Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2191/03.0TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
RENÚNCIA AO MANDATO
EFEITOS
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 39 CPC
Sumário: 1. Numa acção em que seja obrigatório o patrocínio judiciário, da apresentação da renúncia do mandato por parte do mandatário do autor não decorre a imediata suspensão da instância, não se interrompendo nem se suspendendo os prazos processuais em curso.

2. Face à imperatividade do n.º 3 do artigo 39.º do CPC, o mandatário renunciante mantém-se vinculado ao mandato até à constituição de novo mandatário, ou, caso a mesma não ocorra no prazo de vinte dias a contar da notificação da renúncia, até ao termo desse prazo.

3. Esta manutenção temporária do vínculo justifica-se, por ocorrer no âmbito de uma relação contratual tutelada por normas deontológicas. A continuidade em funções durante o referido prazo, após a notificação da renúncia e apesar da divergência que a justificou, integra-se no dever geral previsto no n.º 2 do artigo 95.º do EOA.

4. A suspensão da instância apenas ocorrerá vinte dias a contar da notificação da renúncia, na eventualidade de o autor não constituir novo mandatário.

5. “Os efeitos da revogação e da renúncia” a que se refere o n.º 2 do artigo 39.º do CPC, nada têm a ver com a suspensão da instância ou de qualquer prazo processual (nessa matéria rege o n.º 3, por expressa remissão do número anterior), mas sim com o facto de a declaração em causa se traduzir num negócio jurídico unilateral receptício, que apenas se torna eficaz, se e quando for levada ao conhecimento do destinatário. Um dos efeitos da notificação da declaração de renúncia é o início da contagem do prazo aludido no n.º 3 do citado normativo.

6. Tendo o mandatário da autora interposto recurso admitido por despacho notificado em 23.09.2010, juntando aos autos a sua declaração de renúncia em 9.10.2010, notificada à mandante em 15.10.2010, as alegações do recurso apresentadas pelo novo mandatário em 22.11.2010 são manifestamente extemporâneas.

7. A interpretação preconizada nos números que antecedem não viola qualquer norma ou princípio constitucional, nomeadamente de garantia de defesa ou de patrocínio. 

