Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
967/08.0TBALB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: CASO JULGADO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ALBERGARIA-A-VELHA - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 497, 498, 671 CPC, 1311,1353, 1354 CC
Sumário: 1. - A excepção de caso julgado pressupõe uma tríplice identidade entre duas acções - de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir -, com os contornos definidos pelo artigo 498º do Código de Processo Civil.

2. - Embora com zonas de convergência, por regra não se configura a referida excepção entre uma acção inicial de reivindicação e uma posterior acção de demarcação, ainda que ambas as acções incidam, no todo ou em parte, sobre o mesmo objecto de litígio.

3.- Na acção de reivindicação a causa de pedir é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade de que o autor se arroga titular, como a ofensa desse direito através ocupação abusiva do imóvel pelo réu, comportando a mesma dois pedidos, que entre si se cumulam: o do reconhecimento daquele direito de propriedade e o da restituição da coisa reivindicada (com os quais ainda pode ser cumulado pedido de indemnização se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos).

4. - Na acção de demarcação a causa de pedir traduz-se na confinância de dois prédios, pertencentes a donos distintos, e na indefinição da linha divisória que os delimita; nesta acção o pedido consiste na determinação da referida linha delimitadora entre os prédios confinantes.

5. - A acção de demarcação segue hoje a forma de processo comum, devendo na demarcação seguir-se, de forma escalonada e sequencial, os critérios previstos no artigo 1354º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

1. S (…) e mulher L (…), residentes no Largo (...) , Albergaria-a-Velha, intentaram acção declarativa sob a forma de processo sumário contra MR (…) e mulher MA (…), residentes na Rua (...) , Albergaria-a-Velha, pedindo a demarcação de um logradouro com 55,60m2, atribuindo-se 27,80 para os AA e para os RR.

Caso assim se não entenda ou tal não seja possível, peticionam que seja regulado o uso do logradouro, proibindo-se aos AA e RR o estacionamento permanente de veículos automóveis, sendo apenas permitida a entrada de veículos para efectuar cargas e descargas e apenas pelo tempo estritamente necessário, permitindo-se a arrecadação de materiais e mercadorias pelos AA e RR de forma equilibrada e junto ao prédio de cada um.

Alegam como fundamento da sua pretensão que os AA e os RR são proprietários cada um deles de um prédio urbano, os quais são contíguos entre si, e tem a separá-los uma faixa de terreno com 55,60m2, sendo que na descrição predial consta que cada um dos prédios tem 32m2 de logradouro. No entanto, as partes não conseguem delimitar a propriedade do mesmo, pelo que o pretendem fazer com a acção interposta pelos Autores.

Devidamente citados, contestaram os RR por excepção e impugnação e deduziram

pedido reconvencional.

Excepcionaram os RR o caso julgado, tendo em conta que já correu termos uma acção ordinária onde foi discutida a propriedade do logradouro, sendo que os RR, em reconvenção peticionaram subsidiariamente, a demarcação da sua parcela de terreno, bem assim que os AA/reconvindos fossem condenados a reconhecer que sobre essa parcela está constituída uma servidão de passagem de pé e carro a favor dos RR.

Por impugnação alegam que para se exigir a demarcação é necessário que esteja reconhecida a propriedade sobre o logradouro, o que não acontece.

Acrescentam que sempre foram eles (RR) que usaram o referido logradouro, e que o cimentaram.

Em reconvenção pedem que a demarcação seja concretizada considerando a boa fé que os RR/reconvintes detêm sobre a parcela, na sua totalidade, e, a título subsidiário, serem os AA/reconvindos condenados a reconhecer que sobre essa parcela está constituída uma servidão de passagem a pé e de carro a favor do prédio dos 1.ºs RR.

Os AA responderam nos termos constantes de fls. 64 e seguintes.

Foi designada tentativa de conciliação.

Proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, os AA apresentaram novo articulado, peticionando:

- Ser demarcado o logradouro com a área de 55,60m2, atribuindo-se ao AA e RR a área de 27,80m2;

- Ser traçada uma linha recta à face exterior da parede dos AA, com o comprimento de 18,50m, implantando-se um marco no topo do logradouro junto ao portão à distância de 1,735m dessa parede, e outro marco no topo oposto, à distância de 1,50m da mesma parede.

- Subsidiariamente, ser regulado o uso do logradouro, nos termos expostos inicialmente.

Os RR tomaram posição quanto à petição inicial aperfeiçoada.

Foi elaborado despacho saneador a fls. 106 e seguintes, no qual foi julgada improcedente a excepção do caso julgado invocada pelos RR. formulada.

Relativamente à reconvenção deduzida, que foi admitida, considerou-se verificada excepção de caso julgado, por os respectivos pedidos terem sido formulados e apreciados no processo nº 1171/04.2TBALB, tendo-se, com esse fundamento, determinado a “improcedência da reconvenção”.

Foi seleccionada a matéria de facto considerada relevante à decisão da causa, sem reclamação.

Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida decisão sobre a matéria a ele submetida, igualmente sem reclamação.

Por fim, foi proferida sentença que, julgando provada e procedente a acção proposta pelos Autores, determinou a “demarcação do logradouro existente entre o prédio dos AA e dos RR, mencionado em A) e B) do seguinte modo:

- O logradouro que tem a área total de 55,60 m2 é atribuído aos AA e RR, na proporção de 27,80m2, para cada um.

- A divisão do logradouro, entre os prédios dos AA e RR referidos em A) e B) opera-se traçando uma linha recta à face exterior da parede dos AA, com o comprimento de 18,50m, implantando-se um marco no topo do logradouro junto ao portão à distância de 1,735m dessa parede, e outro marco no topo oposto, à distância de 1,50m da mesma parede”.

