Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1689/11.OTACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
COMPETÊNCIA MATERIAL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL CRIMINAL
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS E 3.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTIGOS 76.º, N.º 1, DO CPC; ARTIGOS131.º A 133.º DA LOFTJ
Sumário: I - Não obstante a previsão do artigo 76.º, n.º 1, do CPC (hodiernamente, artigo 73.º), para o conhecimento de acção de honorários de mandatário judicial é materialmente competente, não o tribunal criminal onde correu termos o processo no qual foi prestado o serviço, mas o tribunal de competência genérica ou de competência específica em matéria cível.

II - Efectivamente, aquele normativo prevê a competência territorial por conexão, sendo irrelevante quanto à competência material.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

A... intentou, no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, proveniente de injunção, contra B....

Por despacho de 10 de Outubro de 2013, a Sr. Juiza titular declarou aquele tribunal territorialmente incompetente.

Remetido o processo ao 3.º Juízo Criminal de Coimbra, o Sr. Juiz proferiu decisão na qual julgou o “seu” tribunal incompetente em razão da matéria para o conhecimento da referida acção.

Ambas as decisões transitaram em julgado.

O Exmo. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de a competência para o efeito acima assinalado pertencer ao tribunal cível da residência do réu na respectiva acção, mas, em questão prévia que suscitou, convocando os artigos 43.º, n.º 3, e 59.º, n.º 2, ambos da LOFTJ (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), entendeu também ser do Presidente desta Relação de Coimbra a competência para dirimir o conflito que se nos depara.

Por seu turno, o autor da acção cível acima identificada, A..., apresentou alegações; em síntese conclusiva, nelas solicitou a prolação de decisão sobre o anunciado conflito negativo de competência.


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II. Fundamentação:

É do seguinte teor o despacho da Sr.ª Juíza do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos (transcrição parcial):

«(…).

Tendo por base a nota de honorários, o Requerente lançou mão do processo de injunção.

Deduzida oposição, a acção “transforma-se” em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.

Contudo, a aplicação do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1.09, não poderá afastar a regra especial para este tipo de acções, em matéria de competência territorial.

Com efeito, dispõe o artigo 73.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (….).

Assim sendo, o tribunal competente para apreciar a presente acção especial para cumprimento de obrigações em que está em causa a cobrança de honorários de mandatário judicial é o tribunal onde correu termos a acção onde foram prestados os serviços (3.º Juízo Criminal de Coimbra), e por apenso a esta (processo n.º 1689/11.0TACBR).

Decorre do exposto que, o presente tribunal é incompetente em razão do território para tramitar a presente acção, sendo que a infracção das regras de competência em razão do território determina a incompetência relativa do Tribunal (artigo 102.º do CPC) e configura uma excepção dilatória (artigo 577.º, al. a) do CPC).

Nestes termos, após trânsito, remetam-se os autos para o tribunal competente (…)».

Por sua vez, o Sr. Juiz do 3.º Juízo Criminal de Coimbra alicerçou a sua decisão nos seguintes fundamentos:

«(…).

Os presentes autos reconduzem-se a acção declarativa de condenação (respeitante ao pagamento de honorários de advogado por serviços prestados no âmbito processual).

Ora, em conformidade com o disposto no art. 100.º da LOFTJ (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 03/99, de 13/01), com as alterações introduzidas posteriormente, “compete aos juízos criminais proferir despacho nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal e proceder ao julgamento e termos subsequentes nos processos de natureza criminal não atribuídos às varas criminais e aos juízos de pequena instância criminal”.

E isto independentemente da norma contida no art. 73.º, n.º 1, do Cód. de Processo Civil, segundo a qual, “para a acção de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta”, pois que, consoante bem se escreve no Ac. da RC de 17/01/2006 (referindo-se à anterior numeração do citado artigo), “o art. 76.º do CPC tem a sua inserção sistemática na parte atinente à competência territorial, nada relevando, pois, quanto à competência em razão da matéria do tribunal. Prevê tal norma uma competência territorial por conexão. Ou seja, o tribunal onde correu a causa onde foi prestado o serviço só será competente em razão do território para a acção de honorários, se for competente em razão da matéria, correndo a acção por apenso. Só após a definição da competência material é que operam as regras em função do território. Se não for competente em razão da matéria o tribunal onde correu a causa onde foi prestado o serviço, então a acção de honorários terá de ser intentada no tribunal de competência genérica ou de competência específica.

(…)”[1].

Semelhante caminho foi trilhado no Ac. da RC de 02/09/2009[2]:

“Tal como se decidiu no Ac. STJ de 12-07-2000, BMJ 4999, 2336 “Só após a definição da competência em razão da matéria é que operam as regras da competência territorial.

