Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1316/11.6T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA
EXTINÇÃO
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
JUÍZO CÍVEL
TRIBUNAL DO TRABALHO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO – JUIZ 3.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 456º Nº 1 DO CÓDIGO DE TRABALHO
Sumário: A competência para conhecer de uma causa onde se pede a extinção de uma associação sindical, ao abrigo do art. 456º, nº 1, do Código de Trabalho e por incumprimento da obrigação de comunicar a identidade dos membros da sua direcção, pertence aos Juízos de Instância Cível e não aos Juízos de Trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

O Ministério Público propôs acção, com processo ordinário e ao abrigo do disposto no art. 456º, nº 1, do Código do Trabalho, contra A... Sindicato Nacional ...., com sede na Rua ... Aveiro, alegando que a Ré, sendo uma associação sindical, não requereu, desde 15 de Abril de 2004, a publicação da identidade dos respectivos membros da direcção e pedindo, com esse fundamento, que seja decretada a extinção da Ré e que esse facto seja comunicado à Direcção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e da Segurança Social.

A Ré foi citada na pessoa de B... e não apresentou contestação.

Foi proferido despacho saneador e, considerando-se confessados os factos articulados pelo Autor, foi proferida decisão que, julgando a acção procedente, declarou a extinção da Ré.

Posteriormente, na sequência de requerimento apresentado por B... , veio a ser proferido despacho que declarou nula a citação da Ré e anulou os actos posteriores à petição inicial.

Na sequência desse facto, a Ré foi citada por editais, após o que foi proferido o despacho que, a seguir, se reproduz:

De harmonia com o preceituado no art. 118º, alínea s), da Lei nº52/2008, de 28-8, na redacção introduzida pelo DL nº295/2009, de 13-10, compete aos juízos do trabalho conhecer “das questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e da actividade das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;”.

Verifica-se, assim, atenta a matéria que se discute nos autos – extinção de uma associação sindical por incumprimento do quadro normativo previsto no Código do Trabalho – que o presente foro – Juízo de Grande Instância Cível – é materialmente incompetente para conhecer o presente litígio, competência essa que cabe, nos termos sobreditos, ao Juízo do Trabalho desta comarca (Baixo Vouga).

Nestes termos, e por força do disposto nos arts. 101º, 102º, 105º, nº1, e 288º, nº1, alínea a), todos do C.P.C., declaro-me materialmente incompetente para apreciar a causa e, em consequência, absolvo o réu da instância.

Notifique, sendo o autor, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº2, do C.P.C..

Discordando dessa decisão, o Ministério Público veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. O Exmo. Sr. Juiz do tribunal “a quo”, entendendo que a competência para conhecer da matéria que nos autos se discute não cabe ao presente foro, mas antes aos juízos do trabalho, declarou-se materialmente incompetente e, em consequência, absolveu a Ré da instância.

2. Fundamentou o Exmo. Sr. Juiz o seu entendimento no artigo 118º s) da Lei 52/2008, de 28.08., na redacção introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10., que preceitua que compete aos juízos do trabalho conhecer “ das questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e da actividade das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores”, entendendo que aí está abrangida a matéria dos autos.

3. Contudo, esta matéria não é expressamente referida na alínea s) do citado artigo 118º, tendo aqui de se fazer apelo à alteração que resultou da Declaração de Rectificação nº 86/2009 que fixou o âmbito da competência cível dos tribunais do trabalho para conhecer das “questões relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos das associações…”, afastando, assim, o controlo da actividade.

4. Por outro lado, não se pode entender que ali esteja abrangida a extinção que se peticiona, pois esta não tem como causa de pedir a ilegalidade da constituição da Ré ou dos seus estatutos, antes se fundamentando numa omissão: a Ré nos últimos seis anos não requereu a publicação da identidade dos membros da direcção, nem tão pouco o fez nos 12 meses que se seguiram à entrada em vigor da Lei 7/2009, de 12.02..

5. Entendemos, assim, que não está atribuída aos tribunais ou juízos do trabalho a competência para apreciar a matéria da extinção da Ré, sendo forçoso concluir que a competência para tal cabe aos tribunais comuns e, na presente acção, ao tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 26º, nº 1 da Lei nº 52/2008, de 28.08..

6. Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto no referido artigo 118º, alínea s) da Lei nº 52/2008, de 28.08., na redacção conferida pelo DL 295/2009, de 13.10., pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento do processo no Tribunal “a quo” por ser o materialmente competente para conhecer da acção, nos termos do previsto no artigo 26º, nº 1 do mesmo diploma.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a competência para conhecer da presente causa pertence ao Juízo de Grande Instância Cível ou se, ao invés, tal competência pertence ao Juízo do Trabalho.


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III.

Na perspectiva da decisão recorrida, a competência para conhecer da presente causa pertence ao Juízo do Trabalho, tendo em conta o disposto no art. 118º, alínea s), da Lei nº 52/2008, de 28/08, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 295/2009, de 13/10.