2. Por não se conformarem com tal decisão, bem como com a decisão proferida em sede de despacho saneador sobre as excepções de caso julgado, interpuseram os Réus recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

(…)

Os apelados contra-alegaram, pugnando pela confirmação das decisões impugnadas.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

2. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:

- Existência/inexistência de excepção dilatória de caso julgado;

- Critérios atendíveis para a demarcação.

 

III. FUNDAMENTOS DE FACTO

Pela primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:

A) Na Conservatória de Registo Predial de Albergaria-a-Velha, sob o n.º (...) encontra-se inscrita a aquisição, por sucessão hereditária, a favor dos AA do seguinte prédio:

- urbano, sito no Largo (...) da freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, com 139 m2 de área coberta e 32 m2 de área descoberta, confinando de norte com EN 41; de sul com (...) ; de nascente com herdeiros de (...) (actualmente com os RR) e de poente com EN 10 inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. (...) .

B) Na Conservatória de Registo Predial de Albergaria-a-Velha, sob o n.º (...) encontra-se inscrita a aquisição a favor dos RR, por compra, do seguinte prédio:

- urbano, sito no Largo (...) da freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, com 286 m2 de área coberta e 32 m 2 de área descoberta confinando de norte com EN 16; de sul com (...) ; de nascente com (...) e de poente com EN 1 inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. (...) .

C) Os dois prédios são contíguos entre si.

D)Têm a separá-los uma faixa de terreno com a dimensão de 55.60 m2 desde o portão junto à via pública, até à parte posterior de ambos os edifícios.

E) Apresentando tal faixa a configuração aproximada de um rectângulo com 18,50 m2 de comprimento.

F) Com 3,47 m de largura junto ao portão.

H) Com 3 m de largura no extremo oposto.

I)Com 3,10 m de largura sensivelmente a meio.

J)O prédio dos AA. ao nível do r/c encontra-se arrendado para comércio de uma barbearia e de um minimercado.

K) O minimercado tem duas portas a abrir directamente para a faixa referida em D).

L) Existe uma terceira porta aberta para a dita faixa que dá acesso ao interior da residência dos AA..

M) O prédio dos AA. tem também três janelas abertas para o logradouro.

N) O referido logradouro tem servido para os RR estacionarem permanentemente a sua viatura automóvel.

O) A actual configuração da referida faixa não permite que aí sejam colocadas duas

viaturas sem que uma fique à frente da outra.

P) Tal situação implicaria que AA. e RR. tivessem de pedir a uns e outros que removessem o veículo automóvel estacionado junto ao portão para que pudesse sair a outra viatura automóvel.

Q) A completa ausência de diálogo entre AA. e RR. não permite a manutenção de uma tal situação.

R) Os AA têm arcas que estão na referida faixa com rações para cães que se encontram no canil que aqueles mantêm.

S) A actual configuração do logradouro e quando ai se encontre estacionado algum veículo, em caso de incêndio ou outro tipo de desastre, o acesso ao interior de ambos os prédios pelo logradouro apresenta maior dificuldade não obstante quer aos autores quer os réus poderem colocar alguns bens e materiais na dita faixa de terreno junta aos seus prédios.

            IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Da excepção do caso julgado

1.1. Nesta acção que os Autores S (…) e L (…) intentaram contra os Réus MR (…)e MA (…), invocaram os primeiros que:

- eles e os Réus são proprietários de prédios contíguos entre si,

- entre esses prédios existe uma faixa de 55,60 m2, desconhecendo-se qual a área que pertence a cada uma das partes;

- na descrição predial desses prédios consta que ambos incluem um logradouro de 32 m2,

Formulam os Autores, com base nesse circunstancialismo fáctico, pedido de demarcação dessa área, com atribuição de 27,80 m2 a cada um dos litigantes.

Os Réus na sua contestação invocaram excepção de caso julgado.

Conforme certidão junta aos autos, constata-se ter corrido termos a acção de Processo Ordinário nº 1171/04.2TBAL, na qual, além dos Autores e Réus, foi também Ré “Pensão (…), Ldª”.

Alegaram os Autores na mencionada acção que:

- São donos de um prédio urbano, que inclui um logradouro de 32 m2 que confina com um prédio urbano dos RR.

-Tal prédio veio à posse dos Autores por sucessão hereditária, tendo o mesmo sido adquirido por compra pelos pais do Autor marido, em 1958.

-Têm-no usado desde essa data.

-Nesse logradouro os Réus têm vindo a depositar artigos vários relacionados com a actividade da pensão, além de parquearem aí as suas viaturas.

Com fundamento na referida factualidade invocada, peticionaram os Autores que:

1. Fosse declarado o direito de propriedade e posse sobre esse logradouro;

2. Os Réus fossem condenados a reconhecer tais direitos;

4. Os mesmos fossem condenados a manter liberto de coisas de qualquer natureza, e a não mais utilizar esse logradouro pertencente ao prédio dos Autores.

Contestaram e reconvieram os Réus na referida acção, alegando serem eles os proprietários desses 32 m2 de terreno, invocando terem-no adquirido por usucapião.

