Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1069/07.2TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DEVER DE INDEMNIZAR
SOLIDARIEDADE
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ART.º 51º, N.º 1, AL. A), DO C. PENAL
Sumário: Não deve ser solidária a condição do pagamento da indemnização devida ao lesado para a suspensão da execução da pena de prisão.
Ao impor, a cada um dos arguidos, como condição de suspensão da execução da pena em que cada um deles foi condenado, mostrar-se comprovado nos autos o pagamento ao ofendido da quantia em causa, cada um dos arguidos fica, simultaneamente, sujeito à mesma condição, a qual pode ser cumprida só por um, aproveitando inteiramente ao outro.

Se tal condição única, fixada de um modo geral e sem um concreto destinatário, satisfaz à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade, pode não funcionar adequadamente como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, pela razão de que o cumprimento da condição apenas por um dos arguidos aproveita ao outro, que vê, assim, satisfeita a condição de suspensão da execução da pena em que foi condenado, sem efectivamente a cumprir e, por isso, sem sentir os efeitos da condenação através da reparação das consequências danosas da sua conduta.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
1- No 1.º juizo criminal do Tribunal Judicial de Leiria, no processo acima referido, foram os arguidos abaixo referidos julgados em provesso comum singular, sendo a final proferida sentença nos termos seguintes :
- condenar os arguidos AA... e MJ... como co-autores materiais de um crime de burla qualificada (art.ºs 26º, 202º-a), 217º-1 e 218º-1 do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão, cada um . Pena esta suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, subordinada ao cumprimento do dever de entregar à lesada “Cepemáquinas” a quantia de €14.315,00 , no prazo de 18 meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, devendo comprovar nos autos, até ao termo deste período, o pagamento desta quantia
- julgar provado e procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, condenar solidariamente os arguidos/demandados a pagar à demandante “X…, Lda”. a quantia de €14.315,00 , acrescida de juros de mora legais, à taxa em vigor de 4%, desde 24.11.2008, até integral pagamento;

2- Inconformada, recorre a arguida MJ..., tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte, em síntese :
Não se entende como é que a arguida é condenada a pagar à lesada o valor de €14.315,00, ainda que solidáriamente, e cumulativamente seja condenada no pedido apresentado pelo lesado, em montante igual, pois mesmo que a arguida consiga cumprir as regras de conduta impostas, ainda poderá vir a ser obrigada a liquidar o valor do pedido cível. Não se percebe como se cumulou as duas condenações que vai muito para além do que foi peticionado pelo lesado. Pelo que existe uma condenação em pedido diferente do pedido , uma vez que, cumprindo a pena aplicada, nos moldes em que foi proferida, a arguida estara a pagar duas vezes a indemnização peticionada pelo lesado.
Assim sendo, deve a douta sentença ora recorrida ser declarada nula, nos termos dos art. 377° e 378 do CPP.
Por outro lado, o dever imposto, vai muito para além do razoável, e é contrária à lei. Começando-se pelo dever fixado na sentença - de pagar, no prazo de 18 meses, € 14.315,00 à ofendida - verifica-se que se trata de urn dever expressamente previsto no art. 51.º, n° 1, al. a) do CodPenal. Presumimos, uma vez que a própria sentença é omissa quanto à sua justificação legal
Simplesmente, o n° 2 deste artigo dispõe que "os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoávelmente de exigir", o que acontece no caso destes autos.
Na verdade, não consta como facto provado, pois, não deve ter sido apurada a situação sócio-económica da arguida, mas a mesma, tern a seu cargo 3 filhos menores, não recebendo a ajuda de ninguém para o seu sustento, recebe o salário minimo pelo seu trabalho, e encontra-se sozinha, uma vez que desconhece o paradeiro do seu marido e pal dos seus filhos.
Ora, não foram atendidos tais factos na douta sentença, e as mesmos deverão ter o seu peso na determinação da medida concreta da pena.
Por outro lado, impõe ainda a lei penal que a aplicação de tais deveres poderão ser modificados, sempre que ocorram circunstâncias relevantes de que o tribunal só posteriormente tenha conhecimento (art. 51° n°3 do CP). Acontece queo tribunal a quo nem valorizou a situação sócio-económica da arguida, pelo que deverá tal situação ser agora avaliada, e como tal afastada a imposição de pagamento de tal valor ao lesado, ou, pelo menos, diminuido esse valor para urn que seja exequivel pela arguida
Assim sendo, deverá a sentença ser revista e não condicionar a suspensão da pena de prisão a qualquer dever de pagamento do valor supra mencionado.
Assim, e caso o tribunal de recurso entenda aplicar o dever de pagamento de uma quantia, nos termos do art. 51.º, n°1 al a), entende então a arguida que, seria mais consonante corn a justiça que a obrigação de pagamento do valor de €14.315,00, não fosse uma obrigação solidária ( já que não sabe do paradeiro do seu marido e provávelmente este nada pagará ), mas que se determinasse a repartição do valor pelos dois arguidos, sendo que a cada urn caberia o pagamento de €7.157,50.
Por outro lado, também o prazo imposto para a liquidação do valor, se mostra apertado (18 meses). Certo é que, se a suspensão da pena de prisão foi fixada ern dois anos, o prazo para o pagamento do valor deveria ser, pelo menos igual ao dessa pena, os dois anos.

