir-se que comportamento adoptado pelos executados/opoentes, de invocarem a sobredita nulidade do contrato de mútuo, esteja em plena contradição com o comportamento que, a tal propósito, adoptaram no passado, e muito menos que o exercício do direito de invocarem a nulidade do contrato de mútuo se mostre, no caso, manifesta ou clamorosamente ofensivo dos sentimentos de justiça dominantes.

Logo, e ao contrário do que se fez na sentença recorrida, somos levados a concluir não ser abusivo o direito que os executados/opoentes exerceram ao invocarem a nulidade de tal contrato.

Nesses temos ter-se-á de declarar que o contrato de mútuo é nulo.

Ora, baseando-se a execução em tal contrato (no qual, in casu, assenta o próprio título executivo, com ele se “confundindo”), tal conduz a que reconheça que o exequente não é titular do direito de crédito exequendo, ou seja, do direito que visa executar (contra os executados/opoentes)

E sendo assim ter-se-á de julgar extinta a execução, e dar ser efeito a(s) penhoras que, à sua luz, tenha(m) sido levada(s) a efeito no respectivo processo.

Desse modo, torna-se inútil apreciar aqui as por aqueles também invocadas violações dos deveres de comunicação e informação, já que foi atingido o desiderato que, com tal invocação, se visava directamente atingir.

Pediam ainda os executados/opoentes que, por um lado, se declarasse também a nulidade do sobredito contrato (denominado “contrato de associação”) que celebrou com a sociedade D.... e, por outro, que o exequente fosse ainda, em consequência da declaração da nulidade do contrato de mútuo, condenado a restituir-lhes a importância de € 342,00, correspondente ao total das três prestações que, com vista ao reembolso do mesmo, já lhe haviam entregue.

É sabido que a oposição à execução se configura como uma acção de estrutura declarativa, mas que está intimamente ligada à acção executiva (correndo por apenso a ela – cfr. artº 817, nº 1, do CPC).

Não se baseando (como sucede no caso) a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a formula executória, além dos fundamentos especificados no nº 1 do artº 814, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados em processo de declaração. Porém, assume características próprias, pois, por exemplo, está vedado aos opoentes contra-atacarem por via reconvencional, não sendo igualmente permitidos a intervenção de quaisquer outros intervenientes para além dos exequentes e executados.

Porém, e tal como decorre do 817, nº 4, do CPC, com a oposição à execução visa-se tão

permitir obter a extinção da execução, no todo ou em parte, mediante o reconhecimento da inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, ou seja, e por outras palavras, a oposição tem unicamente por finalidade evitar o prosseguimento da acção executiva.

Daí que não seja possível na oposição à execução obter o pronunciamento sobre questões que vão além da defesa por impugnação ou por excepção, com vista atingir tal desiderato (da extinção, total ou parcial, da execução). Oposição essa que, tendo muito embora a estrutura de uma acção declarativa, jamais poderá assumir a natureza de um acção condenatória (há, porém, quem lhe associe características de uma acção constitutiva), pelo que, consequentemente, também não poderá a sentença ter efeitos condenatórios. (Vidé, no sentido defendido, e para maior e melhor desenvolvimento sobre a temática, o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, págs. 323 e 324”, e in “A Acção Executiva, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, págs. 171, 189 e ss” e o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, Almedina, 2005, pág. 165”).

Do exposto, resulta a conclusão que não são este o meio e o local próprios para os executados/opoentes obterem tutela para aquelas suas pretensões, o que terão de fazer em acção própria, e o mesmo se dizendo no que concerne ao natural direito que assiste ao exequente de obter, por força da declarada nulidade do contrato de mútuo, a restituição da importância mutuada.

Resta, por fim, apreciar a pretensão dos executados/opoentes no sentido de o exequente ser sancionado nos termos do estabelecido no artº 819 do CPC.

Dado que não alegam quaisquer danos e nem formulam qualquer correspondente pedido de indemnização, depreende-se que apenas pugnam pela aplicação ao exequente da sanção/multa ali prevista.

Com tal normativo visa-se sancionar o exequente pelo recurso indevido à acção executiva.

Como decorre do citado normativo, são três os grandes pressupostos presidem à aplicação da referida sanção: a) que a oposição à execução proceda; b) que tenha não tenha a execução sido precedida da prévia citação para a mesma do executado; c) e que o exequente não tenha agido com a prudência normal.

Já vimos que o 1º pressuposto se mostra verificado, pois que a extinção da execução foi totalmente atingida, por inexistir o direito exequendo.

No que refere ao 2º pressuposto, os presentes autos de recurso não contêm os elementos indispensáveis (já que os autos de oposição subiram em recurso sem vir acompanhados dos autos de execução) que nos permitam saber, com absoluta segurança, se no caso houve ou não prévia citação dos executados (pois se hoje a regra é a dos autos prosseguirem sem citação prévia do executado, todavia, como se sabe, essa regra comporta excepções – cfr., os conjugados artºs 234, nº 4 al. e), 812-C a 812-F do CPC), muito embora tudo aponte que essa citação prévia não ocorreu (dado do tipo de execução em causa e os termos em que s mesma foi instaurada).

Porém, e independentemente de tal, somos de opinião que o terceiro pressuposto não se mostra preenchido e pelo seguinte:

Como ressalta já do que atrás começamos por expressar, a sanção prevista no citado artº 819 assenta no pressuposto de que o exequente recorreu indevidamente à execução. Daí que a prudência normal que lhe é exigida se reporta tão somente à execução e ao momento em que a instaura. Prudência que, naturalmente, terá que ser aferida segundo a diligência de um bom pai de família.

Ora, será que in casu se poderá censurar, por imprudência, o exequente por ter instaurado a execução?

A nossa resposta é negativa, e pelo seguinte:

É inquestionável que o exequente emprestou aos executados a quantia que reclamava na execução (por não lhe ter sido paga, tal como se haviam obrigado), na sequência de um contrato de mútuo, retratado no documento (título) em que fez basear a execução.

E daí que se afigure perfeitamente compreensível que tenha instaurado a execução.

É certo que a execução veio a ser declarada extinta, por se ter reconhecido que o referido contrato de mútuo era nulo, pelas razões que supra se deixaram explicitadas. Porém, a natureza específica dessas razões não são de molde a fazer, sem mais, concluir pela imprudência do exequente na instauração da execução.

E daí que se decida não sancionar, à luz do citado artº 819, o exequente pela instauração da acção executiva


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, na parcial procedência do recurso e da oposição, acorda-se em revogar a sentença da 1ª instância, declarando extinta a execução instaurada pelo Banco A...., contra B.... e sua mulher C.... e, em consequência, dar ser efeito a(s) penhoras que, à sua luz, tenha(m) sido levada(s) a efeito no respectivo processo (com as legais consequências daí decorrentes).

Custas pelo exequente/apelado e pelos executados/apelantes, na proporção do seu decaimento e que para o efeito fixo em 2/3 para o primeiro e em 1/3 para os segundos.