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
S(..), Lda.” veio por apenso aos autos de execução ordinária n.º 2191/03.0TBACB, intentada “M (…) e C(…), Lda.”, deduzir embargos de executado, requerendo que seja declarada extinta a execução.
Alegou em síntese, como fundamento da sua pretensão: a executada/embargante pagou à exequente/embargada a letra dada à execução como título executivo; a embargante acordou com a embargada fazer o pagamento de apenas € 10.0000,00 por conta da referida letra que, como combinado, a embargante depositou no dia 20 de Novembro de 2002 para a conta daquela; desde Julho de 2001 que a embargada, por adjudicação da executada, ora embargante, executava um trabalho de reboco das paredes de uma obra de construção civil que esta havia tomado de empreitada a (…), Lda.”; à data do vencimento da letra dada à execução o saldo da conta corrente relativo à embargada apresentava um saldo a favor da embargante; a embargante havia pago à embargada mais do que os valores dos trabalhos que esta já havia executado, o saldo a favor da embargante, nessa data era de € 2. 705,54; embargante e embargada acordaram verbalmente que a embargante entregaria a importância de € 10.000,00 por conta do valor da letra, a embargada terminaria o trabalho que lhe fora subempreitada e no final apurar-se-ia o respectivo saldo; porém, a embargada não terminou os trabalhos acordados, tendo sido a embargante quem teve que vir a executar os mencionados trabalhos.
Citada veio a exequente/embargada apresentar contestação, pugnando pela improcedência dos embargos e alegando em síntese: o acordo referido pela embargante nunca existiu; a embargante nunca pagou à embargada o montante titulado na letra apresentada à execução.
Foi proferido o despacho de fls. 32-36, onde se decidiu pela improcedência da excepção invocada, seleccionando-se a matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
Conforme consta da acta de julgamento de 1.02.2010, a embargante na sessão anterior (fls. 183) apresentou dois requerimentos: no primeiro arguiu uma “excepção” que denominou por “excepção peremptória de caducidade do direito da acção executiva”; no segundo reclamou da selecção da matéria de facto.
Na sessão de julgamento seguinte (acta de fls. 237), a M.ª Juíza indeferiu ambos os requerimentos, fundamentando, em síntese, os seus despachos, nestes termos: no que respeita à invocada “caducidade” da acção executiva, por entender que “como resulta dos despachos anteriormente proferidos, todos eles transitados em julgado, esta questão já se encontra ampla e claramente decidida”; no que respeita à reclamação, por entender que não tinha qualquer fundamento.
Através do requerimento de fls. 243, veio a embargante interpor recurso de agravo dos dois despachos referidos.
No despacho de fls. 272, proferido em 17.09.2010, a M.ª Juíza admitiu o recurso de agravo na parte respeitante à invocada “caducidade”, indeferindo o recurso de agravo na parte em que impugnava o despacho de indeferimento da reclamação contra a selecção da matéria de facto, com fundamento no n.º 3 do artigo 511.º do CPC.
Na sequência da prolação da decisão sobre a matéria de facto (fls. 252), sem reclamações, veio a ser proferida a sentença (fls. 257), que julgou totalmente improcedentes os embargos.
Não se conformando, a embargante interpôs recurso de apelação da sentença (fls. 266), admitido por despacho de fls. 272, que lhe atribuiu efeito meramente devolutivo.
Através do requerimento de fls. 277, a embargante veio requerer a atribuição de efeito suspensivo aos recursos, interpondo ainda “por razões cautelares” “recurso do despacho ora notificado, no caso de indeferimento dos efeitos pretendidos”.
No despacho de fls. 279, a M.ª Juíza manteve o efeito meramente devolutivo atribuído aos recursos e indeferiu o recurso sobre essa matéria, com fundamento na imperatividade do art. 694/2 do CPC, de onde decorre que a decisão relativa ao efeito do recurso só pode ser impugnada na respectiva alegação e eventualmente corrigida pelo relator.
A notificação do despacho de admissão dos recursos foi expedida em 20.09.2010, através do sistema CITIUS.
Em 9.10.2010, veio o mandatário da embargante juntar requerimento através do qual renuncia ao mandato (fls. 284).
O novo mandatário juntou alegações do recurso de apelação em 22.11.2010 (fls. 294).
Por despacho de fls. 307, proferido em 6.12.2010, a M.ª Juíza declarou desertos os recurso, por extemporaneidade.
Não se conformando, a embargante interpôs recurso de agravo do despacho que declarou desertos os recursos anteriores (fls. 319).
No despacho de 31.01.2011 (fls. 313), a M.ª Juíza considerou que não era processualmente admissível o recurso, sendo o despacho em causa impugnável através de reclamação dirigida ao Senhor Presidente da Relação.
Por despacho de fls. 322, foi determinada a extracção de certidão para instrução da reclamação dirigida ao Senhor Presidente desta Relação, que por despacho de 11.04.2011 considerou que “o meio de impugnação adequado é o normal recurso (art.º 676.º do Cod. Proc. Civil)”.
Foi então proferido pela M.ª Juíza o despacho de fls. 323, no qual admite o recurso de agravo interposto da decisão que julgou desertos os recursos anteriores por intempestividade de apresentação de alegações.
Nas alegações de recurso do agravo referido (interposto do despacho que julgou desertos os recursos anteriores), a agravante/embargante apresentou as seguintes conclusões:

(…)
Relativamente ao primeiro recurso de agravo admitido (na parte respeitante à invocada “caducidade” da acção executiva), a embargante não apresentou alegações, tendo sido julgado deserto do despacho preliminar.
No que concerne ao recurso de apelação, a embargante apresentou alegações com as seguintes conclusões:
(…)
A recorrida não apresentou contra-alegações.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se, prioritariamente, na apreciação de um recurso de agravo[1], interposto do despacho que julgou desertos os recursos anteriores por extemporaneidade na apresentação de alegação.
Com efeito, o recurso de agravo do despacho que julgou desertos os restantes tem toda a prioridade na apreciação, constituindo questão prévia e prejudicial, dado que se concluirmos pela sua improcedência, nada mais restará para decidir. (cfr. artigo 660.º, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 713.º, ambos do CPC)
Apenas na eventualidade de ser julgado procedente o recurso de agravo referido, terá lugar a apreciação da apelação.

III. Apreciação do mérito do agravo que declarou a deserção dos recursos
1. Fundamentação de facto
Já se consignou no relatório a factualidade relevante que ora se sintetiza:
1.1. A notificação do despacho de admissão dos recursos foi expedida em 20.09.2010, através do sistema CITIUS.
1.2. Em 9.10.2010, veio o mandatário da embargante juntar requerimento através do qual renuncia ao mandato (fls. 284).
1.3. A notificação da renúncia à mandante ocorreu em 15.10.2010 (fls. 287).
1.4. Em requerimento de 09/11/2010 (fls. 289 a 292 dos autos), foi junta aos autos nova procuração a favor do Ilustre Advogado, Dr. (…).
1.5. O novo mandatário juntou alegações do recurso de apelação em 22.11.2010 (fls. 294).
1.6. Por despacho de fls. 307, proferido em 6.12.2010, a M.ª Juíza declarou desertos os recurso, por extemporaneidade.

2. Fundamentação de direito
Relativamente às datas, não se verificam divergências entre o despacho e a sua impugnação.
A notificação à embargante do despacho de admissão dos recursos foi inserida no sistema em 20/09/2010, dirigida ao seu mandatário (art. 253.º do C.P.C.), através do sistema Citius, considerando-se efectuada no dia 23/09/2010, ou seja, no 3.º dia posterior (n.º 5 do art. 21.º-A da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro).
Nos termos do art. 743.º do C.P.C. (na versão aplicável nos presente autos), a embargante dispunha de 15 dias para apresentar a sua alegação no âmbito do recurso de agravo.
De acordo com o disposto no art. 698.º n.º 2 do C.P.C., no que concerne à apelação dispunha do prazo de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso, acrescido de 10 dias, nos termos do n.º 6 do citado normativo, no caso de o recurso envolver reapreciação da prova gravada.
Se não tivesse ocorrido qualquer vicissitude na tramitação do processo (reportamo-nos à renúncia do mandato), o prazo para apresentação das alegações de apelação terminaria em 2.11.2010.
A divergência surge quanto aos efeitos da renúncia do mandato.
Entendeu-se no despacho recorrido:
«[…] o prazo para apresentação das alegações de recurso nos presentes autos terminou a 2/11/2010.
Nos presentes autos, houve renúncia ao mandato por parte do mandatário da embargante a 09/10/2010 (fls. 283 a 285). Segundo o art. 39.º n.º 2 do C.P.C., os efeitos da renúncia produzem-se a partir da notificação ao mandante o que, como se verifica a fls. 287, ocorreu a 15/10/2010. A partir desta notificação, como resulta do n.º 3 do art. 39.º, a parte tinha 20 dias para constituir novo mandatário, suspendendo-se a instância findo este prazo. O prazo de 20 dias terminou no dia 4/11/2010. Nesta data, ainda era possível praticar o acto de entrega das alegações, atenta a possibilidade prevista no art. 145.º n.º 5, mediante pagamento de multa. Aquele dia 4/11/2010 corresponderia ao 2.º dia em que o acto poderia ser praticado mediante o pagamento da respectiva multa.
Sucede que, nos termos do art. 39.º n.º 3, findo aquele prazo de 20 dias para constituição de mandatário, a instância suspende-se. Admitindo-se a possibilidade de tal suspensão ocorrer independentemente de despacho judicial, a verdade é que a mesma cessaria, nos termos do art. 284.º n.º 1 d), no momento da constituição de novo mandatário. Este facto ocorreu a 09/11/2010, como se pode comprovar a fls. 289 a 292 dos autos.
Cessada a suspensão no dia 09/11/2010, restaria o dia 10/11/2010 para praticar o acto, nos termos do art. 145.º n.º 5 c).
Conforme se constata a fls. 306, as alegações de recurso foram levadas ao processo a 22/11/2010.
Não resta outra conclusão que não a de considerar extemporânea a apresentação das alegações e, necessariamente, declarar deserto o recurso que se pretendia interpor.»
Sintetizando a divergência, a embargante entende que o prazo que decorria, de interposição do recurso se suspendeu com a notificação do requerimento de renúncia do mandato (em 15.10.2010), mantendo-se suspenso durante vinte dias - até 4 de Novembro de 2010.
Na sentença recorrida defende-se tese diferente: o prazo de recurso apenas se suspenderia decorridos vinte dias após a notificação (art. 39/3 do CPC).
Vejamos.

