Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1056/08.3TBGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: AVAL
LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
FALSIDADE
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.7, 10, 30, 32, 48, 75, 77 LULL, 46, 56 CPC
Sumário: 1. Só quando o aval é incompleto, ou seja, quando se omitem as palavras “bom para aval”, é que, para ser considerado aval, a simples assinatura do terceiro tem de ser aposta na face anterior da letra.

2. A livrança em branco destina-se normalmente a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento. Este pacto de preenchimento mais não é do que o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, o tempo do vencimento, o lugar do pagamento, a estipulação de juros, etc.

3. Se os avalistas subscreveram o pacto de preenchimento, a morte do subscritor não provoca a caducidade do direito de preenchimento da livrança.

4. A falsidade da assinatura do subscritor da livrança, a existir, não consubstancia um vício de forma e, como tal, não está abrangida no 2º parágrafo do artigo 32º da LULL. Não sendo uma excepção pessoal do avalista, não pode tal circunstância ser oposta pelo mesmo ao portador/sacador da livrança, mantendo-se a sua obrigação cambiária.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. I (…) veio deduzir oposição à execução instaurada por B (...) Crédito - Instituição Financeira De Crédito, S.A., contra si e marido M (…), alegando, em suma, que o teor da livrança dada à execução é falso, uma vez que o seu subscritor, (…), faleceu em momento anterior à data nela aposta, não podendo ser deste a respectiva assinatura nessa data, sendo que a oponente também não reconhece como sua a assinatura constante do documento dado em execução, inserta na sua face anterior, abaixo do dizer “Dou o meu aval ao subscritor”.

A exequente contestou, alegando, em síntese, que por contrato de mútuo celebrado a 16.6.2006, financiou o referido (…), no montante de capital de 4.850 €, a liquidar em 36 mensalidades, iguais e sucessivas, no valor de 194,37 € cada, no valor total de 6.997,32 €, e destas os executados apenas procederam ao pagamento de 7 prestações, pelo que, sendo portadora de uma livrança em branco assinada pelo punho do falecido, como subscritor, e pelo punho dos executados, como avalistas, em 16.6.2006, preencheu-a pelo valor em dívida, acrescido dos respectivos juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, apondo como data de emissão a correspondente ao momento do incumprimento, em conformidade com o pacto de preenchimento celebrado entre as partes. Que a assinatura do I (...) não é falsa, nem a dos seus pais executados, nomeadamente da oponente, tendo tido conhecimento do falecimento do financiado Igor, razão pela qual intentou acção apenas contra os avalistas.

Veio, então, a oponente invocar que, face às 7 prestações liquidadas, o valor aposto na livrança excede o montante em dívida, que o aludido contrato de mútuo contemplou a subscrição de um contrato de seguro que cobria o risco de morte do mutuário Igor, pelo qual se considerava saldado o débito existente à data da morte de tal mutuário, não sendo assim responsável pelo seu pagamento, motivo pelo qual considera que a exequente litiga com má fé, pedindo a sua condenação em indemnização no montante de 2.500 €.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição.

*

2. A oponente Recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. Não houve contra-alegações.

II Factos Provados

1 - A exequente deu à execução uma livrança emitida em Lisboa, em 2 de Abril de 2008, com o n.º 500227114044188641, com vencimento em 17 de Abril de 2008, onde se lê “no seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança ao B (...) Crédito - Instituição Financeira de Crédito, SA, não à ordem, a quantia de cinco mil oitocentos e vinte e um euros e dezanove cêntimos”.

2- Em tal livrança e no lugar reservado à aposição do nome e morada dos subscritores consta o seguinte: “(…), (...) Guarda” - cfr. fls. 11.

3 - No local destinado à assinatura do subscritor encontra-se aposta uma assinatura com o seguinte nome: “(…)” - cfr. fls. 11.

4 - Na face anterior da descrita livrança encontra-se aposto, por duas vezes, o seguinte dizer: “Dou o meu aval ao subscritor” e sobre cada uma das expressões, os seguintes nomes: “M (…)” e “I (…)” - cfr. fls. 11/verso.

5 - Na face anterior da referida livrança encontra-se ainda aposto o seguinte dizer: “Sem despesas” e sobre o mesmo duas rubricas ilegíveis.

6 - Mostra-se junto aos autos um documento sob a designação de contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros, onde consta, além do mais que se dá por integralmente reproduzido, o seguinte:

“Contrato celebrado entre o “B (…) - Instituição Financeira de Crédito, SA”, abaixo identificado e daqui em diante designado, abreviadamente, por B (…), e (…) 1.º mutuário (…) (…); Viatura a financiar (…) Marca Opel, modelo Corsa-B, ano 1995, matrícula 6323FP (…); Montante Financiado 4850,00, Soma total do custo do crédito 7.021,57; n.º de mensalidades: 36; mensalidade 194,37; total mensalidades 6.997,32€; vencimento 2006/08/05; impostos e encargos 24.25; TAEG 28.95% (…); Garantias (…) B. Livrança em branco, se e quando o B (...) Crédito a vier reputar como necessária ao reforço das garantias constituídas. C. Res. Propriedade favor B (...) Crédito; M (…), I (…) (…); Protecção B (...) Crédito (Seguros) (…) Super Protecção X; Valor Total Seguro 250,31; Mensalidade do Seguro 6.95 (…); Declarações; data 2006/06/16 (…); Declaro (mos) que tomei (amos) conhecimento de todas as cláusulas neste contrato, nomeadamente, as que constam no verso do mesmo (…)” - cfr. fls. 51.