Vejamos se assim é.

Dispõe a norma citada que compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos de associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores.

Importa dizer, em primeiro lugar, que a redacção da norma em causa não corresponde rigorosamente àquela que foi considerada na decisão recorrida (onde se alude a questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e da actividade das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores). De facto, embora fosse esta a redacção inicial que foi introduzida pelo Dec. Lei nº 295/2009, de 13/10, a verdade é que essa redacção veio a ser rectificada (Declaração de Rectificação n.º 86/2009, de 23/11), tendo sido eliminada a referência à actividade das associações sindicais.

Daí que a norma em cause apenas se reporte ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos daquelas entidades (e não ao controlo da legalidade da respectiva actividade).

Essa norma foi introduzida pelo já citado Dec. Lei nº 295/2009, em cujo preâmbulo se refere o objectivo de clarificar a competência dos tribunais do trabalho para o controlo da legalidade da constituição e dos estatutos das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores, alterando para o efeito as necessárias disposições legais relativas à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.

Ora, sendo certo – como se referiu – que a norma em causa não alude a questões relacionadas com o controlo da actividade das associações sindicais (reportando-se apenas às questões relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos dessas entidades), parece dever concluir-se que a presente acção não poderá ser enquadrada no seu âmbito de previsão.

De facto, o efeito que se pretende obter na presente acção é a extinção da Ré (associação sindical) com fundamento no disposto no art. 456º, nº 1, do Código do Trabalho, onde se dispõe que “Quando a associação sindical ou de empregadores não tenha requerido a publicação nos termos do n.º 1 do artigo 454.º da identidade dos membros da direcção num período de seis anos a contar da publicação anterior, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral deve comunicar o facto ao magistrado do Ministério Público no tribunal competente, o qual promove, no prazo de 15 dias a contar da recepção dessa comunicação, a declaração judicial de extinção da associação”.

Parece claro, portanto, que o que está em causa na presente acção não é a legalidade ou ilegalidade da constituição e dos estatutos da Ré (e só a isso se reporta a alínea s) do citado art. 118º), mas sim e apenas o incumprimento da obrigação de comunicar e requerer a publicação da identidade dos membros da direcção.

Em bom rigor, talvez não se justificasse a diferença de tratamento entre essas situações. De facto, porque em ambas as situações o que está em causa são regras estabelecidas no Código de Trabalho, cujo incumprimento poderá conduzir à extinção da associação, justificar-se-ia que a extinção da associação por incumprimento da obrigação a que aludem os citados arts. 454º e 456º, nº 1, também estivesse incluída no âmbito de competência dos tribunais ou juízos do trabalho, até porque, como decorre do art. 118º, alínea l), da Lei nº 52/2008, serão da sua competência os processos que, na sequência da extinção dessas associações, se destinem à liquidação e partilha dos respectivos bens.

A verdade, porém, é que não foi essa a opção do legislador.

De facto, a alínea s) do citado art. 118º apenas atribui competência aos juízos do trabalho para as questões relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos daquelas entidades, englobando apenas o controlo (a que alude o art. 447º do Código do Trabalho) da constituição e estatutos iniciais da associação (que poderá conduzir à extinção judicial da associação ou à declaração de nulidade das normas dos estatutos que sejam desconformes com a lei), bem como o controlo (a que alude o art. 449º do mesmo diploma) da legalidade de eventuais alterações que os estatutos venham a sofrer e que poderá conduzir à declaração judicial de nulidade dessas alterações. Já não se englobam no âmbito da previsão da norma citada as questões relacionadas com o incumprimento das obrigações a que aludem os arts. 454º e 456º, nº 1, do Cód. Trabalho e que, embora possam também possam conduzir à extinção da associação, não se prendem com a legalidade (ou não) da sua constituição e dos respectivos estatutos.
Assim, porque as questões aqui suscitadas não caem no âmbito de previsão da alínea s) do citado art. 118º e porque também não se inserem em nenhuma das demais alíneas da norma em questão, impõe-se concluir que a presente causa não está abrangida pela competência dos tribunais ou juízos de trabalho, sendo, portanto, da competência dos juízos de instância cível (neste sentido, pode ver-se, aliás, o Acórdão desta Relação de 07/06/2011, processo nº 1543/10.3TBCBR.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.).

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Decorre de tudo o exposto que a competência para conhecer da presente causa pertence ao Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, onde foi instaurada, razão pela qual se revoga a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

A competência para conhecer de uma causa onde se pede a extinção de uma associação sindical, ao abrigo do art. 456º, nº 1, do Código de Trabalho e por incumprimento da obrigação de comunicar a identidade dos membros da sua direcção, pertence aos Juízos de Instância Cível e não aos Juízos de Trabalho.


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IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se que o Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro é o competente para conhecer da presente causa e ordenando-se, por isso, o normal prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro