Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/10.5GAANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
RECOLHA DE SANGUE
CONSENTIMENTO
ESTADO DE INCONSCIÊNCIA
Data do Acordão: 01/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 152º,3 CE
Sumário: 1. A sujeição ao exame de pesquisa de álcool nos casos expressamente previstos na lei não se traduz numa mera faculdade para o examinando e por essa razão não há que obter previamente o seu consentimento; constitui um dever legal, implicando a recusa a punição pelo crime de desobediência, conforme expressamente se prevê no art. 152º, nº 3, do C.E..
2. A invocação de um estado de inconsciência no momento em que foi feita a recolha de sangue para exame tem como única virtualidade o reforço da correcção do procedimento adoptado.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

            Nestes autos de processo comum que correram termos pelo Tribunal Judicial de Ansião, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi

proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:

            (…)

Assim, atento todo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a acusação procedente, por provada, e nessa procedência:

a) Condena-se o arguido A..., como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €510,00, a que correspondem 56 dias de prisão subsidiária;

b) Condena-se, ainda, o mesmo arguido na proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias, ao abrigo do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea a) do mesmo Código;

c) Mais se condena o arguido no pagamento de encargos do processo, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça.

            (…)

            Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:

            1 – A sentença proferida sofre do vício de erro notório na apreciação da prova, porquanto o tribunal não poderia dar como provado que o arguido conduzia o veículo com uma taxa de álcool no sangue de 2,02 g/l, quando pelo facto de se encontrar inconsciente, pelo mesmo não foi dado o seu consentimento para a colheita de sangue para a análise toxicológica, nem lhe foi solicitada autorização, nem lhe foi transmitida a efectivação da colheita, nem o resultado para realização de eventual contraprova, senão já com a acusação crime formulada;

            2 – Não podendo o tribunal considerar este facto dado por provado não poderia condenar o arguido pelo crime de que vinha acusado, devendo sim ser absolvido.

            3 – Considerando VExªs válida e legal a colheita de sangue para análise toxicológica, apesar de não consentida e não autorizada pelo arguido, sempre as penas aplicadas, quer quanto à pena de multa, quer quanto à sanção acessória de inibição de conduzir se consideram exageradas, atendendo às circunstancias em que ocorreu o acidente e suas consequências e às diminutas exigências de prevenção geral e especial, a idade do arguido, a ausência de crimes de natureza idêntica, já que aqueles em que foi condenado e constituem o seu registo criminal não são mais que bagatelas penais que não afectaram a sua reinserção social no meio onde vive, pelo que deviam as penas aplicadas situar-se nos seus limites mínimos.

            4 – Com esta decisão as exageradas penas aplicadas, em vez de ressocializar, quando até tal necessidade nem se coloca ao arguido, dado o facto de ter família, estar inserido no mio social onde vive, poderão ser pelo contrário estigmas de revolta, apesar da avançada idade do arguido.

            5 – Com a decisão preferida foi violado o disposto nos arts. 38º, 39º, 40º, nº 1 e 71º do C. Penal e sofre do vício constante do art. 410º, nº 2, alínea c) do C.P.Penal.

            O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

            Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se também pela improcedência do recurso.

            Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

            Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

            No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:

            - Saber se ocorre erro notório na apreciação da prova, decorrente do facto de se ter dado como provada a taxa de alcoolemia de que o arguido era portador com base em recolha de sangue que não foi por si autorizada;

            - Subsidiariamente, averiguar se são excessivas as medidas das penas principal e acessória impostas ao recorrente.

                                                                       *

                                                                       *

II - FUNDAMENTAÇÃO:

            Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:

1º) – No dia 26 de Dezembro de 2009, cerca das 22:20 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matricula XX-XX-XX, na EM nº 348-Cavadas, Pousaflores, nesta Comarca, no sentido de marcha Martim Vaqueiro-Pinhal, quando entrou em despiste e foi embater num muro de suporte de terras existente do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que seguia, a cerca de 5 metros da faixa de rodagem;

2º) – O arguido foi então transportado para o Hospital Distrital de ..., onde lhe foi efectuada uma colheita de sangue para análise toxicológica, a qual revelou uma quantificação de etanol no sangue de 2,02 g/l;

3º) – O arguido agiu de modo livre e conscientemente, bem sabendo que, por ter ingerido bebidas alcoólicas na quantidade em que o fizera, não podia conduzir aquele veículo naquela estrada, uma vez que se encontrava sob o efeito do álcool e com os reflexos diminuídos e que, com a sua conduta, colocava em risco a segurança da circulação rodoviária;

4º) – O arguido sabia que a conduta que adoptava era proibida e punida por lei penal e, contudo não se absteve de a prosseguir;