7 - Documento esse que contém na parte inferior, além do mais, uma assinatura com o nome “(…) no lugar reservado à assinatura do 1.º mutuário; e duas assinaturas com os nomes “M (…)” e “I (…)”, no lugar reservado a fiador/avalista - cfr. fls. 51.

8 - No verso do documento referido em 7. consta, além do mais, o seguinte:

“14. Garantias do Cumprimento.

1. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas pelo presente contrato o (s) mutuário (s) prestam a favor do B (...) Crédito as garantias previstas condições específicas. (…)

2. O (s) mutuário (s) e o (s) avalista (s), sem necessidade de novo consentimento, autoriza (m) expressamente o B (...) Crédito a preencher e completar os títulos de crédito que este (s) lhe entregar (em) à data, local de pagamento e valor, o qual corresponderá ao saldo em dívida de capital, juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, podendo o B (...) Crédito fazer de tais títulos o uso que entender, na defesa do seu crédito.

15. Seguros

a) por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência, o 1.º mutuário (s) indicado nas condições específicas, e apenas este, desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a acidente ou doença e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 (dezoito) e os 65 (sessenta e cinco) anos, beneficia de uma apólice de seguro de vida, subscrita pelo B (...) Crédito, pela qual em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência, ficarão integralmente saldados - protecção simples;

b) Poderão ser subscritos até ao momento da assinatura do contrato, e mediante adesão à apólice de grupo, seguros cobrindo os riscos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho por acidente ou doença e desemprego involuntário (…), quebra de rendimento por mudança de emprego e divórcio, desde que a pessoa segura satisfaça as condições de adesão, bem como alargar a cobertura referida em a) ao 2.º do mutuário (s) indicado nas condições específicas, se aplicável – Super Protecção.

c) O B (...) Crédito figurará obrigatoriamente nas respectivas apólices como única beneficiária do (s) seguro (s)” - cfr. fls. 51/verso.

10 - Mostra-se junto aos autos um documento intitulado de “seguro de protecção ao financiamento B (...) Crédito; Boletim de Adesão; Apólices: Protecção simples: 42/001001;

Super Protecção: 42/001002 e 62/00105”, além do mais, com o seguinte teor:

“1. Processo de Financiamento: tipo de produto: crédito; contrato n.º258552 (…);

2. Tomador do Seguro: B (...) Crédito - Instituição Financeira de Crédito, SA;

3. Beneficiário: A B (...) Crédito pelas prestações mensais definidas no contrato acima referido;

4. Pessoa a Segurar: (…) (…);

5. Seguradora: RV (...) Seguros SA e R (...) Seguros SA (…);

6. Declaração e Planos de Protecção (…) subscrevo a opção Super Protecção (Super PP) que para além das garantias da Protecção Base, inclui as garantias incapacidade temporária absoluta para o trabalho por acidente ou doença, desemprego involuntário para trabalhadores por conta de outrem (…);

Custo mensal do seguro: 6,95 euros” - cfr. fls. 81 cujo teor se dá por integralmente

reproduzido.

9 - Documento esse que contém na parte inferior, além do mais, uma assinatura com o nome: “(…)”, no lugar reservado à assinatura da pessoa a segurar; e duas assinaturas ilegíveis, no lugar reservado ao B (...) Crédito - cfr. fls. 81.

10 - I (...) , através da conta bancária n.º 00004286600 da Caixa Geral de Depósitos, procedeu ao pagamento de 7 das 36 prestações a que se reporta o documento referido em 6.

11 – (…) faleceu no dia 3 de Janeiro de 2007 - cfr. assento de óbito n.º 23 do ano de 2007 da Conservatória do Registo Civil Guarda, cfr. fls. 73 - vítima de um acidente de viação.

12 - Em escritura de habilitação notarial, outorgada no dia 9 de Janeiro de 2007, no Cartório Notarial da Guarda, M (…), casado, na qualidade de cabeça de casal da herança, declarou que, no dia 3 de Janeiro de 2007, faleceu (…) no estado de solteiro, maior, sem testamento ou outra disposição de vontade tendo deixado como herdeiros seus pais, M (…) e I (…) - cfr  documento de fls. 76/77.

13 - A assinatura com o nome I (…) constante na face anterior da livrança referida em 1. (a fls. 11 dos autos de execução) e abaixo dos dizeres referidos em 7. foi aposta pelo punho da opoente/executada.

14 - A assinatura com o nome I (…) constante do documento referido em 6. e 7. (a fls. 51) foi aposta pelo punho da opoente/executada.

III Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Inexistência/inexequibilidade de título executivo.

- Excepção de caso julgado.

- Aposição de aval na face posterior.

- Abuso de preenchimento da livrança por prévio falecimento do seu subscritor.

- Vício de forma da livrança.

- Montante devido inferior ao valor aposto na livrança.

- Existência de seguro que cobria o risco de morte do mutuário.

2.1.

 (…)

3. Afirma a recorrente que o título não cumpre os requisitos do art. 370º do CC, não sendo um documento autêntico e não fazendo prova plena, nos termos do art. 371º do CC. Não se alcança bem o que quer dizer a recorrente com esta alegação. Supõe-se, contudo, que estará a afirmar que não existirá ou será inexequível o título executivo.

Ora, em lado algum do articulado inicial de oposição a apelante menciona este facto como causa de oposição à execução (veja-se o relatório supra).

Trata-se, porém, de matéria nova, que podendo ter servido de fundamento de oposição à execução (art. 814º “ex vi” do art. 816º do CPC), não foi alegada no respectivo articulado. De questão que não foi oposta à exequente, para que esta se pronunciasse, exercendo o seu direito ao contraditório, nem colocada ao tribunal recorrido, e por isso, por este não apreciado.   

Ou seja, a questão agora versada no recurso é mais ampla e diferente da previamente alegada na p.i. de oposição.

Tratando-se, assim de matéria nova, não pode a mesma ser considerada, pois as questões novas (salvo as de conhecimento oficioso, característica que a questão ora invocada não reveste) estão fora do conhecimento do Tribunal de recurso (art. 676º,nº 1, do CPC).

Contudo, sempre se dirá, em nota necessariamente sintética, que a lei é muito clara no art. 46º, c), do CPC, ao estatuir que é título executivo o documento particular assinado pelo devedor que importem constituição (ou reconhecimento) de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado (ou determinável por simples cálculo aritmético).

No caso, o título executivo é uma livrança, documento particular, assinado pela oponente, como avalista, que importou constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante está bem determinado, e que resultou de um pacto de preenchimento em que a mesma autorizou a exequente a preencher a livrança, pelo montante que fosse devido.

Existe, pois, título executivo.

4. Diz, também, a recorrente que se verifica a excepção de caso julgado nos termos do nº 1 do art. 497º do CPC. Mais uma vez, não se compreende bem o que quer dizer a recorrente com esta alegação. Supõe-se, mais uma vez que terá a ver com a sua anterior alegação/conclusão de recurso, de que fora levantada nos autos a questão da existência do seguro e o próprio tribunal a quo exarou despachos que indiciavam dar relevância à questão do seguro de vida existente, maxime no despacho saneador ao dar como assente o actualmente exarado nos factos provados 6., 8., 10. e 9.) Certo é que não há.

Como resulta, claramente, do disposto nos arts. 497º, nº 1, 498º, 671º, nº 1, e 673º, 1ª parte, do CPC, o efeito de caso julgado diz respeito ao mérito da causa, à decisão final, ao aí decretado, nos seus precisos limites e termos, e jamais aos factos dados por assentes aquando da selecção da matéria de facto.

Inexiste, assim, qualquer caso julgado.

5. Afirma a recorrente que o aval foi aposto na letra na face posterior e não na face anterior da letra, como dispõe o 3º parágrafo do art. 31º da LULL, que assim foi violado. Por conseguinte, o aval seria nulo. É incorrecta esta alegação.

Na verdade, o aval foi dado pela executada, com expressa menção de que dava o seu aval ao subscritor. Nestes casos, de aval completo, como resulta do 2º parágrafo do citado art. 31º da LULL, pode ser escrito em qualquer parte da letra, com aposição da assinatura do dador do aval (cfr. Abel Delgado, LULL Anotada, 5ª Ed., notas 1. e 11. ao indicado artigo, pág. 200/201 e 208).

Só quando o aval é incompleto, isto é, quando se omitem as palavras “bom para aval” impostas por lei no 2º parágrafo do citado art. 31º, é que, para ser considerado aval, a simples assinatura do terceiro tem de ser aposta na face anterior da letra, como comanda o aludido 3º parágrafo (cfr. o autor e obra citada, nota 2., pág. 202).

Ora, no nosso caso, a executada/oponente mencionou na livrança, embora na face posterior ou verso da livrança (veja-se a mesma a fls. 142), que dava aval ao subscritor da mesma, apondo a sua assinatura por baixo pelo que a sua vinculação, a sua obrigação é perfeitamente válida.

Improcede, por isso, esta conclusão de recurso da apelante.   

6. Escreveu-se na sentença recorrida que:

“Dispõe o artigo 30.º da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças (L.U.L.L) o seguinte:

“O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.”