Sobre a revogação e renúncia do mandato, rege o artigo 39.º, nestes termos:

1. A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.

2. Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no nº 3.

3. Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado.

4. Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu ou o reconvindo não puderem ser notificados, o juiz solicita ao competente Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a nomeação oficiosa de mandatário, a realizar em dez dias, findos os quais a instância prossegue, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 43º e 44º.

5. O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de dez dias

6. Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito, quando for dele a falta a que se refere o nº 3; sendo a falta do autor, seguirá só o pedido reconvencional, decorridos que sejam dez dias sobre a suspensão da acção.
A questão que se nos depara não é pacífica nem isenta de alguma dificuldade, e a resposta terá que decorrer da interpretação do normativo que se transcreveu (particularmente da conjugação dos n.º 2 e 3), e terá que respeitar a disciplina prevista no artigo 9.º do Código Civil.
Como referem Pires e Lima e Antunes Varela[2], o critério de interpretação enunciado no normativo citado poderá sintetizar-se nestes termos: o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma, ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
No n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, o legislador elegeu como critério fundamental para a interpretação dos seus textos, o elemento gramatical: «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso
Como refere o Professor João Baptista Machado[3], o texto é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe duas funções distintas: uma função negativa - a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei; uma função positiva - se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma - com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador.
Para o autor citado, o elemento gramatical é decisivo na interpretação da norma de sentido ambíguo: “Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada. contrafeita. Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”
Voltando à questão que nos ocupa, diremos que o elemento gramatical não padece de quaisquer ambiguidades, revelando um sentido unívoco, que se afigura incontornável.
Vejamos.
Dispõe o n.º 2 do artigo 39.º do CPC, que os efeitos da revogação e da renúncia se produzem a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, e que a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no nº 3.
De acordo com o n.º 3, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado (situação que ocorre nos autos), se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor (seguindo o processo os seus termos se for do réu).
A norma citada, interpretada com base no seu elemento literal não parece deixar margem para dúvidas: se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário, vinte dias após a notificação (que nos autos ocorreu em 15.10.2010 – fls. 287), suspende-se a instância.
O que pode gerar alguma perplexidade é a afirmação contida no n.º 1 do normativo em apreço, de que “os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
Nestes “efeitos”, não se poderá de acordo com a lógica gramatical interpretativa, incluir a suspensão da instância, porque esta só ocorre, nos termos do número seguinte, vinte dias após a notificação da renúncia, não sendo defensável a verificação de duas suspensões da mesma instância – aquando da notificação e vinte dias depois.
Os efeitos a que se refere o n.º 2 têm a ver com a natureza receptícia da declaração unilateral de renúncia do mandato.
Convém não esquecer que estamos no domínio de uma relação contratual, e a renúncia ao mandato, como bem refere o Professor Mota Pinto[4], é um negócio unilateral receptício, daí decorrendo que a declaração só produzirá efeitos, só será eficaz, se for e quando for levada ao conhecimento do destinatário.
No caso de renúncia de mandato forense no âmbito de uma acção judicial, a declaração de renúncia só produzirá efeitos com a notificação efectuada pelo tribunal (o que se compreende, porque não é apenas o mandante que tem interesse no conhecimento da declaração e que tem o direito de ser notificado - art. 39/1 CPC).
Por outro lado, a notificação ao mandante tem também como efeito o início da contagem do prazo, findo o qual, caso seja autor e legalmente obrigatório o patrocínio judiciário, decorridos vinte dias, se não constituir novo mandatário, ocorre a suspensão da instância.
Parece-nos assim explicado o sentido e alcance da referência inserta no n.º 2 do artigo 39.º do CPC, aos “efeitos da revogação e da renúncia”, produzidos a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
Na interpretação que se preconiza, o mandatário renunciante fica vinculado ao mandato até que se mostre decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo 39.º do CPC, já que, de acordo com a cominação da referida norma, a suspensão da instância (caso o mandante seja autor) só ocorrerá vinte dias depois da notificação da renúncia.
É esta a posição defendida por Lebre de Freitas[5], que sintetiza o regime processual nestes termos: «Estabeleceu-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial (…). Simplificou-se assim o regime anterior, segundo o qual o estabelecimento do prazo (judicial) estava na disponibilidade do mandatário renunciante. Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia produz os seus efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo, se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância no caso de faltar advogado ao autor; mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, no caso de faltar advogado ao réu[6]
A evolução do regime processual da revogação e renúncia do mandato é explicada pelo Conselheiro Carlos Lopes do Rego[7], nestes termos:

«[…] II - Os n.º 2 a 5 reformulam substancialmente o regime da renúncia ao mandato: nas causas em que é obrigatório o patrocínio - por se haver considerado desproporcionado o sistema que, como regra, impunha ao mandatário renunciante a continuação do patrocínio até que a parte constituísse novo mandatário (n.º 2 do art. 39.º, na redacção anterior à reforma). Na verdade, pressupondo normalmente a renúncia ao mandato uma quebra ou grave crise da relação pessoal de confiança que necessariamente subjaz ao mandato forense, considerou-se inexigível impor ao mandatário que prosseguisse indefinidamente com o patrocínio, designadamente nos casos em que se viesse a revelar impossível comunicar ao mandante a renúncia do respectivo mandatário, frustrando-se a i notificação pessoal. Assim:

a) a renúncia começa por ser notificada às partes, por força do n.º 1, devendo a notificação ao mandante ser pessoal - nos termos do disposto no art. 256.º - e conter a advertência dos efeitos cominados no n.º 3, dispondo a parte de um prazo que se considerou razoável para constituir novo mandatário (20 dias) - dispensando-se, deste modo, a intervenção do juiz, a requerimento do mandatário renunciante, para fixar o concreto prazo judicial para tal constituição, nos termos que decorriam do preceituado no n.º 3 deste art. 39.º, na redacção anterior à reforma;

b) findos esses 20 dias, contados da notificação, para a parte constituir novo mandatário, produzem-se de pleno os efeitos típicos da renúncia ao mandato e da extinção deste: suspende-se a instância, se a falta de constituição de novo mandatário for imputável ao autor; e, se o for ao réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos praticados pelo mandatário renunciante (tais efeitos correspondem, aliás, aos que já decorriam do preceituado na parte final deste artigo, na redacção anterior à reforma); […]»
É tempo de abordarmos a polémica jurisprudencial.
Nas suas doutas alegações, em abono da tese que defende (de suspensão da instância com a notificação da renúncia), a embargante cita dois arestos: um acórdão da Secção Social do STJ (de 6.03.2002, Proc. 02S337), e outro desta Relação de 12.12.2006, Proc. 217/05.1TJCBR-A.C1).
Não sendo pacífica a interpretação do artigo 39.º do CPC, será, no entanto, claramente minoritária a tese preconizada nos dois arestos citados pela recorrente.
Não se medindo a força da argumentação jurídica pelo volume de decisões jurisprudenciais coincidentes, trata-se, ainda assim, de um argumento relevante na ponderação de questões já apreciadas pelos tribunais.
A questão em apreço foi apreciada com profundidade pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 12.11.2009[8], relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, onde se conclui, no sumário que parcialmente se transcreve:

«[…] III) – A interpretação defendida pelos recorrentes considerando que a mera apresentação da renúncia ao mandato desvincula, ipso facto, o Advogado, suspendendo ou até interrompendo o prazo processual em curso, não tem apoio mínimo na letra da lei, sabendo-se que a alteração introduzida no art. 39º do Código de Processo Civil, pela Reforma Processual de 1995/96, foi a de não deixar o mandatário-renunciante ad eternum no exercício do mandato, já que na primitiva redacção do preceito inexistia previsto o prazo razoável de 20 dias para o mandante constituir novo advogado, o que redundava em severa sanção para quem desejava retirar-se do patrocínio forense. […]

XI) – Não é inconstitucional a norma do art. 39º, nº2, do Código de Processo Civil na interpretação antes enunciada. […]».
A situação apreciada no aresto citado é em tudo semelhante à que se discute nestes autos: o mandatário dos executados/embargantes renunciou ao mandato na véspera do termo do prazo para a apresentação das alegações de recurso que interpusera da decisão que foi desfavorável aos seus constituintes.
No referido processo, a 1.ª instância e este Tribunal (em sede de recurso) consideraram que a mera apresentação do requerimento de declaração de renúncia do mandatário não suspendia o prazo processual em curso, e que o mandatário renunciante continuava vinculado ao mandato até que decorressem os vinte dias após a notificação, referidos no n.º 3 do artigo 39.º do CPC, o que veio a ser confirmado pelo Supremo[9].
No acórdão citado é feita referência ao acórdão proferido pelo mesmo Supremo Tribunal em 16.04.2002[10].
O mesmo entendimento foi acolhido no acórdão da relação de Lisboa, de 27.05.2010[11], no acórdão do STJ, de 11.05.1994[12], no acórdão desta Relação, de 03.07.2002[13] e no acórdão da Relação do Porto, de 03.03.1993[14].
Como refere o Conselheiro Lopes do Rego no comentário que se transcreveu, na reforma processual introduzida pelos decretos-leis n.º 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, o legislador considerou desproporcionado o sistema que, como regra, impunha ao mandatário renunciante a continuação do patrocínio até que a parte constituísse novo mandatário (art. 39.º/2, na redacção anterior à reforma), por se entender que a renúncia ao mandato pressupõe uma quebra ou grave crise da relação pessoal de confiança que necessariamente subjaz ao mandato forense, considerando-se inexigível impor ao mandatário que prosseguisse indefinidamente com o patrocínio.
Optou-se assim, por uma solução de compromisso que pondera também o interesse geral da celeridade processual, sem sacrificar em excesso a posição do mandatário renunciante[15], como se refere na intenção manifestada no preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12: “procede-se, no essencial, a uma reformulação do regime de renúncia do mandato judicial, procurando alcançar solução, que se supõe ponderada, entre a eventual inexigibilidade ao mandatário de prosseguir com o patrocínio do seu cliente e o interesse do autor em não ver o possível conflito entre o réu e o seu advogado repercutir-se negativamente na celeridade do andamento da causa.”
A solução de compromisso entre os dois valores em presença traduz-se na consagração de uma regime em que o mandatário não fica indefinidamente ligado ao vínculo contratual que pressupõe uma relação de confiança posta em crise com a renúncia (se o mandante não for diligente, fica liberto vinte dias depois da sua notificação), não prejudicando a celeridade processual que se pretende como um dos princípios fundamentais do processo (265/1 CPC).