Formularam os seguintes pedidos reconvencionais:

1. Que fosse declarado o direito de propriedade dos reconvintes sobre o portão e o trato de terreno, de cerca de 55,60m2 de área, existente entre as paredes dos prédios dos Autores e dos Réus, o qual inclui a parcela de 32 m2 de logradouro que os primeiros têm registado a seu favor;

2. Que fosse ordenado o cancelamento do registo do logradouro de 32m2 de área inscrito a favor dos Autores;

3. Que fossem os Autores condenados a reconhecer o direito de propriedade dos demandantes sobre o prédio identificado no art. 5º da contestação, sobre o portão e o trato de terreno de cerca de 55,60m2 de área existente entre paredes dos prédios dos Autores e dos RR., onde se inclui os 32m2 de logradouro;

4. Que fossem os Autores condenados a restituírem aos Réus esse trato de terreno;

5. Que os mesmos fossem condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos RR. desse mesmo trato de terreno;

6. Que fossem os Autores condenados ao pagamento de uma indemnização pelos danos já causados e a causar pela privação da utilização do referido trato de terreno;

7. Que fossem os Autores condenados como litigantes de má-fé em multa e no pagamento de uma indemnização;

Subsidiariamente,

8. Que fosse demarcada a parcela de terreno de 32m2 de área que os AA. qualificam como logradouro; e

9. Que fossem os Autores condenados a reconhecer que sobre essa parcela está constituída uma servidão de passagem a pé e de carro a favor do prédio dos Réus.

A acção foi julgada totalmente improcedente, por decisão transitada em julgado, sendo os Réus absolvidos dos pedidos contra eles formulados pelos Autores, e igualmente julgada a reconvenção totalmente improcedente, com absolvição dos Autores/Reconvindos dos pedidos contra eles deduzidos pelos Réus/Reconvintes.

O caso julgado constitui excepção dilatória[3], de conhecimento oficioso[4], que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância[5].

            De acordo com o nº1 do artigo 497º do Código de Processo Civil, “as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à listispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”.

Para o Prof. Manuel de Andrade[6] a excepção do caso julgado traduz-se em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social.

O instituto do caso julgado encerra em si duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal[7].

A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça[8].

De extrema pertinência, para a discussão da situação em análise, se revelam os ensinamentos do Prof. Castro Mendes[9], a propósito do efeito preclusivo do caso julgado: “Fora da hipótese de factos objectivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida «rebus sic stantibus» - cremos que os «contradireitos» que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura. «O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem»”.

E adianta, esclarecidamente, o mesmo Autor: “a paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto.

Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha.

A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objecto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu.

(…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado.

(…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que «não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado». O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo «ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim», tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo «princípio-irmão» do caso julgado material.

(…) A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. Sucede isso no processo cominatório pleno, em que faz caso julgado uma questão decidida apenas pela aplicação de normas de direito processual civil. E sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.”

A decisão transita em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação[10], e a excepção de caso julgado destina-se a “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”[11].

            Segundo o artigo 498º do citado Código, que descreve os requisitos da litispendência e do caso julgado, “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir” (nº1); sendo que:

            - “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – nº 2;

            - “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico” – nº 3;

            - “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – nº 4.

            Como decorre do preceito em causa, a excepção do caso julgado supõe uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.

A determinação da identidade dos sujeitos não oferece dificuldades particulares: “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial”[12]. Não tem de existir coincidência física, sendo indiferente a posição que assumam em ambos os processos[13]. Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as mesmas assumam em ambos os processos.

No caso vertente, autores/reconvindos e os réus/reconvintes assumem a mesma posição em ambas as acções, tendo na acção nº 1171/04.2TBALB intervindo, na posição de ré/reconvinte, também “Pensão (…), Ldª”

A identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado[14].

A identidade de pedidos ocorrerá se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter”.   

            A dificuldade maior coloca-se quanto à determinação da identidade nas causas de pedir.

            Tem a doutrina distinguido duas teorias, quanto à causa de pedir, a da individualização e a da substanciação, cuja conceptualização não deixará de se repercutir na delimitação da excepção do caso julgado.

Esta última, que encara a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito[15], foi a que encontrou acolhimento na lei adjectiva portuguesa. Dela resulta que se integram no conceito de caso julgado os factos invocados que forem injuntivos da decisão. Ou seja, “a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito”[16] .

            Já Alberto dos Reis[17] defendia que “há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma de lei invocada pela parte. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal. Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir”, acrescentando: “o Tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir.”

Para Miguel Teixeira de Sousa[18], “o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento”.