O preceituado no citado artigo é aplicável às livranças ex vi do artigo 77.º do mesmo diploma legal.

Nos termos do artigo 32.º da L.U.L.L, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada e a sua obrigação mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Por outro lado, dispõe o artigo 10.º do mesmo diploma legal que: “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-03-2007, disponível em www.dgsi.pt, “A livrança em branco, cuja admissibilidade resulta dos arts 10 e 77 da L.U.L.L, destina-se normalmente a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento, de acordo com o denominado “pacto ou acordo de preenchimento”.

Refira-se que o pacto de preenchimento mais não é que o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, o lugar do pagamento, a estipulação de juros, etc, justamente por lhe faltar alguns previstos no artigo 75.º L.U.L.L da (vide Acórdão do STJ de 3 de Maio de 2005 - 05A1086, visualizável em www.dgsi.pt).

Tendo presente os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstracção e não a “causa debendi”, basta-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento, que pode ser invocado no domínio das relações imediatas bem como pelos avalistas, se subscreveram - como de resto é o caso - o pacto de preenchimento.

Como se ensina no Acórdão do mesmo Tribunal de 16-10-2003, «A desconformidade do completamento da livrança em branco com o respectivo pacto de preenchimento acordado, porque constitui facto modificativo ou extintivo do direito do portador, deve ser alegada e provada pelo embargante, seu subscritor ou avalista.» (disponível em www.dgsi.pt) - no mesmo sentido vide o Acórdão do STJ de 28 de Julho de 1992 - BMJ 219-235, Pº 3980/01-7ª, e o de 6 de Abril de 2000 – Pº 4800, 2ª e de 10 de Janeiro de 2002 e Prof. Ferrer Correia in “Lições de Direito Comercial”, 1994, 484).

Acresce ainda que o preenchimento, que pode ser contemporâneo, ou ulterior, deverá obedecer às cláusulas negociais do contrato que se garante, não podendo exceder esses limites.

Aqui chegados, analisemos a primeira questão levantada pela opoente: o alegado preenchimento abuso da livrança pelo exequente, por alegadamente serem falsas as assinaturas nela apostas, o que determina a nulidade por vício de forma, este idóneo a afastar a sua responsabilidade pelo pagamento.

Defende-se desde logo a oponente com a falsidade da assinatura do seu subscritor, e o próprio teor da livrança, uma vez que à data do seu preenchimento aquele já havia falecido.

É um facto que a livrança dada em execução tem aposta a data de 2 de Abril de 2008, com vencimento em 17 de Abril de 2008 (cfr. facto 1), e a pessoa dela constante como subscritor, (…), faleceu em 03 de Janeiro 2007 (facto 11).

Todavia, neste particular, a sua defesa não procede.

Por um lado, diga-se, a obrigação do avalista mantém-se ainda que a obrigação garantida seja nula (artigo 32.º da L.U.L.L.), salvo se o for por vício de forma.

Ora, perfilhamos o entendimento segundo o qual a falsidade da assinatura do subscritor da livrança, a existir, não consubstancia um vício de forma e, como tal, não está abrangida na parte final do artigo 32.º da L.U.L.L. (cfr. no mesmo sentido José Gabriel Pinto Coelho, citado José António de França Pitão, in “Letra e livranças, página 230, o qual defende que a falsidade da assinatura do avalizado não pode qualificar-se como vício de forma, na medida em que envolve falta de vontade, e não um vício ou irregularidade na exteriorização de uma vontade existente), motivo pelo qual tal facto nunca seria idóneo a afastar a responsabilidade dos avalistas pelo pagamento.

Por outro lado, não sendo a alegada falsidade da assinatura do subscritor um vício de forma, não é uma excepção pessoal do avalista e, em obediência ao princípio da independência recíproca das obrigações cambiárias (art. 7.º da L.U.L.L), não poderia tal circunstância, a verificar-se, ser oposta pela opoente ao exequente B (...) Crédito - Instituição de Financeira de Crédito, S.A.

Refira-se ainda, e a propósito, que a morte do subscritor não provoca a caducidade do direito de preenchimento da livrança (vide nesse sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 12-02-2009 - 07B4616, disponível em www.dgsi.pt).

Bastará para que a livrança seja válida que tenha sido preenchida em conformidade com o pacto de preenchimento celebrado entre as partes nestes autos, nos termos do qual “O (s) mutuário (s) e o (s) avalista (s), sem necessidade de novo consentimento, autoriza (m) expressamente o B (...) Crédito a preencher e completar os títulos de crédito que este (s) lhe entregar (em) à data, local de pagamento e valor, o qual corresponderá ao saldo em dívida de capital, juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, podendo o B (...) Crédito fazer de tais títulos o uso que entender, na defesa do seu crédito” - cfr. facto provado sob o n.º 9.

Prosseguindo com a apreciação dos argumentos insertos na oposição, defende-se ainda a opoente alegando não ter aposto a sua assinatura na livrança dada em execução. Consiste tal defesa num meio próprio.