Cumpre referir que a manutenção do vínculo contratual emergente do mandato, por vinte dias após a notificação da renúncia (período máximo, considerando que pode ser reduzido, bastando para tal o mandante constituir novo mandatário), não se afigura excessivo, no quadro estatutário de direitos e deveres do mandatário forense.
Trata-se de uma relação tutelada por normas deontológicas, e a continuidade em funções durante o referido prazo, após a notificação da renúncia e apesar da divergência que a justificou, integra-se no dever previsto no n.º 2 do artigo 95.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, onde se determina: “Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”
Ou seja, mesmo fora do patrocínio em acção judicial, sobrevindo uma divergência que inviabilize a relação de confiança com o cliente, o advogado está deontologicamente obrigado a manter o patrocínio até que “em tempo útil” seja assegurada a intervenção de outro advogado.
Não nos parece haver grande diferença entre este regime (estatutário) e o regime processual previsto no artigo 39.º do CPC, sendo certo que as razões que justificam a continuidade temporária do mandato, para além da ocorrência do motivo justificado para a sua cessação, são as mesmas: a protecção do interesse do mandante numa situação transitória em que carece de assistência (no caso da acção, porque a lei impõe o patrocínio obrigatório).
Prestado o patrocínio na situação transitória a que se refere o n.º 3 do artigo 39.º do CPC[16], não se verifica qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente por violação de qualquer direito de defesa da embargante.
Convém recordar que, no caso sub judice, a notificação do despacho de admissão dos recursos ocorreu em 23.09.2010, tendo o mandatário inicial da embargante apresentado a declaração de renúncia em 9.10.2010, a qual foi notificada à mandante em 15.10.2010, o que significa que entre a notificação do despacho e a invocação das razões da renúncia decorreram 16 dias, tendo decorrido 23 dias até à notificação da renúncia.
Com o devido respeito, afigura-se injustificável a inércia do anterior mandatário da embargante, que deixou decorrer o prazo legal, sem diligenciar pela apresentação das alegações.
Face à conclusão a que chegámos, constituía seu dever, processual e estatutário/deontológico, a apresentação das alegações, porque continuou vinculado ao mandato até 4.11.2010, data em que terminou o prazo de 20 dias previsto no n.º 3 do artigo 39.º do CPC.
Na referida data era ainda possível praticar o acto de entrega das alegações mediante pagamento de multa, face ao disposto no n.º 5 do art. 145.º do CPC, considerando que o dia 4/11/2010 correspondia ao 2.º dia em que o acto poderia ser praticado mediante o pagamento da respectiva multa.
A partir da mesma data suspendeu-se a instância (art.º 49/3 CPC), cessando tal suspensão, nos termos do art. 284.º n.º 1 d), no momento da constituição de novo mandatário, o que aconteceu em 09/11/2010 (fls. 289 a 292 dos autos).
Cessada a suspensão no dia 09/11/2010, restaria o dia 10/11/2010 para praticar o acto, nos termos do art. 145.º n.º 5 c).
No entanto, como se constata a fls. 306, as alegações de recurso foram apresentadas apenas em 22/11/2010.
Perante tudo o que ficou dito, concluímos, salvo o devido respeito, pela manifesta extemporaneidade da apresentação das alegações de recurso, não merecendo qualquer censura o douto despacho recorrido, que considerou os recursos desertos.
A improcedência do recurso de agravo e a consequente manutenção do despacho recorrido, que declarou a deserção do recurso de apelação impede, obviamente, a apreciação deste, face ao disposto no artigo 660.º, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 713.º, ambos do CPC.