3- Recorre também o MP do despacho judicial de fls 507, que inferiu um pedido de separação de processos relativamente ao co-arguido AA... ( que foi julgado na sua ausência por ser desconhecido o seu paradeiro ), apresentando-se as seguintes conclusões :

0 tribunal mandou subir os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para conhecer do recurso interposto pela arguida MJ… sem previamente ter notificado a sentença proferida na 1.ª instância ao co-arguido AA... ( relativamente ao qual o julgamento foi realizado na ausência) e sem ordenar a separaçaõ de processos.
0 tribunal entendeu que a notificação da decisão da 1.ª instância relativamente ao arguido AA...poderia ter lugar posteriormente, quando os autos regressassem a esta instância.

0 Ministério Público entende que a solução encontrada, pese embora tenha a virtualidade de poupar nos meios logisticos, não tern acolhimento legal e tem o inconveniente de possibilitar o conhecimento da mesma materia de facto por duas vezes (por dois tribunais corn composição distinta e do mesmo grau) e, eventualmente, por forma contraditoria.

4- Nesta Relação, a Exma PGA emitiu douto parecer no sentido da improcedência dos recursos do MP e da arguida

5- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência .

6- Na 1.ª instância deu-se como provado :
1. Em data não apurada, nos últimos meses do ano de 2006, no …comarca de Leiria, nas instalações da sociedade X…, Lda., acompanhados de alguém que referiram ser seu filho, os arguidos manifestaram, a J..., sócio gerente desta sociedade, interesse em adquirir o «Dumper» da marca Moki, modelo 6200S, com chassis n.º …, propriedade dessa sociedade
2. Por isso, J... indicou-lhes, como preço da venda, o valor de €11.500,00, acrescido de IVA, o que perfazia a quantia global de €13.915,00
3. Com essa informação os arguidos logo comunicaram que consideravam ser um bom preço e iriam adquirir a máquina, mas não o fariam de imediato por não terem disponibilidades financeiras
4. Referiram que no momento da aquisição pretendiam pagar logo a totalidade do preço, daí que só em função de disponibilidades financeiras futuras concretizariam o negócio
5. O que não iria tardar pois aguardavam o recebimento, no curto prazo, da última campanha de tomate, altura em que regressariam para levar a máquina
6. Nos meses seguintes deslocaram-se por duas vezes, pelo menos, ao mesmo local, renovando sempre o mesmo propósito, por, no seu dizer, necessitarem da máquina para a sua actividade profissional
7. E se tratar de um bom negócio, acrescentando sempre, nessas ocasiões, que ainda não o podiam realizar, por ainda não terem recebido o pagamento da última campanha de tomate, mas viriam logo que recebessem
8. Com o que foram obtendo confiança e familiaridade com o J...
9. No dia 26.01.2007, cerca das 18h00, compareceram no mesmo local, com um camião, transmitindo a J... que, por já terem o dinheiro, vinham concretizar o negócio
10. Nessa altura, nas instalações daquela sociedade encontrava-se o veiculo Seat Ibiza, de matrícula …, propriedade de D...
