Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
185/11.0TBCLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CITIUS
JUSTO IMPEDIMENTO
SUSPENSÃO DO PRAZO
DIPLOMA LEGAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - ALMEIDA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: DL Nº 150/2014 DE 13/10, ARTS. 165, 198 CRP
Sumário: 1.- A legislação, pelo governo, via DL nº150/2014 de 13.10, da possibilidade de verificação de justo impedimento e da suspensão dos prazos na situação de emergência decorrente das anomalias do CITIUS, não sofre de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artº 165º nº1 al. p), antes colhendo abrigo no artº 198º nº al. a) ou c) da Constituição.

2.- Aquele diploma, em caso de impossibilidade via eletrónica, obriga à pratica do ato em suporte físico, pelo que a suspensão do prazo prevista no seu artº 5º nº1 apenas emerge no caso de impossibilidade da sua prática por qualquer modo, e não podendo a parte dela beneficiar se esta entrega física foi possível e não a efetivou.

Decisão Texto Integral:
DECISÃO DO RELATOR NOS TERMOS DO ARTº 652º Nº2 AL. B) DO CPC

1.

Os recorridos invocam, liminarmente, o não conhecimento do recurso, porque, dizem, ao DL 150/14 de 13.10, que estabeleceu um regime de justo impedimento e de suspensão dos prazos, padece de inconstitucionalidade orgânica, já que tal matéria é da competência relativa da Assembleia de Republica e porque, mesmo perante o regime deste diploma, ele é extemporâneo.

Expenderam tal, mais concreta e discriminadamente, nas suas conclusões seguintes:

1.ª O Recurso a que se responde não deve ser admitido, por intempestivo.

2.ª Pois, a douta Sentença de 21/8/2014 de fls., foi notificada aos Réus a 26/08/2014, por notificações com as referencias 751714 e 751713.

3.ª Assim, os Réus dispunham de 30 dias a contar do dia 01 de Setembro de 2014 – atento as férias judicias terminarem no dia 31/08/2014 - para recorrer da douta Sentença de 21/08/2014, acrescido da dilação de 10 dias se impugnassem matéria de facto, cfr. 638.º, n.º 1 e 7 do CPC.

4.ª Pelo que, o prazo de recurso terminava, já considerando os 40 dias, a 10 de Outubro de 2014, e com multa – artigo 139.º, n.º 5 do CPC – a 15/10/2014, contudo, até 15/10/2014, não interpuseram recurso da douta Sentença, nem praticaram qualquer acto no processo que demonstrasse essa intenção.

5.ª Assim, a douta Sentença de 21/08/2014 de fls. , transitou em julgado a 10/10/2014, ou considerando o prazo com multa, previsto no artigo 139.º, n.º 5 do CPC, a 15/10/2014.

6.ª Vieram posteriormente, os Réus interpor o recurso a que se responde, a 30/10/2014, ao abrigo do DL 150/2014 de 13 de Outubro, diploma que suspendeu os prazos processuais entre 26/08/2014 a 14/10/2014.

7.ª No entanto, este Decreto-lei do Governo que suspendeu os prazos processuais enquanto durassem os problemas do sistema informático Citius sofre de"inconstitucionalidade orgânica" porque não foi autorizado pala Assembleia da República, inconstitucionalidade que ora se invoca para e com todos os efeitos legais, já que, o DL 150/2014 de 13 de Outubro emanado do Governo devia ter sido aprovado pela Assembleia e ganhar, assim, força de lei.

8.ª Pois, a competência legislativa da organização e competência dos tribunais é da competência relativa da Assembleia da República, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea p) da Constituição da República Portuguesa., sendo que, para o Governo poder legislar sobre tal matéria, necessitava de autorização legislativa, por força do n.º 2 e 3 do artigo 165.º da Constituição da República

Portuguesa, o que não se verificou.

9.ª Pelo que, não podiam os Recorrentes interpor o recurso em causa ao abrigo do referido diploma, uma vez que, o mesmo enferma de inconstitucionalidade, não sendo apto a suspender o prazo de recurso da douta Sentença de 21/08/2014, proferida nos presentes autos.

10.ª Assim, o prazo de recurso terminou a 10/10/2014, ou a 15/10/2014, considerando o prazo com multa do artigo 139.º, n.º 5 do CPC, verificando-se deste modo a intempestividade do recurso a que responde, não devendo por isso o mesmo ser admitido.

11.ª Ainda que, assim não se entenda o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que, ainda que se considere o DL 150/2014 de 13 de Outubro constitucional, que não é, sempre o recurso a que se responde seria extemporâneo.

12.ª Pois, os autos encontram-se, como sempre se encontraram na actual instância local de Celorico da Beira, da Comarca da Guarda, anterior Tribunal Judicial de Celorico da Beira, podendo ser consultados - eletronicamente e fisicamente - e tramitados pelos Réus.

