Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
542/17.9PBCLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: CRIME PARTICULAR
CONSTITUIÇÃO COMO ASSISTENTE
PRECLUSÃO DO PRAZO
NOVA NOTIFICAÇÃO ORDENADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 12/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JI CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 68.º E 246.º DO CPP
Sumário: I – O prazo para requerer a constituição de assistente é um prazo peremptório, em função do que o correspondente acto deve ser praticado dentro do respectivo período de tempo de dez dias e o seu decurso sem que aquele seja realizado faz extinguir o direito de o praticar.

II – É obrigatório que o denunciante de crime particular declare que pretende constituir-se assistente e, em tal caso, impõe-se à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente, que proceda à advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

III – Face à inacção que determinou a extinção do direito de se constituir assistente, a partir daí o recorrente podia e devia contar com tal desfecho preclusivo que, em última análise, conduziria ao arquivamento dos autos por ilegitimidade do Ministério Público para prosseguir o procedimento.

IV – Quando erradamente o Ministério Público mandou [repetir] o cumprimento do artigo 246.º, n.º 4 do CPP, não foi criada qualquer legítima expectativa no sentido de o recorrente vir a beneficiar de uma segunda possibilidade de se constituir assistente.

V – Tal acto indevido, realizado num momento em que já se encontrava extinto o direito do recorrente, não era apto a gerar no recorrente uma confiança merecedora de tutela.

VI – A [segunda] notificação não tem a virtualidade de conferir novo prazo para a prática do acto precludido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. Nos autos de inquérito n.º 542/17.9PBCLD, que correm termos na Procuradoria da República da Comarca de Leiria – DIAP 2.ª Secção das Caldas da Rainha, de onde provém o presente recurso em separado, o ofendido veio apresentar requerimento para a sua constituição como assistente, o qual foi apreciado pela Mma. Juíza de Instrução Criminal, que proferiu despacho em que considerou tal requerimento extemporâneo e, consequentemente, não admitiu a sua intervenção nos autos como assistente.

2. Inconformado, o ofendido recorreu da decisão, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

A. Por notificação via postal registada datada de 14.11.2017, foi notificado o Ofendido entre o mais para se constituir assistente, notificação que se presume realizada em 17.11.2017, nos termos do disposto no art. 113 nº 2 do CPP.

B. Terminando o prazo de 10 dias em 27.11.2017,

C. sem prejuízo de poder ser praticado o acto, independentemente de justo impedimento até ao 3º dia útil subsequente, ou seja até 30.11.2017, nos termos do disposto no art. 139 CPC aplicável ex vi art. 107º CPP o que efectivamente sucedeu.

D. Ou seja, em 30.11.2017. foi requerida a constituição de assistente, pelo que sempre teria a mesma de ser admitida, nunca podendo proceder a sua rejeição por alegada extemporaneidade.

D. Ou seja, em 30.11.2017. foi requerida a constituição de assistente, pelo que sempre teria a mesma de ser admitida, nunca podendo proceder a sua rejeição por alegada extemporaneidade

E. Pois que, a sua pretensão, apresentada em 30.11.2017, conforme assentido no despacho recorrido, é tempestiva, por aplicação do regime de suavização das consequências da falta de cumprimento dos prazos processuais estabelecido nos art.s 107º n.º 5, e 107º-A do Código de Processo Penal e, por remissão desse primeiro preceito, no art. 139º do Código de Processo Civil.

F. Resultando destas disposições que, independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de una multa, cujo valor varia segundo as circunstâncias.

G. Assim, o acto em apreço sempre terá de ser admitido, embora sujeito a pagamento de multa, concluindo-se, pela tempestividade do pedido de constituição de assistente ora em análise.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho proferido, substituindo-o, em conformidade, admitindo-se a constituição de assistente requerida, por tempestiva, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”.

3. Admitido o recurso, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta em que pugna pela improcedência, formulando no termo da mesma as seguintes conclusões:

“1 - O recurso a que ora se responde foi interposto pelo queixoso …, da douta decisão de 12-01-2018, a fls.43 dos autos, que culminou com despacho de não admissão daquele a intervir nos autos na qualidade de assistente, relativamente a crime de natureza particular;

2 - Nos presentes autos de inquérito, em 08-09-2017, o queixoso foi notificado para se constituir assistente, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 246.º, nº4 e 68.º, nº2, ambos do CPP (fls.4 dos autos);

3 - Mas só em 30-11-2017 veio requerer a sua constituição como assistente, relativamente a crime de natureza particular de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º do CP (fls.30 dos autos);

4 - Por isso, foi proferido despacho judicial de não admissão da mencionada constituição de assistente, por extemporaneidade;

5 - Efectivamente, quando em 30-11-2011 vem requerer a sua constituição como assistente, mesmo recorrendo ao disposto no art.º 139.º do CPC por via do art.º 107.º do CPP, já havia decorrido o prazo de 10 dias previsto no n.º 2, do art.º 68.º do CPP;

6 - O prazo fixado no nº 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal é um prazo peremptório;

7 - O que decorre do Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, n.º 1/2011, in DR I Série, de 26-01-2011 em cujo sumário se lê que “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no nº 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”;

8 - Assim, o requerimento para constituição de assistente efectuado em 30-11-2017, é extemporâneo e bem rejeitado foi”.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer em que acompanha a resposta apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público da 1.ª instância, pronunciando-se no sentido de que o recurso deverá improceder.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente veio apresentar resposta em que invoca a incorrecção da sequência de datas indicadas naquele parecer e reafirma tudo o que já havia alegado no recurso.

6. No exame preliminar proferiu o Relator decisão sumária em que julgou o recurso manifestamente improcedente, nos termos do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP.

7. Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência, nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 8 do CPP, requerendo que o seu recurso seja nela reapreciado e formulando no termo do seu requerimento as seguintes conclusões:

“A. A decisão sumária proferida conclui pela manifesta improcedência do recurso nos termos das disposições conjugadas dos arts. 417º nº 6 al. b) e 420 nº a) ambos do CPP

B. É referido na decisão sumária que "(...) O prazo de 10 dias completou-se no dia 18 de Setembro de 2017 sem que até essa data tenha sido formulado requerimento de constituição de assistente (...)

Assim, quando em 21 de Setembro de 2017 o recorrente apresentou requerimento solicitando a suspensão do prazo para constituição de assistente já aquele prazo tinha decorrido integralmente (…)"

C. Ora, desde logo é preciso notar que o recorrente não apresentou o seu requerimento em 21 de Setembro mas sim em 20 de setembro de 2017, sendo que no mencionado requerimento no ponto 7 do articulado referiu “Porque a questão agora suscitada colide com a obrigatoriedade ou não da constituição de assistente por parte do Ofendido nos presentes autos, uma vez que nos autos 535, o mesmo já cumpriu tal desiderato, requer a Vª Exª a suspensão do aludido prazo para constituição de assistente, até que o Ofendido detenha cabal esclarecimento sobre o entendimento de Vª Exª quanto ao requerido reconhecimento de competência por conexão”.

D. Sendo que, em conformidade com tal requerimento veio a ser notificado do teor do despacho de fls. 28, mediante notificação expedida pela secretaria em 14.112017, sendo o mencionado despacho com o seguinte teor: “Não tendo a Exma. Colega concordado com a apensação, comunique tal despacho ao ofendido e cumpra o disposto no nº 4 do art. 246º do Código de Processo Penal.”

E. Ou seja em face do requerimento para eventual apensação e suspensão do prazo para constituição de assistente, a Digníssima Procuradora, terá atendido a tal suspensão e após tomada de decisão quanto á apensação, determinou a notificação ao Ofendido nos termos do disposto no art. 246º do CPP.

F. A este propósito é referido na decisão sumária “É verdade que o recorrente, na sequência de diligências efetuadas pelo M.P para apensação dos presentes autos a outro inquérito decorrente de denúncia por si apresentada velo a ser notificado nos termos do disposto no art. 246 nº 4 do CPP, notificação que jamais deveria ter sido ordenada, atenta a preclusão do prazo de constituição de assistente. Não obstante essa notificação não tem a virtualidade de conferir ao recorrente novo prazo para a prática do acto precludido.

G. Ora a este propósito apraz clarificar, o recorrente não foi notificado nos termos do disposto no art. 246º nº 4 do CPP, na sequencia de diligências efectuadas pelo MP para apensação dos presentes autos a outro inquérito, o recorrente foi notificado nos termos do disposto no art. 246 nº 4 do CPP, na sequencia do seu requerimento apresentado em 20.09.2017, mencionado no ponto 4, onde entre o mais requereu a suspensão do prazo para constituição de assistente até prolação de decisão sobre eventual apensação de processos e, por conseguinte, tal despacho constitui resposta ao seu requerimento!

H. Mais grave ainda quando refere “(…)Não obstante essa notificação não tem a virtualidade de conferir ao recorrente novo prazo para a prática do acto precludido(…)

I. Ora, conforme se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça em Acordão proferido em 05.04.2016, no âmbito do processo nº 12/14.7TBMGD-B.G1.S1, com menção a Acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.11.2008, proferido no Processo nº 7993/2008-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.,

“I- As partes têm que contar com a diligência e eficácia dos servidores judiciais confiando neles e no papel que cada agente judiciário tem no processo, com visto a uma sã administração da justiça.

II- A regra constante do nº 1 do art. 161º do Código de Processo Civil, implica que o acto da parte não pode, em qualquer caso, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido".

Ill- A tutela de confiança, como elemento de um processo equitativo, sai abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, acaba por decidir em sinal contrário, "dando o feito por não feito". Das omissões e erros dos actos que os funcionários pratiquem não pode resultar, em qualquer caso, prejuízo para as partes”.

J. se conforme dispõe o art. 157º do C.P.C, as partes não podem por qualquer forma ser prejudicadas pelos erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial,

K. Que dizer dos actos dos Magistrados do Ministério Público...

L. É que conforme se refere no aresto supra identificado as partes têm de contar com a diligência e eficácia dos servidores judiciais confiando neles e no papel que cada agente judiciário tem no processo,

M. Não restando dúvidas que sai abalada a tutela de confiança, como elemento de um processo de livre acesso á justiça e que se quer equitativo, quando o Tribunal dando sinal no sentida de um acto produzir determinados efeitos acaba por decidir contra o anteriormente determinado, como está a suceder in casu.

N. O recorrente fez um requerimento, na sequencia do mesmo obteve resposta do titular do inquérito (Digníssima Procuradora), atuando em conformidade vê depois a sua constituição de assistente não admitida por considerar o Meritíssimo JIC e agora o Sr. Juiz Relator que a Digníssima Procuradora, não deveria ter notificado o Recorrente nos termos do disposto no art 246º nº 4 do C.P.C.

O. Razão pela qual não admite a decisão proferida sumariamente, pugnando pela sua apreciação em Conferencia.

P. Inexistindo, conforme se demonstrou a alegada extemporaneidade, verificando sim que o acto praticado foi tempestivo, devendo em conformidade ser admita a constituição de assistente em análise.

Q. Pelo que, em face do exposto, deverá o Recurso apresentado ser avaliado e apreciado em conferência, o que se requer.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento à presente reclamação para a conferência e em conformidade ser o recurso apresentado submetido à apreciação em conferência”.

8. Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso e da reclamação.

Cumpre decidir.

                                                          *

II – Fundamentação 

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada e que no entendimento desta Relação reúnem as condições bastantes para se considerar observado o disposto no artigo 412.º. n.º 2 do CPP, a questão a decidir é a de saber se é tempestivo e, como tal, deveria ter sido admitido o requerimento de constituição como assistente, apresentado pelo recorrente …, nos autos de inquérito n.º 542/17.9PBCLD.

                                                     *

2. O despacho recorrido.

2.1. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):

“Nos presentes autos de inquérito … foi notificado em 08.09.2017 nos termos e para os efeitos previstos no artigo 246º, nº. 4 e 68º, nº. 2 ambos do CPP (fls. 4).

No entanto o mesmo apenas em 30.11.2017 veio requerer a sua constituição como assistente nos presentes autos, ou seja, muito para além do prazo de dez dias a que alude a disposição legal citada.

A circunstância de se ter ponderado a apensação deste inquérito, ao inquérito nº.535/17.6 PBCLD, a qual não se verificou, não impedia o ofendido de se ter constituído como assistente nestes autos e em prazo, sendo que o mesmo nunca foi notificado de que o prazo para a prática de tal acto se encontrava suspenso.

O facto de o M.P. ter determinado a repetição de tal notificação (fls.25), quando tal não se revelava necessário, pois o ofendido já havia sido notificado neste inquérito e para se constituir como assistente, não confere ao mesmo um prazo acrescido para a prática do acto.

Importa ainda sublinhar que mesmo perante a notificação que lhe foi feita após a prolação do despacho proferido pelo MP a fls.25, o requerimento de acordo com o qual o ofendido veio requerer a sua constituição como assistente foi apresentado já decorridos os dez dias fixados na lei.

Nos presentes autos e face aos factos denunciados encontra-se em investigação apenas factos susceptíveis de integrarem a prática de crime de natureza particular.