11. Que logo se propuserem comprar, pelo preço de €2.000,00, indicado por J...
12. Acordando que o veículo só seria entregue mais tarde
13. Mas insistindo os arguidos em efectuar o pagamento imediato do mesmo
14. Desse modo, na altura em que estava a ser carregado o Dumper, MJ... dirigiu-se ao escritório para formalizar os negócios e proceder ao pagamento
15. Ali entregou os cheques n.º …, no valor de €13.915.00 e n.º …, no valor de €2.000,00, da conta n.º …, titulada por G..., do Banco Millennium BCP
16. Ao mesmo tempo que informava tratar-se da conta da mãe, onde tinham sido depositadas as quantias recebidas da campanha de tomate
17. Ao mesmo tempo que exibia fotocópia do Bilhete de Identidade da titular da conta
18. Por isso, e pela confiança criada com os contactos anteriores, J... ordenou que os cheques fossem aceites
19. Tanto mais que também procediam ao pagamento do veículo, sem o levarem e sem que tivessem em seu poder a declaração para registo da propriedade
20. Àquela hora os bancos estavam fechados, o que o impedia de colher qualquer informação junto do banco
21. Como os arguidos bem sabiam
22. Dessa forma, os arguidos lograram que aquele lhes entregasse o Dumper, causando assim um prejuízo à aludida sociedade no valor de €13.915,00
23. O que sempre quiseram e obtiveram um enriquecimento correspondente que sabiam ser ilegítimo pois apenas quiseram obter a entrega do Dumper e nunca pagar o preço
24. Por isso, também, entregaram o cheque que foi devolvido com a menção de “roubo”
25. Bem sabendo os arguidos que a conta havia sido criada em 15.01.2007 e já apresentava saldo devedor
26. Nunca ali tendo sido depositadas quaisquer quantias capazes de pagar o valor nele aposto
27. Ao contrário do que fizeram acreditar a J... para nele criarem, como criaram, a vontade de com eles negociar, fazendo uso, como fizeram, do verbo fácil, apresentando-se, ainda, como uma família trabalhadora
28. Bem sabendo que não tinham meios económicos que lhes permitissem adquirir os bens cuja negociação determinaram
29. Em 14.06.2007, foi declarada a insolvência de AA..., sendo que muitas das dívidas eram anteriores a Janeiro de 2007, o que ambos bem sabiam, mas que sempre esconderam e fizeram acreditar do contrário
30. Os arguidos agiram sempre de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas
31. Face à devolução do cheque aludido supra em 24 os arguidos prontificaram-se a entregar pessoalmente outro cheque para pagamento do Dumper
32. Os sócios gerentes da queixosa deslocaram-se a casa dos arguidos, com conforme fora acordado, entregando-lhe o cheque com o n.º 3527775176, no mesmo valor de €13.915,00, da mesma conta
33. Este último cheque fora emitido com a mesma data do anterior – 26.01.2007 –, apresentado ao banco para desconto, foi devolvido por falta de provisão
34. Os sócios da ofendida, perdida a esperança na boa cobrança da máquina, tentaram negociar no sentido da devolução da mesma
35. A ofendida suportou um custo com a deslocação, pago à empresa transportadora, em vista ao levantamento do indicado Dumper, no montante de €400,00