13.ª Mais, os Recorrentes não juntaram qualquer declaração da secretaria do Tribunal Judicial de Celorico da Beira que confirme a impossibilidade de acesso ao processo ou parte dele, quer em suporte electrónico, quer em suporte físico, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do DL 150/2014 de 13 de Outubro, nem podiam pois os autos estiveram sempre disponíveis.

14.ª Pelo que, não se verifica o justo impedimento previsto no artigo 3.º do DL 150/2014 de 13 de Outubro, pois que disponham os Recorrentes de todos os meios para poder cumprir o prazo de recurso, previsto no artigo 638.º do CPC, enviando o recurso e suas alegações por fax, correio e e-mail, nos termos do artigo 4.º do DL 150/2014 de 13 de Outubro.

15.ª Assim, não se pode aplicar nos presentes autos qualquer suspensão do prazo de recurso da douta Sentença, designadamente a prevista no artigo 5.º do DL 150/2014 de 13 de Outubro, já que os Recorrentes podiam e deviam ter cumprido o prazo de recurso previsto no artigo 638.º do CPC, enviando o mesmo por suporte físico – por fax, correio ou e-mail.

Os recorrentes nada disseram.

2.

Os factos –maxime as datas -  a considerar são as referidas pelos recorridos que se apresentam adequadamente computadas perante os elementos que constam no processo.

3.

Apreciando.

3.1.

Quanto à invocada inconstitucionalidade orgânica ela, sdr. por opinião diversa,  inexiste.

Na verdade estatui o artº 165º nº1 al. p) da constituição:  «É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;

Ora este segmento normativo deve ser interpretado em sentido restrito ou exigente.

Ou seja, apenas as matérias de claro relevo e dignidade, ie, e designadamente, as que respeitem aos grandes princípios e às traves mestras do sistema judicial ou se repercutam de um modo acentuado e tendencialmente perene no funcionamento das suas estruturas e na atividade dos seus agentes, devem ser da competência da Assembleia da República.

Que não já outras  de menor importância  como, p.ex.  as que se reportam apenas a questões minudentes ou meramente de pormenor, de jaez não substantivo, mas antes instrumental ou processual formal e, inclusive, apenas vigentes para um curto lapso temporal.

É exatamente esta  índole que a situação em causa encerra.

Acresce que esta intervenção, de urgência, do governo, consubstanciou-se não numa eliminação ou restrição de direitos, mas antes numa proteção dos mesmos, pelo que também por esta via não se pode dizer que ao executivo estava vedada intervenção na matéria; antes pelo contrário, se lha exigindo, dada a necessidade de uma atuação imediata para acudir o mais atempadamente possível a tal proteção, o que poderia não se compadecer com uma maior delonga eventualmente decorrente do entendimento de que tal matéria era da competência da AR.

Pode, assim, concluir-se que  o governo atuou com base em competência legislativa própria prevista no artº 198º nº1 al a) da Constituição, pois que a matéria legislada não se deve ter como reservada à AR.

Ou, ao menos, na competência própria conferida na al. c), a saber: «Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas: Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam.

Na verdade, a admissão da figura do justo impedimento e a suspensão dos prazos para a prática dos atos, dada uma situação real concreta, qual seja o colapso do sistema CITIUS, são apenas o desenvolvimento e a concretização –  ademais, repete-se, apenas temporária – da consagração legal e geral de tais figuras em diplomas vários, vg.  o que aprovou o CPC.

3.2.

No atinente à extemporaneidade.

São os seguintes os preceitos do DL 150/2014 de 13.10 a ter em consideração:

Artº 2º

Constrangimentos ao acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS)

1 - Para todos os efeitos legais, considera-se que, desde o dia 26 de agosto de 2014, inclusive, o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS) apresenta constrangimentos ao acesso e utilização, que muito dificultam ou impossibilitam a prática de qualquer ato no mesmo sistema informático, pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público.
2 - Considera-se que cessam os constrangimentos ao acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS) com a publicitação da declaração do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEJ, I.P.), na qual se ateste a completa operacionalidade do mesmo sistema informático.

Artº 3º

Justo impedimento

1 - Os constrangimentos ao acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS) consideram-se, para todos os efeitos e independentemente de requerimento, alegação ou prova, justo impedimento à prática de atos processuais que devam ser praticados por via eletrónica neste sistema, pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público.

2 - Relativamente aos atos processuais a que se refere o número anterior, nos casos em que a secretaria do tribunal judicial confirme a impossibilidade de acesso ao processo ou a parte dele, quer em suporte eletrónico quer em suporte físico, o justo impedimento estende-se à prática de atos neste último suporte.

Artº 4º

Prática de atos

1 - Nos processos que corram termos nos tribunais judiciais relativamente aos quais não tenha sido publicitada a declaração a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º, os atos que devem ser praticados no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS), devem sê-lo em suporte físico, caso não possam ser praticados eletronicamente.

Artº 5º.

Suspensão de prazos

1 - Os prazos previstos para a prática de qualquer ato previsto no n.º 1 do artigo anterior pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público que se tenham iniciado após o dia 26 de agosto de 2014 inclusive ou, tendo-se iniciado anteriormente, terminem após esta data, consideram-se suspensos a partir do referido dia 26 de agosto de 2014, retomando-se a sua contagem a partir da entrada em vigor do presente diploma.