Quando, porém, o procedimento instaurado integre uma causa de pedir complexa, isto é, formada por um acervo de factos que integram previsão de normas constitutivas diversas, existindo concurso ou concorrência de normas, e tendo ocorrido improcedência da primeira acção, só existirá identidade de causa de pedir “se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo, permitindo nele identificar as normas aplicáveis”[19].
A acção nº 1171/04.2TBALB tal como foi configurada pelas partes é claramente uma acção de reivindicação, arrimada no nº1 do artigo 1311º do Código Civil, segundo o qual “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”.
Como explica Rodrigues Bastos[20]: “a reivindicação é a acção exercida por uma pessoa que reclama a restituição de uma coisa de que é proprietário. A reivindicação funda-se, portanto, na existência do direito de propriedade, e tem por fim a obtenção da coisa (...). O objecto da acção deve ser uma coisa determinada, móvel ou imóvel”, ou, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela[21], “a acção de reivindicação (...) é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela”.
Ainda segundo o primeiro dos citados Autores, “a causa de pedir desta acção é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação abusiva do imóvel pelo réu, sendo estes factos que o autor tem de provar para obter a procedência da acção, com condenação nos dois pedidos que deve formular: o do reconhecimento daquele direito e o da restituição da coisa reivindicada, nada impedindo que a esses pedidos se juntem outros, como o de indemnização, se se verificarem os requisitos legais da cumulação”[22].
Como se afirma no acórdão desta Relação de 22.01.2002[23], “a natureza da acção de reivindicação resulta, imediatamente, da causa de pedir, objectivada no direito de propriedade, e do fim visado pelo autor, que é constituído pela declaração da existência da sua propriedade e pela entrega do objecto sobre o qual o seu direito de propriedade incide”.
Do que resulta exposto, evidencia-se já que a acção de reivindicação comporta necessariamente dois pedidos que se hão-de cumular: “o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio)[24].
A acção agora proposta - acção de demarcação - é claramente distinta da acção de reivindicação (quanto aos efeitos jurídicos pretendidos e quanto ao complexo factual que lhes serve de suporte).
A acção de demarcação pressupõe que o autor alegue: a titularidade dos prédios confinantes, a contiguidade dos mesmos e a indefinição dos seus limites.
Ainda que em alguns pontos se toquem, as causas de pedir de cada uma das referidas acções são perfeitamente distintas.
Como se retira do Acórdão desta Relação de 24.11.2009[25], “se as partes discutem o título de aquisição, se o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno porque a adquiriu por usucapião, sucessão, compra ou doação, isto é, se estiver em discussão a qualidade relativa à determinação de quem adquiriu validamente a parcela de terreno em litígio, a acção é de reivindicação; se se não discute o título mas antes se aprecia a sua importância relativamente ao prédio, como por exemplo, se o autor discute em que termos deve ser feita a sua medição, se em metros ou varas, ou a extensão do prédio que possui, se o que está em discussão é um aspecto puramente quantitativo que tem que ver com a determinação da área correspondente aos prédios entre os quais aquela incerteza se verifica, então a acção é de demarcação”.
Ou seja: “tanto na acção de reivindicação como na acção de demarcação se discute uma questão de domínio relativamente a uma faixa de terreno. O critério para distinguir as duas acções faz apelo à diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios: se as partes discutem o título de aquisição, a acção é de reivindicação; se não se discute o título, mas a extensão do prédio possuído, a acção é de demarcação”[26].
Escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2006[27]: “para averiguação da existência do caso julgado não é indiferente o objecto do processo e a apreciação que dele se faça na sentença, como o não é a natureza das acções em confronto.
(…) perante uma acção de reivindicação e outra de demarcação, é natural que haja coincidência ou sobreposição de vários elementos da situação de facto que estão na origem dos pedidos.

Com efeito, como é natural, apenas se reivindica ou se pede a fixação de estremas quando se entende que há ou que pode haver violação do direito de propriedade pelo uso, em extensão, que o dono do prédio vizinho está a dar a uma faixa de terreno confinante com a do autor: - Se este dá como certa a estrema e pede a restituição da parcela, a acção é de reivindicação; - mas, se não tem por seguros os limites, ou tendo-os não pode ou não quer enfrentar a respectiva dificuldade probatória, então pedirá a fixação da linha divisória, podendo, por via indirecta, obter o mesmo resultado (…).
…na acção de reivindicação, o facto gerador do direito de propriedade invocado – causa de pedir – assentava em actos de posse caracterizadores da aquisição da parecela por usucapião, enquanto nesta acção o facto de que procede a pretensão é a confinância e a controvérsia sobre a linha delimitadora dos lotes.
Mas, mais claramente, os pedidos e os resultados jurídico e prático visados – sem prejuízo de se reconhecer que pode haver coincidência prática de resultado - não são confundíveis: - Na reivindicação, se o autor prova os limites que alega vê reconhecido o direito sobre a parcela na sua totalidade (ganha tudo). Se não prova, o litígio mantém-se, pois fica sem se saber quais são os limites (não ganha nem perde); - na demarcação, diferentemente, o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho da causa ou nenhum.
A demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a estado de incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios, incerteza que bem pode resultar do anterior insucesso, por falência da prova, da reivindicação de uma faixa de um deles por um dos confinantes.
É também o que decorre dos pedidos que, segundo a lei, integram e caracterizam cada uma das acções. Reivindica-se para pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa ou parte dela e a respectiva restituição, mas intenta-se acção de demarcação para obrigar o dono de prédio confinante a concorrer para a definição e fixação da linha divisória, não definida (arts. 1311º e 1353º C. Civil).
Diversos, pois, os pedidos e causas de pedir, como, de resto, é postulado pela própria natureza das acções e respectivo objecto, o que afasta a pretendida ofensa de caso julgado formado na anterior acção de reivindicação lidada entre as mesmas Partes (no mesmo sentido, acs. STJ de 27/7/82 (proc. 070114), 12/12/02 (proc. 02A3688) e 21/01/03(proc. 02A3029)”.
Não há, pois, identidade de causas de pedir entre esta e a acção nº 1171/04.2TBALB.

E também quanto aos pedidos formulados pelos Autores em ambas as acções[28] não existe coincidência. Ainda que na primitiva acção os Réus peçam, a título subsidiário, a demarcação de uma área de 32 m2, como se faz notar no despacho saneador aqui impugnado, “…é manifesto que nunca na reconvenção se alegaram factos que integrassem os pressupostos da acção de demarcação.

Pelo contrário, sempre essa contestação/reconvenção foi perspectivada no sentido de fazer reverter a favor dos RR o efeito pretendido pelos AA – reconhecimento de que a faixa reivindicada pelos AA pertencia aos RR.

Quando assim não fosse, que se identificasse essa parcela de 32 m2 (e é apenas como sinónimo de identificar que a expressão demarcar aparece, em sentido impróprio portanto) e se reconhecesse que estava constituída a favor dos RR uma servidão de passagem”.

Não se configura, por conseguinte, a excepção dilatória de caso julgado que os Réus, ora apelantes, invocaram em sede de contestação.

1.2.Diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.05.2010[29], “…a análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através de duas vertentes, que em nada se confundem:

- uma delas reporta-se à excepção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas acções – contendo uma delas decisão já transitada – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

- a outra vertente reporta-se à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão”.

Segundo Rodrigues Bastos[30], citado no mesmo acórdão, “... enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.