36. A arguida faz serviços de limpeza auferindo um rendimento mensal de cerca de €400,00; recebe a quantia mensal de €212,00 de abono dos seus três filhos menores e recebe ajuda de sua mãe
37. A arguida foi anteriormente condenada :
- No PCS n.º 88/02.0GBPSR do TJ Ponte de Sôr por emissão de cheque sem provisão praticado em 2002, na pena de 180 dias de multa
- No PCS n.º 189/01.1GBCCH do 1.º J.º do TJ Coruche, por condução sem habilitação legal praticado em 2001, na pena de 120 dias de multa ;
- No PCS n.º 183/02.5TAALR do 1.º J.º do TJ Almeirim por burla qualificada praticada em 2001, na pena de 350 dias de multa ;
- No PCS n.º 308/04.6GTEVR do 1.º J.º do TJ Montijo, por condução sem habilitação legal praticado em 2004, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano
38. O arguido foi anteriormente condenado :
- No PCC n.º 1/96.1JASTB do TJ Setúbal, por passagem de moeda falsa, por factos praticados em 1995, na pena de 8 meses de prisão suspensa por 2 anos ;
- No PCS n.º 91/98.2GCBNV do 2.º J.º do TJ Benavente por furto de uso de veículo praticado em 1998, na pena de 14 meses de prisão suspensa por 4 anos ;
- No PS n.º 11/00 do TJ Coruche, por condução sem habilitação legal praticado em 2000, na pena de 85 dias de multa ;
- No PS n.º 4/01 do TJ Coruche, por condução sem habilitação legal praticado em 2000, na pena de 8 meses de prisão, suspensa por 2 anos ;
- No PCS n.º 58/2001 do TJ Coruche, por ofensa à integridade física praticado em 2000, na pena de 200 dias de multa ;
- No PS n.º 197/05.3GBCCH do TJ Coruche, por condução sem habilitação legal e desobediência, praticados em 2005, na pena de 320 dias de multa ;
- No PS n.º 255/00 do TJ Coruche, por condução sem habilitação legal praticado em 2000, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 2 anos ;
- No PCS n.º 183/02.5TAALR do 1.º J.º do TJ Almeirim por burla qualificada praticada em 2001 na pena de 550 dias de multa ;
- No PAbrev n.º 6/04.0GBARL do TJ Arraiolos, por condução sem habilitação legal e desobediência, praticados em 2004, na pena de 23 meses de prisão, suspensa por 4 anos ;
- No PCS n.º 28/03.9GBGDL do TJ Grândola, por emissão de cheque sem provisão, praticado em 2002, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 3 anos com obrigação de pagamento de indemnização, em prazo ;
- No PS n.º 276/04.4GTSTR do TJ Almeirim, por condução sem habilitação legal praticado em 2004, na pena de 12 meses de prisão, suspensa por 3 anos, com obrigação de pagamento de quantia, em prazo ;
- No PCS n.º 67/03.0GTSTR do TJ Rio Maior, por condução sem habilitação legal e desobediência, praticados em 2003, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 3 anos ;
- No PCC n.º 519/05.7GGVFX do 2.º J.º do TJ VF de Xira, por falsificação e contrafacção de documento e burla praticados em 2005, na pena de 2 anos de prisão ;
38.14. No PCS n.º 308/04.6GTEVR do 1.º J.º do TJ Montijo, por condução sem habilitação legal e desobediência praticados em 2004, na pena de 66 períodos de prisão por dias livres-