2 - O disposto no número anterior não prejudica os atos praticados após o dia 26 de agosto de 2014.

Da interpretação concatenada destes preceitos retiram-se as seguintes conclusões.

Esta lei não partiu do princípio que em todos os tribunais existiu a impossibilidade da pratica dos atos por via eletrónica, pois que admite que os constrangimentos apenas dificultem tal prática – artº 2º nº1.

Assim, a prática dos atos por via eletrónica apenas era admissível e constituía justo impedimento se se confirmasse, via secretaria, a impossibilidade da prática por esta via – arº 3º nº2.

Existindo esta impossibilidade, mas existindo a possibilidade de o ato ser praticado em suporte físico, ele devia sê-lo por esta via.

Ou seja, a parte não tinha apenas a faculdade de praticar o ato em termos físicos – vg. pela entrega ou envio pelo correio ou telecópia de articulado ou requerimento – mas antes a obrigação, o dever, de o fazer por estas vias – artº 4º nº1.

E apenas se a secretaria confirmasse a impossibilidade de acesso ao processo físico, de papel, a parte poderia deixar de fazê-lo com base em justo impedimento – artº 3º nº2.

Se tais requisitos não se verificassem, a parte, repete-se, estava vinculada ou onerada, a praticar o ato em suporte físico.

Tal dimana não apenas dos preceitos citados como do próprio preâmbulo do diploma no seguinte passo: «Quanto ao modo estabelecido para a prática de atos enquanto se mantiverem os constrangimentos técnicos ao acesso e utilização do CITIUS, o presente decreto-lei determina a sua realização em suporte físico, caso não possam ser praticados eletronicamente, sem que daí resulte qualquer ónus ou consequência adversa para o seu autor…»

O desiderato desta imposição legal é facilmente intuível: o legislador quis que, desde que o processo físico estivesse acessível, nele fossem praticados os atos pelo modo da entrega física dos papeis, pois que tal beneficia a celeridade da sua tramitação.

Assim sendo, uma conclusão final e relevante para o caso presente – decorrente de uma adequada e sagaz interpretação/exegese eivada dos elementos literal, sistemático, lógico e teleológico da hermenêutica jurídica - se impõe: a suspensão a que alude o artº 5º nº1 apenas se reporta aos casos em que existe total impossibilidade de praticar o ato, e por todos os meios legalmente admissíveis, ou seja, quer eletronicamente, quer em suporte físico ou telecópia.

Se existir impossibilidade eletrónica mas existir a possibilidade de o praticar fisicamente, a parte é obrigada a praticá-lo por esta via, não podendo beneficiar da suspensão, e  arcando com as inerentes consequências se omitir tal prática.

Tanto assim que tal segmento normativo se reporta apenas à suspensão dos atos a praticar por via eletrónica – os únicos referidos no nº 1 do artº 4º para o qual remete –  que por esta via não possam ser praticados.

O que outrossim ressuma e é confirmado pelo estatuído no nº2 do artº 5.

Na verdade, se o ato pude ser praticado em suporte físico, a lei estatui que a sua prática não é prejudicada pelo regime da suspensão, ou seja, a pratica do ato pelo modo físico mantém todos os seus efeitos, não podendo quanto a ele ser invocado, vg., o vício da sua intempestividade; isto porque, se for possível e sua prática, ele deve ser praticado e o prazo a ele atinente não beneficia de qualquer suspensão.

No caso vertente e perante as posições das partes – máxime o silencio dos recorrentes quanto a este óbice levantado pelos recorridos - conclui-se que não está demonstrada a impossibilidade da pratica de interposição do recurso nem por via eletrónica, nem por via física.

Antes se concluindo que, pelo menos, inexistiu impossibilidade da prática do ato de interposição do recurso, pelo modo de entrega em papel, pois que o processo estava materialmente acessível.

Consequentemente, tendo o recurso sido interposto  muito para além do prazo  legal de 40 dias, nos termos expendidos pelos recorridos, ele alcança-se como extemporâneo.

4.

Sumariando.

I - A legislação, pelo governo, via DL 150/2014 de 13.10, da possibilidade de verificação de justo impedimento e da suspensão dos prazos na situação de emergência decorrente das anomalias do CITIUS,  não sofre de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artº 165º nº1 al. p), antes colhendo abrigo no artº 198º nº al. a) ou c) da Constituição.

II - Aquele diploma, em caso de impossibilidade via eletrónica, obriga à pratica do ato em suporte físico, pelo que a suspensão do prazo prevista no seu artº 5º nº1 apenas emerge no caso de impossibilidade da sua prática por qualquer modo, e não podendo a parte dela beneficiar se esta entrega física foi possível e não a efetivou.

5.

Decisão.

Termos em que se decide não admitir, por extemporâneo, o recurso.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2015.02.24.

Carlos Moreira ( Relator )