E elucida o mesmo acórdão: “Embora os princípios expostos estejam vocacionados para o caso julgado material, não deixam os mesmos de cobrar aplicação – agora circunscritos à força e autoridade do caso julgado – relativamente às decisões que se formam no interior do próprio processo.

O mesmo se diga relativamente à problemática dos seus limites objectivos.

A este propósito, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “... em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165)”.

E a propósito da mesma questão, retira-se do Acórdão de 27.09.2005 desta Relação[31]: “a questão da extensão, alcance e limites do caso julgado é complexa.
É, contudo,
“communis opinio” que a figura jurídica do caso julgado, para além de eventuais razões de defesa do prestígio dos tribunais, evitando a sua colocação perante a contingência de definir num sentido uma situação concreta já validamente definida em sentido diferente Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, vol. III, pág. 384, não reconhece a esta razão qualquer valor., tem por objectivo assegurar a certeza e segurança jurídica, indispensáveis à fluidez do comércio jurídico e até à estabilidade e paz social.

O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente”.

O Acórdão desta Relação de 28.09.2010 distingue deste modo a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.

A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do Código de Processo Civil”.

Escrevem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[32]: “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção”.

De acordo com o nº1 do artigo 671º do Código de Processo Civil, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771º a 777º”.

Ou seja, quando a decisão se torna definitiva, por não poder já ser susceptível de reclamação, nem de recurso ordinário, a mesma transita em julgado[33], formando-se então o caso julgado: formal, com efeitos apenas no processo em que foi proferida, quando não tenha conhecido de mérito; e material, com efeitos dentro e fora do processo em que haja sido proferida, quando tenha sido de mérito.

Mais uma vez, esclarecem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[34]: “seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art. 672). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado).

(…) Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida (…)”.

A imutabilidade da decisão transitada em julgado encontra no recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 771º do Código de Processo Civil expressão da sua excepção.

Determina este normativo: “A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si, só seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665º, por não se ter apercebido da fraude”.

O recurso de revisão visa combater e sanar um vício ou irregularidade processual de especial gravidade, de entre o elenco taxativo descrito na citada norma e está sujeito ao limite temporal fixado no artigo 772º do Código de Processo Civil.

Não pode a parte vencida em anteriores processos contra ela instaurados, cujas decisões se hajam tornado definitivas pelo respectivo trânsito em julgado, contornar a imodificabilidade dessas decisões através de acção por ela interposta, ou reconvenção deduzida em acção instaurada posteriormente, em que a causa de pedir redunde nalgum dos fundamentos tipificados para o recurso de revisão, único meio processual adequado a arredar essa imodificabilidade.

Como fundamento para os pedidos reconvencionais que formularam na acção em que foi proferida as decisões objecto de recurso, os Réus/Reconvintes alegaram no essencial:

- que sempre usaram, na sua totalidade, a parcela objecto de litígio para cargas, descargas e depósito de mercadorias destinadas a uso no comércio instalado no prédio urbano, assim como para parqueamento das suas viaturas, e para passagem, a pé e de carro, para o seu prédio;

- que foram eles (Réus) que cimentaram o piso dessa parcela e executaram todas as obras de conservação do mesmo, que construíram uma estrutura de metal que cobre toda a extensão da parcela e aí instalaram electricidade, cujos encargos suportam, assim foram eles que executaram todas as obras de conservação e de reparação do portão;

- que esses factos vêm sido praticados ininterruptamente há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.

Ou seja: invocando haverem adquirido por usucapião a parcela de terreno em disputa, pretendem os Réus que a demarcação se efectue de molde a englobar no seu prédio aquela parcela.

Trata-se de matéria já antes invocada na primeira acção - artigos 18º a 28º da contestação nela apresentada.

Nessa acção foi considerada provada a seguinte factualidade:

- Naquela faixa de terreno encontram-se montados uma torneira e o contador da água pública do prédio pertencente aos AA;

- A parte interior do portão que veda o acesso da parcela à via pública está suportada por um ferro cravado na parede do prédio pertencente aos RR;

- Foram os RR que edificaram a estrutura de metal que cobre toda a extensão dessa parcela de terreno e que aí instalaram electricidade para iluminação desse espaço. Consumo que pagam regularmente;

- Foram os RR que pintaram o portão que veda o acesso da parcela à via pública

- Desde a sua aquisição que os AA e seus antecessores gozam a faixa de terreno existente entre os prédios dos AA e RR de forma regular, à vista de toda a gente e sem oposição convictos que esta também a eles pertence, pelo menos em parte.

- Do prédio dos AA faz parte uma varanda, ao nível do primeiro andar, ao longo de todo o logradouro, com 1,35 metros de largura e com janelas que abrem para esse logradouro;

- No rés-do-chão, o prédio dos AA tem três portas e três janelas abertas directamente para a faixa de terreno;

- O prédio dos RR tem três janelas ao nível do 1º andar, voltadas para esse logradouro;

- O mesmo prédio tinha abertas para essa faixa de terreno, no seu rés-do-chão duas portas com acesso directo ao mesmo, portas tapadas em 1999.