E deu-se como não provado :
1. que os arguidos tenham referido que só faziam negócios a pronto e não contraíam dívidas
2. que os arguidos tenham referido que só levariam o veículo indicado supra no ponto 10 na semana seguinte, visto que a proprietária não se encontrava presente
3. que os arguidos tenham dito que na conta referida supra no ponto 16 era uma conta através da qual movimentavam quantias maiores
4. que a deslocação referida supra no ponto 32 tenha ocorrido em 09.02.2007
5. que os arguidos, com respeito ao cheque supra referido no ponto 32 garantiram que este tinha provisão e exigindo a entrega do anterior, carimbado pelo banco, contra a entrega deste último
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FUNDAMENTAÇÃO
Recurso do MP
O despacho judicial impugnado tem o seguinte teor :
« Afigura-se-nos (...) que não deve ser ordenada a separação de processos nos termos do art.° 300 do CPP, porquanto o arguido condenado não se encontra numa situação de contumácia, nem os autos na fase de julgamento, mas, ao invés, na fase de recurso, sendo que, quanto a ele, apenas se encontram em curso diligencias corn vista à notificação da sentença condenatória que até ao momento se frustraram.

Nesta medida, impõe-se dar subida aos autos para apreciação do recurso interposto pela arguida da sentença condenatória, sendo certo que, uma vez decidido o recurso, e após baixa dos autos, retomar-se-ão oportunamente as diligências com vista à notificação do arguido da sentença proferida nesta instância (...) »
Apreciando.
Sem dúvida que, como faz notar o Exmo PGA no seu douto parecer de fls 530 sgs, abstractamente o caso dos autos seria susceptível de separação de processos, nos termos do art 30 do CodProcPenal, que prescreve, agora com interesse : « 1- Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum oualguns processos sempre que: (...) d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamentodecorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos (...) ».
Porém, como também ali se salienta, era a definição da situação da arguida que primacialmente estava em jogo para determinar tal separação, urgência esta que já não ocorre dado que estamos na fase de recurso na Relação, « sendo mais morosa a devolução do processo e a extracção de certidão que a apreciação do aludido recurso que se circunscreve apenas à suspensão da pena (...) ».
E na verdade, dada a fase actual do processo e a não recorribilidade do acordão desta Relação agora a ser proferido, não se vê qual o interesse da separação pretendida.

Recurso da arguida
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas.
Desde logo, invoca a recorrente a nulidade da sentença por se ter cumulado a indemnização ( pedido cível ) à ofendida com a condição do pagamento da quantia em divida, de igual montante. .
Como resulta da parte decisória da sentença em causa, o tribunal condenou solidáriamente os dois arguidos ( a recorrente e o seu marido ) numa pena de prisão suspensa ,as suspensão esta subordinada ao cumprimento do dever de entregar à lesada no prazo de 18 meses ; e julgou procedente o pedido de indemnização civil deduzido, condenando solidáriamente os arguidos/demandados a pagar à demandante a quantia de €14.315,00.
Mas como bem refere o Exmo PGA no seu parecer de fls 530 ss, o pagamento da indemnização libertará a arguida da condição da suspensão, e vice versa.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou com imposição de deveres (artigo 50.º, n.os 2 e 3, do CodPenal ). Quanto a esta última modalidade, afirma o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CP que «a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea».
O dever enunciado tem, em primeira linha, uma finalidade reparadora (reparar o mal do crime) mas, por via dela, fortalece a finalidade da pena enquanto visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, fazendo sentir à comunidade e ao condenado, os efeitos da condenação ( Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., p. 1160 )
É óbvio que o dever de indemnizar, enquanto componente da suspensão da execução da pena, não se pode cumular com o dever de indemnizar constante da decisão sobre o pedido civil, quando se verifiquem as duas situações. Nesse caso o que o julgador pode e deve fazer é subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento de toda ou parte da indemnização arbitrada na decisão civil ( indmnização esta que óbviamente se manterá, mas integrada na condição ).