5º) – O arguido encontra-se reformado, auferindo mensalmente, a título de reforma, cerca de €652,00;

6º) – Vive com a esposa que se encontra reformada;

7º) – Em virtude de problemas de saúde tem alguns gastos mensais fixos em medicamentos;

8º) - Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes condenações:

a) – Pela prática em 14-04-2005 de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º, do C.Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €12,00, por sentença datada de 13-03-2006, transitada em julgado, e já declarada extinta pelo pagamento (Proc. Comum Singular nº 95/05.0GAANS, deste Tribunal); b) – Pela prática em 07-2006 de um crime de injúria e de dano, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €8,00, por sentença datada de 29-01-2009, transitada em julgado (Proc. Comum Singular nº 177/06.1GAANS).

            A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:

O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade dada como provada conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, designadamente nas declarações do arguido, nos depoimentos das testemunhas ouvidas e no teor dos documentos, nomeadamente no relatório final junto a fls.40 dos autos.

Todos os elementos de prova supra referidos foram apreciados à luz do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, já que o julgador é livre de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, claro está, tendo em mente a capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação que se impõem.

Assim, a formação da convicção do Tribunal dependeu essencialmente de duas operações: de um lado a actividade cognitiva de filtragem de informações dadas e sua relevância ético-jurídica; de outro lado, elementos racionalmente não explicáveis – ou pelo menos de explicação menos linear - como a credibilidade que se concede a um certo de meio de prova em detrimento de outro, já que não é quantidade de prova produzida que releva, mas antes a qualidade de tal prova.

De referir igualmente que quando estão em causa declarações ou depoimentos, o juízo a efectuar assenta, essencialmente, na aferição da veracidade e autenticidade daquilo que é transmitido – juízo este que depende, desde logo, do contacto oral directo com os declarantes e da forma como estes transmitem a sua versão dos factos – postura e comportamento, características de personalidade reveladas, carácter e probidade.

O arguido prestou declarações no sentido que, de facto, conduzia a viatura nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da acusação e que foi interveniente do acidente ai descrito e pela forma relatada (ponto 1º) dos factos provados), mas afirmou, por um lado, que antes da condução apenas terá bebido dois copos de vinho, e por outro, não se recorda sequer que lhe retiraram sangue para fazer o exame de álcool ao sangue, uma vez que se encontrava inconsciente, achando que é impossível ter aquela taxa, e de certa forma, nem lhe foi sequer possível poder realizar contraprova.

Prestaram depoimento os Militares da GNR, B... e P..., que confirmaram a factualidade objectiva, designadamente quanto ao facto de ao arguido ter sido necessário efectuar o teste sanguíneo, atendendo ao estado do mesmo que teve de ser assistido no Hospital de ....

Refira-se, desde já, que a versão dos factos relatada pelo arguido, na parte respeitante à alegada falta de consciência do seu estado de embriaguez, em nada logrou convencer o tribunal.

Todavia, quaisquer dúvidas que remanescessem foram dissipadas pela conjugação dos depoimentos dos referidos militares da GNR e, fundamentalmente da análise do relatório final inserto a fls.40, que, de facto, faz referência expressa ao dia, hora da colheita, a forma de identificação do arguido, quer pelo nome, quer pela selagem, e o dia e hora em que chegou ao Instituto de Medicina Legal a fim de ser efectuado o teste em referência.

Encaradas essas declarações e o resultado do exame ao sangue efectuado à luz das regras da experiência comum, ficou-se com a plena convicção de que o arguido bem sabia que conduzia sob a influência do álcool.

Dito de outro modo: só se pode confessar o que, efectivamente, é susceptível de ser confessado. O arguido pode confessar que ingeriu apenas dois copos de vinho, mas já não parece que possa confessar que conduzia com uma determinada taxa de álcool no sangue, pois falta-lhe, para o efeito, razão de ciência, mas não pode deixar de admitir que ao ter ingerido bebidas alcoólicas poderia atingir a taxa em apreço.

A prova da concreta taxa de álcool no sangue, nos termos legais, só pode ser feita através de teste no ar expirado ou por meio de análise ao sangue, pelo que não se vislumbra que possa ser provada por meio de declaração.

O relatório final do Instituto de Medicina Legal consubstancia prova documental, prova pericial porque, para este efeito, tem lugar uma percepção ou apreciação de factos que exijam «especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» - artigo 151.º do C.P.P., sendo certo que, conforme supra exarado nenhuma dúvida se nos suscita que o exame foi realizado segundo as regras necessárias desde a retirada de sangue, acondicionamento, identificação da amostra e realização da perícia em si e elaboração do relatório final. Aliás, nem o arguido, de facto, apesar da dúvida suscitada nos termos supra vertida, não foi a mesma consubstanciada em nenhuma factualidade concreta, desde o conhecimento do relatório final até à audiência de julgamento.

E, de facto a única possível de realizar em face da situação clínica do arguido, sendo certo que não é possível a contraprova, conforme alegou o arguido, que não lhe foi possível requerer devido a seu estado de “inconsciência”, porquanto estamos perante prova pericial, essa sim que serve de contraprova “máxima” dos testes realizados por aparelhos medidores (cfr. artº 153º, do Código da Estrada), sendo o juízo cientifico inerente à mesma prova se presume subtraído à livre apreciação do julgador, e caso o seja terá de ser fundamentada, o que não é o caso (artº 163º, do CPC).

E refira-se que a colheita nestas circunstâncias não pode deixar de ser equivalente à urgência de intervenção médica, sendo certo que não se julga, assim, violar qualquer direito do arguido que sempre posteriormente lhe é dado a conhecer tal resultado.

No que concerne ao elemento subjectivo, relevou a factualidade objectiva dada como provada conjugada com as regras da experiência comum, já que, atenta a taxa de alcoolemia, não resultam dúvidas quanto à voluntariedade e intencionalidade da sua conduta, não podendo o arguido deixar de saber – como saberia o comum dos cidadãos – que ao actuar dessa forma praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis.

Teve-se, ainda, em atenção o certificado de registo criminal junto ao processo.

Na parte referente às condições de vida do arguido, consideraram-se as suas próprias declarações.

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            Apreciando e decidindo:

            O recorrente questiona a matéria de facto que se teve como provada, nomeadamente, no que concerne à TAS fixada na al. 2ª da matéria de facto. Declinou, no entanto, a possibilidade de sindicar a prova produzida em audiência, nos termos previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, limitando-se à arguição do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do mesmo diploma, assinalando o vício de erro notório na apreciação da prova, matéria que se inclui, aliás, no âmbito dos poderes de conhecimento oficioso dos tribunais superiores [1].

Como é sabido, a verificação de qualquer dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do CPPP deve assentar no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. No que particularmente concerne ao erro notório na apreciação da prova, trata-se de vício que “existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito” [2].

            No específico caso dos autos, o recorrente sustenta a verificação daquele vício na alegação de que a colheita de sangue que permitiu a determinação da TAS foi efectuada encontrando-se ele inconsciente. Contudo, do texto da decisão recorrida, ainda que conjugado com as regras da experiência comum, não resultam elementos que permitam ter por evidenciado qualquer erro grosseiro e ostensivo na apreciação da prova. Aliás, nada no texto da sentença permite concluir que o recorrente se encontrasse em estado de inconsciência no momento em que foi efectuada a colheita de sangue. E como o recorrente não se socorreu da impugnação do provado por recurso à prova gravada, não se evidenciando, por outro lado, qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, a matéria de facto há-de ter-se por definitivamente fixada. Sempre se dirá, não obstante, que o recorrente inverte os verdadeiros termos da questão. Na verdade, o nº 1 do art. 156º do Código da Estrada impõe a realização de exames de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do art. 153º do mesmo diploma, a todos os condutores e peões que sejam intervenientes em acidente de trânsito, sempre que o seu estão de saúde o permitir. O nº 2 do mesmo artigo estipula que quando não tiver sido possível a realização do exame nos termos referidos, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente tenham sido conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool. A sujeição ao exame de pesquisa de álcool nos casos expressamente previstos na lei não se traduz numa mera faculdade para o examinando e por essa razão não há que obter previamente o seu consentimento; constitui um dever legal, implicando a recusa a punição pelo crime de desobediência, conforme expressamente se prevê no art. 152º, nº 3, do C.E.. Como bem assinala o M.P. na sua resposta, a exclusão da admissibilidade de exames coercivos é assegurada pela simples recusa da realização do exame, sujeitando-se o examinando à punição pelo crime de desobediência, mas a questão da recusa nem sequer se coloca quando este se encontra em estado de não poder recusar o exame, nomeadamente, quando está inconsciente ou incapaz de exprimir a sua vontade. Nessa medida, a invocação pelo recorrente de um estado de inconsciência no momento em que foi feita a recolha de sangue para exame tem como única virtualidade o reforço da correcção do procedimento adoptado. Quanto à possibilidade abstracta das análises trocadas, esgrimida pelo recorrente, é questão que nem sequer importa considerar aqui. Nenhum elemento de prova foi apresentado nesse sentido e não é função do recurso dissecar possibilidades abstractas ou tratar questões académicas.

            Posto isto, vejamos então se ocorre erro na fixação da medida das penas, principal ou acessória.

  A Mmª Juiz a quo, entendendo que a pena não privativa da liberdade realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, condenou-o o arguido na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 510,00. O recorrente, conformando-se com a opção pela pena de multa, insurge-se, no entanto, contra a sua medida concreta, considerando-a excessiva à luz do que na sentença se teve como provado.

Vejamos se lhe assiste razão:

Como é sabido, o Código Penal utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas, uma primeira, em que se determina o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e uma segunda operação em que se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente [3].

Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal, o critério de fixação da pena de multa é o previsto no nº 1 do art. 71º, resultando assim evidente a necessidade de graduação da pena em função da culpa do agente [4].

Ora, há que ter presente que o bem jurídico tutelado pela norma violada pelo arguido é, em primeira linha, a segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física [5]. O preenchimento do tipo legal de crime basta-se com a verificação do elemento objectivo consistente na condução de veículo em via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l.

Invoca o recorrente em abono da redução da pena as circunstâncias do acidente e suas consequências, as diminutas exigências de prevenção geral e especial, a sua idade e a ausência de antecedentes criminais de natureza idêntica.

A determinação da medida concreta da pena dentro do respectivo limite legal faz-se, de acordo com o critério enunciado pelo art. 71º, através da ponderação dos dois vectores que basicamente a conformam, a saber, a culpa do agente e as exigências de prevenção, com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2). À culpa é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena. A prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, fornecida pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização [6].

A gravidade da conduta ilícita, ou seja o “grau” da ilicitude, afere-se pelo resultado final da conduta, implicando a consideração em concreto da taxa de alcoolemia apresentada pelo recorrente, valorada numa escala que se inicia com a ilicitude juridicamente relevante, de 0,5 g/l, mas que só tem reflexos de natureza criminal (ilicitude penalmente relevante) a partir dos 1,2 g/l. A taxa de 2,02 g/l, de que o arguido era portador é, manifestamente, uma taxa elevada e que deve revestir peso significativo na determinação concreta da sanção. A valoração daquela concreta TAS (enquanto elemento da culpa) a par da elevada sinistralidade estradal (reclamando fortíssimas exigências de prevenção geral relativamente a condutas como a descrita nos autos, susceptíveis de fazer perigar a segurança da circulação rodoviária), traduz observância do critério imposto pelo art. 71º do Código Penal. Se é verdade que não devem ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime (esse é o núcleo essencial do princípio da proibição da dupla valoração), nada obsta, no entanto, a que a medida da pena seja graduada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso, pois aí o que está em causa é unicamente a legítima consideração das modalidades de realização do tipo [7].

Vistos todos os elementos apontados, a par do invocado pelo arguido, conclui-se que a pena de multa foi correctamente graduada em 85 dias.

  A pena acessória de proibição de conduzir de conduzir veículos motorizados, por seu turno, foi fixada em 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias.

Às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal [8]. A pena acessória actualmente prevista no art. 69º do Código Penal, inexistente na versão original do Código, veio a ser introduzida fruto de necessidades político-criminais ditadas pela elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa [9]. Esta sanção acessória apresenta-se, assim, como uma verdadeira pena, com uma moldura penal específica, carecida de concretização casuística. Na sua concretização avultará necessariamente o juízo de culpa de que o agente é passível, indissociavelmente ligado à ilicitude da conduta.

Considerados todos os parâmetros relevantes, a graduação da pena acessória dentro da respectiva moldura - que é de 3 meses a 3 anos – em 5 meses e 15 dias apresenta-se correctamente graduada.

A sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura, pelo que é de confirmar sem reservas.

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III – DISPOSITIVO:

            Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.

            Por ter decaído integralmente no recurso que interpôs, pagará o recorrente a taxa de justiça de 3 UC.

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Jorge Miranda Jacob (Relator)
Maria Pilar de Oliveira


[1] - O Ac. do STJ de 19/10/95, publicado no DR, série I-A, de 28/12/95; fixou jurisprudência nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
[2] - Entre outros, conferir, no sentido apontado, o Ac. do STJ de 22 de Abril de 2004, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano XII, tomo 2, págs. 166/167.
[3] - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 13ª Ed., pág. 198.
[4] - Remissão introduzida pela revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, se bem que já antes se entendesse ser este o critério a aplicar, por interpretação da norma na harmonia do sistema.
[5] - Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo II, pág. 1093.
[6] - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss.
[7] - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, págs. 234/235.
[8] - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 181.
[9] - idem, pág. 165.