- O Ré marido parqueava nessa parcela de terreno veículos automóveis a si pertencentes e também à 2ª Ré, com conhecimento dos pais do Autor e depois com conhecimento dos AA;

- A segunda Ré passou a utilizar o logradouro como depósito e arrumação de mercadorias, designadamente vasilhame, garrafões, grades, sacos de batatas, caixas de madeira, alguidares, partes deles encostadas à parede do prédio dos AA;

- Os AA por vezes parqueavam a sua viatura na faixa de terreno em apreço;

- Os AA usam a água que provém da torneira antes referida, tendo-a também usado para lavar a sua viatura na faixa de terreno;

- Os RR utilizam a faixa de terreno desde 1973;

- Desde essa altura que os RR usam a parcela de terreno para carga, descarga e depósito de mercadorias destinadas a uso no comércio instalado no prédio descrito em f);

- Vêm também utilizando essa parcela para parqueamento dos seus veículos automóveis, incluindo os utilizados na actividade comercial, tendo algumas vezes ficado aí instalados veículos de hóspedes;

- Utilizavam e utilizam a mesma também para passagem a pé para o seu prédio;

- Foram os primeiros RR que mandaram cimentar o chão dessa parcela de terreno em toda a sua extensão;

- Os primeiros RR mandaram executar a mudança de fechadura e reparação do referido portão;

- Tal ocorreu sem oposição de quem quer que seja;

- Os primeiros RR levaram a cabo tais actos na convicção de que essa faixa de terreno e o portão também a eles pertencem, pelo menos em parte;

- Os AA utilizavam e utilizam aquela faixa de terreno para passagem a pé para a sua habitação.

E na fundamentação jurídica da sentença proferida no aludido processo nº 171/04.2TBALB escreveu-se: “discutem as partes a propriedade e posse da parcela de terreno, designada de logradouro, existente entre os edifícios dos AA e RR, dizendo cada um deles que a mesma lhes pertence em exclusivo, pretendendo que se lhe reconheça tal direito através da acção e da reconvenção, respectivamente, daquela parcela de terreno (…).

No caso presente não resultou provado que uma ou outra das partes, de forma exclusiva, tenha praticado actos de posse conducentes à aquisição por usucapião, daquela parcela de terreno designada de logradouro (…).

Tal evidencia (…) que esse logradouro entre os dois edifícios sempre foi utilizado, indistintamente, por uns e outros dos proprietários de tais prédios, ao longo dos anos, aí colocando materiais e utensílios ou estacionando as respectivas viaturas, em função das necessidades de cada um. Não é relevante para a aquisição dominial saber quem colocou mais vezes o automóvel nesse espaço, aí depositou mais mercadorias ou quem pintou ou cuidou do portão mais vezes ou quem colocou a cobertura desse logradouro. Tais actos não representam mais do que aquilo que é natural fazer o utilizador, proprietário o comproprietário da coisa, com aceitação ou tolerância dos restantes, em benefício de todos (…).

Constata-se, pois, que nem AA nem RR praticaram em exclusivo, actos de posse sobre tal área de logradouro, por tempo bastante, nem sequer algum deles actuou no convencimento de que o mesmo lhe pertence em exclusivo (…), por forma a que pudesse reconhecer-se a aquisição do direito de propriedade sobre tal área pela via da usucapião, a uns ou outros”.

Do que resulta que a relação dominial, a aquisição da propriedade com base no instituto da usucapião foi largamente debatida e apreciada naquela acção, cuja decisão, face à factualidade nele apurada, concluiu pela indemonstração por cada uma das partes, em exclusivo, de actos possessórios sobre a parcela cuja propriedade cada uma delas reivindicava para si, o que conduziu à improcedência da acção e da reconvenção.

Não pode, por isso, aquela controvertida questão ser objecto de novo de apreciação, porquanto já foi definitivamente discutida e decidida na primeira acção.

O pedido subsidiário de reconhecimento de servidão, também formulado subsidiariamente na acção nº 1171/04.2TBALB, foi também objecto de apreciação e conhecimento nesta última, em cuja sentença se dispôs: não pode proceder o pedido subsidiário deduzido por estes últimos (RR) quanto á demarcação da parcela de 32 m2 que os AA invocam, que não se apurou nem sabe onde é, e reconhecimento de constituição de servidão de passagem sobre a mesma a seu favor, porque também não resultaram provados factos constitutivos desse pretenso direito”, pelo que, também nessa parte, não pode tal questão ser objecto de nova discussão, sob pena de violação da autoridade de caso julgado.

            Improcedem, assim, as conclusões recursivas quanto à excepção dilatória do caso julgado decidida em sede de saneador na dupla vertente de inexistência quanto à acção e existência quanto à reconvenção, merecendo tal decisão apenas reparo quanto ao efeito jurídico decorrente da verificação da referida excepção.

            Com efeito, a existência dessa excepção não determina a improcedência da reconvenção, como decidiu a primeira instância, antes implicando a absolvição da instância dos Autores relativamente aos pedidos reconvencionais contra eles formulados pelos Réus/Reconvintes, conforme decorre do nº2 do artigo 493º do Código de Processo Civil.

2. Da demarcação

Nos termos do disposto no artigo 1353º do Código Civil, “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles”.

Ao contrário da acção de reivindicação, que tem por escopo o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição do prédio ou de parte dele por parte de quem o possua ou detenha sem título para o efeito, a acção de demarcação - que segue hoje a forma de processo comum - não tem por finalidade o reconhecimento, a aquisição ou a modificação de qualquer direito real sobre os prédios, mas apenas o estabelecimento da linha divisória entre prédios confinantes pertencentes a donos diferentes.

Nesta última, a causa de pedir consiste na confinância dos prédios e na indefinição da linha delimitadora entre eles.

Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.09.2010[35], “embora conexa com o direito das coisas, trata-se de uma acção pessoal e não real porquanto não tem como fito principal ou acessório o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos (reais) definidos no art.º 2.º do C. Reg. Pred., por reporte ao art.º 3.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma. Não se pretende obter através dela a declaração de um qualquer direito real ou a definição da sua amplitude. A qualidade de proprietário (de um dado terreno ou prédio), adrede invocada pelo autor, é apenas condição da sua legitimatio ad causam. Daí que a respectiva causa de pedir resida «no facto complexo da existência de prédios confiantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosas», que não no facto que originou o invocado direito de propriedade (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 26-9-2000, in BMJ n.º 499.º, p. 294)”.