Ao contrário do que pretende a recorrente, a pena concreta mostra-se criteriosamente fixada, foram considerados todos os elementos necessários à determinação da pena de prisão --- óbviamente excluída a pena de multa alternativa, o que nem a recorrente questiona, e só neste caso de teria interesse avaliar a situação económica da arguida --- e justifica a suspensão da execução da pena condicionada ao pagamento da quantia em divida.
Basta agora reproduzir o que a sentença disse, em resumo e com interesse : « (...) Os arguidos praticaram o crime dos presentes autos sabendo que já haviam cumprido penas de multa e de prisão, sendo inequívoco, em face destes elementos, que os arguidos manifestam uma insensibilidade perante anteriores condenações e à solene advertência que através das mesmas lhes foi sendo feita e dirigida, revelando indiferença e incapacidade para assimilar os valores protegidos pela incriminação não se contra-motivando por forma a não repetir a conduta ilícita. Os arguidos, com o seu comportamento, evidenciam que todo o juízo de prognose que possa ser feito quanto aos seus comportamentos futuros, no sentido de acreditar que regressem ao Direito, se mostra fantasioso, contrariando a possibilidade de o tribunal poder acreditar – fundadamente, em termos objectiváveis -que os arguidos, de futuro, adoptem uma conduta de acordo com as normas legais vigentes no nosso ordenamento jurídico.
(...) Todo o seu passado criminal e o comportamento verificado nos presentes autos é por si só revelador das suas personalidades anti-jurídicas e das suas incapacidades para assimilar os valores contidos na norma violada, evidenciando uma incapacidade para se afastarem da criminalidade.
(...) É de considerar, ainda, o dolo directo com que actuaram (sabiam que incorreriam, com a sua conduta, no crime sub juditio e, não obstante, quiseram praticá-lo de forma consciente e voluntária), bem como as elevadas exigências de prevenção geral, dado o sentimento geral comunitário de apreensão suscitado pela prática de crimes contra o património. Por outro lado, apresentam-se igualmente fortes e preocupantes as exigências de prevenção especial, já que os arguidos revelam firme desrespeito pelas anteriores condenações sofridas que revelaram não ter surtido o efeito dissuasor, de afastamento da prática de novos crimes ..
(...) tal suspensão de execução da pena de prisão deverá ficar subordinada ao cumprimento do dever, a que os arguidos ficarão solidariamente vinculados, de proceder ao pagamento de uma indemnização à queixosa, que se fixa no montante de €14.315,00, no prazo de 18 meses a contar do trânsito em julgado (art.º 51º-1-a) CP), por se afigurar adequado (art.º 51º-2 CP, sendo certo que entretanto venderam o dumper e receberam o respectivo preço »

Porém , assiste razão à recorrente quando diz que não deve ser solidária a condição do pagamento para a suspensão da execução da pena de prisão.
Ao impor, a cada um dos arguidos, como condição de suspensão da execução da pena em que cada um deles foi condenado mostrar-se comprovado nos autos o pagamento ao ofendido da quantia em causa nos autos, cada um dos arguidos fica, simultaneamente, sujeito à mesma condição, que pode ser cumprida só por um aproveitando inteiramente ao outro.
Se tal condição única, fixada de um modo geral e sem um concreto destinatário, satisfaz à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade, pode não funcionar adequadamente como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição. Pela razão de que o cumprimento da condição apenas por um dos arguidos aproveita ao outro, que vê, assim, satisfeita a condição de suspensão da execução da pena em que foi condenado sem efectivamente a cumprir e, por isso, sem sentir os efeitos da condenação através da reparação das consequências danosas da sua conduta.
Por isso, dando satisfação à pretensão da recorrente, entendemos mais adequado fixar-lhe como condição de suspensão da execução da pena em que foi condenada, comprovar ela no processo, até ao termo do período de suspensão, o pagamento à lesada de € 7.157,50.
Esta modificação da condição de suspensão da execução da pena da recorrente em nada interfere com a sua condenação solidária no pagamento da indemnização civil ao demandante.

Mas já não tem razão a recorrente quando pretende a extensão do prazo de pagamento desta quantia para 2 anos, em vez de 18 meses como fixado na sentença.
Na medida em que agora vê diminuida a sua responsabilidade na condição para metade do pedido cível, o prazo de 18 meses é adequado
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6- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso do MP, mantendo-se o despacho recorrido

II- Concede-se parcial provimento ao recurso da arguida e, em consequência – mantem-se a condenação da arguida Maria Alcobia como co-autora material de um crime de burla qualificada (art.ºs 26º, 202º-a), 217º-1 e 218º-1 do Cód Penal), na pena de 2 ( dois ) anos de prisão. Pena esta suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, subordinada ao cumprimento do dever de entregar à lesada “Cepemáquinas” da quantia de € 7.157,50.( sete mil cento e cinquenta e sete mil euros e cinquenta cêntimos ), no prazo de 18 meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, devendo comprovar nos autos, até ao termo deste período, o pagamento desta quantia

III- Custas pela arguida, com 1 UC de taxa de justiça
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Paulo Valério (Relator)

Frederico Cebola