Assim sendo o requerimento para constituição como assistente não foi apresentado em tempo, sendo, portanto, extemporâneo.

Face ao exposto não se admite o requerente a intervir nos autos na qualidade de assistente.

                                                              **
Notifique e devolva”.

2.2. Com relevo para as questões suscitadas no recurso, resulta ainda dos autos o seguinte:

a) Em 08-09-2017, o recorrente apresentou na PSP, Esquadra de (...) , queixa contra … e … por factos susceptíveis de consubstanciar a prática de crimes de difamação (cf. fls.2).

b) Nessa mesma ocasião, a PSP notificou o recorrente para o seguinte fim, entre o mais:

Constituição de Assistente

Atendendo à natureza particular do crime comunicado, torna-se necessário para no prazo máximo de DEZ DIAS (seguidos, excepto em períodos de férias judiciais), contados a partir desta data, requerer junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal competente, a CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE, sob pena de o Ministério Público não poder, por falta de legitimidade, exercer a acção penal. Fica ainda advertido que a constituição de assistente depende de:

- Constituição de advogado ou pedido de apoio jurídico para nomeação de Patrono

- Requerimento dirigido ao M.º Juiz a solicitar a constituição de assistentes

- Pagamento de Taxa de Justiça (art.º519 do C.P.P.) ou pedido para isenção da mesma” (cf. fls.3).


c) Em 21-09-2017, o recorrente, através da Ilustre Mandatária constituída, veio aos autos de inquérito apresentar requerimento dirigido ao Magistrado do Ministério Público com o seguinte teor:
“1. No âmbito do Inquérito 535/17.6PBCLD, foi formalizada queixa pelo Ofendido em 03.09.2017 por factos susceptíveis de integrar os ilícitos criminais de difamação e injúria, perpetrados pelo ali denunciado através de recurso às redes sociais, in casu, “Facebook”;
2. Em 08.09.2017, veio o Ofendido a formalizar nova queixa exactamente por factos análogos, igualmente integradores dos mesmos ilícitos criminais, perpetrados da mesma forma, (via facebook), somente alterando o agente perpetrante.
3. Tal queixa veio a dar origem aos presentes autos.
4. Cremos, salvo melhor entendimento, que em tal data deveria ter sido realizado aditamento à denuncia preteritamente apresentada nos autos 535/17.6PBCLD, e não dar início a novo inquérito.
5. Em face do presente circunstancialismo, e nos termos do disposto nos arts. 24º nº 1 al. d) e  e); e 25º nºs 1 e 2 do CPP, atenta a fase de inquérito em que se encontram ambos os processos, cremos ser de determinar, em face da competência por conexão a remessa dos presentes autos aos supra referidos e pre-existentes (535/17.6PBCLD), para apensação, o que desde já se requer.
6. Para além do exposto, tendo o Ofendido sido notificado em 08.09.2017, da natureza particular do crime comunicado e bem assim da obrigatoriedade adjacente à mesma, (entre o mais a sua constituição de assistente), na data da apresentação do presente requerimento encontra-se em curso o prazo para o efeito (concretamente seria o 2º dia útil seguinte ao terminus do prazo admissível ao abrigo do disposto no art. 139º CPC).
7. Porque a questão agora suscitada colide com a obrigatoriedade ou não da constituição de assistente por parte do Ofendido nos presentes autos, uma vez que nos autos 535, o mesmo já cumpriu tal desiderato, requer a Vª Exª, a suspensão do aludido prazo para constituição de assistente até que Ofendido detenha cabal esclarecimento de Vª Exª quanto ao requerido reconhecimento de competência por conexão” (cf. fls.12 a 13).

d) Em 27-09-2017, a Magistrada do Ministério Público proferiu despacho com o seguinte teor:

“Atendendo a que nos presentes autos se investigam factos que já se encontravam em investigação no âmbito do processo n.º 535/17.6PBCLD (que deu entrada neste DIAP no dia 7/9/2017), sendo os presentes autos (que deu entrada neste DIAP no dia 18-09-2017) uma duplicação desses autos, apresente os presentes autos à Exma. Colega a quem se propõe a apensação deste inquérito (instaurado em último lugar, último que o Ministério Público teve conhecimento) no inquérito supra referido (535/17.6PBCLD), conforme requerido pelo próprio ofendido, nos termos dos artigos 24.°, 28.° alínea c) e 29.° n.º 2 do Código de Processo Penal.