O artigo 1354º do Código Civil estabelece quais os critérios a seguir para se proceder à demarcação:

“1 – A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um, e na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.

2 – Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.

3 – Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um”.

Manda, assim, a lei atender, de forma sequencial:

a) Aos títulos existentes;

b) À posse dos confinantes ou ao que resultar de outros meios de prova;

c) À distribuição em partes iguais do terreno objecto do litígio ou na proporção dos respectivos títulos se estes indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno.

Segundo o acórdão da Relação do Porto de 15.01.2008[36], “na acção de demarcação não se discutem os títulos de propriedade, nem se admite prova contra eles; a prova admitida é apenas a destinada a definir a linha divisória de acordo com os títulos existentes.

Quais, então, os títulos a ter em consideração?

Desde logo, os títulos de propriedade, nos quais vêm referidas, muitas vezes, as confrontações dos prédios e também as suas áreas. Será também o caso da certidão do registo de posse. Um outro título, deveras importante, é a planta do prédio. Segundo Cunha Gonçalves, ob. cit. pág. 128, “a planta é o retrato do terreno, retrato que se faz por processos matemáticos, com aparelhos de precisão, como o teodolito, e até por meio de fotogrametria aérea. A planta é, portanto, um trabalho técnico; tem uma veracidade natural”. É claro que os níveis de precisão científica na feitura de plantas prediais foram substancialmente melhorados desde então até aos nossos dias, o que confere ainda mais acerto às palavras daquele ilustre autor.

E o que dizer das inscrições matriciais e das descrições prediais?

Serão, umas e outras, títulos para os efeitos do disposto no artigo 1354º?

A resposta tem de ser negativa.

As primeiras relevam apenas no plano fiscal. De facto, é sabido que a finalidade das inscrições matriciais é essencialmente de ordem fiscal, não lhes sendo reconhecidas virtualidades para definir o conteúdo ou a extensão do direito de propriedade sobre qualquer prédio. Baseiam-se em participações dos interessados nas respectivas Repartições de Finanças, não sujeitas, em regra, ao controlo destas entidades – cfr., entre muitos outros, o Ac. Relação de Coimbra de 09.03.1999, CJ, Ano XXIV, Tomo II, pág. 14, e Ac. STJ de 04.12.2003, processo n.º 03B2574, em www.dgsi.pt
As descrições prediais constantes do registo, por seu lado, também não têm o condão de definir, em definitivo, as confrontações ou as áreas dos prédios a que respeitam, até porque estes elementos podem ser completados, rectificados, restringidos, ampliados ou inutilizados, por meio de averbamentos. Assim, com base no registo predial não se pode afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, só por tal constar da respectiva descrição – v. Ac. Relação de Coimbra, de 05.06.1984, CJ, Ano IX, tomo 3, pág. 60 e Ac. Relação do Porto, de 07.11.1995, processo n.º 9520439, em www.dgsi.pt.
Não se divisa, pois, qualquer interesse em discutir o que consta ou não consta das inscrições matriciais e das descrições prediais dos imóveis em questão, mais a mais quando se sabe que as partes não concordam com as referências que constam desses documentos, nomeadamente no que respeita às áreas e às confrontações dos prédios.
Por outro lado, os títulos de propriedade e as várias plantas juntas também não nos dão referências seguras e incontroversas sobre a correcta definição da linha que os há-de dividir. A este assunto das plantas, e da sua insuficiência, havemos de voltar mais adiante.

A questão da demarcação dos prédios também não pode ser resolvida pela posse.
Segundo ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, pág. 202, “há, quanto à prova, uma diferença sensível entre o que se passa na acção de demarcação e na acção de reivindicação. Nesta, o reivindicante tem de fazer a prova da propriedade … ao passo que naquela o autor não precisa de provar a posse pelo tempo necessário para a usucapião (basta provar que é possuidor) …”.
Porém, acrescentam aqueles autores, “A simples posse não havendo tempo necessário para a usucapião (caso em que o problema que se suscita é outro), não deve ter o relevo bastante para se sobrepor a qualquer outra prova (...). A posse pode ser arbitrária ou abusiva. Ela será assim um elemento que, tal como quaisquer outros elementos, ajuda a fixar a convicção do tribunal”.

No caso em apreço, quer os Autores quer os Réus são proprietários de prédios urbanos, entre si confinantes, cada um deles com uma área descoberta de 32 m2. A presunção registral, que atribui a cada um dos prédios de Autores e Réus a referida área descoberta, não se mostra ilidida.

Apurou-se que a separar os prédios urbanos dos Autores e dos Réus, antes identificados, existe uma faixa de terreno com a área de 55.60 m2 desde o portão junto à via pública, até à parte posterior de ambos os edifícios, apresentando tal faixa a configuração aproximada de um rectângulo com 18,50 m2 de comprimento, com 3,47m de largura junto ao portão, com 3 m de largura no extremo oposto, com 3,10 m de largura sensivelmente a meio. 

Resultou ainda demonstrado que a referida faixa de terreno vem sendo usada indistintamente por Autores e Réus. Não se mostra comprovado que alguma das partes tenha exercido de forma exclusiva actos de posse sobre a totalidade do logradouro ou mesmo sobre uma parte determinada dele. Como se referiu na sentença proferida no processo nº 1171/04.2TBALB, “nem os Autores nem os Réus praticaram, em exclusivo, actos de posse sobre tal área de logradouro, por tempo bastante, nem sequer algum deles actuou no convencimento de que o mesmo lhe pertence em exclusivo (o contrário seria também ilógico e destituído de fundamento), por forma a que pudesse reconhecer-se a aquisição do direito de propriedade sobre tal área de terreno pela via da usucapião, a uns ou outros”.

A posse de boa fé, de mais de 30 anos, que os Réus alegam ter sobre a faixa de terreno e que os mesmos pretendem que seja considerada na demarcação, já foi invocada e apreciada na primitiva acção de reivindicação, pelo que não pode ser novamente objecto de discussão sob pena de ofensa à autoridade do caso julgado

Tal faixa de terreno tem uma área inferior à soma da área descoberta dos dois prédios constante do registo (32m2+32m2=64m2).

Não sendo os títulos suficientes para a determinação dos limites dos prédios dos Autores e dos Réus, nem podendo essa determinação ser obtida com recurso a outros elementos de prova, a definição da linha divisória só poderá ser alcançada aplicando o critério previsto no nº 3 do artigo 1354º do Código Civil, o que a sentença recorrida fez.
Não merece, deste modo, a mesma qualquer reparo, improcedendo as conclusões dos apelantes também nesta parte.

*
Síntese conclusiva:
- A excepção de caso julgado pressupõe uma tríplice identidade entre duas acções - de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir -, com os contornos definidos pelo artigo 498º do Código de Processo Civil.
- Embora com zonas de convergência, por regra não se configura a referida excepção entre uma acção inicial de reivindicação e uma posterior acção de demarcação, ainda que ambas as acções incidam, no todo ou em parte, sobre o mesmo objecto de litígio.
- Na acção de reivindicação a causa de pedir é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade de que o autor se arroga titular, como a ofensa desse direito através ocupação abusiva do imóvel pelo réu, comportando a mesma dois pedidos, que entre si se cumulam: o do reconhecimento daquele direito de propriedade e o da restituição da coisa reivindicada (com os quais ainda pode ser cumulado pedido de indemnização se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos).
- Na acção de demarcação a causa de pedir traduz-se na confinância de dois prédios, pertencentes a donos distintos, e na indefinição da linha divisória que os delimita; nesta acção o pedido consiste na determinação da referida linha delimitadora entre os prédios confinantes.
- A acção de demarcação segue hoje a forma de processo comum, devendo na demarcação seguir-se, de forma escalonada e sequencial, os critérios previstos no artigo 1354º do Código Civil.

*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar as decisões recorridas, com ressalva dos efeitos jurídicos decorrentes da verificação da excepção de caso julgado, que importa a absolvição dos Autores/Reconvindos da instância relativamente aos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus/Reconvintes, e não a “improcedência da reconvenção”, conforme decidido no despacho saneador.

Custas pelos apelantes.


Judite Pires ( Relatora )

Carlos Gil ( voto de vencido )

Fonte Ramos


Voto de vencido:

Voto vencido no que respeita à inverificação da autoridade de caso julgado relativamente á acção, porquanto as razões que levaram à procedência desse instituto relativamente à reconvenção, salvo melhor opinião, também se verificam relativamente à acção. Independentemente desta questão, que conduziria à absolvição da instância dos réus relativamente à acção, parece-me claro, como é sustentado a certo passo do acórdão que a descrição predial não abarca na sua força presuntiva a composição do prédio descrito, pelo que não se percebe que se considere mais tarde que a presunção do registo abarca o logradouro com área de 32 m2.

Carlos Gil


[1] Artigos 684º, nº 3 e 685º-A do C.P.C., na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma.
[3] Artigo 494º, i) do Código de Processo Civil.
[4] Artigo 495º do Código de Processo Civil.
[5] Artigo 493º, nº2 do mesmo diploma legal.
[6] “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 305 e 306.
[7] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pág. 93.
[8] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 94.
[9] “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, págs. 178 e segs.
[10] Artigo 677º do Código de Processo Civil.
[11] Artigo 497º, nº2 do Código de Processo Civil.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.01.94, CJ ano IX, T1, 198.
[13] Assim, existe identidade de partes ainda que o autor na segunda acção tivesse a posição de réu na acção precedente.
[14] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 08.03.2007, CJSTJ, tomo I, pág. 98 e segs.
[15] Cf. Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, pág.204 e segs.
[16] Acórdão da Relação de Coimbra, 17.05.2005, processo nº 3904/04, www.dgsi.pt.
[17]Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, págs. 121, 124.
[18]Estudos Sobre O Novo CPC”, pág. 576.
[19] Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, págs. 323 e 324.
[20] “Notas ao Código Civil”, vol. V, 1997, pág. 64.
[21] “Código Civil anotado”, vol. III, pág. 112.
[22] ob. cit, pág. 65-66.
[23] Processo nº 3233/2001, www.dgsi.pt.
[24] Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 113; no mesmo sentido, Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, págs. 846-847, Acórdão da Relação de Lisboa, 15/5/74, Boletim do Ministério da Justiça 237º-298.
[25] Processo nº 43/09.9T2ALB.C1, www.dgsi.pt.
[26] Acórdão da Relação de Coimbra, 17.01.2006, processo nº 2786/05, www.dgsi.pt.
[27] Processo nº 06A2504, www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2009, processo nº 1407/04.0TBAGD.C1.S1, www.dgsi.pt.

[28] Na acção de demarcação o efeito jurídico que com ela se visa obter é o da determinação da linha divisória entre os dois prédios contíguos.
[29] Processo nº 3749/05.8TTLSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[30]Notas ao Código de Processo Civil”, Volume III, páginas 60 e 61.
[31] Processo nº 1970/05, www.dgsi.pt.
[32] “Código de Processo Civil anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354.
[33] Artigo 677º do Código de Processo Civil.
[34] “Ob. cit”. pág. 713 e segs.
[35] No mesmo sentido, entre outros, Acórdãos da Relação do Porto, de 06.03.2008, de 12.10.2010, respectivamente, processos nºs 0831102 e 934/07.1TBOVR.P1, www.dgsi.pt.
[36] Processo nº 0722611, www.dgsi.pt.