Todavia, mais do que não lograr provar os factos por si alegados, resultou demonstrado justamente o contrário, isto é, que a assinatura com o nome I (…) constante na face anterior da livrança em execução foi efectivamente aposta pelo seu próprio punho, designadamente após a expressão “Dou o meu aval ao subscritor” (cfr. factos 13 e 14), pelo que falece também este argumento.

Analisada a primeira questão, cumpre finalmente aferir da responsabilidade da opoente pelo pagamento da quantia exequenda.

Resulta evidente ser a opoente responsável pelo pagamento reclamado pela exequente nos autos de execução a que estes se encontram apensos. Para tanto bastará relembrar que a opoente foi demandada em conformidade com o disposto no artigo 55.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, enquanto avalista da livrança dada em execução (nos termos conjugados dos artigos 30.º, 31.º e 77.º da L.U.L.L), pelo que, não tendo pago a livrança na data do seu vencimento, ao exequente assiste a faculdade de, sem mais, executar o seu património (artigo 43.º e 48.º, ex vi do artigo 77.º da L.U.L.L).

Sendo apenas estas as questões a apreciar e solucionar nesta sede, é manifesto que improcede a oposição.

Porém a opoente, ao longo do processado, invocou novos argumentos em sua defesa, alegando, por um lado, que o montante aposto na livrança excedia o valor em dívida e, por outro lado, a existência de um seguro pelo qual se encontrava transferido para terceiro o risco pelo não pagamento das prestações em caso de morte do mutuário, isentando-a de qualquer responsabilidade a este respeito.

Ora, estas novas questões não podem ser conhecidas por não terem sido deduzidas no articulado próprio e, não tendo oportunamente deduzido esta defesa, ficou precludido o direito de o fazer (cfr. artigo 489.º do Código de Processo Civil) e inviabilizada a possibilidade do Tribunal conhecer do mérito destes novos argumentos.

Mas ainda que assim não se entendesse, adianta-se desde já que também quanto a estes não assiste razão à opoente.

Vejamos então porquê.

Alega a opoente, ainda que de forma pouco concretizada, que o valor aposto na livrança excede o valor em dívida.

Certo é que o exequente pode exigir dos executados o pagamento dos juros de mora à taxa legal, além das despesas do protesto e outras (cfr. art.º 48.º da L.U.L.L, art.º 4.º do DL n.º 262/83, de 16/6 e Assento n.º 4/92, DR n.º 290, de 17/12/92), e não se nos afigura que o montante exigido na presente execução esteja mal calculado.

Mais, cumpria à opoente demonstrar que o montante reclamado, em face dos pagamentos efectuados, por conta da quantia exequenda, encontra-se efectivamente mal calculado. Não tendo esta provado outros pagamentos para além dos documentados nos autos, conforme se lhe impunha, improcede também este argumento.

Por último, entende ainda a opoente que não responde pela dívida uma vez que o 1.º mutuário era titular de seguro válido, através do qual transferiu a sua responsabilidade pelo pagamento das prestações por este devidas ao credor exequente.

(…)

No caso em apreço a celebração do seguro destinou-se a cobrir o risco da falta ou do atraso de pagamento dos montantes devidos ao credor, beneficiário da indemnização.

Retomando às considerações sobre o aval, salientamos novamente que este está previsto na lei cambiária a propósito das letras, livranças e cheques, onde se prescreve que o seu pagamento pode ser no todo ou em parte garantido por aval de terceiro ou mesmo de um signatário daqueles títulos (artigos 25.º da Lei Uniforme Sobre Cheques e 30º. e 77.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças).

Trata-se de um acto cambiário cuja natureza jurídica é a garantia de cumprimento por um terceiro - o avalista - da obrigação contraída pelo subscritor da letra, livrança ou cheque.

Ora, conforme se aludiu supra, e que nesta sede importa repetir, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada ou que ele garante (artigos 32.º, 1º parte, e 77º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças e 27º, 1ª parte da Lei Uniforme Sobre Cheques).

Como se lê no Acórdão de 19-10-2006, proferido no Processo com o n.º 0635295 (visualizável em www.dgsi.pt), “O aval tem a natureza de uma garantia autónoma e pessoal, sendo que a obrigação do avalista, além de materialmente autónoma, não subsidiária, só imperfeitamente se pode considerar uma obrigação acessória relativamente ao avalizado.”

A responsabilidade do avalista não é, pois, subsidiária em relação ao do avalizado: trata-se de uma obrigação solidária (Cfr. F. Correia, página, Letra de Câmbio, página 207).

Com efeito, o aval desencadeia uma obrigação independente e autónoma pela qual o avalista assume honrar o título, assim consubstanciando-se no princípio da independência do aval (artº. 32.º, aplicável "ex-vi" do artº. 77.º ambos da L.U.L.L.).

Para a avalista opoente, a obrigação de cumprir com os pagamentos ao exequente nunca deixou de existir: pagando, adquire a opoente o direito que o portador da livrança tinha contra o (falecido) avalizado e fica investido na posição creditícia que este teria.

Como ensina Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1966, págs. 207 e seg.), “assumindo uma obrigação igual à do avalizado, é justo que o avalista, pagando a letra, adquira posição creditória idêntica, além naturalmente, do direito de regresso que este teria contra o signatário”, o que equivale a dizer, acrescentamos, que tal circunstância habilita a opoente a, querendo, exercer o seu direito de regresso contra a entidade seguradora, verificando-se os seus pressupostos, mas sem que isso legitime a sua recusa de pagamento ao portador da livrança, aqui exequente.

Desta sorte, a existência de um contrato de seguro que cubra o risco de falta de pagamento das prestações devidas credor, enquanto garantia autónoma, não desonera a avalista opoente, considerada devedora principal, da obrigação a que se vinculou com o exequente B (...) - Instituição Financeira de Crédito ao prestar o seu aval na livrança dada em execução” – fim de transcrição.

Sobre a questão do eventual abuso de preenchimento da livrança por prévio falecimento do seu subscritor, nada há a censurar à decisão recorrida que acompanhamos, por se mostrar correctamente enquadrada e bem apreciada, face aos normativos legais mencionados, e de acordo com a boa doutrina e jurisprudência indicadas.

Há, tão-só, que acrescentar que o facto do subscritor da livrança ter falecido não obriga a que sejam demandados os seus pais, como seus sucessores, como seus únicos e universais herdeiros, ao invés do que a recorrente afirma e objecta. Seria de facto assim, nos termos do art. 56º, nº 1, do CPC – “Tendo havido sucessão …na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como …devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.” – se o falecido (…) fosse o único devedor. Mas não é.

De facto, na acção executiva cambiária a acção tem por base um título de obrigação assinado pelo executado, pelo que a causa de pedir é, no caso de haver aval, a simples aposição dum aval na livrança, por parte do executado, com a respectiva assinatura desse dador de aval (vide A. Delgado, ob. cit., nota 9. ao artigo 28º, e), pág. 169).

No nosso caso, como a apelante é obrigada cambiária por virtude do aval que prestou e assinatura que apôs, a exequente podia demandar o devedor cambiário que entendesse – ou apenas o subscritor da livrança, o falecido (…), e nessa hipótese, sim, deveria habilitar os seus pais, seus sucessores, como executados, ou apenas os avalistas, ou ambos. Assim, a demanda única dos pais do falecido (…) mas na qualidade de avalistas, obrigados cambiários com a sua própria responsabilidade, foi uma escolha perfeitamente legítima, com previsão legal, até, nas situações de responsabilidade solidária (art. 27º, nº 2, do CPC), pois como dito na sentença recorrida o avalista é responsável solidário com o avalizado (veja-se o art. 47º, 1º parágrafo da LULL, “ex vi” do art. 77º do mesmo diploma).

Como assim, o facto de constar do título executivo uma pluralidade de devedores não implica, só por si, a necessária propositura da acção executiva contra todos os obrigados ou sujeitos à execução (vide L. Freitas, A Acção Executiva, pág. 111), como, inclusive, resulta da lei, no que respeita à livrança (art. 47º, 2º parágrafo, “ex vi” do art. 77º da LULL).

Improcede esta parte do recurso.      

7. Sobre a questão de eventual vício de forma da livrança, igualmente não discordamos da decisão recorrida, por, da mesma forma, estar adequadamente enquadrada e acertadamente apreciada, tendo em conta os normativos legais mencionados, e segundo a melhor doutrina, que julgamos unânime, indicada.

Em adição, há que dizer que, de acordo com a matéria apurada, não está demonstrado que a assinatura do subscritor da livrança (o falecido Igor) seja falsa. Mas mesmo que tal assinatura fosse falsa, a obrigação da avalista oponente mantinha-se, nos termos do citado art. 32º, 2º parágrafo, da LULL, salvo ocorrência de um vício de forma,

Ora, a falsidade da assinatura do subscritor da livrança, a existir, não representa um vício de forma. Explana F. Correia, D. Comercial, Vol. III, Letra de Cãmbio, 1973, pág. 218, que “ A falsidade da assinatura não pode classificar-se como um vício de forma e, portanto, não está abrangida na parte final da al. II, do art. 32º. A pessoa cuja assinatura foi falsificada, não tendo subscrito o título, não manifestou qualquer vontade de se vincular cambiariamente. Há, pois, falta de vontade, e não apenas vício ou irregularidade na exteriorização de uma vontade existente. Refere-se especialmente à falsidade da assinatura o art. 7º da Lei Uniforme. Aí se formula, como sabemos, o princípio da independência recíproca das obrigações cambiárias: se alguma das assinaturas é falsa, nem por isso deixam de ser válidas as obrigações dos outros signatários. A despeito, pois, de se verificar que é falsa a assinatura de um determinado endossante, tem de considerar-se válido (…) o aval dado a esse endossante” (vide no mesmo sentido A. Delgado, ob. cit., nota 4. ao indicado artigo, pág. 212, e O. Ascensão, D. Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, pág. 171).

Desta feita, sendo o aval uma obrigação autónoma em relação à obrigação do sacado/aceitante, o avalista não pode invocar perante a exequente sacadora as excepções pessoais, como a falsidade da assinatura que caberia ao avalizado (cfr. O. Ascensão, ob, cit., pág. 174).

Atento o exposto, não procedem as conclusões de recurso da apelante.  

8. Refere a recorrente que, em 6 de Março de 2008 por comunicação dirigida a seu filho, o falecido (…), o B (...) informava que lhe era devido o valor de 2.526,81 €, conforme documento que juntou aos autos (a fls. 46). Assim, o montante da dívida em 6 de Março de 2008 era de 2.526,81 €. Parece a recorrente querer afirmar, de modo pouco concretizado, que o montante devido é inferior ao valor aposto na livrança. No entanto a sua alegação não procede.

Como resulta expressamente do estipulado no art. 817º, nº 2, do CPC, a oposição à execução apenas consente dois articulados, o inicial do oponente e a contestação do exequente. Desta sorte, tendo a oposição uma estrutura formal de contestação à execução, conclui-se que sobre a oponente recai o ónus de deduzir toda a defesa no seu articulado inicial de oposição.

Ora, em lado algum do articulado inicial de oposição a apelante menciona este facto como causa de oposição à execução (veja-se o relatório supra).

A sentença recorrida, disse expressamente que o thema decidendum não abrangia, como causa de oposição, a questão de o valor aposto na livrança exceder o valor em dívida, e que, por isso, não podia ser conhecido na mesma sentença (vide parte II, intitulada questões a decidir, e a parte de fundamentação de direito, acima transcrita, cujo passo agora se traz à colação “Porém a opoente, ao longo do processado, invocou novos argumentos em sua defesa, alegando, por um lado, que o montante aposto na livrança excedia o valor em dívida (…).

Ora, estas novas questões não podem ser conhecidas por não terem sido deduzidas no articulado próprio e, não tendo oportunamente deduzido esta defesa, ficou precludido o direito de o fazer (cfr. artigo 489.º do Código de Processo Civil) e inviabilizada a possibilidade do Tribunal conhecer do mérito destes novos argumentos”).

Mas, depois, acaba, inesperada e contraditoriamente, por se debruçar sobre o tema.

Trata-se, porém, de matéria nova, que podendo ter servido de fundamento de oposição à execução (art. 814º “ex vi” do art. 816º do CPC), não foi alegada no respectivo articulado.   

Ou seja, a matéria agora versada no recurso é mais ampla e diferente da previamente alegada na p.i. de oposição.

Tratando-se, assim de matéria nova, não pode a mesma ser considerada, pois as questões novas (salvo as de conhecimento oficioso) estão fora do conhecimento do Tribunal de recurso (art. 676º, nº 1, do CPC).

Na verdade, como é Jurisprudência pacífica e Doutrina corrente, os recursos são entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la, modificá-la ou confirmá-la, salvo, como é óbvio questões de conhecimento oficioso. É que os recursos não se destinam a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório, questões que não foram discutidas entre as partes nos momentos próprios e decididas pelo tribunal recorrido (vide Prof. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. 1, 2ª Ed., pág. 7/8, A. Abrantes Geraldes, Recursos em Proc. Civil, 2ª Ed., págs. 25/26 e 94/95, e por ex. Acds. do STJ de 29.4.98, BMJ 476,pág. 401, de 26.10.99, BMJ 490, pág. 250, de 10.5.00, BMJ 497, pág. 343 e de 1.10.02, C.J., T. 3, pág. 65).

Em todo o caso sempre se acrescentará, que cumpria à oponente demonstrar que o montante reclamado pela exequente, em face dos pagamentos efectuados, por conta da quantia exequenda, se encontrava mal calculado, e que consequentemente o que era devido era uma quantia inferior (art. 342º, nº 2, do CC). Contudo, não se provaram outros pagamentos para além dos referidos nos factos provados 10. e 6. Deste modo, provou-se tão só que foi liquidado o valor de 1.360,59 € (7 prestações x 194,37 €). Ora, a soma total das mensalidades devidas era de 6.997,32 € (facto 6.), pelo que remanescia por pagar 5.636,71 €. Considerando que o valor inscrito na livrança foi de 5.821,17 €, a diferença é pequena. Não podemos esquecer, ainda, as despesas de cobrança e juros de mora. Não se vê, desta maneira, como a quantia exequenda esteja mal calculada, mas, repetimos, se assim foi, cabia à oponente o ónus de prova de que assim era, o que não demonstrou.