Obtida a concordância da Exma. Colega, dê baixa deste inquérito e comunique a todos os sujeitos processuais bem como ao OPC” (cf. fls.15).

e) Em 07-11-2017, a Magistrada do Ministério Público proferiu despacho com o seguinte teor:

“Não tendo a Exma. Colega concordado com a apensação, comunique tal despacho ao ofendido e cumpra o disposto no n.º 4 do artigo 246.º do Código de Processo Penal” (cf. fls.18).

f) O despacho referido em e) foi notificado ao recorrente por via postal registada remetida em 14-11-2017 (cf. fls.57-v.º).

g) Em 30-11-2017, o recorrente veio requerer a sua constituição como assistente (cf. fls.19 e 30) e sobre este requerimento foi proferido o despacho recorrido, transcrito em 2.1.

                                                              *

3. Apreciando.

Como é sabido, em procedimento criminal relativo a crimes particulares, a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal depende de queixa do ofendido, da sua constituição como assistente e que este deduza acusação particular (artigo 50.º, n.º 1 do CPP). 

No processo penal o assistente assume a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei, competindo-lhe especialmente, além do mais, deduzir acusação independentemente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza (cf. artigo 69.º, n.os 1 e 2, alínea b), do CPP).

A constituição de assistente efectua-se por despacho do juiz sobre requerimento do interessado, depois de ao Ministério Público e ao arguido ser dada a oportunidade de sobre ele se pronunciarem (cf. artigo 68.º, n.º 4 do CPP).

No que respeita ao prazo para se constituir assistente, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o correspondente requerimento deve ser apresentado dentro de dez dias a contar da advertência a que se refere o n.º 4 do artigo 246.º (cf. artigo 68.º, n.º 2 do CPP). Aquele n.º 4 estabelece que é obrigatório que o denunciante de crime particular declare que pretende constituir-se assistente e, em tal caso, impõe à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente, que proceda à advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

O prazo para requerer a constituição de assistente é um prazo peremptório, em função do que o correspondente acto deve ser praticado dentro do respectivo período de tempo de dez dias e o seu decurso sem que aquele seja realizado faz extinguir o direito de o praticar (cf. artigo 139.º, n.º 3 do CPC).

Neste contexto, constitui jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011 que “em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.[3]


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No caso sub judice, em que os factos denunciados são susceptíveis de integrar a prática de crimes cujo procedimento depende de acusação particular, o denunciante, ora recorrente, foi, em 08-09-2017, notificado para se constituir assistente no prazo máximo de dez dias, procedendo-se à advertência a que se refere o n.º 4 do artigo 246.º [cf. 2.2.b)].

O referido prazo de 10 dias completou-se em 18-09-2017, sem que o recorrente tivesse vindo aos autos requerer a sua constituição como assistente, para além de que também não o fez até ao 3.º dia útil subsequente ao termo daquele prazo, nos termos do disposto no artigo 107.º, n.º 5 do CPP, com referência ao artigos 139.º, n.os 5 a 7 do CPC[4] e 107º-A do CPP.

Ou seja, como resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ n.º 1/2011, a não apresentação do referido requerimento no prazo legal fez precludir o direito de o recorrente se constituir assistente nos presentes autos.

Por outro lado, o facto de no 3.º dia posterior ao termo do citado prazo (21-09-2017), o recorrente ter apresentado requerimento em que pediu a apensação de processos e a suspensão do prazo para a constituição de assistente [cf. 2.2.c)] em nada altera a situação jurídica resultante da sua inacção durante o prazo de que dispunha e que, de acordo com a citada jurisprudência fixada, levou à extinção, por preclusão, do direito de se constituir assistente.

Como se assinalou, pois, na decisão sumária proferida nos presentes autos, quando, em 21-09-2017, apresentou requerimento no sentido da suspensão do prazo para constituição de assistente, o recorrente poderia ter optado por nessa data requerer a sua constituição como assistente, pagando a multa correspondente, nos termos previstos nos artigos 107.º, n.º 5 do CPP, 139.º, n.º 5, alínea c), do CPC e 107.º-A, alínea c), do CPP, uma vez que se encontrava precisamente no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo para se constituir assistente. De modo algum poderia então obter a suspensão de prazo já transcorrido, tanto mais que o mecanismo previsto nas normas atrás citadas constitui uma faculdade já de si excepcional, concedida aos sujeitos processuais que deixem decorrer o prazo para a prática de acto processual sem que se encontrem em condições de invocar justo impedimento, para poderem ainda praticar validamente aquele acto, não comportando prorrogação ou suspensão.