IV. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de agravo interposto sobre o despacho que julgou deserto o recurso de apelação, considerando em consequência prejudicada a apreciação da apelação face ao artigo 660.º, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 713.º, ambos do CPC.
Custas do recurso pela Apelante.
                                                         *

Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins


[1] Foram interpostos mais dois recursos de agravo. Um deles (quanto ao despacho que indeferiu a reclamação da selecção da matéria de facto), não foi admitido (despacho de fls. 272), tendo transitado em julgado tal decisão; um outro (quanto ao despacho que indeferiu a excepção deduzida pela embargante, por esta denominada “excepção peremptória de caducidade do direito da acção executiva”), foi julgado deserto no despacho preliminar, por falta de apresentação de alegações.
[2] Código Civil Anotado, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 58/59.
[3] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 18.ª Impressão, 2010, pág. 182.
[4] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra Editora, 1996, pág. 338 e 339.
[5] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008.

[6] O Tribunal da relação de Guimarães vem defendendo a aplicação ao embargante, do regime que a última parte do n.º 3 do art. 39.º do CPC prevê para o réu, decidindo: em acórdão de 20.01.2011 (Proc. 2318/03.1TBFLG-B.G1) “I – A inércia da embargante em constituir novo mandatário não pode significar um meio legal de entorpecimento da justiça, permitindo àquele, que nisso tem interesse, obstar ao prosseguimento de um processo que, de outro modo, não conseguiria. II - Dado terem a virtualidade de suspender a execução, a falta de constituição de novo mandatário por parte do embargante, após renúncia, não pode conduzir à suspensão da instância dos embargos por se traduzir em fim contrário à lei. III - Tendo a embargante sido notificada para constituir novo mandatário, o que não fez, ocasionou a verificação de uma excepção dilatória, do conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância dos embargados e, a seu tempo, à prossecução da acção executiva.”; em acórdão de 22.02.2011 (Proc. 2318/03.1TBFLG-D.G1): “Tendo havido renúncia ao mandato, a falta de constituição de novo mandatário por parte do embargante em embargos de terceiro, não pode conduzir à suspensão da instância., mas sim à absolvição da instância”
[7] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 77.
[8] Proferido no Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt
[9] É curioso verificar que no processo em causa o recorrente citou exactamente os mesmos acórdãos que a apelante refere nas doutas alegações do presente recurso (do STJ, de 6.03.2002, Proc. 02S337, e desta Relação de 12.12.2006, Proc. 217/05.1TJCBR-A.C1), e que são objecto de apreciação, ainda que a latere, no aresto citado.

[10] Publicado na CJSTJ, Ano X, Tomo II – 2002 – pág. 32
[11] Proferido no Processo n.º 1045-C/2002.L1-2, acessível em http://www.dgsi.pt, onde se decidiu: «[…] até ao termo do prazo legal de 20 dias, mantêm-se os efeitos do patrocínio do renunciante, que continua vinculado ao cumprimento das obrigações decorrentes do mandato, o que inclui, evidentemente, a obrigação de comparência às audiências […]».
[12] BMJ, 437, p. 452.

[13] Proferido no Processo n.º 1439/2002, acessível em http://www.dgsi.pt, onde se decidiu que: «[…]sendo obrigatória a constituição de advogado, o mandatário renunciante só fica desonerado após o decurso do prazo de 20 dias, contados da notificação do réu, sem que este constitua novo mandatário. […]».
[14] Proferido no Processo n.º 9230670, acessível em http://www.dgsi.pt.
[15] Isto nas situações em que a renúncia é feita com seriedade, porque nos tribunais constamos a existência de muitos casos em que se resume a mero expediente dilatório, permitindo, nomeadamente, o sucessivo adiamento de audiências de julgamento, quando o tribunal aceita a tese da imediata suspensão da instância, com grave prejuízo para todos os intervenientes processuais e para o abalado prestígio das instituição judiciárias.
[16] Que deverá ser cumprido com o “dever de competência” e de zelo, exigidos nos artigos 93.º e 95.º do EOA, e que, como vimos, não é exigido apenas pela norma processual em apreço, mas também pelo estatuto deontológico do advogado.