Mais, ainda, se a apelante pretendia provar que o valor devido seria apenas de 2.526,81 €, com base na comunicação feita pela exequente, e não que fora liquidado à exequente, somente, o valor referido de 1.360,59 €, conforme esta alegara, devia ter, desde logo, reclamado da selecção da matéria de facto, nos termos legais, e/ou, depois, impugnado a matéria de facto e peticionado nesse sentido, como lhe impunha o art. 685º-B, nº 1 e 2, do CPC, o que não fez.

Resta, finalmente, observar que mesmo que a recorrente demonstrasse que o montante do crédito que a exequente inscreveu na livrança não correspondia ao valor da dívida à data do preenchimento da livrança, ainda assim a livrança valeria segundo esse valor inferior. Na verdade, como toda a pertinência se diz no Ac. do STJ, de 12.2.2009, Proc.07B4616, que “conforme este Supremo Tribunal já anteriormente decidiu (acórdão de 17.12.92-BMJ 422º,398), no domínio das relações imediatas o preenchimento duma livrança feito pelo tomador por valor superior ao resultante do contrato de preenchimento não torna a livrança nula; esta mantém a sua validade relativamente ao montante resultante do mesmo contrato, quer quanto ao tomador, quer quanto ao subscritor e respectivo avalista. A excepção de preenchimento abusivo, por conseguinte, não interfere na totalidade da dívida, confinando-se aos limites desse preenchimento. Por isso, se o subscritor inicial entregou a livrança em branco de quantia e o detentor imediato a preencher por quantia superior ao convencionado, a livrança vale segundo a quantia inferior (…)”.    

Improcede esta parte do recurso.

9. Sobre a existência de seguro que cobria o risco de morte do mutuário, podendo pois a exequente fazer-se pagar pelo mesmo, e não através do título dado à execução, cabe fazer exactamente as mesmas considerações que inicialmente se fizeram no ponto 8.

Sobre a oponente recaía o ónus de deduzir toda a defesa no seu articulado inicial de oposição. Ora, em lado algum do articulado inicial de oposição a apelante menciona este facto como causa de oposição à execução (veja-se o relatório supra).

A sentença recorrida, disse expressamente que o thema decidendum não abrangia, como causa de oposição, a referida questão, e que, por isso, não podia ser conhecido na mesma sentença (vide parte II, intitulada questões a decidir, e a parte de fundamentação de direito, acima transcrita, cujo passo agora se traz à colação “Porém a opoente, ao longo do processado, invocou novos argumentos em sua defesa, alegando, (…) por outro lado, a existência de um seguro pelo qual se encontrava transferido para terceiro o risco pelo não pagamento das prestações em caso de morte do mutuário, isentando-a de qualquer responsabilidade a este respeito.

Ora, estas novas questões não podem ser conhecidas por não terem sido deduzidas no articulado próprio e, não tendo oportunamente deduzido esta defesa, ficou precludido o direito de o fazer (cfr. artigo 489.º do Código de Processo Civil) e inviabilizada a possibilidade do Tribunal conhecer do mérito destes novos argumentos”).

Mas, depois, acaba, inesperada e contraditoriamente, por se debruçar sobre o tema.

Trata-se, porém, de matéria nova, que podendo ter servido de fundamento de oposição à execução (art. 814º “ex vi” do art. 816º do CPC), não foi alegada no respectivo articulado.   

Ou seja, a matéria agora versada no recurso é mais ampla e diferente da previamente alegada na p.i. de oposição.

Tratando-se, assim, de matéria nova, não pode a mesma ser considerada, pois as questões novas (salvo as de conhecimento oficioso) estão fora do conhecimento do Tribunal de recurso (art. 676º, nº 1, do CPC).

No demais, dá-se por reproduzida a restante argumentação, doutrina e jurisprudência exposta no mencionado ponto 8.

10. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A nulidade de uma sentença, por omissão do conhecimento de qualquer questão posta pelas partes, não pode confundir-se com eventual nulidade processual, por o tribunal não ter usado da prerrogativa do art. 265º, nº 2, do CPC, que lhe impunha providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressuposto processual susceptível de sanação;

ii) Aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), salvo questões de conhecimento oficioso;

iii) Só quando o aval é incompleto, isto é, quando se omitem as palavras “bom para aval”, é que, para ser considerado aval, a simples assinatura do terceiro tem de ser aposta na face anterior da letra;

iv) A livrança em branco destina-se normalmente a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento. Este pacto de preenchimento mais não é que o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, o tempo do vencimento, o lugar do pagamento, a estipulação de juros, etc;

v) Se os avalistas subscreveram o pacto de preenchimento, a morte do subscritor não provoca a caducidade do direito de preenchimento da livrança;

vi) A falsidade da assinatura do subscritor da livrança, a existir, não consubstancia um vício de forma e, como tal, não está abrangida no 2º parágrafo do artigo 32º da LULL. Não sendo uma excepção pessoal do avalista, não pode tal circunstância ser oposta pelo mesmo ao portador/sacador da livrança, mantendo-se a sua obrigação cambiária.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela apelante/oponente.

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João Moreira do Carmo ( Relator )

  Carlos Marinho

  Alberto Ruço