Aliás, o referido pedido de suspensão não só foi formulado quando já havia decorrido o prazo estabelecido na lei para o recorrente se constituir assistente – a apresentação no 3.º dia posterior ao termo não repristina qualquer prazo já transcorrido, apenas permite que, observadas determinadas condições, o acto extemporâneo se possa considerar validamente praticado, no caso, o requerimento de constituição como assistente – como sobre ele o Ministério Público não tomou qualquer posição, quer deferindo, quer indeferindo, a pretensão assim deduzida [cf. 2.2.d)].

Assim, face à inacção que determinou a extinção do direito de se constituir assistente, a partir daí o recorrente podia e devia contar com tal desfecho preclusivo que, em última análise, conduziria ao arquivamento dos autos por ilegitimidade do Ministério Público para prosseguir o procedimento, caso a apensação que requereu não se concretizasse, como não se concretizou [cf. 2.2.e)]. Não se pode, pois, dizer que, quando erradamente o Ministério Público mandou cumprir o artigo 246.º, n.º 4 do CPP [cf. 2.2.e) e f)], foi criada a legítima expectativa no sentido de o recorrente vir a beneficiar de uma segunda possibilidade de se constituir assistente, em contravenção ao disposto no artigo 68.º, n.º 2 do CPP e contrariando frontalmente a referida jurisprudência fixada, e que tal acto indevido, realizado num momento em que já se encontrava extinto o direito do recorrente, era apto a gerar no mesmo uma confiança merecedora de tutela.

Como também ficou dito na decisão sumária, aquela notificação jamais deveria ter sido ordenada pelo Ministério Público, atenta a preclusão do direito de o recorrente se constituir assistente. Não obstante, a notificação não tem a virtualidade de lhe conferir novo prazo para a prática do acto precludido.

Nem, acrescentamos nós, é susceptível de gerar qualquer legítima expectativa em que aquele fundadamente tenha confiado e que, por isso, deva ser merecedora da tutela que o mesmo veio invocar, ao abrigo do disposto no artigo 157.º, n.º 6 do CPC[5], ex vi artigo 4.º do CPP.

É verdade que o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais o cidadão comum, minimamente avisado, não poderia razoavelmente contar, já que deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar às mesmas, devendo poder confiar em que a sua actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes (cf. Acórdão do STJ de 27-03-2007[6] e, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 17/84, 303/90, 625/98 160/00 e 345/2009[7]).

Contudo, como atrás se assinalou, no caso dos autos, face à apontada preclusão do direito de se constituir assistente, o recorrente, devidamente advertido das consequências da sua inacção dentro do prazo de que dispunha [cf. 2.2.b)], quando foi destinatário de uma notificação que nunca deveria ter sido ordenada, não podia razoavelmente contar com a possibilidade de se fazer renascer um direito já extinto. Não havia, pois, qualquer expectativa juridicamente criada que, em nome do princípio da confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico e na actuação do Estado, devesse ser tutelada.

Temos, assim, que, a decisão recorrida que não admitiu o recorrente a intervir nos autos como assistente, por ser extemporâneo o requerimento que nesse sentido apresentou, obedeceu às exigências da lei e não pôs em crise aquele princípio constitucionalmente consagrado, sendo insusceptível de reparo.

Deve, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão proferida pela 1.ª instância, para além de que não se vê qualquer motivo válido para alterar o sentido da decisão sumária proferida pelo Desembargador-Relator, em função do que deve também improceder a reclamação apresentada pelo recorrente.

                                                       *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação e não provido o recurso interposto por ….

Custas pelo reclamante/recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCS (artigos 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Coimbra, 5 de Dezembro de 2018 

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

Helena Bolieiro (relatora)

Brízida Martins (adjunto)


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
  
  
[3] Acórdão publicado no Diário da República, 1.ª Série n.º 18, de 26 de Janeiro de 2011.
[4] A norma do Código de Processo Civil para a qual remete o artigo 107.º-A do CPP (artigo 145.º, n.os 5 a 7 do CPC), foi revogada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, passando a matéria a ser regulada pelo artigo 139.º, n.os 5 a 7 deste novo diploma, cuja redacção corresponde, no essencial, ao texto da norma pretérita.
  
  
[5] Artigo 157.º, n.º 6 do CPC: os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
[6] Aresto proferido no processo n.º 07A760 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[7] Arestos disponíveis na Internet em <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/>.