Assim se o tribunal criminal é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários, como é, não passa a ser competente por força de uma norma civil sobre a competência territorial.

Estando em causa uma acção de matéria civil é o tribunal civil o competente para julgamento…”.

(…).

Pelo exposto, declaro a incompetência em razão da matéria deste juízo criminal para decidir a questão dos autos (…)».


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Cumpre decidir:

Por força do disposto no artigo 12.º, n.º 5, al. a), do Código de Processo Penal, compete actualmente aos presidentes das secções criminais das relações, em matéria penal, conhecer dos conflitos de competência entre tribunais de 1.ª instância do respectivo distrito judicial.

Assim, a questão prévia careça de suporte legal.


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O presente conflito emerge das diferentes interpretações e abrangência normativa atribuídas pelos ilustres subscritores dos dois despachos em oposição ao artigo 73º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante apenas designado por CPC).

Preceitua o artigo 76.º, n.º 1, do CPC (redacção anterior à da Lei 41/2013, de 26-06; este diploma transmudou para o artigo 73.º o texto já criado):

«Para a acção de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta».

Esta norma, epigrafada de “Ação de honorários”, está inserida na Secção IV (“Competência territorial”), do Capítulo III (“Da competência interna”), do Livro II (“Da competência e das garantias da imparcialidade”).

Como bem é referido no segundo dos dois despachos transcritos, o normativo citado está exclusivamente dirigido à definição da competência territorial quando estão em causa acções de honorários, e nunca da competência em razão da matéria que, como é sabido, precede aquela.

Dito de outra forma, a acção de honorários só correrá por apenso ao processo onde foram prestados os serviços quando o tribunal seja materialmente competente para uma e outro.

Por conseguinte, se o tribunal perante o qual correu o processo foi exercido o mandato não é competente em razão da matéria para conhecer da acção de honorários, não é aplicável o artigo 76.º, n.º 1, do CPP.

Neste preciso sentido, escreveu o saudoso Professor Alberto dos Reis[3]:

«É manifesto que o art. 76.º nada tem a ver com a competência em razão da matéria; tem unicamente por fim resolver um problema de competência territorial, supondo, por isso, já resolvidos os problemas de competência que logicamente está antes deste, e consequentemente o problema da competência em razão da matéria.

Sendo assim, é bem de ver se o tribunal perante o qual foi exercido o mandato…não é competente em razão da matéria, para conhecer da questão de honorários, o preceito do art. 76.º não pode funcionar. O artigo manda propor a acção no tribunal da causa em que foi prestado o serviço; com esta determinação não quis atribuir-se competência ao tribunal da causa, seja qual for a sua natureza, para conhecer da acção de honorários; o que quis prescrever-se foi que, se esse tribunal tiver competência objectiva para julgar a acção de honorários, a essa competência acrescerá a competência territorial para a referida acção. Por outras palavras: o art. 76.º pressupõe necessariamente que o tribunal da causa tem competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários; e partindo desse pressuposto, atribui-se-lhe também competência, em razão do território, para a mesma acção.

Se o pressuposto falha, como no caso do mandato ter sido exercido perante um tribunal militar, administrativo, fiscal, etc., cessa a disposição do artigo».

Na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com a mesma hermenêutica, podem ver-se, inter alia, os seguintes acórdãos/decisões das Relações: da Relação de Lisboa de 23-02-2006 e 08-03-2007, procs. n.ºs 391/2006-6 e 423/2007-8, respectivamente; da Relação de Coimbra de 10-05-2005, 17-01-2006 e 02-09-2009, procs. n.ºs 384/05, 3831/05 e 171/09.OYRCBR; da Relação do Porto de 06-06-2005 e 28-11-2007, procs. n.ºs 0456359 e 0716286; da Relação de Évora de 13-12-2012, proc. n.º 339/09.0TTSTR-B-E1, todos publicados em www.dgsi.pt.     

No caso dos autos, o tribunal onde correu termos o processo que deu origem aos honorários peticionados é um Juízo Criminal, que, nos termos dos artigos 131.º a 133.º da LOFTJ, tem competência especializada criminal.

Por tudo o que se disse, não estando na previsão do artigo 76.º do CPC a atribuição de competência material, há que aplicar à presente situação as regras gerais previstas nesse compêndio legislativo, especificamente a norma do artigo 74.º, que remetem para o tribunal de Figueiró dos Vinhos a competência para o conhecimento da acção de honorários.


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III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo competência (material/territorial) para o fim acima referido ao Tribunal de Figueiró dos Vinhos.

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.


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Coimbra, 3 de Junho de 2014

(Alberto Mira)       


[1] Proc. n.º 3831/05, www.dgsi.pt.
[2] Proc. n.º 171/09.OYRCBR, www.dgsi.pt.
[3] In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, pág. 204.